Matemática e Malabarismo

May 27, 2017 | Autor: Belmira Mota | Categoria: Mathematics, Juggling
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Doutoramento em Ensino e Divulgação das Ciências Belmira Mota

Matemática e Malabarismo Trabalho orientado por António Machiavelo

Walt Kuhn, Juggler, 1934

Introdução    

O malabarismo é uma arte bem conhecida e que, normalmente, associamos a atividades lúdicas. No entanto, existem aplicações do malabarismo que ultrapassam largamente o entretenimento. É complexo o bastante para possuir propriedades interessantes, mas com um grau de dificuldade simples o suficiente para permitir a sua modelagem e providencia o contexto necessário para ser estudado em diferentes ramos da ciência. Um deles é o estudo do movimento humano e a coordenação dos movimentos. Outro é a robótica e a construção de máquinas de malabarismo. O terceiro é a Matemática: os padrões malabares possuem aplicações numéricas surpreendentes (Beek & Lewbel, 1995). Interessa pois conhecer as origens desta arte milenar, desde que representava apenas um entretenimento até ser estudada no âmbito da Matemática, na segunda metade do século XX. Entender quando uma sequência de números inteiros poderá ser traduzida num número de malabarismo foi um dos tópicos estudados por vários matemáticos. Palavras-chave: padrão malabar, diagrama malabar, cartões malabares

 

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Breve  contextualização  histórica    

A evidência mais antiga da existência de lançamentos malabares remonta ao período de 1994 – 1781 A.E.C., no cemitério de Beni Hassan, localizado no Egito. Este cemitério possui 150 túmulos. O túmulo número 15, de um príncipe egípcio desconhecido, contém o registo mais antigo de atividades malabares (Beek & Lewbel, 1995; Lewbel, 1995; Newberry & Fund, 1893; Polster, 2003).

Figura 1 – Tradução das inscrições do túmulo número 15, do cemitério de Beni Hassan, Egito, com o registo de atividades malabares (Newberry & Fund, 1893, p. 41).

Figura 2 – Ilustração nas paredes do túmulo número 15, do cemitério de Beni Hassan, Egito (Newberry & Fund, 1893, p. 94)  

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Outro exemplo é uma estátua em terracota, que se encontra no Museu Nacional de Berlim, datada de cerca de 200 A.E.C., encontrada na antiga cidade de Tebas, e que representa um homem com bolas equilibradas em diferentes partes do seu corpo.

Figura 3 – Estátua em terracota do Museu Nacional de Berlim (Lewbel, 1995, p. 2) Existem evidências da prática do malabarismo ao longo dos séculos e, atualmente, continua a ser praticado e apreciado, quer no meio artístico, quer no académico. No antigo Egipto, tal como na Índia, China, Japão, Irão e nas Américas, o malabarismo fazia parte de rituais religiosos. Era desempenhado por alguém com ligações divinas. Os gregos e os romanos parecem ter transformado esta arte em algo mais leve, colocando-a na mesma categoria da ginástica dos truques de magia. Na Idade Média, os menestréis ambulantes eram frequentemente malabaristas (Buhler & Graham, 1984). No século XIX, o malabarismo começou a ganhar legitimidade como uma arte de direito próprio. No início do século XX todos os teatros de variedades ou circos apresentavam um número de malabarismo (Buhler & Graham, 1984). Porém, o primeiro estudo científico conhecido surgiu apenas em 1903. Edgar James Swift publicou um artigo no American Journal of Psychology, onde documenta a taxa segundo a qual alguns alunos aprendem a lançar duas bolas com uma mão.  

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Averiguou se existia uma curva típica na aquisição desta habilidade e, em caso afirmativo, pretendia determinar a sua forma geral (Beek & Lewbel, 1995). A análise dos resultados deste estudo indicaram que: •

As curvas de aprendizagem, de um truque malabar, são côncavas sobre o eixo vertical, indicando que o progresso começa por ser lento para depois se tornar mais rápido. Todas demonstram uma grande irregularidade no progresso, que nunca é contínuo. Faz-se sempre por “saltos”, intercalados por períodos onde não se verifica qualquer progresso;



A condição física geral do sujeito influencia fortemente a sua habilidade no arremesso de bolas, assim como a eficácia na aquisição do domínio do truque malabar (Figura 4).



