Maria Cristina Volpi, \"Rio, cenário da moda\", In: Solange Wajman; Adilson José de Almeida. (Org.). Moda, Comunicação e Cultura; um olhar acadêmico. 1a ed. São Paulo: Arte e Ciência, 2002.

September 3, 2017 | Autor: M. Volpi | Categoria: Fashion History
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Rio, cenário da moda[1]








maria cristina volpi nacif




Departamento de Artes & Design – PUC-Rio

Rua Marquês de São Vicente, 225

22453 – 900 - Gávea – Rio de Janeiro – RJ

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Endereço residencial:

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24360-010 – São Francisco - Niterói – RJ

Tel.: (+21 610 2550)

E-mail: [email protected]



Resumo: Esse trabalho aborda o estudo histórico das formas vestimentares e
da moda no vestuário a partir de sua relação com os espaços da cidade. No
período em que se verificou a expansão imobiliária da cidade do Rio de
Janeiro – entre as décadas de 20 e 50 – ao mesmo tempo em que se deu a
formação de um gosto e práticas sociais de caráter burguês, o vestuário
contribuiu para assinalar uma modernidade expressa sobretudo na
configuração urbana. O valor simbólico dos diversos espaços urbanos, como o
centro da cidade associado ao trabalho e ao consumo de luxo, a praia, no
verão ou o circuito de locais de lazer prestigiosos, como o Jockey Club,
reflete-se nas escolhas vestimentares adequadas a cada espaço urbano.

Palavras-chave: formas vestimentares, cidade, história da moda no Rio de
Janeiro.





Introdução


A arquitetura e o traçado das ruas compõem a cidade, do mesmo modo que as
praias, os bosques, o entorno da cidade e os sítios de lazer criados pelo
homem são espaço urbano. Os objetos - entre eles o vestuário e suas
variações -, os ambientes das casas particulares, o interior das igrejas ou
dos teatros e a decoração das casas completam a imagem desse espaço e
"representam seu papel na dimensão cênica da cidade"[2].

Ao longo da história da moda, a cidade configura-se como um cenário e uma
moldura para as ações e situações ilustradas pelos vários trajes usados.
Wilson (1989) nos explica que

"Na Paris do século dezenove, o passeio pachorrento, nas
Tulherias ou no Bosque de Bolonha, era um ponto alto da vida
metropolitana, e as últimas modas eram uma parte
absolutamente fundamental desse passeio."[3]

O nascimento da alta-costura teve como cenário a Paris do segundo império
(1854-1870). A consolidação da influência da moda parisiense, durante a
Belle-Époque (1890-1914), se pautou nos acontecimentos mundanos daquele
período, em estreita relação com os locais da cidade. A imagem projetada da
moda parisense daquela época evidenciava a relação moda/cidade: os
passeios, a vida mundana, os teatros e cafés e o próprio progresso -
representado pelos carros e outros objetos - serviam de pano de fundo para
a moda[4].

Durante o século XIX e início do século XX no Brasil, as camadas dominantes
nacionais, responsáveis pela reprodução dos códigos de comportamento –
especialmente cafeicultores do Vale do Paraíba durante o Segundo Reinado e
cafeicultores do oeste de São Paulo no início da República - tinham acesso
aos produtos importados através do comércio e de viagens à Europa.

As viagens tornaram-se mais freqüentes com os progressos do transporte
marítimo, contribuindo também para incrementar o comércio de artigos de
luxo. Depois da 1ª Guerra Mundial, esse fluxo se intensificou se
estendendo, pela primeira vez, à uma parcela das camadas médias composta
por turistas e estudantes.[5]

A busca incessante por modelos acontecia em toda parte, como decorrência da
intensificação da influência européia no contexto da Revolução Científico-
Tecnológica[6]. No Brasil, o impacto das reformas urbanas e a introdução de
artefatos – como o cinema, o automóvel e novas tecnologias (a eletricidade,
o concreto armado), ou ainda o consumo de vestuário derivado dos padrões
vestimentares europeus - se deram com enorme rapidez e violência[7].

