Maria Cristina Volpi, \"O livro do Boucher que você não pode deixar de ler\",In: Camila Perlingeiro. (Org.). 46 livros de moda que você não pode deixar de ler. Rio de Janeiro: Memória Visual, 2007.

September 3, 2017 | Autor: M. Volpi | Categoria: Fashion History
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O livro do Boucher que você não pode deixar de ler Maria Cristina Volpi Nacif

BOUCHER, François. Histoire du costume: en occident de l 'antiquité a nos jours. Paris: Flammarion, 1983.

O livro de moda que influenciou minha vida foi a Histoire du costume: en occident de l 'antiquité a nos jours do historiador francês François Boucher (1875 – 1966). A primeira vez que vi o livro foi durante uma das aulas de indumentária da Escola de Belas Artes da UFRJ. Naquela época não havia publicações de livros em português sobre moda ou vestuário. Para saber alguma coisa sobre esse assunto era preciso procurar livros estrangeiros nas bibliotecas. Ou pesquisar na Biblioteca Nacional na seção de iconografia para conhecer formas de trajes usados no Brasil. A gente aproveitava também as viagens internacionais para comprar ou encomendar livro porque não havia a facilidade de comprar pela internet. O meu exemplar foi comprado quando minha prima fez uma viagem à França. Fiz uma lista das minhas preferências e ela me escreveu dizendo que tinha encontrado dois livros: um sobre vestuário e outro sobre astrologia. Minha escolha selou a direção da minha vida profissional e desde então não deixei mais de estudar o vestuário e a moda. O livro do Boucher se insere numa tradição dos estudos históricos sobre o vestuário que nasceram da prática museológica e arquivística. Sendo um ramo menor da história da arte, as primeiras publicações sobre vestuário, que datam dos séculos XVII e XVIII, tinham como fonte principal obras de arte (pinturas, esculturas, gravuras, medalhas e também peças de vestuário e acessórios). Aí as roupas eram vistas sem relação com a função social e com as conjunturas econômicas. Estes livros podiam ser agrupados em função de três finalidades principais: compilações sobre a diversidade da indumentária, estudos sobre os estilos de vestir antigos e contemporâneos (utilizados pela tradição acadêmica da pintura histórica) e estudos sobre os trajes folclóricos e regionais. Estas obras se beneficiaram do desenvolvimento das técnicas de impressão de gravuras e estavam fundamentadas na compilação de imagens. Sendo assim, o estudo do vestuário parece ter estado sempre associado ao repertório das fontes iconográficas. No século XIX a história do vestuário foi beneficiada com a perspectiva do estudo dos costumes (moeurs) relacionando hábitos, vestuário e modo de viver. A partir dessa abordagem surgiram novas publicações na segunda metade do século XIX e início do século XX. No entanto, alguns aspectos definiam os limites de tais estudos históricos: a valorização dos trajes aristocráticos em detrimento do vestuário usado por outras camadas sociais, o destaque dos fatos de moda divulgados pela imprensa e pela gravura sem nenhum questionamento sobre como tais assuntos eram percebidos pelos leitores, o foco na história da forma do traje e do ornamento, sem tentar compreender quais fatores levava às várias mudanças.

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Já na primeira metade do séc. XX, os livros sobre história do vestuário parecem não ter tirado partido de novos enfoques teóricos que ampliaram o campo do documento histórico. Isto talvez se explique pela segmentação das disciplinas, exclusiva utilização de fontes escritas e a falta de instrumentos adequados de análise. François Boucher faz parte de uma geração de historiadores e museólogos que contribuiu para o conhecimento do traje, demonstrando que a pesquisa feita a partir dos textos e da iconografia não era suficiente para saber sobre as formas vestimentares. Seu trabalho representou um avanço para a história do vestuário, já que propõe o estudo do traje a partir dele mesmo utilizando sempre que possível peças de vestuário existentes nos museus. Examina cuidadosamente o emprego dos nomes das formas de vestuário e acessórios, incluindo no final do livro um glossário bastante completo e também procura relacionar os usos dos trajes a algumas questões sócio - econômicas. Boucher também discute a relação do aparecimento da moda no Ocidente com as mudanças na forma do vestuário masculino, questão que ele mesmo havia pesquisado alguns anos antes da primeira edição do livro em 1965. A “Histoire du

costume: en occident de l 'antiquité a nos jours” é uma das mais completas realizadas até hoje, pois apresenta as formas de vestir desde a pré-história até nossos dias, com muitas ilustrações coloridas de pinturas, esculturas, gravuras e também de peças de vestuário e acessórios, sendo posteriormente aumentada por Yvonne Deslandres (1983) e Sydney H. Aufrère (1996). Inicialmente, a visão panorâmica e as lindas ilustrações coloridas me despertaram o interesse pelos trajes e seu uso. Com mais atenção vi que o cuidado com as fontes e utilização de referências a outros pesquisadores eram já um primeiro passo para a investigação. Mais adiante, percebi as lacunas e o desafio do que seria a pesquisa histórica do vestuário no Brasil.

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