Martin Bernal, Richard Hingley e Laurent Olivier: Uma análise de suas contribuições para as novas concepções em História Antiga

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Martin Bernal, Richard Hingley e Laurent Olivier: Uma análise de suas contribuições para as novas concepções em História Antiga. Tiago Souza de Jesus1 [email protected]

1. Introdução Com o descobrimento do Novo Mundo as novas descobertas feitas nos séculos XVIII e XIX, no âmbito da antropologia, da arqueologia e da história, o ensino de História Antiga ganhou contribuições que mudaram de fato a história do continente europeu. Houve discussões e mudanças nas interpretações acerca das origens do povo europeu, visões a respeito da Grécia Antiga e a história da Europa, mais precisamente a história

de

dois

países,

séculos

colocando em

Inglaterra

pauta

e

assuntos

França,

que

como: suas

estiveram

nos

últimos

origens, discursos

que

legitimam o imperialismo, o conceito de civilização, Romanização e racismo. O presente trabalho pretende, a partir de três obras (que são inéditas no país), expor, analisar e discutir as contribuições destes eruditos para a escrita da História Antiga.

Palavras-chave: Imperialismo, Arqueologia Francesa, Antiguidade, Grécia.

2. Dois modelos antigos: Um debate historiográfico. Um bom texto, já diziam meus professores na faculdade, deve conter um bom título. É com esta afirmação que inicio minha análise acerca dos discursos que permeiam a Europa nos últimos séculos. Para iniciarmos este debate historiográfico, primeiramente devo apresentar-lhes as características, de forma mais superficial, que estes dois modelos tem. O Modelo Antigo

1

Graduando em História pela Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo. Bolsista na CAPES e na UNIFESP. Membro do GPA – Grupo de Estudos sobre a Antiguidade Clássica e suas Conexões Afro-asiáticas

tem como característica a ideia de que a Grécia, dita primeira verdadeira “Civilização”, teve influências do Egito por parte da religião e influências da Fenícia por parte da cultura. O segundo modelo é chamado de Modelo Ariano, que se baseia na ideia de que a Grécia obteve influências culturais externas, de um povo de origem setentrional, do norte europeu, assim, opondo-se ao Modelo Antigo, que, como dito agora pouco, baseia-se na ideia de que a Grécia obteve influências dos povos do Oriente. O texto que aqui será abordado é A imagem da Grécia Antiga como uma ferramenta para o colonialismo e para a hegemonia europeia, que foi retirado de um esforço nobre feito por historiadores brasileiros do Mundo Clássico, com apoio do autor 2, para que este artigo fosse traduzido para o português e publicado na revista Textos Didáticos da Unicamp em conjunto com outro artigo também inédito de Laurent Olivier. Por hora, o que nos interessa neste momento é o artigo de Martin Bernal que estará no centro das discussões. O texto de Laurent Olivier que também nos é relevante e será apresentado e discutido em seguida. A forma tal como foi utilizada a imagem da Grécia antiga para reafirmar o colonialismo e o imperialismo que foi realizado pelas nações européias nos útimos séculos. Ao longo do tempo, passou-se por um processo de reclusa e aceitação por parte do Modelo Antigo, devido ao fato de a Europa ― no centro do mundo ― ter um grande poder de persuadir outras grandes potências ditas “inferiores” aos europeus. A negação do modelo antigo se deu pelo fato de os intelectuais do século XIX terem propósitos de colocar a Europa setentrional como civilizadora da primeira e verdadeira Civilização, a Grécia. O Modelo Antigo estava, a partir daí, ameaçado. Com o “renascimento religioso”, surge o argumento de que os maçons exerceram grandes influências na Revolução Francesa, sendo que os estes eram anticristãos: “No final das contas, entretanto, o Modelo Antigo foi destruído não por causa de qualquer ameaça que ele colocava ao cristianismo, mas por causa da predominância, no século XIX, do Romantismo, do Racismo e do conceito de progresso.”3

2

Martin Bernal se dispôs a escrever a síntese de sua obra Black Athena. Esta síntese foi solicitada por um grupo de professores da Unicamp, que cuidaram de traduzi-la com autorização do autor. 3 Bernal, Martin. A imagem da Grécia Antiga como uma ferramenta para o colonialismo e para a hegemonia europeia. Tradução de Fábio Adriano Hering. In: Funari, P. P. A. (Org.). Repensando o Mundo Antigo. Campinas, IFCH-UNICAMP, 2002. Coleção Textos Didáticos número 49, p. 13-14.