O cenário ou uma geografia da moda


O Rio de Janeiro, Capital Federal durante muito tempo e a mais populosa
cidade brasileira até os anos 50, foi um modelo urbano e a principal
disseminadora de costumes[8].

Moldado à imagem do "mundo civilizado" pelas reformas realizadas entre 1906
e 1945[9] e eliminados os testemunhos coloniais, o Rio de Janeiro foi
subitamente transformado em metrópole burguesa. Símbolo máximo dessas
mudanças tão radicais quanto rápidas foi a construção da Avenida Central,
endereço certo dos locais mais prestigiosos.

O comércio de luxo da Capital servia para abastecer uma camada dominante
bastante restrita. Comprava-se nas luxuosas lojas do centro do Rio, na área
limitada pelas ruas Uruguaiana, São José, do Rosário e dos Ourives. Depois
das reformas urbanas do início do século, várias dessas lojas transferiram-
se para a Avenida Central.

Quando desejavam adquirir um traje de melhor qualidade, pessoas que
pertenciam às camadas médias cariocas podiam aproveitar as liquidações
eventualmente organizadas por essas lojas, e que eram anunciadas nas
revistas ilustradas. O centro da cidade propiciava à elite dominante os
espaços representativos do poder, conjugando trabalho e lazer. A construção
do Teatro Municipal, da Avenida Beira Mar e posteriormente da Cinelândia
nos primeiros vinte anos do século representaram novas opções de
divertimento e novos espaços de ostentação.

A modernidade, inaugurada às pressas e por decreto, introduziu também o
hábito inovador de andar sozinho e às pressas. Para Sevcenko (1998), 'andar
à americana' ou praticar o 'passo inglês' "era a atitude de total
desprendimento por tudo e por todos que estão ao redor" [10].

O período Passos (1902-1906) inaugurou inúmeras transformações que
introduziram na cidade uma fisionomia totalmente nova. Além das importantes
reformas do centro da cidade, os bairros de Copacabana e Ipanema, ainda
pouco habitados, foram saneados. Muitas ruas de Copacabana, Leme, São
Cristóvão e Engenho Novo foram calçadas; a abertura do túnel do Leme e da
avenida Atlântica integraram definitivamente Copacabana ao espaço urbano
carioca[11].

João do Rio, cronista carioca que imortalizou a cidade nos primeiros anos
do século através de crônicas publicadas em jornais, conferiu à rua uma
alma, e acreditava que as cidades - e as ruas que as compõem - moldavam o
íntimo de seus habitantes. Os diversos tipos urbanos seriam representados
através de gestos, linguagem e trajes:

" Nas grandes cidades a rua passa a criar o
seu tipo, a plasmar o moral dos seus habitantes, a inocular-
lhes misteriosamente gostos, costumes, hábitos, modos,
opiniões políticas. (...)

A rua fatalmente cria o seu tipo urbano
como a estrada criou o tipo social. Todos nós conhecemos o
tipo do rapaz do largo do Machado: cabelo à americana,
roupas amplas à inglesa, lencinho minúsculo no punho largo,
bengala de volta, pretensões às línguas estrangeiras, calças
dobradas como Eduardo VII e toda a snobopolis do universo.
Esse mesmo rapaz, dadas idênticas posições, é no largo do
Estácio inteiramente diverso. As botas são de bico fino, os
fatos em geral justos, o lenço no bolso de dentro do casaco,
o cabelo à meia cabeleira com muito óleo. Se formos ao largo
do Depósito, esse mesmo rapaz usará lenço de seda preta,
forro na gola do paletô, casaquinho curto e calças
obedecendo ao molde corrente na navegação aérea - calças a
balão.