Um esforço substancial não conduz, necessariamente, a uma aprendizagem efetiva. Por outro lado, os factores emocionais parecem interferir no processo de aprendizagem (Figura 5).

 

 

                     Mão  direita  

 

 

                       Mão  esquerda  

Figura 4 – Curva de aprendizagem de um indivíduo que manteve, desde criança, uma atividade física intensa. Apresentou uma evolução estável ao longo de todo o processo. (Swift, 1903, p. 206).  

4  

 

 

Mão  direita    

 

         Mão  esquerda  

Figura 5 – Curva de aprendizagem de um indivíduo cujos familiares próximos estiveram doentes, durante o período em que durou o estudo. Verificou-se uma aprendizagem regular durante os primeiros sete dias. Seguidamente observou-se uma regressão, que coincidiu com os problemas de saúde dos familiares (Swift, 1903, p. 206).

 

5  

Teorema  de  Shannon    

O estudo das relações entre o malabarismo e a matemática surgiu apenas na década de 1970 no Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), onde foi criado um dos primeiros clubes de malabarismo e que ainda se mantém em funcionamento. Foi também nesta instituição que Claude E. Shannon criou as suas máquinas malabares e formulou o seu teorema malabar (Beek & Lewbel, 1995).

Figura 6 – Máquina Malabar de Shannon Consideremos um movimento malabar que utiliza B bolas e M mãos e sejam: •

R – tempo que cada bola permanece em repouso (na mão) após ser apanhada;



L – tempo que a mão permanece livre entre o lançamento e a chegada da bola;



A – tempo que a bola permanece no ar entre o lançamento e a captura. O teorema malabar de Shannon aplica-se apenas a movimentos malabares

uniformes, ou seja, um movimento em que cada mão não segura mais do que uma bola simultaneamente e em que os lançamentos são todos iguais, pelo que R , L e A assumem sempre o mesmo valor para todos os lançamentos (podendo, naturalmente, ser diferentes entre si) (Yam & Song, 1998).

 

6  

Teorema Malabar de Shannon Consideremos um movimento malabar uniforme onde B bolas são lançadas por M mãos. Então, verifica-se a igualdade: R+ A B . = R+ L M

Demonstração: Este teorema pode ser deduzido observando um ciclo malabar. Primeiro segundo a perspetiva da bola e, depois, de acordo com a perspetiva da mão, tal como se encontra representado na Figura 7:

Figura 7 – Representação esquemática do Teorema Malabar de Shannon, numa cascata de três bolas Na realidade, este teorema é uma aplicação da dupla contagem: contabiliza-se ou mede-se algo de dois modos diferentes (neste caso o tempo malabar) e usa-se o facto de os dois resultados terem de ser iguais. Se observarmos a trajetória de uma bola de acordo com a perspetiva duma mão, por exemplo a mão direita, observamos que, desde o primeiro instante que ela contém a bola até ao instante seguinte, em que irá apanhar as duas bolas restantes, existirão instantes em que não conterá qualquer bola. Já de acordo com o ponto de vista da bola, ela estará um determinado tempo na mão direita, será lançada para a mão esquerda e, após mais um lançamento, regressará à mão direita.  