O século XIX foi o século da negação ao Modelo Antigo. Com a Europa racista e com seus românticos, instituíram novos valores que fugiam ao escopo dos valores Gregos herdados dos fenícios e egípcios. Os românticos diziam que era possível encontrar a virtude nas pequenas cidades, e que a virtude habitava “meio-ambientes favoráveis ou estimulantes, particularmente as montanhosas e geladas regiões do Norte, como a Escócia e a Suíça”. 4 A partir daí, era possível dizer e acreditar que a Grécia não poderia ter sofrido influências de regiões ditas decadentes, pois, virtuosos como os gregos são, só poderiam ter sofrido influencias culturais e religiosas de uma Europa setentrional. Esta forma de negar uma cultura por não compartilhar dos mesmos valores que os europeus instituem como universais, ainda hoje continua sendo uma prática totalmente eficaz, pois, o que estes mesmos faziam no século XIX, continuaram a fazer nos séculos posteriores: A construção da identidade – pois a identidade do Oriente ou do Ocidente, da França ou da Grã-Bretanha, embora obviamente um repositor de experiências coletivas distintas, é finalmente uma construção – implica estabelecer opostos e “outros”, cuja realidade está sempre sujeita a uma contínua interpretação e reinterpretação de suas diferenças em relação a “nós”. Cada era e sociedade recriam seus “Outros”. Longe de ser estática, portanto, a identidade do eu ou do “outro” é um processo histórico, social, intelectual e politico muito elaborado que ocorre como uma luta que envolve indivíduos e instituições em todas as sociedades.5

Desta forma, surge uma resposta para o impasse acerca das origens da Grécia Antiga. O Modelo Ariano Ampliado entra em ação. Este modelo, como havia dito, tende a negar as influências egípcias, mas aceita as influências fenícias, que já caía, grosso modo, nas graças do povo britânico. Os fenícios “compartilhavam uma mesma linguagem, o cananeu, assim como vários costumes de traço não estritamente religioso.”6 Este período coincide com o período de aceitação do povo judeu como europeu, o que ajuda a fortalecer a imagem dos fenícios. Este fato leva a outro, o antissemitismo, que cresce com esta aceitação dos judeus. No século XX guerras e mais guerras ocorrem devido o crescimento do ódio aos semitas. A tão prometida terra deste povo é criada pelas lideranças europeias. Israel 4

Bernal, Martin. A imagem... p.14. Said, Edward W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. Tradução: Rosaura Eichenberg. 2. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 523 p. 441 6 Bernal, op. Cit., p. 18-19. 5

agora pertence aos judeus. O problema é que o local onde esta terra está situada é exatamente onde se situa as terras pertencentes e habitadas pelos árabes. As lideranças europeias tem um novo inimigo, os semitas. Nos últimos anos, os estudiosos europeus tendem a afirmar que o Modelo Ariano Ampliado é o mais provável, argumentando em cima da ideia de que em um dado momento da história houve apenas uma língua indo-europeia que influenciou os gregos antigos. Destarte, devo admitir que este debate historiográfico, tende a ter um fim, com a aceitação geral de um dos modelos, que, nas palavras de Bernal:

[...] o novo esquema possivelmente estará mais próximo do Modelo Antigo que do Ariano: aceitando-se, portanto, que teria havido colonizações egípcias e fenícias, assim como massivas e importantes influências culturais orientais no Egeu.7

