Martinho da Vila e a lusofonia 2013-1.doc

May 29, 2017 | Autor: André Conforte | Categoria: The Lusophone World
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Martinho da Vila e a lusofonia (André Conforte)


No mesmo ano em que se completavam 500 anos do descobrimento oficial
do Brasil, Martinho da Vila concretizava o que seria, segundo ele, um
projeto de dois anos de elaboração: o disco "Lusofonia", dedicado a todas
as nações de língua portuguesa. Além de composições do próprio autor, há
músicas de artistas de vários dos países de língua portuguesa. Ainda, cada
faixa é dedicada a um dos países lusoparlantes (Brasil, Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Portugal e Timor Leste, nesta ordem).


No encarte do CD, o compositor de Vila Isabel afirma:


Lusofonia não é somente a adoção do idioma português como
linguagem de cultura. É a ação de solidário intercâmbio
cultural entre os povos lusoparlantes e também a filosofia
de interligação afetiva entre os lusófonos .Lusófono é quem
está identificado com a lusofonia. Eu me sinto assim, mas
não gravei este CD com intenção proritária de fazer
política cultural.
Sonho com este disco faz muito tempo, levei mais de dois
anos na elaboração e, portanto, não é um trabalho feito
especialmente para as comemorações dos 500 anos de Brasil.
É apenas um CD de carreira para tocar no rádio e fazer o
povo dançar e cantar com ancestral emoção. Feliz alegria !


Apesar de Martinho afirmar que não teve intenção prioritária de fazer
política cultural, as letras deixam clara a vontade do artista de ver
preservada a unidade dos países de língua portuguesa. É o que ouvimos na
faixa-título, escrita em parceria com Elton Medeiros.
Martinho e Elton reconhecem a linguagem universal que se apresenta na
expressão de um simples olhar; afirmam, entretanto, que uma linguagem comum
entre os países é primordial para o entendimento. De seu ponto de vista, a
unidade lingüística, a música e a poesia seriam a estratégia diplomática
que se sobreporiam ao uso das armas.
Martinho da Vila é uma espécie de embaixador informal da lusofonia. Há
vários anos que já empreende diversas viagens a diversos países de língua
portuguesa com fins de pesquisa musical e cultural. Em suas viagens, é
inevitável que tenha testemunhado a precária situação em que se encontra a
língua portuguesa como língua de cultura em diversos países lusoparlantes.
Sílvio Elia, em A língua Portuguesa no Mundo (Ática, 2000), localizou
cinco espaços geolinguísticos para a lusofonia: Lusitânia Antiga (Portugal,
Açores e Madeira), Lusitânia Nova (Brasil), Lusitânia Novíssima (Angola,
Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Tomé E Príncipe), Lusitânia Perdida
(regiões da Ásia ou da Oceania onde já não há esperança de sobrevivência
para a língua portuguesa) e Lusitânia Dispersa (comunidades de fala
portuguesa espalhadas pelo mundo não lusófono, em consequência do afluxo de
correntes migratórias); destacamos que, no penúltimo grupo, Sílvio Elia
inclui o Timor Leste:


Os recentes acontecimentos políticos estão levando à agonia
o português de Timor. Com a "Revolução dos Cravos",
acelerou-se o processo de descolonização. Em 1975, o
governo português criou em Timor um governo de transição ao
qual caberia traçar os rumos da independência em marcha.
Mas, entre as próprias forças ditas revolucionárias,
surgiram cisões, que levaram à luta armada. O resultado foi
o enfraquecimento militar interno, o que favoreceu a
invasão da ilha pela Indonésia, situação que ainda perdura.
A idéia de uma intervenção portuguesa está afastada.
Negociações não farão com que os indonésios abandonem a
presa. Em consequência, com a ruptura de relações de
qualquer espécie entre Portugal e Timor, particularmente de
natureza cultural, as perspectivas de sobrevivência da
língua portuguesa nesse rincão distante da Ásia são
praticamente nulas (p.53).


