MARTINS, Vicente de Paula da Silva. Redações do ENEM 2014 - seis possíveis causas do baixo desempenho dos alunos..pdf

June 1, 2017 | Autor: Vicente Martins | Categoria: Língua Portuguesa, Redação, ENEM E ENADE, Gramática da Língua Portuguesa
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MARTINS, Vicente de Paula da Silva. Redações do ENEM 2014: seis possíveis causas do baixo desempenho dos participantes. In ARAÚJO, Adriana da Silva, PEREIRA-LIMA, Ana Maria, DUARTE, Antonio Lailton Moraes, LIMA, João Paulo Rodrigues de e OLIVEIRA, Kátia Cristina Cavalcante (Orgs.). Reflexões linguísticas e literárias. Fortaleza: HBM, 2015. p. 17-28.

REDAÇÕES DO ENEM 2014: SEIS POSSÍVEIS CAUSAS DO BAIXO DESEMPENHO DOS PARTICIPANTES Prof. Dr Vicente de Paula da Silva Martins (CENFLE- Letras/UVA)1

Introdução Já começaram a circular, nas grandes mídias, verdadeiras panaceias para remediar o fraco desempenho de mais de meio milhão de estudantes que prestaram o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) em 2014 e tiveram suas redações zeradas. Na verdade, os números são assustadores: 2, 3 milhões de jovens estão em situação carencial quanto à produção de textos discursivos. A prova de redação do Enem de 2014 teve como tema A publicidade infantil em questão no Brasil. A mais estapafúrdia argumentação que vem ganhando força, nas redes sociais, defende a imediata retirada da Prova de Redação do Enem sob a alegação de que é impraticável a correção, em larga escala, de mais de 5 milhões de dissertações de modo objetivo e justo. Outros tantos, preocupados com os gastos públicos, defendem a morte da escrita por uma questão de custo-benefício, uma vez que, para eles, sai mais barato para o MEC não contratar “uma legião de corretores”. Não nos parece este o caminho. Afinal, a escrita é uma habilidade imprescindível à cidadania na sociedade do conhecimento. O ministro da educação Cid Gomes, diante dessa problemática, tem jogado essa “batata quente” para a comunidade acadêmica que, segundo ele, deve se debruçar sobre os dados do MEC e encontrar explicações para o fracasso escolar. Pegando a deixa do ministro, diríamos que está na hora de a escola promover a diversidade de gêneros textuais em sala de aula, priorizar, nos seus currículos, o uso efetivo da língua, o que inclui o acesso a outros suportes de leitura além dos didáticos e paradidáticos. Os jornais, sejam impressos ou on-line, oferecem, por exemplo, a baixo custo, o bom e escorreito português, fonte abundante de textos dissertativo-argumentativos. Por outro lado, defendemos que, está na hora de o MEC devolver o papel ativo às universidades públicas, especialmente às federais, no tocante ao processo de avaliação do ensino médio pela via do ENEM uma vez que estas instituições historicamente têm mostrado competência e exemplo de lisura no trato da coisa pública e melhor avaliado os jovens na hora de acessar os cursos superiores.

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Mestre em educação brasileira e doutor em linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor do Centro de Filosofia, Letras e Educação (CENFLE) da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, atuando como professor de Línguística e Língua Portuguesa do Curso de Letras.