A ideia de eixo ocidental, no curso do século XX veio para pôr os europeus no centro do mundo. As lutas contra o comunismo e as forças bárbaras germânicas vieram para criar uma ideia de que o Ocidente precisava derrotar estas forças do mal de origem não-ocidental. A luta contra os asiáticos, os “terroristas fundamentalistas” e o Islã vieram para dar continuidade deste curso do século XX. A questão do outro está visivelmente por trás destas lutas contra os não-ocidentais. Desta forma, no front de batalha imaginária, estão: os sul-americanos, que devem apoiar um dos lados. Obviamente irão apoiar aqueles que são "civilizados", que vendem há mais tempo a ideia de povo superior, àqueles que mostraram ao mundo a "Grécia Ariana": os europeus. A ideia de Grécia Ariana é discutida por Martin Bernal, que afirma ser uma construção criada a partir do discurso de que os gregos são as primeiras civilizações e que haviam sido providas de um povo do norte europeu. Daí, a origem da civilização mundial haveria provido de uma Europa setentrional. Em uma vídeo-aula ministrada por Vladimir Acosta, o estudioso afirma que toda esta ideia de Gregos como primeira Civilização, de superioridade cultural, diversidade de valores como a virtude, são construções do povo europeu 8, para que possam criar um discurso de que são herdeiros 7

Bernal, op. Cit., p. 22 A Europa e a Grécia: do esquecimento à adoração racista. Acosta, Vladimir. 43’08’’. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mpCoj8mcRCs#t=365. Acesso em: novembro de 2013. 8

de todos esses legados, de forma que o racismo, o imperialismo e o genocídio provocado pelo colonialismo são legítimos, na medida em que a “missão civilizadora” é o proposito final. O conceito de Civilização na modernidade é instituído pelos próprios europeus. Ou seja, os valores universais são aqueles no qual os europeus possuem: os avanços tecnológicos, os costumes, e a cultura. O Fardo do Homem Branco 9 expressaria bem a ideia que os civilizadores têm em mente. Uma tarefa árdua de civilizar os não-europeus, algo nobre a ser feito.

Conclusão: O que é apresentado aqui, por Bernal, são as mudanças no curso da história da Europa em querer se firmar como superior a qualquer outra Civilização, baseando-se na ideia de que eles (os europeus) influenciaram em um determinado momento da história a Civilização Grega. Ademais o autor tenta mostrar o discurso de que a Grécia é completamente virtuosa, ou melhor, que a Grécia Antiga foi a primeira e única Civilização, e que o povo europeu emana deste grupo seleto. A ideia de querer tentar acabar com o Modelo Antigo também foi posta em questão aqui, pois, este modelo, como vimos, exclui a ideia de que os europeus influenciaram culturalmente e linguisticamente os gregos antigos. Desta forma, inserindo os egípcios na história da Grécia Antiga. Os europeus, desde os últimos séculos tendem a ter certo preconceito racial e cultual com relação aos povos orientais, daí apresentado os argumentos de Edward Said nesta dissertação, para uma clareza maior deste olhar europeu sobre os egípcios e que fique claro os motivos no qual levou a criarem o Modelo Ariano Ampliado que implica na ideia de que os fenícios influenciaram culturalmente os gregos antigos e os europeus, mais precisamente do norte, os setentrionais influenciaram linguisticamente os gregos. Este discurso ainda permeia o século que estamos e os que ainda estão por vir.

Poema escrito pelo poeta Rudyard Kipling, escrito pela primeira vez em 1899, que trata da “missão civilizadora” dos Estados Unidos nas Filipinas, que provocou um genocídio após um confronto, durante a tomada do poder nesta e em outras colônias espanholas. 9

3. As descobertas que mudaram o curso da História. Trataremos neste tópico das descobertas que influenciaram a história mundial. Essas ideias são mais bem postas e discutidas no texto de Laurent Olivier: As origens da arqueologia francesa, que foi traduzido para o português, pelo professor de História Antiga da Universidade Federal de São Paulo, Glaydson José da Silva. Lauren Olivier é um antropólogo francês, conservador de patrimônio do Departamento das Idades do Ferro do Museu de Antiguidades Nacionais de Saint-Germain-em-Laye e professor conferencista da Universidade de Paris I ― Sorbonne.

