MARX HOJE: pesquisa e transformação social - Prefácio

June 4, 2017 | Autor: Marcello Musto | Categoria: History, Political Theory, Marxism
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Sumário Apresentação....................................................................................7 Prefácio...........................................................................................15 Marcello Musto, York University

Parte I – A tradição marxista: pesquisa e transformação social 1. A atualidade do método de Marx..............................................25 Oswaldo H. Yamamoto, UFRN

2. Lukács: trabalho e ser social......................................................43 Ivo Tonet, UFAL

3. Pesquisa na tradição marxista: método e sua contribuição para as ciências humanas e sociais................................................57 Elaine Rossetti Behring, UERJ

4. O método e a teoria marxiana....................................................71 Jane Cruz Prates, PUC-RS

5. Marxismo e transformação social: tendências e contratendências.....................................................101 Carlos Montaño, UFRJ

Parte II – Questões contemporâneas à luz do marxismo 6. Capital: a verdade absoluta do ceticismo pós-moderno e adjacências....................................................................................137 Mario Duayer, UERJ

7. Educação, ideologia e práxis....................................................155 Ana Lia Almeida e Roberto Efrem Filho, UFPB

8. Marxismo e América Latina: história e possibilidades no século XXI...............................................................................173 Daniel Araujo Valença, UFERSA

9. A era das rebeliões e os desafios do marxismo.......................201 Ricardo Antunes, UNICAMP

Parte III – Psicologia e marxismo 10. A atualidade do marxismo e sua contribuição para o debate sobre a formação e atuação do profissional de Psicologia..........223 Isabel Fernandes de Oliveira e Ilana Lemos de Paiva, UFRN

11. Marxismo e pesquisa: apontamentos sobre a experiência de um Grupo de Pesquisa em Psicologia.....................................245 Raquel Souza Lobo Guzzo, PUC-Campinas

12. Marxismo e Psicologia: Notas críticas sobre epistemologismo, emancipação e historicidade.......................................................255 Fernando Lacerda Júnior, UFG

Organizadores...............................................................................277 Autores..........................................................................................279

Prefácio Marcello Musto

O (novo) renascimento de Marx

S

e a atualidade de um autor consiste em sua capacidade de estimular novas ideias, então se pode dizer que Karl Marx permanece inquestionavelmente atual. Em razão de eventos políticos ou disputas teóricas, o interesse na obra de Marx tem variado ao longo do tempo e passou por períodos de declínio. De debates sobre os problemas não resolvidos d’O Capital à tragédia do comunismo russo, a crítica às ideias de Marx parece apontar persistentemente para além do horizonte conceitual do marxismo. Ainda que sempre tenha havido um “retorno a Marx”, há uma nova necessidade de utilizar sua obra como referência, que, de tempos em tempos, tem continuado a exercer um fascínio irresistível tanto nos seus seguidores quanto nos seus críticos. Isso também foi o que aconteceu depois da queda do Muro de Berlim. Em 1989, conservadores e progressistas, liberais e pós-comunistas, quase unanimemente, decretaram o desaparecimento definitivo de Marx. Contudo, apesar de ter sido postulado como datado no final do século XX – e contra as projeções daqueles que previam seu esquecimento total –, a poeira tem sido retirada de seus livros com cada vez mais frequência, e Marx tem reaparecido neste estágio da história com uma velocidade surpreendente, em vários aspectos.

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Diante de uma nova e profunda crise do capitalismo, jornalistas e formadores de opinião, de vários círculos políticos e culturais, estão novamente buscando um autor que, no passado, era frequente e erroneamente associado à União Soviética e que foi fortemente desacreditado depois do “socialismo realmente existente”. Desde 2008, centenas de grandes jornais, revistas, canais de televisão e rádios têm estampado discussões reiteradas acerca do papel de Marx como um dos mais relevantes pensadores de todos os tempos. Tem havido um “renascimento de Marx” em quase todos os lugares. Ao redor de todo o mundo, cursos universitários e conferências sobre seu pensamento estão na moda novamente1. O Capital tornou-se mais uma vez um best-seller na Alemanha, enquanto uma versão do livro foi produzida em mangá, no Japão. Na China, uma nova edição dos trabalhos de Marx e Engels está sendo publicada (com traduções do alemão e não, como no passado, do russo), enquanto na América Latina uma nova demanda por Marx tem sido recorrente na política. Na Europa, como demonstrado com a vitória do Syriza – a Coligação da Esquerda Radical – nas eleições da Grécia, a crítica ao capitalismo e aos seus dogmas contemporâneos está de volta ao cenário político. Além disso, periódicos acadêmicos têm estado crescentemente abertos a contribuições sobre a produção de Marx e, durante os últimos anos, uma proliferação de estudos sobre sua obra tem indubitavelmente surgido. Depois de um baixo interesse nos anos 1980 e de um “silêncio conspiratório” nos anos 1990, edições novas ou republicadas dos escritos de Marx tornaram-se novamente disponíveis em quase todo lugar em que o autor era popular nos anos 1960 e 1970 (exceto na Rússia e no Leste Europeu, onde os desastres do “socialismo realmente existente”

1 O Seminário Marx Hoje, organizado pelo Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação na UFRN, é um exemplo desse fenômeno.