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Afinal, quais as causas do fracasso educacional no campo da produção de textos escolares? Levantaremos, neste trabalho, algumas hipóteses e discutiremos como se relacionam diretamente com os dados do MEC divulgados sobre as redações do ENEM 2014. Primeira causa: currículo escolar baseado em conteúdo e não em competências O ensino-aprendizagem da linguagem escrita historicamente não recebeu a atenção devida por parte das instituições de ensino, sejam as de educação básica ou superior. Refiro-me não apenas ao Brasil, mas também às escolas europeias. Segundo Vieira (2005, p.79), a escola brasileira, mesmo com o advento da sociedade do conhecimento, não se ocupou muito de ensinar aos seus alunos a produzir o texto escrito com o rigor que o processo textual exige dos que escrevem para serem avaliados por uma banca examinadora além dos muros da escola. Para os desafios de hoje, o que se ensina nas escolas brasileiras está defasado ou em completo descompasso com uma nova proposta curricular baseada em competências com pelo menos os seguintes atributos pedagógicos: (i) seleção criteriosa de conhecimentos (aprender a conhecer); (ii) desenvolvimento de habilidades instrumentais (aprender a fazer); e (iii) formação de atitudes e valores (aprender a ser). Todos os brasileiros que estudaram nas décadas de 60, 70, 80 e início dos anos 90, sabem muito bem que os currículos do ensino fundamental e médio eram baseados em conteúdos e não em competências cognitivas. As práticas de leitura de textos e as práticas de produção de textos sempre deram ênfase aos estilos textuais denominados de narração, descrição e dissertação e, mais do que isso, ressaltaram muito as competências básicas transplantadas em atividades didáticas (limitadas às dos livros adotados), que focavam ações como identificar, indicar, localizar, descrever, discriminar, apontar, constatar, nomear, ler, observar, reconhecer e suas correlatas, especialmente em leitura de textos literários. Consequência de tudo isso foi a de alunos, ao final de um longo período de estudos da Língua Portuguesa, não mostrarem a competência de compreensão de um texto lido, limitando-se à compreensão literal, o que, convenhamos, empobreceu a essência do processo leitor: a compreensão inferencial e crítica. A partir de meados de 90 aos nossos dias, os currículos passaram a desenhar um novo modelo de ensino da Língua Portuguesa com atividades pedagógicas que destacavam ações como compreender, interpretar, justificar, analisar, criticar, inferir, enfim, operações cognitivas mais procedurais e globais, isto é, protagonizaram exercícios que exigiam dos estudantes mais operações complexas de aplicação de conhecimentos e resolução de problemas inéditos. Talvez por essa razão, muitos professores e alunos acostumados com a previsibilidade de temas para os vestibulares, hoje se surpreendam com propostas de redação que venham de excertos de noticiários ou gêneros discursivos diversos, que levantem problemas inéditos e que exijam respostas também inovadoras, o que reclama dos participantes do Enem a habilidade de “elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.” (Competência V da matriz de referência para redação do ENEM)

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Se voltarmos ao tempo, diríamos que, no campo do ensino da Língua Portuguesa, o desafio de hoje para as escolas brasileiras não é obra do acaso. Em 1997, quando o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, órgão do Ministério da Educação e do Desporto, trouxe a lume o documento Matrizes curriculares de referências para o SAEB, de Maria Inês Gomes de Sá e outros colaboradores, houve, pela primeira vez, no Brasil, um esforço oficial de dar novo tratamento pedagógico e curricular à Língua Portuguesa. Reconhecemos, pois, que foi o MEC, na busca da construção das matrizes curriculares de referência, que tomou a iniciativa de apresentar à comunidade acadêmica e às instituições de ensino, básica e superior, uma proposta curricular com base em competências cognitivas e habilidades instrumentais referentes (BRASIL: 1987, p.7-9). Dois anos depois, foram publicados pelo MEC os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (1999) que, em linhas gerais, partem dos princípios da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que estabelecem a construção dos currículos no ensino fundamental e médio, com uma base nacional comum e uma parte diversificada, levando em conta as especificidades de cada região (LDB, art. 26), com vistas, ainda, às competências e habilidades que se pretendem neste nível de ensino. Com o passar dos anos, o MEC trouxe a público novo documento oficial, agora dirigido exclusivamente ao ensino médio, o chamado Exame Nacional do Ensino Médio [Enem]: fundamentação teórico-metodológica, de 2005. No primeiro parágrafo do artigo denominado Metodologia de correção da Redação do Enem, Carvalho (2005) diz que “ A redação do Enem, assim como a parte objetiva da prova, é uma avaliação de competências”, ressaltando, em seguida, que “a matriz de competências é devidamente adaptada, a fim de avaliar o desempenho do participante como produtor de um texto no qual ele demonstre capacidade de reflexão sobre o tema proposto.” (p.112). Na evolução de toda essa nova cultura proposta à educação linguística do país, há dois anos, veio a público o documento Guia do Participante: A redação no Enem 2013, que apresenta aos candidatos do Enem as cinco competências avaliadas na prova de Redação, conforme podemos observar no quadro abaixo: Quadro 1 – As competências com seus respectivos descritores do ENEM