Esses três rapazes da mesma idade, filhos da
mesma gente honrada, às vezes até parentes, não há escolas,
não há contactos passageiros, não há academias que lhes
transformem o gosto por certa cor de gravatas, a maneira de
comer, as expressões, as idéias - porque cada rua tem um
stock especial de expressões, de idéias e de gostos.(...)

Oh! Sim, a rua faz o indivíduo, nós bem o
sentimos."[12]

As diferenças visuais e de comportamento dos tipos urbanos, tão bem
assinaladas pelo escritor em seus passeios pelo Rio de Janeiro nos
primeiros anos do século, revelaram uma codificação distinta e distintiva
do homem e da cidade.

Nos anos posteriores à primeira guerra mundial, a influência da cultura
norte-americana se refletiu no modismo do jazz e na expansão da indústria
cinematográfica daquele país. Paris era o palco dos espetáculos
protagonizados pelos músicos negros norte-americanos. Os cabelos curtos das
mulheres nos anos 20 eram copiados no corte de cabelo da atriz norte-
americana Louise Brooks[13], e a jeunesse dorée devia sua cor à moda que
Josephine Baker inspirava:

"Não ha mulher elegante, não ha parisiense que se prese, não
ha americana chic que não queira ser morena, morena de
verdade, morena de oliva, como Josephine Baker. Ser morena,
embora queimada, é estar no rigor da moda, no rigor da
belleza, no rigor da mocidade."[14]

Nessa época, a prática esportiva deu um grande salto qualitativo e
quantitativo, modelando os corpos e evidenciando a prática 'metódica,
custosa e de longa duração' aplicada no desenvolvimento da aparência de um
corpo saudável[15].

Como conseqüência, a moda torna-se esportiva e leve, expondo áreas do corpo
até então cobertas pelas roupas.











Foto n°1: Propaganda de roupa de banho de mar. Moda e Bordado, 1932. Os
trajes de banho de mar desenvolveram-se dos trajes de baixo. Na década de
30 já tinham alcançado uma forma própria, feitos de malha de lã ou tecido.
Eram usados com sapatos de tecido com sola de corda ou borracha.



No Rio, a partir dos anos 20, o alargamento das vias e outras obras de
infra-estrutura na zona sul contribuíram para a valorização da região como
área nobre da cidade[16]. Nessa época um elemento novo na transformação da
aparência da cidade surge: a proliferação de prédios residenciais com mais
de seis andares[17]. Copacabana, amplamente beneficiada por reformas e
legislações que regulamentam as construções, passou a representar a síntese
do Rio moderno, com a praia, seus hotéis - entre eles, o Copacabana Palace
- seus bares e restaurantes.





Foto n°2: O verão em Copacabana. O Cruzeiro, 20/1/1934. A praia de
Copacabana, com a avenida como pano de fundo, era o cenário adequado para a
exibição dos corpos vestidos em trajes de banho. A exposição ao sol
conferia o tom de pele morena em moda desde a década de 20, quando se torna
comum a prática esportiva.

Ao longo dos anos 30, a estética em preto & branco das imagens de moda nas
revistas, enviadas pelas agências de divulgação do cinema de Hollywood,
invadiu o espaço antes apenas povoado pela alta-costura parisiense e pelo
corte sartorial usado por homens das camadas dominantes européias.





Foto n°3: Moda e Bordado. 1933. As atrizes do cinema norte-americano,
muitas das quais oriundas do teatro de revistas, divulgavam
desembaraçadamente trajes de baixo e trajes de banho, contribuindo para uma
flexibilização nos hábitos vestimentares.

No Rio de Janeiro, as praias, locais de lazer público, antes regulamentadas
por um código de aparências que definia uma hierarquia social, passaram a
ser eminentemente populares a partir dos anos 30[18].

É a partir dos anos 30 também que o rádio se tornou o principal meio de
comunicação, entretendo as famílias, elegendo seus ídolos e aproximando as
classes sociais. No entanto, ao lado dos espaços democráticos da praia no
verão, do carnaval e do rádio, a classe dominante continuava a escolher
seus lugares da moda e a compor entre seus iguais uma imagem de
modernidade, nos cassinos, restaurantes e clubes.