7  

Mas, o tempo que uma bola demora a visitar todas as mãos, M ( R + A ) , é exatamente o mesmo que é necessário para uma mão ter apanhado todas as bolas, ou seja, M ( R + A ) = B ( R + L ) . Daqui resulta que

R+ A B . = R+ L M

Padrões  malabares   O malabarismo pode ser analisado matematicamente de, pelo menos, duas maneiras: através da dinâmica, o estudo de objetos em movimento; e através da combinatória, o estudo do número de modos diferentes que objetos e grupos podem ser combinados (Buhler & Graham, 1984). Os padrões malabares mais básicos são a cascata, o chuveiro e a fonte. Na cascata, cada objeto passa duma mão para a outra e regressa à mesma mão, percorrendo uma trajetória que se assemelha ao símbolo do infinito. O malabarista geralmente começa com dois objetos na mão direita. Quando o primeiro objeto atinge a altura máxima, ele lança o segundo com a mão esquerda e, quando o segundo objeto atinge a altura máxima, lança o terceiro e assim sucessivamente. Assim que todas as bolas estão em movimento, o malabarista nunca tem mais que uma em cada mão. Malabaristas experientes podem manter no ar três, cinco ou até sete bolas, mas nunca um número par de bolas (Engels & Mauw, 2002).

Figura 8 – Cascata de três bolas (Beek & Lewbel, 1995, p. 96) No chuveiro, os objetos seguem uma trajetória mais ou menos circular. Os objetos são lançados pela mão direita, apanhados pela mão esquerda e passados  

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rapidamente para a mão direita para serem lançados novamente. Neste padrão é possível lançar tanto um número ímpar ou um número par de objetos.

Figura 9 – Chuveiro de três bolas (Beek & Lewbel, 1995, p. 96) Um malabarista que pretende manter um elevado número par de objetos em movimento recorre, normalmente, ao terceiro padrão – a fonte (também denominado por catarata). Para criar uma fonte de quatro objetos, o malabarista começa com duas bolas em cada mão e as duas mãos lançam-nas separadamente num movimento circular.

Figura 10 – Fonte de quatro bolas (Beek & Lewbel, 1995, p. 96)

 

9  

Matemática  e  Malabarismo   Irá assumir-se que existe um número fixo de objetos (que serão denominados “bolas”, por conveniência) e serão considerados os instantes em que cada bola é lançada. Para denotar e contabilizar o número de instantes que cada bola permanece no ar, considera-se uma linha temporal com uma escala associada. Cada unidade desta escala denomina-se tempo. Por uma questão de simplicidade, iremos assumir que cada bola é apanhada e lançada imediatamente em cada tempo (estilo batata-quente) e que as mãos esquerda e direita revezam-se nesta tarefa. Isto significa que, em cada tempo, existe, no máximo, uma bola que é apanhada e lançada novamente. Quanto maior for a altura que a bola atinge, mais tempos permanece no ar. Denominamos um lançamento, que dura n tempos, por n –lançamento ou um lançamento de altura n . Executar um 0–lançamento, significa que naquele instante nenhuma bola foi lançada ou apanhada. Um 1–lançamento é um lançamento com uma trajetória rectilínea, mais ou menos horizontal, lançado de uma mão para a outra. Em teoria, um 2–lançamento é um lançamento breve de uma bola que é lançada e apanhada pela mesma mão. Porém, na prática, os malabaristas executam um 2– lançamento mantendo uma bola numa mão durante dois tempos, enquanto que a outra mão apanha uma outra bola. Denominamos um lançamento 1–lançamento, 2– lançamento, 3–lançamento, etc., quando se mantém uma bola exatamente 1, 2, 3, etc. tempos no ar (Polster, 2003). Para evitar preocupações com o início e o fim de um número de malabarismo, vamos assumir que o nosso malabarista o executa para sempre. Assim, registando as alturas de cada lançamento, chegamos a uma sequência de números que se irá repetir indefinidamente e concentrar toda a informação acerca da sucessão de ações de cada uma das mãos, alternadamente. Iremos denominar esta sequência de números por padrão malabar. Os números de um padrão malabar são denominados alturas. Isto significa que, por exemplo, as sequências de números 501, 150, 015 e 501501501 representam o mesmo padrão malabar. Dadas as limitações físicas do malabarista, iremos assumir que cada lançamento tem, no máximo, altura 9. Isto significa que um padrão malabar como, por exemplo, 441 é uma abreviatura de 4, 4, 1 e não de 44,1 que teria lançamentos de alturas 44 e 1. Ao truque malabar associado ao padrão 5,  