COMPETÊNCIAS DESCRITORES Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua 1 Portuguesa. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das 2 várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa. Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, 3 opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista. 4

Demonstrar conhecimento dos mecanismos necessários para a construção da argumentação.

linguísticos

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Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.

Numa rápida leitura destas cinco competências ou, mais precisamente, “habilidades instrumentais” solicitadas aos participantes do ENEM, podemos observar a consolidação de um modelo rígido, minucioso e rigoroso para que os participantes demonstrem seu “domínio da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa” (Competência I da matriz de referência para redação do ENEM em sua edição de 2014), o que, admitamos, é uma tarefa herculana ou, pelo menos, um galardão camoniano para uns poucos lusófonos privilegiados. Além de requerer que os participantes dominem a Língua Portuguesa, estes terão que compreender a proposta de redação, aplicar conceitos interdisciplinares e seguir os limites rígidos da estrutura do texto dissertativo-argumentativo em prosa. Aqui, os alunos mais criativos, aqueles que poderiam desenvolver textos a partir de uma escrita mais livre em que pudessem explorar o domínio da imaginação com a elaboração de textos com muito senso de humor e originais, são simplesmente descartados, deixando de oferecer à comunidade acadêmica o quanto é revelador ler um texto de um participante com ideias autônomas no campo cultural e, por vezes, com conceitos estranhos e curiosos, mas surpreendentes. Por outro lado, a habilidade de selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista claramente exige que os participantes sejam leitores, em potencial, de textos informativo-referenciais (os jornais, por exemplo) ou, pelo menos, ouvintes ativos de bons noticiários nacionais. A Internet poderia ser uma grande aliada nesse momento, mas as escolas pouco estimulam seus alunos a navegarem em jornais de grande circulação nacional, muitos deles, com matérias disponíveis on-line para qualquer internauta. Por fim, a elaboração da “proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos” (Competência V da matriz de referência para redação do ENEM em sua edição de 2014 ) é realmente uma provocação para a escola brasileira. Mais do que uma proposta plausível, deve ser possível de ser decantada em poucas linhas e com o escrúpulo de zelar para não apresentar involuntariamente soluções que possam incorrer em visão preconceituosa, discriminatória ou homofóbica, por exemplo. Trata-se de uma exigência descabida e que merece uma avaliação por parte da comissão técnica MEC/INEP da validade de sua cobrança para os próximos certames. Segunda causa: falta de planejamento do texto escrito Sabemos que a escrita não é espelho da fala. A habilidade da fala não é, a rigor, a mesma da escrita. Quantas vezes, na fala, repetimos ideias no intuito de reforçar um ponto de vista para o ouvinte. Na escrita, ao contrário, a repetição de ideias pode ser fatal aos olhos do leitor e, pior ainda, sob o olhar crítico de um avaliador. A escrita exige de quem escreve uma preocupação com a informação passada ao leitor, posto que uma vez passada a limpo do rascunho para a folha de redação estará com a versão definitiva até o momento de “Juízo Final”, ou seja, até o