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O curso da história, sua escrita e novos discursos acerca de afirmação sobre a cultura europeia sendo justaposta no centro do mundo, nos é posto em debate nos últimos anos. [...] dois grandes eventos desempenham um papel fundamental na constituição das noções modernas, definindo as relações da coletividade e do indivíduo: trata-se, em primeiro lugar, da descoberta dos “Selvagens da América”, ou seja, a tomada de consciência da existência de uma humanidade contemporânea diferente daquela da cultura europeia. Mas trata-se, igualmente, e em alguma medida simetricamente, da descoberta das “Antiguidades préromanas”; ou seja, da evidenciação dos vestígios pertencentes a uma humanidade antiga diferente das civilizações europeias clássicas da Antiguidade.11

Esses dois eventos não aconteceram ao mesmo tempo, mas foram suficientes para pôr em questão as origens do povo europeu e suas identidades, e também, mudar as concepções de espaço em grande medida. Referente ao espaço, estes fatos ampliam os estudos com relação ao Novo Mundo. Todavia, a Antropologia e a Etnografia surgem como tentativa de dar sentido às culturas humanas. Mas temos em vista e sem esquecer que, esta ideia de dar sentido está apenas no discurso, pois, como já havíamos visto no primeiro tópico, os discursos originados de debates nestas e nas outras áreas do saber, tem sempre como intuito, afirmar e pôr no centro do mundo os povos europeus. Neste caso, a França e em certa medida, como veremos mais adiante, a Inglaterra.

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Olivier, Laurent. As origens da arqueologia francesa. Tradução de Glaydson José da Silva. In: Funari, P. P. A. (Org.). Repensando o Mundo Antigo. Campinas, IFCH-UNICAMP, 2002. Coleção Textos Didáticos número 49, p. 29. 11 Ibdem, p. 34.

A história e a arqueologia serão usadas para descobrir estes novos povos que, em primeira vista, representaria o passado de uma cultura, que talvez possa ser anterior à europeia. A descoberta do Novo Mundo, afirma Karl Marx e Engels em seu texto O Manifesto Comunista, mudou os valores das sociedades, pois, a partir daí, os povos passaram a precisar de especiarias peculiares que só existem em um lugar novo e distante, fazendo com que surgisse o domínio de um povo que é detentor destas especiarias sobre os outros povos que passam agora a necessitar destas.

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Esta é uma perspectiva marxista de analisar a descoberta do Novo Mundo, mas acredito que aqui esta análise seja tão precisa, na medida em que a partir daí, cria-se uma relação mais sólida de dependência entre o Novo Mundo que são os fornecedores das novas especiarias, as nações ditas não imperialistas que passam a depender das novas especiarias e os imperialistas que detém o poder de comercializar as novas especiarias. Neste sentido, os conceitos de cultura e costume, grosso modo, passam a ser regidos pelas nações imperialistas. Estes “homens novos” passam a viver nas margens do centro do mundo, são considerados selvagens, pois da forma tal como são analisados e julgados, obviamente não escaparam à condenação dos europeus etnocêntricos. Os nativos americanos não são seres humanos, na medida em que não há nesta cultura um poder centralizador, portanto não há ordem. Andam desnudos e são desprovidos de religião, logo são propensos ao satanismo. Este povo também anda desnudo, “como nos primeiros tempos onde a humanidade foi cassada do paraíso terrestre, o que significa que eles não têm valores ou moral”. 13 O avanço na cartografia, apontado por Olivier, se dá pela descoberta das Américas, provocando uma mudança de “desenvolvimento de novos modos de representação espacial.”

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Com a influência Ptolomaica, fica visível que a Europa é

posta no centro do mundo, desta forma, é possível observar o lugar onde ocupa o Novo

12

Marx, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto comunista. Tradução: Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo, 2005. 254 p. 13 Olivier, Op. Cit., p. 36. 14 Idem, p. 35.