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fazemos corresponder a sequência de números: 5555 .... As sequências finitas de números que representem padrões malabares são denominadas sequências malabares. De entre todas as sequências que representam o mesmo padrão malabar, aquelas que têm o menor número de algarismos denominam-se sequências mínimas. Por exemplo, as sequências 501501, 150, 501501501501, 015, 105105105, 501, representam o mesmo padrão malabar, mas apenas 015, 150 e 501 são sequências mínimas. O período duma sequência malabar é o comprimento de uma qualquer sequência mínima associada ao padrão malabar em causa, não sendo difícil ver que todas essas sequências mínimas têm o mesmo comprimento. Dada uma sequência mínima, α , de período p , todas as sequências malabares obtidas pela justaposição de um número finito de cópias ou permutações cíclicas de α , terão período p e representarão o mesmo padrão malabar, pelo que se denominam sequências equivalentes. Pelo exposto, conclui-se que existem, no máximo, p sequências mínimas associadas ao mesmo padrão malabar, que correspondem ao número de permutações cíclicas de uma sequência com p elementos.

Diagramas  malabares    

A questão que imediatamente se levanta é se existem sequências finitas de números inteiros não negativos que não representam sequências malabares. Claro que dadas as limitações físicas do malabarista, com toda a certeza que não é possível efetuar um padrão malabar utilizando a sequência 1, 1, 99999. No entanto, se assumirmos que não existem limitações físicas, que condições deve reunir uma sequência para poder representar um padrão malabar? Um modo simples de verificar se uma sequência pode, ou não, ser um padrão malabar consiste em construir o seu diagrama malabar. Na figura abaixo encontra-se o diagrama malabar da sequência 501.

 

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Figura 11 – Diagrama malabar da sequência 501 Os círculos brancos representam a mão esquerda e os círculos pretos, a direita, por exemplo. Os arcos representam os diferentes lançamentos ao longo duma linha temporal virtual formada por pontos (que representam as duas mãos do malabarista) equidistantes, em que cada unidade representa um tempo. Observando este diagrama podemos afirmar que a sequência 501 pode representar um padrão malabar, dado que em cada tempo existe, no máximo, uma bola que é apanhada e lançada novamente. O exemplo duma sequência que não representa um padrão malabar é 21, tal como se pode confirmar, através da construção do respetivo diagrama malabar representado na Figura 12.

Figura 12 – Diagrama malabar da sequência 21 Para poder efetuar esta sequência, o malabarista teria de apanhar e lançar duas bolas simultaneamente e ainda teria de materializar e desmaterializar algumas bolas.

 

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Teorema Malabar 1 Dada a uma sequência finita de números inteiros, α , consideremos uma das suas sequências mínimas e o respetivo diagrama malabar. A sequência α representa um padrão malabar se, em cada ponto, do diagrama malabar: ou existe exatamente um arco que termina e outro que se inicia, ou nenhum arco termina e começa1.

Detetor  malabar  algébrico    

Dada uma sequência de período p , α = a0 a1a2 ...a p−1 , construímos uma

segunda sequência: β = b0b1b2 ...b p−1 onde:

bi = ai + i

( 0 ≤ i ≤ p − 1) .