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momento da atribuição da nota de zero a 1000. E, quanto a esse aspecto, o que revelam os dados do Enem 2014? Na edição 2014, dos 6.193.564 candidatos que compareceram nos dois dias de prova, como nos informa o quadro 2, apenas 250 candidatos obtiveram a nota máxima na etapa, que vale 1.000. Se observarmos com mais atenção o quadro 2, veremos em situação de nível carencial de produção textual, além dos 529.374 que tiraram nota zero, 654.971 que receberam a nota até 300 pontos e outros 1.105.672 na faixa de 301 e 400 pontos, o que significa que cerca de 2,3 milhões apresentaram problemas sérios na produção de seus textos, ainda que possam disputar as vagas disponíveis pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) ou as ofertadas pelo Programa Universidade para Todos (ProUni). Quadro 2 – Notas e número de candidatos do ENEM 2014 Nota

Número de candidatos

Nota 0

529.374

Até 300

654.971

Entre 301 e 400

1.105.672

Entre 401 e 500

1.162.526

Entre 501 e 600

1.515.007

Entre 601 e 700

707.095

Entre 701 e 800

370.428

Entre 801 e 900

112.522

Entre 901 e 999

35.719

Nota 1000

250 Fonte: ABRANTES (2015)

Acreditamos que os alunos situados no que denominamos de domínio carencial (precário + insuficiente) são os que potencialmente apresentaram dificuldades quanto ao planejamento textual. O comportamento textual desses alunos é o de começarem a escrever assim que recebem o tema a ser desenvolvido. Muitos veem no planejamento do que vão escrever uma perda de tempo, quando, ao contrário, planejar, como nos ensina Serafini (1991, p. 23), “serve para economizar e distribuir o tempo disponível”. Segundo Vieira (2005, p. 79-97), “bons redatores não só planejam mais, como seus planos são mais flexíveis”, o que quer dizer que é obra da planificação do texto a possibilidade real de os redatores mudarem suas ideias, reescrevem os parágrafos e revisarem seus esquemas à medida que novas ideias e argumentos vão surgindo ao longo do desenvolvimento textual. Daí, a importância do rascunho como forma de aliviar a memória surpreendida com um tema inédito, aliviar a mente fatigada pelo peso das questões objetivas e atenuar o velho medo da redação como bicho-papão, o ogro da educação escolar no século XXI.

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Por fim, diríamos que bons redatores primeiro planejam, depois esboçam o texto num rascunho e, por último, revisam o texto, o que significa dizer que o ato de redigir é na verdade um ato de reescrever, portanto, a escrita é um processo recursivo no qual o redator precisa diligentemente fazer retomadas e alterações em diferentes pontos da produção do texto. Terceira causa: produção da escrita sem organização prévia do texto Antes de escrever, cabe ao redator selecionar as ideias e organizá-las, ou seja, organizar as informações recuperadas de sua memória de longo prazo e decidir o ponto de vista sobre o qual se desenvolverá o texto, o que demanda, certamente, um bom roteiro. Os 529.374 participantes do Enem 2014 que receberam nota zero na redação apresentaram o seguinte perfil de desempenho ou de desconhecimento textual: (i) evidente desconhecimento da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa; (ii) fuga ao tema/não atendimento à estrutura dissertativo-argumentativa; (iii) apresentação de informações, fatos e opiniões não relacionados ao tema e sem defesa de um ponto de vista; (iv) ausência de marcas de articulação, resultando em fragmentação das ideias e (v) não apresentação proposta de intervenção ou apresentação de proposta não relacionada ao tema ou ao assunto. Sem a organização das informações, os redatores tendem a cometer erros gramaticais já a partir da décima primeira linha porque começam por queimar mais energias físicas e assim são levados à fadiga. O atendimento ao tema e à estrutura redacional proposta requisita também por parte dos participantes uma fase de produção de ideias ou de pré-escrita em que são incluídas a seleção de informações e a posterior organização das mesmas juntamente com fatos e opiniões relacionados ao tema em defesa da tese. Quarta causa: deficiência escolar no ensino das normas do português culto Os alunos com desempenho precário e insuficiente apresentaram as seguintes limitações na produção de seus textos: (i) demonstração de domínio precário da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa, de forma sistemática, com diversificados e frequentes desvios gramaticais, de escolha de registro e de convenções da escrita; (ii) tangenciamento do tema, ou demonstração de domínio precário do texto dissertativo-argumentativo, com traços constantes de outros tipos textuais; (iii) apresentação de informações, fatos e opiniões pouco relacionados ao tema ou incoerentes e sem defesa de um ponto de vista; e (v) articulação das partes do texto de forma precária; e (v) apresentação da proposta de intervenção vaga, precária ou relacionada apenas ao assunto. Acreditamos que as limitações dos candidatos com baixo desempenho no quesito emprego correto da variante culta de uma língua materna dizem muito dos indícios de assimilação da escrita culta e revelam, também, que a escola tem ensinado de forma ineficaz as normas da gramática, as que aparecem na linguagem cotidiana. Estas limitações gramaticais dos candidatos apontam para as causas da falta de um trabalho direto da escola com relação ao respeito às convenções da grafia