Quando da publicação do livro, não haviam sido ainda iniciadas as
negociações que levaram ao recente processo de independência daquele país,
por intermédio da ONU e sob a liderança de um brasileiro, Sérgio Vieira de
Mello, que mais tarde viria a falecer em um atentado contra uma
representação da mesma organização, no Iraque. Graças ao trabalho
diplomático exercido por Vieira de Mello, o ex-guerrilheiro Xanana Gusmão
tornou-se presidente do país (sucedido por José Ramos Horta), e o português
foi adotado como língua oficial, embora seja ainda pouco falado pela
população. Pretende-se que um empreendimento educacional faça com que o
português seja falado como era antes do massacre que o país sofreu por
parte do governo indonésio.
Com as discussões em torno do recém-assinado acordo ortográfico,
voltou-se a falar em Lusofonia, ainda que Paulo Geiger, editor do
dicionário Caldas Aulete, em lúcido artigo publicado no jornal O Globo, no
dia 13 de agosto, advirta que "não está em discussão qualquer mudança na
'lusofonia', apenas na 'lusografia'.
De qualquer forma, nossa opinião é a de que, ainda que o acordo só
diga respeito à grafia das palavras, pode ter consequências, sim, e isso
parece óbvio, na tão propalada Lusofonia, uma vez que, pelo menos é o que
afirmam os defensores do acordo, virá a facilitar o intercâmbio cultural
entre os países lusoparlantes.
Mas, antes de se falar em lusofonia, é necessário deter-se um pouco
nesse termo e se perguntar acerca de sua história e seu significado na
atualidade. A mais lúcida reflexão sobre o assunto de que temos notícia
foi feita pelo linguista Carlos Alberto Faraco, em conferência realizada no
dia 29 de julho passado no I Congresso Internacional de Linguística
Histórica – Rosae, em Salvador, Bahia. A conferência intitulou-se
"Lusofonia: utopia ou quimera? Língua, história e política", e discutiu
não só a história das chamadas fonias (francofonia, anglofonia e
hispanofonia), mas também a diferente carga semântica que o termo lusofonia
tem em Portugal, no Brasil e nos demais países lusoparlantes. Destaco a
seguir alguns dos pontos mais importantes do texto desta conferência, que,
segundo comunicação pessoal do próprio conferencista, será em breve
publicado no site do Museu da Língua Portuguesa.
Para Faraco, o termo Lusofonia é polissêmico, pois, se em alguns
contextos é empregado tão somente "para fazer referência ao conjunto dos
falantes de português mundo afora", noutros contextos o termo tem usos "bem
marcados valorativa e politicamente".
Se tomarmos a palavra na sua acepção política, encampamos a afirmação
de Faraco de que, das quatro fonias,
a Lusofonia, de certa forma, é a mais tardia e, talvez, a
mais complicada e frágil de todas. Atrás dela não há, como
na anglofonia e na francofonia, uma ex-metrópole colonial
que tenha sido, no século 20, uma potência política,
militar e econômica. Não há, portanto, um grande projeto
estratégico de natureza política, econômica e cultural.


Faraco reconhece que, ainda que no Brasil estejam 85% dos falantes de
língua portuguesa no mundo, o país ainda se investe de um complexo de
colônia que o impede de assumir uma posição de protagonista nas negociações
por acordos que promovam a lusofonia mundo afora, tornando-se as ações de
Brasil e de Portugal frequentemente divergentes nesse sentido.
Um exemplo surpreendente é o fato de o Instituto Camões, português,
proibir professores brasileiros em suas sedes no exterior, ao contrário do
que faz o instituto Cervantes, espanhol, que estimula a presença, em seu
quadro de professores, de pessoas oriundas de todos os países
hispanoparlantes.
Faraco se mostra um tanto cético em relação a políticas que
efetivamente venham a tratar do tema de forma séria e conjunta. Não
obstante a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (um dos
órgãos da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), em 2001,
"pouco ou nada se faz de concreto" no que respeita ao assunto.
Some-se a isso o fato de que os países africanos lusófonos se sentem
um tanto alijados das discussões que envolvem o tema, além de se sentirem
tratados como um bloco monolítico que anula as grandes diferenças
existentes entre eles. Tomemos ainda do texto de Faraco a declaração
insuspeita do escritor moçambicano Mia Couto:


Os lusófonos são pensados e falados do seguinte modo:
Portugal, Brasil e os PALOPS [Países Africanos de Língua
Oficial Portuguesa]. Surgimos como um triângulo com
vértices um no Brasil, um em Portugal e um terceiro em
África. Ora, os países africanos não são um bloco homogéneo
que se possa tratar de modo tão redutor e simplificado. Não
se pode conceber como uma única entidade os 5 países
africanos que mantêm, entre si, diferenças culturais
sensíveis. As nações lusófonas não são um triângulo, mas
uma constelação em que cada um tem a sua própria
individualidade
O conferencista informou ainda que, ao passo em Portugal, foram
publicados, nos últimos anos, seis livros sobre o assunto, não há nenhum
livro brasileiro que tenha a palavra em seu título, salvo Os sabores da
lusofonia (Hamilton, 2005) – não por acaso (como comentarei adiante) um
livro de culinária.
Vale, nesse ponto, registrar que, além de ter gravado a obra
fonográfica em questão neste artigo, Martinho da Vila escreveu um romance –
Os lusófonos (Ed. Ciência Moderna, 2005), em que, por meio da ficção,
aborda o assunto com todos os seus encantos, mas também com suas mazelas,
não descuidando de sua obsessão em integrar os países falantes de língua
portuguesa.
No romance de Martinho, o protagonista Aristide Samora Cabral Neto,
cujo nome já é em si um amálgama político cultural luso-africano, faz do
livro uma viagem que perpassa quase todos os países de língua portuguesa.
Pode-se, a partir das lúcidas considerações de Carlos Alberto Faraco
sobre o tema, imaginar que a visão de Martinho acerca da Lusofonia seja por
demais otimista, ingênua. No entanto, quem conhece a trajetória e a obra
deste representante da cultura brasileira entende que, na filosofia
martiniana, só há espaço para a afirmação, o que de modo algum significa
alienação ou acobertamento dos problemas. É como se os problemas fossem
sempre menores do que a ideia de que eles podem e serão superados, como, de
fato, é o que se vê na sofrida história das lutas do povo brasileiro.
Talvez, malgrado os insucessos, Martinho esteja certo e estejamos a caminho
de uma integração pela lusofonia, ainda que de forma lenta, gradual e
acidentada.




Referência bibliográfica: VARGENS, João Baptista M. & CONFORTE, André N.
Martinho da Vila: tradição e renovação. Rio Bonito (RJ): Editora Almádena,
2011.
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