Foto n°4: Exposição canina no Kennel Club, na Praia Vermelha. O Cruzeiro.
1/11/1930. O traje de passeio formal, adequado a convivência social de
pessoas das camadas sociais mais altas, era composto, no início da década
de 30 pelo uso de chapéu, meias de seda e sapatos de salto. A forma dos
trajes seguia a moda francesa da mesma época.





Foto n°5: Capa. Moda e Bordado, julho, 1932. Os trajes de gala,
representados pelo uso de vestidos longos, abrigos de pele, cabeça
descoberta e jóias, no caso das mulheres, cartola e traje de gala (casaca
ou smoking) por parte dos homens, estavam associados a locais prestigiosos,
representados pelos detalhes arquitetônicos e pelo porteiro adequadamente
trajado.



Nos anos da guerra, a influência do cinema norte-americano somada ao
eclipse provisório de Paris como líder da moda durante a ocupação alemã foi
a principal responsável pelo deslocamento do foco da moda de Paris para
Nova York. Durante a 2ª Guerra Mundial, a moda passou a ter como cenário
esta cidade norte-americana[19]

Nessa mesma época, desenvolve-se um traje masculino mais funcional, com
peças elaboradas racionalmente. Esse conceito de vestuário é uma
conseqüência das pesquisas formais dos uniformes militares, e no pós-guerra
será incorporado aos trajes esportivos e civis[20].

O cinema norte-americano tem uma influência significativa na moda durante
os anos 30-40[21]. Isso se deve ao sistema de publicidade dos estúdios
cinematográficos, que utilizava a divulgação, através das revistas, antes
do lançamento do filme, de fotos da(s) atriz(es) principal(is) usando
alguns modelos que apareceriam no filme. Esses modelos geralmente poderiam
ser encontrados em alguns dos grandes magazins nova-iorquinos: "As modas
passaram a ser uma parte de uma relação monumental entre o cinema e a alta
finança"[22]

No entanto as criações dos figurinistas americanos associados aos grandes
magazins não são desvinculadas da alta-costura parisiense:

"Adrian desenhou muitos fatos para Crawford,
nos quais os ombros largos tinham a intenção de equilibrar a
sua silhueta, e esta estrela tem o crédito da grande
popularidade deste estilo de moda. No entanto, Schiaparelli
em Paris estava a começar a adoptar este estilo, nessa mesma
época"[23].

Durante a 2ª Guerra Mundial, quando Paris, ocupada pelos alemães deixa de
fornecer as novas tendências da moda, os fabricantes norte-americanos ficam
sem referência para seguir. O esforço de guerra levou a indústria de
confecção a restringir as variações freqüentes da moda, além de programar
os modelos de modo a economizar tecidos e aviamentos[24], o que contribuiu
para a moda manter uma forma mais constante durante os anos 40.

Paralelamente, uma nova ordem, ou novas modas, já despontavam e passarão a
ser absorvidas, depois dos anos 60, pelo sistema de produção industrial de
trajes elaborados (prêt-à-porter), e, em alguns casos pela alta-costura
parisiense[25]. Essas modas estarão progressivamente desvinculadas da
imposição autoritária da alta-costura parisiense e das formas de vestir
tradicionalmente associadas à classe dominante - nesse caso composta pela
burguesia urbana[26] - e sobretudo, se desenvolverão a partir de mudanças
nas formas vestimentares masculinas. Sendo assim, é em novembro de 1947 que
Cocteau assinala na imprensa que o esnobismo está morto[27].