Mundo, “nos confins do mundo”15. O eurocentrismo e o etnocentrismo provocam uma imagem desses aborígenes a ser definida. O livro Inferno Atlântico de Laura de Mello e Souza trata da questão da demonologia e das formas representadas acerca do mal nas colônias. O livro é dividido em duas partes: a primeira intitulada Macrodemonologia, apresenta um panorama do imaginário demonológico na Europa, e a forma tal como se deu a colonização feita pelos europeus, abordando, neste sentido, a imagem demonizada que os europeus tinham sobre a América, sob o olhar das influências da cultura ameríndia. A segunda parte do livro se chama Microdemonologia, trata da imaginação demonológica e do universo cotidiano nestes dois mundos. Este olhar demonizado que os europeus tinham sobre a América é muito bem mostrado pela autora:

[...] a Europa reconstituiu seu imaginário, no bojo das transformações religiosas, valendo-se, para tanto, de exemplos e realidades vindas da América, que, heterologicamente, foram lidas com lentes familiares, ou seja, próprias ao acervo europeu. 16

Essa imagem se dava pelo fato, afirma Olivier (2002), de a Europa nunca ter imaginado antes uma cultura que não estivesse, grosso modo, nos moldes da cultura europeia. Porém, há certa intenção também de aproximação dos povos americanos com o outro fato ocorrido, a descoberta da “Antiguidade gaulesa”. A aproximação a partir de vestígios encontrados como, por exemplo, os apresentados por Joseph-François Lafitau em 1734, foram expostos e a partir daí, a discussão sobre as origens francesas. A Arqueologia francesa tende a pôr a França como originária de Tróia. Afirma Olivier (2002), que: [...] assim, para os poderes monárquicos ingleses e franceses, o mito das origens permite esvaziar a questão da conquista romana, e se apropriar da legitimidade da herança do poder imperial romano: se as monarquias inglesas e francesas têm, também, à semelhança dos romanos da Antiguidade, raízes troianas, então essas potências não são mais descendentes dos bárbaros vencidos por Roma, mas, ao 15

Ibdem, p. 35. SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico: demonologia e colonização, séculos XVI-XVIII. São Paulo (SP): Companhia das Letras, 1993, p. 58. 16

contrário, uma espécie de parentes dos romanos; a esse respeito, as monarquias medievais se impõem de forma absolutamente natural como as herdeiras dos direitos do Império. 17

Esse fato acontecerá de igual forma, como já disse Olivier, na Inglaterra. Não entrarei aqui em detalhes, pois este assunto será retomado, logo mais. A aproximação dos franceses aos gauleses como ancestrais vista a partir de uma perspectiva em que a Revolução francesa seria o fator determinante para que esta imagem possa ser consolidada. De forma que o papel da Revolução seria destruir os moldes daquela sociedade, iniciando com a própria imagem que a Revolução tinha. No sentido de que, como afirma Olivier: [...] a Revolução francesa tem, assim, por obrigação, eliminar as próprias causas de sua aparição; é lhe necessário mudar a visão da sociedade e da História que a justifica inicialmente. Nesse movimento, o Terceiro Estado, ou a burguesia, se encontram diretamente assimilados a toda a Nação, escamoteando o componente franco da História nacional tradicional. 18

A ideia de Nação francesa está, aí, intimamente ligada. Pois se busca, neste momento uma significação para esta terminologia buscada nas origens da França, que passa a ser desvinculada dos francos e inicia-se uma nova era, a era dos gauleses que deram origem á França. Este fato tem como consequência a finalidade de justificar que o nobre é nobre porque é de origem gaulesa. As origens da nobreza eram usadas como justificativa para sua situação naquela sociedade. Ou seja, o nobre era nobre porque era de origem romana, portanto, superior a qualquer outro de origem não-romana que habitasse aquele país. Portanto, a Revolução Francesa deverá acabar com este modelo, não deverá mais haver nobres e todos deverão viver em conjunto, como uma nação, sem haver exclusão por meio de herança dos seus antepassados.

Conclusão:

17 18

Olivier. Op. Cit., p. 42. Olivier. Op. Cit., p. 45.