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e da acentuação das palavras, às regras de concordância nominal e verbal; às regras de regência nominal e verbal, aos princípios de pontuação, às regras de flexão nominal e verbal; e à utilização de vocabulário apropriado ao registro formal do texto dissertativo-argumentativo, conforme assinalados no Guia do Participante (Brasil: 2013). Quinta causa: o medo dos alunos não produzirem um bom texto dissertativoargumentativo; Os dados do Enem 2014, apresentados no quadro 3, logo abaixo, revelam que 13.039 candidatos copiaram o texto motivador e 3.362 apresentaram o texto de forma desconectada, isto é, sem levar em conta os mecanismos de coesão e coerência textuais. Foram 13.039 candidatos copiando, em sua redação, excertos ou totalidade de textos motivadores apresentados no Caderno de Questões e, por essa razão, suas redações foram desconsideradas para efeito de correção e de contagem do mínimo de linhas. Mais 7.824 estudantes tiveram suas redações anuladas por apresentarem texto insuficiente, isto é, apresentaram até 7 (sete) linhas, qualquer que tenha sido o conteúdo, o que configurou “texto insuficiente”. E 4.444 candidatos não atenderam à proposta solicitada ou apresentaram outra estrutura textual que não a estrutura dissertativo-argumentativa, o que configurou, para os corretores, “fuga ao tema/não atendimento à estrutura dissertativo-argumentativa”. Outros 1.508 candidatos apresentaram seus textos com “impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação, bem como que desrespeitem os direitos humanos”, motivo também de terem a prova de redação “anulada” ou não apresentaram texto escrito na Folha de Redação, também considerada “em branco”. Além disso, 955 candidatos desrespeitaram os direitos humanos, o que levou os corretores a considerarem a prova anulada. Quadro 3 – Motivos para anulação das redações Motivos para anulação

Número de candidatos

Fuga ao tema

217.339

Cópia de texto motivador

13.039

Texto insuficiente

7.824

Não atendimento ao tipo textual

4.444

Parte desconectada Outros motivos Fere direitos humanos

3.362 1.508 955 Fonte: ABRANTES (2015)

Interpretamos os dados acima como efeitos nefastos do medo dos candidatos de fracassarem na produção de seus textos ou de, pelo menos, não alcançarem a qualidade requerida pelo Enem. Por outro lado, essa cultura de “textofobia” vem da