"O esnobismo tinha sido, como efeito, uma
espécie de operador de contato entre 'elite' social e
'elite' intelectual. Os anos 50 consagram a oposição entre
as duas. O efeito sobre a moda não será pequeno: passa a
haver uma moda social e uma moda diferente, intelectual, uma
moda Saint-Germain-des-Près que não será mais aquela das
'damas' do Faubourg, que não será mais uma moda simplesmente
'boêmia', marginal, mas uma outra moda, paralela, dando as
premissas de uma moda 'jovem'."

No final dos anos 40, o Rio de Janeiro já tinha alcançado sua forma
definitiva, elaborada nos anos precedentes. Nessa época houve uma
verdadeira febre imobiliária, exemplificada pelo intenso processo de
verticalização de Copacabana[28]. Nos espaços da cidade junto ao mar
estavam os bairros residenciais, com opções de lazer na praia, bares e
restaurantes. O centro, tradicional espaço de trabalho, abrigava o comércio
mais importante, além de teatros e cinemas; era também o centro político da
cidade, o principal cenário para a ostentação.



Foto n 6: Para os dias de chuva. O Cruzeiro. 26/4/1941. O centro da cidade
era o cenário ideal para os trajes de passeio formais de inverno. Nessa
ilustração, onde se vê representado o obelisco na Cinelândia, os trajes
relacionam-se com o ambiente urbano.



Do mesmo modo que os modelos importados de Paris e Nova York, a geografia
da cidade determinou os espaços de acordo com uma hierarquia e uma
aparência. Cafés, bares e restaurantes eram pontos de encontro de todos
aqueles que queriam ver e ser vistos.

A geografia da moda elegeu os locais de lazer junto ao mar. Através das
colunas de moda das revistas ilustradas era revelado o modelo estrangeiro
predominantemente francês, ao mesmo tempo que se evidenciava a articulação
existente entre moda, alta-sociedade e cidade.











Foto n°7: Esporte e elegância no Jockey Club. O Cruzeiro. As corridas eram
um pretexto para a convivência social e sobretudo a exibição de trajes na
última moda.





Foto n°8: O Cruzeiro, novembro, 1949. A adequação do tecido ao clima: o
linho irlandês, considerado da melhor qualidade, é conveniente ao clima
tropical.



Os encontros sociais desenrolavam-se nos ambientes privados das residências
familiares, nos ambientes públicos internos - teatros, restaurantes, clubes
ou cafés - ou externos - parques, jardins, praias -, nos círculos oficiais
da administração pública ou ainda além da cidade, em outras cidades, em
outros países.

A visão de mundo elaborada ao longo dos anos 40 e 50 levou a um
questionamento das normas vestimentares anteriormente impostas, ao mesmo
tempo que favoreceu a valorização de uma marca pessoal. As novas modas
propostas pelas camadas médias urbanas, feitas sobretudo para jovens,
seguiram as opções de rebeldia ou discrição.

Como conseqüência das guerras mundiais, o existencialismo se tornou moda
entre os jovens, levando a um questionamento dos valores impostos e,
sobretudo, a um comportamento marcado pela insatisfação. Um dos modos de
demonstrar suas posições ideológicas[29] era através do comportamento e,
por conseguinte, da escolha da roupa: jovens vestidos displicentemente, com
casaco de couro preto, ouviam jazz nas caves parisienses e nos bares no
Arpoador, como o bar Mau Cheiro. Esses jovens, chamados de "rebeldes sem
causa" vinham do Lido, da Gávea, da Tijuca e da Penha em lambretas, com
blusões de couro, jeans, camisas coloridas e suas "gatas" na garupa. Outros
padrões de comportamento eram representados pelos adeptos de novos estilos
musicais como o rock'n roll e por astros de cinema em fitas como aquelas
estreladas por Marlon Brando e James Dean. Copacabana revivia cenas
protagonizadas pela geração do pós-guerra, cujo modelo era importado de
Saint-Germain-des-Près e Greenwich Village[30]. Esses modelos eram
veiculados pela mídia: revistas, jornais e filmes, importados juntamente
com personagens que passavam pelo Rio, tal como Juliette Gréco,"musa" do
existencialismo, que aqui esteve em 51, ou pelos gêneros musicais ouvidos
nas rádios nacionais.