O que propõe Olivier nessa obra é mostrar que as mudanças acarretadas pela conquista do Novo Mundo e as descobertas das Antiguidades pré-romanas, estão separadas no tempo e no espaço, mas intimamente ligados. As provocações que causaram, mudaram o curso da história do país. Novas formas de enxergar, e a situação com relação as suas origens mudaram a partir daí. Destarte, como qualquer outra história de nações, uma construção do passado é visivelmente feita, a partir dos dois fatos ocorridos. O sentido de “pertencimento” que também é visível aqui será discutido nos próximo tópico, com o intuito de fechar o assunto geral deste trabalho e mostrarlhes os resultados que causaram estes três artigos aqui estudados. Uma contribuição não somente para história do país e do mundo, mas também para o avanço da Arqueologia.

4. O DNA inglês. Assim como acabamos de ver na França, na Inglaterra o nome a ser dado aos fatos que ocorrem para justificar o imperialismo e firmar este império como o mais superior de todos é a Romanização. Há muitos séculos que a intenção de aproximar a Inglaterra do império Romano é nítida entre os trabalhos apresentados nas academias. Isto se dá pelo fato dos valores que este império e esta cultura têm aos olhos do povo europeu. O texto que tomaremos como base para os estudos sobre a romanização, a partir de agora é o Concepções de Roma: Uma perspectiva inglesa. Neste texto, o autor “propõe uma revisão crítica da utilização de modelos desenvolvidos nos séculos XIX e XX por classicistas.”19 Roma era vista como uma Civilização que tinha como missão, espalhar a cultura do Mediterrâneo para os demais povos europeus. Havia uma ideia na Inglaterra que remetia a Roma como sua civilizadora: A efígie do império romano proporcionou um mito de origem para muitos povos da Europa e, em particular, para História do Ocidente como um todo. A elite de várias nações ocidentais, durante os séculos XVI ao XX, usaram a imagem de Roma para ordenar caminhos para o desenvolvimento da educação, arte, arquitetura, literatura e política_. 20

19

Hingley, Richard. Concepções de Roma: uma perspectiva inglesa, traduzidos por Renata Cardoso Beleboni e Renata Senna Garraffoni. Campinas, IFCH-UNICAMP, Coleção Textos Didáticos n.47, março de 2002, p. 1. 20 Idem, p. 4.

Neste contexto, a Aqueologia obteve um papel terminantemente importante, no sentido de que estes teriam que, construir uma imagem, a partir dos artefatos que a partir daí, seram aproximados de uma forma que se possa imaginar que tenham sido produzidos na Roma e que tenha sido deixada a sua herdeira, Inglaterra:

Nestas histórias, os elementos físicos de uma cultura herdada – os artefatos, edifícios e paisagens – propiciaram uma conexão tangível e particular com um passado étnico imaginado. O sentido de pertencimento é vital para uma definição própria de identidade nacional e a ligação de identidades étnicas a certos tipos de evidências arqueológicas tornou-se um instrumento poderoso na Inglaterra como em vários outros países europeus. 21

Como podemos ver, o sentido de “pertencimento” é de extrema importância para que se consolide a ideia proposta. Pois o mito da racial era e é pautado na ideia de que “o espírito imperial inglês era derivado de uma herança genética mista que incluía antigos bretões, romanos clássicos, anglo-saxões e dinamarqueses.”22 A Arqueologia no século XX foi determinante ao criar visões acerca de diversas visões sobre povos e continentes, pois se baseando em vestígios deixados no período medieval, construíam a imagem de um povo que herdou o império Romano:

No contexto da imagem das origens teutônicas, muitas das atividades dos antiquaristas deste período estavam diretamente relacionadas aos monumentos e vestígios deixados pelos primeiros ingleses medievais – esta época ocupava o espírito como resultado de sua “religiosidade” e o desejo de permanecer próximo a uma identidade inglesa.23

Como podemos ver no tópico de número dois deste trabalho, o racismo era predominante nestes períodos de afirmação e aceitação dos demais povos não oriundos da Europa. Neste sentido, a romanização não poderá ser diferente. A expansão de Roma se deu por motivos dos mais diversos. A língua é um fator que é usado como explicação simplista e estanque. Pois, o interesse em expandir seu império é um outro fator muito