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ainda estão muito recentes para um renascimento de Marx). Novos estudos sobre Marx têm produzido resultados importantes e inovadores nos muitos dos campos em que têm florescido.

A edição MEGA: novos naminhos de pesquisa A contribuição acadêmica mais significativa para o atual “renascimento de Marx” vem da continuidade da Marx-EngelsGesamtausgabe (MEGA), a edição completa dos escritos de Marx e Engels. Depois da morte de Marx, em 1883, Friedrich Engels foi o primeiro a dedicar-se a essa tarefa tão difícil de editar o legado de seu amigo – devido à dispersão do material, da obscuridade da linguagem e da ilegibilidade dos manuscritos. Seu trabalho concentrou-se na reconstrução e seleção dos materiais originais, na publicação dos textos ainda não publicados ou incompletos e, ao mesmo tempo, nas republicações e traduções, em novas línguas, dos escritos de Marx já conhecidos. Mesmo se houvesse exceções, tais como o caso das Teses sobre Feuerbach, publicadas em 1888 como apêndice de sua obra Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã, e Crítica ao Programa de Gotha, que vieram a público em 1891, Engels focou quase exclusivamente no trabalho editorial d’O Capital, do qual Marx havia publicado apenas o primeiro volume. Depois da morte de Engels, o encarregado esperado pela opera omnia2 de Marx e Engels não poderia ter sido ninguém menos que o Partido Social-Democrata da Alemanha, titular de seus Nachlaß (direitos) e cujos líderes Karl Kautsky e Eduard Bernstein possuíam as melhores competências linguísticas e teóricas. Entretanto, os conflitos políticos dentro do Partido não apenas impediram a publicação da maior e mais relevante parte dos trabalhos de Marx, como também ocasionaram a dis-

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Do Latim: toda a obra.

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persão de seus manuscritos, comprometendo qualquer possibilidade de uma edição sistemática. Inacreditavelmente, o Partido Social-Democrata da Alemanha não finalizou o trabalho, tratando o legado literário de Marx e Engels com o máximo de negligência. Nenhum de seus teóricos reuniu uma lista cuidadosa dos manuscritos de seus dois fundadores. Ninguém se dedicou a coletar suas correspondências, a despeito do fato de que esta foi claramente uma fonte muito útil de esclarecimento acerca dos seus escritos. A primeira tentativa de publicar as obras completas de Marx e Engels, a Marx-Engels-Gesamtausgabe (MEGA), deu-se apenas nos anos de 1920, na União Soviética. Ainda, no começo dos anos 1930, o stalinismo, que também alcançou os principais acadêmicos envolvidos no projeto, e o advento do Nazismo na Alemanha interromperam abruptamente os trabalhos nessa edição. A MEGA, planejada para ser uma reprodução fiel com um aparato crítico extensivo de todos os escritos dos dois pensadores, iniciada em 1975, também foi interrompida; desta vez, como resultado da queda do Muro de Berlim. Em 1990, com o intuito de continuar a edição, o Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis, de Amsterdam, e o museu Karl Marx Haus, em Trier, formaram o Internationale Marx-Engels-Stiftung. Depois de uma fase difícil de reorganização, em que novos princípios editoriais foram aprovados, a publicação da MEGA recomeçou em 1998. A edição está dividida em quatro seções: a primeira inclui todas as obras, artigos e rascunhos, excluindo O Capital; a segunda inclui O Capital e seus estudos preliminares de 1857; a terceira é dedicada à correspondência trocada entre Marx e Engels; enquanto a quarta contém trechos, anotações e notas marginais. Dos 114 volumes planejados, 58 já foram publicados (18 reiniciados desde 1998), cada qual consistindo em dois livros: o texto mais o aparato crítico, que contém os índices e muitas notas adicionais. Esse empreendimento tem uma grande importância,

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considerando que uma parte substancial dos manuscritos preparatórios de Marx d’O Capital, de sua correspondência volumosa e do imenso montante de trechos e anotações comuns enquanto o autor lia nunca foram publicadas antes da MEGA.3 Devido à importância dessas novas publicações, o Marx que ora emerge é, em muitos aspectos, diferente daquele que foi apresentado tanto por seus críticos quanto por seus ostensivos seguidores. As estátuas de pedra que delineavam o caminho para o futuro com uma certeza dogmática nas praças de Moscou e Pequim deram espaço para a imagem de um pensador profundamente autocrítico que, sentindo a necessidade de devotar energia para os estudos futuros e verificando seus próprios argumentos, deixou inacabada a maior parte de seu trabalho de uma vida. Qualquer outra contribuição rigorosa à pesquisa sobre Marx, no Brasil ou em qualquer parte do mundo, terá que levar em conta as novas aquisições textuais MEGA.