Seguidamente, construímos a sequência de teste, ϕ = c0 c1c2 ...c p−1 onde:

ci = bi ( mod p ) . Teorema Malabar 2 Uma sequência representa um padrão malabar se e só se todos os elementos da sequência de teste são diferentes. Demonstração: Consideremos a sequência de período p , α = a0 a1a2 ...a p−1 , e a sequência

β = b0b1b2 ...b p−1 onde: bi = ai + i

( 0 ≤ i ≤ p − 1) ,

assim como a sequência de teste

ϕ = c0 c1c2 ...c p−1 que satisfaz: ci = bi ( mod p ) . Suponhamos que ci = c j , para alguns 0 ≤ i < j ≤ p − 1 . Então

bi = pni + ci e b j = pn j + ci para alguns ni ,n j ∈! 0 . Tem-se que:

(

)

ai − a j = j − i + n j − ni p Comecemos por considerar que n j = ni . Então ai − a j = j − i .                                                                                                                 1  todos os pontos sem arcos correspondem a 0–lançamentos   2  Uma prova deste teorema encontra-se no livro Mathematics of Juggling, de Burkard   13  



Se a j ≠ 0 , existe uma colisão de duas bolas, tal como está ilustrado na Figura 13. Conclui-se, portanto, que a sequência não representa um padrão malabar.

ai

aj  

i

 

j Figura 13



Se a j = 0 , ai = j − i , ou seja, j = i + ai . O que significa que no instante j há uma bola recebida que não é lançada, pois a j = 0 . Este caso encontra-se ilustrado na Figura 14.

Figura 14 Consideremos agora n j > ni •

   

Se a j ≠ 0 , então ai − a j = j − i + kp , onde k ∈! , pelo que ai = a j + j − i + kp . Por outro lado, a j+kp = a j . Então,

ai − a j+kp = ai − a j = a j + j − i + kp − a j = j + kp − i pelo que somos conduzidos a uma situação análoga à anterior, ou seja, existe a colisão de duas bolas, tal como está ilustrado na Figura 15, e conclui-se que a sequência não representa um padrão malabar.  

14  

Figura 15 •

Se a j = 0 , ai = j − i + kp , ou seja, j + kp = ai + i . Além disso, a j+kp = a j = 0 , pelo que no instante j + kp existe uma bola que é recebida, mas não é lançada novamente, tal como se encontra ilustrado na Figura 16.

Figura 16

 

15  

Reciprocamente, seja α = a0 a1a2 ...a p−1 , uma sequência de período p , cuja sequência de teste possui todos os elementos diferentes. Suponhamos que α não é uma sequência malabar. Então, ou existem duas bolas a colidirem, ou existe uma bola que é apanhada mas não é lançada novamente. Se duas bolas colidem, existem i, j ∈! 0 , 0 ≤ i < j ≤ p − 1 tais que:

ai − a j = j − i + kp , k ∈! 0 . Como bi = ai + i e b j = a j + j , resulta que bi = a j + j − i + kp + i = a j + j + kp = b j + kp . Consequentemente, ci = c j , o que é um absurdo. No segundo caso, existem i, j ∈! 0 , 0 ≤ i < j ≤ p − 1 tais que ai ≠ 0 e a j = 0 . Como ai + i = a j + j = j , segue que b j = a j + j = ai+ai + ( i + ai ) = 0 + ( i + ai ) = i + ai , pelo que se conclui que ci = c j , o que é um absurdo. ! Consequências do Teorema (1) Adicionar o período a um dos elementos duma sequência malabar não altera a respetiva sequência de teste. Obtém-se, deste modo, um método simples para a construção de novas sequências malabares: basta adicionar o período a, pelo menos, um dos seus elementos. Por exemplo, 501 é uma sequência malabar de período 3. Ao adicionarmos 3 ao número 1, obtemos a sequência 504. Aplicando o teorema malabar 2, verificamos que 504 também é uma sequência malabar, dado que todos os elementos da sequência de teste são distintos. (2) Uma sequência obtida duma sequência malabar a partir duma permutação dos seus elementos, normalmente, não é uma sequência malabar. Por exemplo, 123 é uma sequência malabar e 213 não. (3) Pelo exposto, deduz-se que, ao trocar dois elementos consecutivos numa sequência malabar, normalmente, não se obtém uma sequência malabar. Por exemplo, 501 é uma sequência malabar e 510 não o é (a sequência de teste terá dois elementos iguais a 2). No entanto, obtém-se sempre uma nova sequência malabar se trocarmos a ordem de dois elementos consecutivos, adicionando uma unidade ao que se desloca para a esquerda e subtraindo uma  