Por outro lado, a expansão das indústrias têxteis nacionais leva algumas
fábricas, como a Fábrica Bangu, a promover os fios de algodão aqui
produzidos através de uma política de valorização da criação de estilo no
âmbito nacional, com a realização de eventos tais como desfiles de moda no
Copacabana Palace.

"A carioca breve começará a encommendar
tambem os seus vestidos de estio. Ahi, fica, portanto, a
suggestão para as encomendas. Paris sempre dictou a moda.
Paris, comprehendendo que a crise não deverá perturbar a
elegancia, entendeu, com uma intelligencia subtil, que o
luxo dos tecidos não se apropriava a uma phase e que se
operam milagres para manter a aparencia. E substituiu, para
todas as horas e differentes cerimonias na estação calmosa,
o crepe de seda pelo voile de algodão (...)"[31]

Conclusão

O cinema permaneceu o programa favorito durante esses anos. Sua influência,
através da exibição maciça de filmes norte-americanos, moldou hábitos e
costumes, forjou padrões de comportamento e influenciou a moda no
vestuário.

Copacabana, síntese do Rio moderno dos anos 50, tinha sua própria feição,
sua própria gíria, e um jeito particular de vestir: "as moças andam por
toda a parte de short ou de calças, sem meias e sem cerimônia; os rapazes
aboliram o chapéu, o paletó, a gravata, a boa educação e o resto..."[32]

No final dos anos 50, um novo gênero musical se impõe como um verdadeiro
manifesto em favor da música brasileira: a bossa-nova. Ritmo surgido nos
apartamentos da classe média carioca, a bossa-nova representou a perfeita
assimilação das novas correntes culturais: o jazz, a fossa, a ruptura com
os valores das antigas gerações.[33] Não só no âmbito dos estilos musicais,
mas de um modo muito abrangente as transformações ideológicas do pós-guerra
favoreceram o aparecimento de novas abordagens estéticas, incluindo aí
novas formas de representação vestimentar. Forjava-se assim a cultura
popular brasileira, representando os gostos de uma importante parcela da
população, as camadas médias urbanas.

Bibliografia


Cinearte, Rio de Janeiro: 1929 - 1942.

Moda e Bordado; figurino mensal, Rio de Janeiro: Propriedade da S.A. O
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WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos: moda e modernidade. Lisboa: Ed. 70,
1989.







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[1] Esse trabalho é uma adaptação de parte do capitulo V de minha tese de
doutorado Estilo urbano; um estudo das formas vestimentares das camadas
médias urbanas, no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX.. Tese
de doutorado. Niterói. ICHF, Universidade Federal Fluminense, 2000.