Não apenas um clássico Libertada da irritante função de instrumentum regni4, à qual foi designada no passado, e das correntes do marxismo-leninismo do qual está certamente separada, a obra de Marx tem sido reempregada em novos campos do conhecimento. A completa revelação de seu precioso legado teórico, tomado de supostos e presunçosos proprietários e dos modos de usos restritos, tem tornado possível esse processo. Entretanto, se Marx não figura mais como uma esfinge cravada protegendo o velho “socialismo realmente existente” do século XX, seria igualmente equivocado acreditar que seu legado político e teórico pode ser confinado a um passado que não tem nada a contribuir com os conflitos

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Cf. Marcello Musto, “A redescoberta de Karl Marx”, Margem Esquerda, n. 13 (2009): 51-73.

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Do Latim: instrumento de governo.

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atuais. Relegar Marx à posição de clássico embalsamado, útil apenas à academia, seria um erro tal qual sua transformação em uma fonte doutrinária do “socialismo realmente existente”. A redescoberta de Marx está baseada em sua capacidade persistente de explicar o presente: ele permanece como um instrumento indispensável para entendê-lo e transformá-lo. Depois de anos de manifestos pós-modernos, de falas solenes sobre o “fim da história” e da ênfase às ideias vazias da “biopolítica”, o valor das teorias de Marx está sendo reconhecido novamente, de modo cada vez mais extensivo. Quando Marx escreveu O Capital, o modo de produção capitalista ainda não estava completamente desenvolvido, ainda que ele tenha previsto que este seria expandido em escala global e tenha formulado suas teorias a partir dessa base. Atualmente, após o colapso da União Soviética e à difusão da economia de mercado a novas áreas do planeta, como a China, o capitalismo tem se tornado um sistema verdadeiramente mundial. Ademais, o capitalismo não se expandiu apenas geograficamente, mas também em todos os aspectos da vida contemporânea. Invadiu e deu forma a todos os aspectos da existência humana. Não está apenas determinando nossas vidas durante nossas jornadas de trabalho – uma parte da vida humana que, depois de três décadas de neoliberalismo, expandiu dramaticamente, em detrimento das descobertas científicas e o aumento geral das riquezas – mas também tem transformado as relações sociais. Uma destas certamente são as transformações trazidas pela também chamada globalização. A despeito de todas as transformações profundas, Marx ainda apresenta atualmente um rico espectro de ferramentas com as quais se entende tanto a essência quanto o desenvolvimento do capitalismo. Ele não é meramente um grande clássico da Economia e um pensador político, mas um autor que dispõe de ideias que se provam mais férteis do que em seu próprio tempo. É claro que os escritos que Marx produziu há um século e meio não contêm uma descrição precisa do mundo de hoje. Porém, se sua

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análise for atualizada e aplicada à maioria das situações recentes de desenvolvimento, ela pode ajudar a explicar muitos problemas que estão se manifestando intensamente em nossos tempos. Depois de trinta anos nos quais as odes ao mercado tiveram que enfrentar apenas o vácuo dos múltiplos pós-modernismos, a nova habilidade de pesquisar a partir dos ombros de um gigante como Marx é um progresso positivo não apenas para todos os pesquisadores interessados em uma compreensão séria de nossa sociedade contemporânea, mas também para qualquer sujeito envolvido com a questão teórica e política de busca por uma alternativa para o capitalismo. O que fica de Marx hoje? Quão útil é seu pensamento para a luta por emancipação? Que parte de sua obra é mais fértil para estimular a crítica aos nossos tempos? Estas são algumas das questões que recebem largamente várias respostas. Se o ressurgimento contemporâneo de Marx tem uma certeza, esta recai sobre uma rejeição da ortodoxia e do dogmatismo que dominaram no passado e profundamente condicionaram a interpretação desse pensador. A tarefa de responder a esta nova situação está atribuída à pesquisa, teórica e prática, de uma geração emergente de ativistas políticos e acadêmicos. Este livro, com contribuições tanto de autores estabelecidos quanto de jovens pesquisadores, e escrito no Brasil, um dos países do mundo onde a análise de Marx tem sido cada vez mais demandada, representa uma útil contribuição nessa direção. Reconhece-se que, sem Marx, estaríamos todos mais pobres e que qualquer crítica séria e radical ao capitalismo estaria condenada a uma afasia grave.

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