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unidade ao que se desloca para a direita (desde que não seja o número zero). Dito de um outro modo, se XmnY é um determinado padrão malabar, onde X e Y designam sequências (eventualmente vazias) de números, então

X ( n + 1) ( m − 1)Y também é um padrão malabar. Esta operação denomina-se site-swap e foi introduzida pela primeira vez por Paul Klimek. Mas a sua primeira utilização surgiu através de Bruce Tiemann e Bengt Magnusson, em 1991, num artigo da revista Juggler’s World (Tiemann & Magnusson, 1991). Se aplicarmos esta operação à sequência malabar 44, obtemos a sequência 53, o que significa que os locais (mãos) e tempos de aterragem nas duas sequências são permutados. Na primeira sequência, as bolas são apanhadas na mesma ordem com que são lançadas, mas na segunda, a segunda bola lançada é apanhada antes da primeira, tal como se encontra ilustrado na Figura 17.

Figura 17 – Diagramas malabares das sequências 44 e 35 Se o malabarista dispusesse de mais do que duas mãos, ou seja, de vários locais (sites) para a “aterragem” das suas bolas, à medida que efetuasse uma destas operações, cada bola iria aterrar num local diferente. Esta foi a razão da escolha do termo site-swap para este tipo de operações. (Tiemann & Magnusson, 1991). Utilizando repetidamente operações site-swap e permutações cíclicas, podemos transformar qualquer sequência malabar na sequência malabar constante. Esta operação pode ser usada para decidir se uma dada sequência é ou não uma sequência malabar. Por exemplo: 56612  

56252

56234

53534

53444

44444 17  

mostra que a sequência 56612 é malabar, uma vez que a última sequência corresponde a um 4–lançamento.

Teorema Malabar 3 Qualquer sequência malabar pode ser transformada numa sequência malabar constante utilizando operações site-swap e permutações cíclicas. Inversamente, qualquer sequência malabar pode ser construída a partir duma sequência malabar constante utilizando operações site-swap e permutações cíclicas.2 Número de bolas Através do diagrama malabar é possível conhecer o número de bolas utilizadas, bastando contar o número de arcos acima dum determinado ponto situado entre dois tempos consecutivos. No entanto, este processo não é o mais prático, dado que nem sempre é fácil construir o diagrama malabar. O resultado seguinte fornece um método prático para a determinação do número de bolas utilizadas numa dada sequência malabar. O resultado seguinte fornece um método prático para a determinação do número de bolas utilizadas no truque malabar associado a uma dada sequência. Teorema Malabar 4 O número de bolas necessárias a uma sequência malabar corresponde à média aritmética dos números da sequência. Este Teorema foi provado por Polster em The Mathematics of Juggling, utilizando a operação site-swap. O Teorema Malabar 3 permite a transformação de qualquer sequência malabar numa sequência constante ccc...c. Por outro lado, de cada vez que é aplicada a operação site-swap, a média da sequência mantém-se a mesma, tal como o número de bolas utilizadas. Dado que, na sequência constante, a média e o                                                                                                                 2  Uma prova deste teorema encontra-se no livro Mathematics of Juggling, de Burkard Polster.   18  

número de bolas necessárias são iguais a c, deduz-se que o número de bolas corresponde à média aritmética da sequência malabar. Notas: (1) Este resultado permite concluir que qualquer sequência cuja média não seja um número inteiro não representa uma sequência malabar. (2) É importante notar que o facto da média duma sequência ser um número inteiro não é uma condição suficiente para esta representar uma sequência malabar. No entanto, dada uma sequência cuja média seja um número inteiro, esta pode sempre ser transformada numa sequência malabar. Uma prova deste último resultado encontra-se em Mathematics of Juggling, de Burkard Polster.