[2]ARGAN, G.C. História da Arte como história da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1992. p. 43
[3]WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos; moda e modernidade. Lisboa: Ed.
70, 1989. p. 181
[4]DELBOURG-DELPHIS.Marylène. Le chic et le look.. Paris: Hachette, 1981.
p.22
[5] DURAND, J. C. Arte, Privilégio e Distinção. São Paulo: Perspectiva/
Edusp, s. d. Coleção Estudos n°108. pp 75-76
[6] SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante, técnica, ritmos e ritos do
Rio. IN: NOVAES, Fernando A . coord. História da Vida Privava noBrasil, v.
3. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. Segundo esse autor, o momento seguinte
da expansão da economia industrial, ocorrido de meados do século XIX até
1870, quando atingiu sua plena configuração. Essa fase da Revolução
Industrial, também chamada de Revolução Científica Tecnológica, representou
um enorme salto, tanto qualitativo quanto quantitativo, resultando da
aplicação das mais recentes descobertas científicas aos processos
produtivos, possibilitando o desenvolvimento de potenciais energéticos,
além de desenvolvimentos nas áreas da microbiologia, bacteriologia e
bioquímica. pp. 8-9.
[7] Ibidem.
[8]ABREU, Maurício de A. Evolução urbana no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
IPLANRIO/Zahar, 1987. p.16
[9] ABREU, Maurício de A. op. cit. pp. 72-73.
[10] SEVCENKO, Nicolau. op. cit. p. 551.
[11] BRANDÃO, Ana Maria de Paiva Macedo. Capítulo 6: As alterações
climáticas na área metropolitana do Rio de Janeiro: uma provável influência
do crescimento urbano. IN: ABREU, Maurício de Almeida. org. Natureza e
Sociedade no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de
Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentação e
Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992. pp.15-17.
[12] Extraído de João do Rio, A Rua, publicada na Gazeta de Notícias do
Rio de Janeiro em 29/10/1905, IN.: RIO, João do. A alma encantadora das
ruas. Org. Raúl Antelo. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. Col. Retratos do
Brasil. pp. 66 - 68.
[13]DELBOUG-DELPHIS, M. op.cit. p. 114
[14]Moda e Bordado,setembro de 1932, n° 87, pp. .6 -7.
[15] SEVCENKO, N. op. cit. p 561.
[16] ABREU, M. op. cit. pp. 86-87.
[17] BRANDÃO. A M P M. op. cit. p. 152.
[18] ANDRADE, A M M de S. Sob o signo da imagem: a produção da fotografia e
o controle dos códigos de representação social da classe dominante, no Rio
de Janeiro, na primeira metade do século XX. Tese de Doutorado. Niterói,.
ICHF, Universidade Federal Fluminense, 1990. op. cit p. 73.
[19] WILSON, E. op. cit. pp.187-188
[20] ROSELLE, B. op. cit. p. 213.
[21] Ver, por exemplo, o Capítulo II de NACIF, Maria Cristina Volpi. Obra
consumada; uma abordagem estética da moda feminina no Rio de Janeiro, entre
1932 e 1947. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ/CLA/EBA, 1993.
[22] WILSON, E. op. cit. p. 229
[23] WILSON, E. op.cit. p. 229
[24] KIDWELL, Cláudia B. et. ali. Man and Women; dressing the part.
Washington: Smithsonian Inst. Press, 1989. p. 138
[25] No final do século XIX e na primeira metade do século XX,
desenvolveram-se dois sistemas de produção de trajes, de grande influência
na difusão da moda: a alta-costura, artesanato de luxo destinado a mulheres
de elite da classe dominante e posteriormente, o prêt-à-porter, produção
industrial de trajes elaborados, consumidos pelas classes médias urbanas na
Europa e nos E.U.A.
[26] Nos remetemos ao postulado no qual a "classe dominante (...) numa
sociedade dada, possui o controle principal da codificação, emissão e
circulação das mensagens." apresentado por CARDOSO, Ciro Flamarion. Ensaios
racionalistas. Rio de Janeiro: Campus, 1988. p. 83 a partir de VERÓN,
Eliseo. A produção de sentido. São Paulo: Cultrix/ Edusp, 1980.
[27] DELBURG-DELPHIS, Marylène. Le chic et le look. Paris: Hachette, 1981.
pp. 194- 195.
[28] BRANDÃO. A M op. cit. p.155.
[29] As posições ideológicas de um grupo social são tomadas a partir da
concepção de Eliseo Verón, para quem "não existe um nível ideológico
separado dos outros níveis da sociedade, a Ideologia corta o todo social
verticalmente", sendo identificada como "produção social de sentido".IN:
ANDRADE, A. M. S. Sob o signo da imagem. op. cit. pp. 9 - 10.
[30] NOSSO Século. V. 8 São Paulo: Ed. Nova Cultural/ Círculo do Livro,
1980, 1985. pp. 105-114.
[31] Moda e Bordado, setembro de 1932
[32] NOSSO Século. op. cit. p. 32.
[33] NOSSO Século. op. cit. p. 112.


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