21

Ibdem, p. 4. Hingley, Op… p. 6. 23 Idem, p. 9. 22

importante. Disseminar sua cultura e arrecadar tributos dos colonizados também entram na lista, e o controle que mantinham sobre os que tinham seus poderes retidos era outro motivo e forma de colonização. O século XX estava propenso a contribuir de todas as formas para a afirmação de que os ingleses daquele século haviam herdado dos bretões a garra e a bravura. A Anglicidade que foi uma forte imagem do período do século XX, que embasava a harmonia entre todos os ingleses. Contudo, de modo que fique mais clara esta ideia de “anglicidade”, vejamos um exemplo com as palavras de Richard Hingley:

Esta representação da anglicidade era, frequentemente, organizada a partir da concepção de uma população unida vivendo em uma idílica área rural inglesa no sudeste_. [...] uma raça misturada da ilha que teve sua herança racial organizada a partir de diversos povos que viveram na Britânia no passado.24

Conclusão. Os discursos que eram constantes nos últimos séculos são de que os britânicos herdaram dos romanos a civilização, sendo que, assim como os europeus usaram o discurso de que influenciaram na cultura e na linguística da Civilização da Grécia Antiga, e também, a forma tal como a França usou as mudanças que ocorreram nos séculos XVI e XVIII, que foram terminantemente relevantes para a mudança da Arqueologia francesa e europeia, os ingleses também utilizaram de artifícios parecidos para se firmarem como civilização superior a qualquer outra. Justificando o imperialismo por meio do etnocentrismo, a “herança romana” e o gene provindo dos bravos bretões, a Inglaterra entra no grupo seleto das nações que construíram uma história apoiando-se nas origens de alguma nação que em um tempo distante era considerada superior a qualquer outra. Os diversos discursos apresentados por Richard Hingley confirmam que as produções acadêmicas estavam propensas a afirmar qualquer tipo de discursos que cabia a ideia de uma Inglaterra que nasceu da mistura de DNAs Bretões e Romanos, uma vez que haviam herdado a bravura dos Bretões e o espírito imperial dos Romanos. “A 24

Idem, p. 12.

civilização romana nos anos de 1940 pode ter sido atrativa para alguns, mas para o imperialismo romano era menos admirado. A luz destes acontecimentos na Itália, muitos lembraram os aspectos despóticos da natureza das regras romanas.” 25

25

Idem, pág. 24.

Bibliografia:



Bernal, Martin. A imagem da Grécia Antiga como uma ferramenta para o colonialismo e para a hegemonia europeia. Tradução de Fábio Adriano Hering. In: Funari, P. P. A. (Org.). Repensando o Mundo Antigo. Campinas, IFCH-UNICAMP, 2002. Coleção Textos Didáticos número 49.



Olivier, Laurent. As origens da arqueologia francesa. Tradução de Glaydson José da Silva. In: Funari, P. P. A. (Org.). Repensando o Mundo Antigo. Campinas, IFCHUNICAMP, 2002. Coleção Textos Didáticos número 49.



Said, Edward W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. Tradução: Rosaura Eichenberg. 2. Reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 523 p. (Companhia de bolso).



A Europa e a Grécia: do esquecimento à adoração racista. Acosta, Vladimir. 43’08’’. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mpCoj8mcRCs#t=365. Acesso em: novembro de 2013.



Kipling, Rudyard. O Fardo do Homem Branco. Disponível http://historiacontemporaneaufs.blogspot.com.br/2010/10/o-fardo-do-homembranco-1899.html. Acessado em: Novembro de 2013.



Marx, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto comunista. Tradução: Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo, 2005. 254 p.



SOUZA, Laura de Mello e. Inferno Atlântico: demonologia e colonização, séculos XVI-XVIII. São Paulo (SP) : Companhia das Letras, 1993. 263 p.



Hingley, Richard. Concepções de Roma: uma perspectiva inglesa, traduzidos por Renata Cardoso Beleboni e Renata Senna Garraffoni. Campinas, IFCH-UNICAMP, Coleção Textos Didáticos n.47, março de 2002, 64 pp.

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