Cartões  malabares   Dado que, a cada número inteiro corresponde uma sequência malabar constante igual a esse número, existe um número infinito de sequências malabares. Existem três parâmetros associados a cada sequência malabar: •

b – número de bolas;



m – o número máximo da sequência;



p – o período da sequência.

Existem limites físicos para estes parâmetros no que diz respeito ao malabarismo. Seria impossível um malabarista conseguir lançar 1000 objetos, ou manter um objeto no ar durante uma hora. Aliás, o número máximo de objetos lançados (12) foi atingido por, apenas, três malabaristas, em datas diferentes: Bruce Sarafian (1996), Peter Bone (2006) e Sam Hartford (2010). Mas, limitando apenas um dos parâmetros, não se limita o número de sequências malabares possíveis. Ao limitar, por exemplo, o número de bolas, continua a ser possível construir um número infinito de sequências, dado que não existiria limite para o número máximo da sequência ou para o período. Comecemos por limitar o número de bolas, b , e o período, p . Dado que o número de bolas corresponde à média dos números da sequência malabar, limitando o  

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número de bolas e o período, também limitamos a altura máxima. De facto, é fácil verificar que a altura máxima atingida é igual a bp e ocorre na sequência bp,0,0,...,0 . Deduz-se assim que é necessário limitar, pelo menos, dois dos parâmetros em ordem a conseguir definir um número finito de sequências. Em 1996, Richard Ehrenborg e Margaret Readdy introduziram a ideia dos “cartões malabares”:

Figura 18 – Os três cartões malabares introduzidos por Richard Ehrenborg e Margaret Readdy: C0 ,C1 e C2 para sequências malabares simples que utilizam, no máximo, três bolas. Cada cartão tem três caminhos, e um desses caminhos segue em direção a um ponto da linha temporal (a mão do malabarista). Suponhamos que existe um número infinito de cópias de cada um destes cartões. Selecionando d cartões, colocando-os lado a lado, e repetindo o padrão periodicamente, obtemos uma imagem dum padrão malabar que utiliza, no máximo, três bolas que se deslocam da esquerda para a direita. Cada linha horizontal corresponde a uma bola que permanece no ar, ou que não é utilizada. Por exemplo, se utilizarmos apenas o cartão C0 , obtemos uma imagem com duas linhas horizontais e abaixo existe uma bola que é apanhada em cada unidade de tempo, o que significa que estamos a efetuar o padrão malabar 111... ou 1–lançamento. Se o cartão C2 não for utilizado, obtém-se uma imagem com (pelo menos) uma linha horizontal contínua, o que significa que, no máximo, são utilizadas duas bolas. Cada cartão traduz a trajetória da bola que é apanhada no instante i , a partir do momento em que esta inicia o seu movimento descendente. A linha que a   20  

representa começa por ser decrescente para, após ser apanhada, representar um movimento ascendente. Dado que, em cada instante, apenas pode ser apanhada uma única bola, as remanescentes devem permanecer no ar. As outras linhas, que representam as trajetórias das bolas que restam, ou são horizontais, ou traduzem o movimento de uma bola em trajetória ascendente. Em 2003, Burkard Polster, de modo a poder incluir as sequências malabares com 0–lançamentos, introduziu mais um cartão, de tal modo que, o cartão Ck apresenta k − 1 , ( 0 ≤ k ≤ 3) pontos de interseção.

Figura 19 – Os quatro cartões malabares C0 ,C1 ,C2 ,C3 que podem ser utilizados para construir todas as sequências malabares que utilizam, no máximo, três bolas. Seja α = a0 a1a2 ... a p−1 uma sequência malabar de período p que utiliza, no máximo, b bolas. À sequência α irá corresponder um diagrama malabar. A cada ai

( 0 ≤ i ≤ p − 1)

corresponderá um dos cartões C0 , C1 , C2 , ..., Cb .