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própria escola tradicional em que os próprios professores solicitam trabalhos descritivos e pouco estimulam a criatividade, o que acaba por estimular a prática da cópia de textos da internet ou mesmo a cola entre os alunos. Na verdade, essa problemática envolve aspectos das questões éticas envolvidas nos trabalhos escolares, especialmente com relação ao plágio e à cópia que devem ser pós-Enem trabalhadas dentro de um eixo de transversalidade, na formação deontológica dos estudantes. Sexta causa: o mito da espera da inspiração escritural Os jovens, na sociedade informática, nunca escreveram tanto, mas, a rigor, se tornaram mais “escrevedores” de textos curtos, insólitos e fugazes. Por outro lado, são poucas as notícias de que o mercado editorial, nas últimas décadas, tenha publicado livros de contistas, poetas e romancistas precoces ou emergentes revelados nas escolas de educação básica. Os próprios concursos literários se tornaram escassos nas políticas de promoção de novos talentos das secretarias estaduais e municipais de cultura. Assim, como aprender a andar de bicicleta exige do ciclista a prática, a experiência de pedalar com certa perseverança, os bons redatores não surgem como um trovão no céu. A escola precisa, então, estimular seus alunos a escreverem mais, não para atribuição de notas, mas para descobrir novos talentos na poesia, no romance, no conto, no jornalismo e, sobretudo, na hora da Prova de Redação do Enem, de modo a se tornarem expeditos ou capazes de responder aos desafios de um novo desenho de acesso à educação superior, o Enem. Numa palavra final, diríamos que apesar de a língua escrita ser uma das funções básicas da escola, em poucas ocasiões foi considerada como objeto de estudo em si mesmo. Durante os anos finais do ensino fundamental e nos três anos de ensino médio, os alunos têm de aprender a escrever textos de natureza mais discursiva sem que os gêneros discursivos, especialmente o argumentativo, seja trabalhado, em sala, através de instrução direta. Conclusão Os dados do Enem 2014 mostram que a escola brasileira está bastante deficitária na formação de seu alunado aspirante às instituições de educação superior de boa qualidade. Essa realidade insta, para a superação desse problema, uma reforma curricular no ensino médio que ponha em evidência atividades de produção de texto que pressuponham agenciamento de diversos recursos, conforme as novas exigências do Exame. No caso de atividades de Língua Portuguesa diretamente relacionadas à produção de dissertação argumentativa, a escola, através de seus docentes, especialistas na área, deve promover o ensino metódico do texto escrito, mostrando ao aluno como articular adequadamente a seleção e a ordenação dos argumentos com a tese. Além dos aspectos estruturais, cabe à escola ensinar aos alunos a empregar os mecanismos de coesão e articulação frasal bem como explorar, durante as aulas regulares de redação, os recursos próprios do padrão escrito na organização textual, particularmente a paragrafação do tipo discursiva ou argumentativa. As convenções para citação de discurso alheio podem ajudar a diminuir essa onda crescente de cópia de textos motivadores. Um caminho, no tocante a esse aspecto, é, certamente, o ensino da paráfrase como dizer diferente algo

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que foi dito sem precisar recorrer verbum ad verbum aos textos motivadores. Por último, a ortografia oficial, as regras de concordância verbal e nominal, as de regências, nominal e verbal, devem ser reforçadas no ensino da gramática normativa, sempre levando em conta o uso social da língua, sobretudo o de registro formal presente nos jornais de grande circulação no Brasil. Referências ABRANTES, Talita. Os erros mais comuns de quem teve a redação anulada no Enem. In Exame.com. Disponível em: . Acesso em: 13 jan. 2015. BRASIL. Ministério da Educação. Guia do Participante: a redação no Enem 2013. Brasília: INEP, 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Edital nº 12, de 8 de maio de 2014 - Exame Nacional Do Ensino Médio – ENEM 2014. Brasília: INEP, 2014. BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio [Enem]: fundamentação teórico-metodológica. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasíliaa: INEP, 2005 BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC/Semtec, 1999. CARVALHO, Reginaldo Pinto de. Metodologia de correção da Redação do Enem. In BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio [Enem]: fundamentação teórico-metodológica. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasília: INEP, 2005. p. 113-117 PESTANA, Maria Inés Gomes de Sá et ali (Orgs.). Matrizes curriculares para o SAEB. Brasília: INEP, 1997. SANTAMARIA, Josep. Escrever textos argumentativos: uma proposta didática. In CAMPS, Anna. (Org.). Propostas didáticas para aprender a escrever. Porto Alegre: Artmed, 2006. P.113-128. SERAFINI, Maria Teresa. Como escrever textos. Rio de Janeiro: Globo, 1991. VIEIRA, Iúta Lerche. Escrita, para que te quero? Fortaleza: Demócrito Rocha;UECE, 2005.

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