Marx, Engels e a Guerra Civil americana: um contributo para a compreensão da conceção materialista da história

APEIRON Revista Filosófica dos Alunos da Universidade do Minho Student Journal of Philosophy (Portugal)

Nr. 10 Filosofia, Guerra e Democracy Philosophy, War and Democracy (04/2017)

Convidado de Honra: Guest of Honor:

Noam Chomsky (Massachusetts Institute of Technology) 1

3. Marx, Engels e a Guerra Civil Americana: um contributo para a compreensão da conceção materialista da história

Die Sache in Nordamerika wird auch heiter. Mit den Sklaven muß es sehr eklig stehn, wenn die Southerners so gewagtes Spiel spielen. Der geringste Freischarenputsch vom Norden könnte alles in Flammen setzen. Jedenfalls scheint es mit der Sklaverei, so oder so, rasch zu Ende zu gehn […]. Engels a Marx, 7 de janeiro de 1861. Spartacus erscheint als der famoseste Kerl, den die ganze antike Geschichte aufzuweisen hat. Grosser General [...], nobler Charakter, real representative des antiken Proletariats. Marx a Engels, 27 de fevereiro de 1861.

§ 1. Introdução

No presente trabalho procuramos recuperar a reflexão de Karl Marx (18181883) e Friedrich Engels (1820-1895) em torno dos EUA, particularmente, em torno da Guerra Civil Americana (1861-1865) 35. Entende-se que esta reflexão constitui um contributo relevante, apesar de pouco explorado, para a compreensão da conceção materialista da história (materialistische Geschichtsauffassung), mais precisamente, no que concerne o desenvolvimento

histórico

dos

modos

de

produção

da

vida

material

(Produktionsweise des materiellen Lebens). O contributo anunciado não é no sentido de que Marx e Engels puderam completar a sua conceção, mas no sentido de que o leitor poderá compreender melhor o que os dois autores procuraram expor. Desde logo porque a guerra deflagra quando Marx e Engels já haviam elaborado o fundamental das suas teses, estando, por isso, plenamente preparados 35

A Guerra Civil Americana, também conhecida como Guerra de Secessão, opôs nos EUA os Estados do Norte (conhecidos por União, federalistas e Yankees) aos Estados do Sul (conhecidos por Confederação, secessionistas e sulistas). Os confederados exigiam a secessão dos Estados do Sul da União e a União pretendia manter a unidade dos Estados Unidos. O início da guerra data de 12 de abril de 1861, quando as tropas do Sul atacaram o Forte Sumter que se encontrava sob a tutela do Norte, e o seu fim foi proclamado oficialmente a 9 de maio de 1865, confirmando a vitória dos Estados do Norte. Foram várias as causas avançadas para a origem da guerra, mas historicamente a escravatura parece ter ganho maior força, quer fosse por direta influência no rumo dos acontecimentos, quer por indireta. A verdade é que o marco mais relevante do pós-guerra foi mesmo a abolição da escravatura, proclamada ainda antes do fim da guerra. 49