Se ai = 0 , coloca-se a cartão C0 acima de ai . Consideremos agora o caso em que ai ≠ 0 para 0 ≤ i ≤ p − 1 . Se ai ≠ 0 , existe um arco, di , no diagrama malabar que termina em ai . O cartão correspondente a ai irá descrever o movimento descendente da bola que termina o seu percurso nesse instante i . Mais exatamente, irá traduzir o percurso do arco di a partir do instante em que atinge o seu máximo, ou seja, ao longo do período de tempo correspondente à descida da bola. A seleção do cartão dependerá do número de pontos de interseção de

di com os restantes arcos. As condições que o percurso de um determinado arco deverá reunir para ser selecionada a carta Cb serão descritas em seguida.  

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Método para a representação de uma sequência malabar Consideremos o diagrama malabar associado à sequência malabar, de período p , α = a0 a1 ...a p−1 que utiliza, no máximo, b bolas. Seja k , com 0 ≤ k ≤ b − 1 , o

número de pontos de intersecção do semi-arco, di , com os arcos d j , i < j ≤ p − 1 . Se todos estes k pontos corresponderem a instantes em que d j , i < j ≤ p − 1 descreve o movimento ascendente, então fazemos corresponder a ai a carta Ck+1 , que tem k pontos de interseção. Os pontos de interseção de di com outros arcos que também se encontram no seu movimento descendente devem ser ignorados, tal como se encontra ilustrado na Figura 20.

Figura 20 – Representação da sequência malabar 441 recorrendo aos cartões malabares Vejamos porque este arranjo de cartões permite, de facto, descrever o movimento dado, α .

 

22  

Suponhamos que existe um ponto em que os dois arcos se encontram no seu movimento descendente (ver Figura 21).

aj

ai

Figura 21 Temos duas situações a considerar: 1. a j < i − j Se a j < i − j , o arco que inicia o seu movimento em a j não interseta o arco di , dado que a altura máxima atingida é proporcional ao tempo de duração do movimento malabar. No entanto, terá de existir um j < θ < i tal que aθ > i − θ e, portanto, o arco que inicia o seu movimento em aθ irá intersetar o arco di .

 

23  

a) Se este ponto de interseção ocorrer quando este novo arco se encontra no seu movimento ascendente:

Figura 20 utilizam-se os cartões:

Figura 21

 

24  

b) Se este ponto de interseção ocorrer quando este novo arco se encontra no seu movimento descendente

Figura 22 Seja β o instante final do arco que inicia o seu movimento em ai então dβ intersetará o arco que inicia o seu movimento em ai quanto este se encontra no sentido ascendente e o primeiro no sentido descendente, pelo que obteremos:

...

...

...

Figura 23 2. a j > i − j Se a j > i − j e o arco, que inicia o seu movimento em a j , intersetar o arco correspondente a ai quando se encontra no seu movimento ascendente:  

25  

Figura 24 utilizamos as cartas:

...

aj

ai Figura 25

Caso contrário, seremos reconduzidos ao ponto b) da situação 1..

 

26  

Dado que com b + 1 cartões malabares é possível construir todas as sequências malabares que utilizam, no máximo, b bolas, recorrendo à análise combinatória, deduz-se o seguinte: Teorema: O número de sequências malabares distintas de período p é dado por: a)

(b + 1) p

b)

(b + 1) p − b p

se forem utilizadas no máximo b bolas; se forem utilizadas, exatamente, b bolas (note-se que, se a carta

Cb não for utilizada, o número de bolas da sequência malabar é inferior a b , dado que existe pelo menos uma linha horizontal na sua representação).

Conclusão   Apesar de serem duas “artes” milenares, os caminhos do malabarismo e da matemática apenas se cruzaram na segunda metade do século XX. Do mesmo modo que para o malabarista existe sempre um novo truque a ser aprendido, para o matemático existe sempre mais um problema a ser resolvido. Talvez por isso, esta relação continue a prosperar. Atualmente existem vários matemáticos a praticar malabarismo e a relacionarem o malabarismo e a matemática, pelo que é de esperar que esta seja uma área da matemática em expansão, com novos e surpreendentes resultados prontos a serem descobertos.

 

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