Matemático por formação, químico por paixão: Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, um “politécnico” no Portugal Oitocentista

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(publicado em PINA, Ana Maria; MAURÍCIO, Carlos; VAZ, Maria João (org.), Metamorfoses da Cultura, estudos em homenagem a Maria Carlos Radich, Lisboa, CEHC-IUL,2013, pp.165-189. [ISBN978-989-98499-1-4])

Matemático por formação, químico por paixão: Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, um “politécnico” no Portugal Oitocentista

Ana Cardoso de Matos Universidade de Évora (CIDEHUS)

“Espirito elevado, inteligência claríssima, temperamento nervoso, houve tempo em que a sua personalidade se destacava no meio d’esta sociedade enervada, pela sua actividade pasmosa, e seu incessante labor”1

Nos últimos anos a biografia, que durante muito tempo tinha sido considerada como um género menor, tem ganho uma importância crescente e a comprova-lo estão os vários livros e artigos que incidem sobre reis/rainhas, figuras políticas, importantes homens de negócios ligados à indústria ou a agricultura, técnicos e cientistas, artistas ou escritores. O estudo do percurso pessoal e profissional de uma personagem, nomeadamente de uma personagem ligada à química, permite fazer, através de um caso concreto, uma aproximação à sociedade e à economia de uma determinada altura e abordar questões como: as condições de formação científica e técnica existentes no país; as possibilidades de formação no estrangeiro e os contactos que se estabeleceram entre os cientistas portugueses e os de outros países; o modo como esses contactos, a permanência no estrangeiro e as visitas de estudo favoreceram a transferência de ideias e de tecnologias; as preocupações que existiam no país em relação quer ao ensino técnico/científico, quer à divulgação dos progressos da ciência e da técnica; as diferentes formas como os homens de ciência puseram o seu saber e experiência ao serviço do desenvolvimento económico do país e da criação de infraestruturas urbanas; J. B, “Visconde de Villa Maior. Júlio Máximo d’Oliveira Pimentel” in O Occidente, nº 211, 1 de Novembro de 1884, p. 243. Em todas as citações foi actualizada a ortografia mantendo-se a pontuação. 1

a intervenção destes homens nas estruturas políticas e administrativas a nível central ou local. Estas serão algumas as questões a que procuraremos responder através do estudo de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, visconde de Vila Maior, sabendo desde logo que a riqueza da vida desta personagem nos limita necessariamente a um estudo parcelar em que alguns dos temas sobre os quais Oliveira Pimentel trabalhou serão apenas aflorados, enquanto outros continuarão a exigir estudos específicos.

1- Matemático por formação, químico por paixão Natural de Moncorvo, onde nasceu em 18092, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel iniciou os seus estudos com Mathias Gonçalves, mestre-escola na localidade. Aos 11 anos foi para Lisboa, onde no Colégio da Lapa aprendeu latim com António Joaquim de Vasconcelos e adquiriu alguns conhecimentos de geometria e francês. Em 1827 seguiu para Coimbra para cursar Matemática e Filosofia, mas a guerra civil que assolou o país afastou-o da Universidade e levou-o a alistar-se no exército liberal. Pouco depois foi elevado a alferes e no “posto arriscado da Serra do Pilar” foi ferido gravemente numa das pernas devido ao qual passou a coxear ligeiramente.3 Após fim da guerra civil regressou à universidade tendo concluído em 1837 o curso de Matemática. Durante os anos em que esteve em Coimbra seguiu também o curso de Filosofia Natural, mas não chegou a graduar-se nesta área. No entanto, o gosto que adquiriu pela química foi fundamental no desenvolvimento futuro da sua carreira. Recém-licenciado Júlio Máximo de Oliveira Pimentel ocupou o lugar de lente de química na Escola Politécnica por influência de Guilherme Pegado4, que fora seu professor em Coimbra. Sentindo que não possuía os conhecimentos necessários para a regência da cadeira de química desta escola, obteve do governo a promessa de o deixar ir estudar química em Paris. Contudo, esta promessa só se concretizou em 1844, quando Fradesso da Silveira foi provido no lugar de lente substituto.

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Júlio Máximo de Oliveira Pimentel era filho do 1ºVisconde de Vila Maior, Luís Cláudio de Oliveira Pimentel e de Angélica Teresa de Sousa Pimentel Machado. Casou com Sofia de Roure Auffidener e teve uma filha e um filho. 3 J. B, “Visconde de Vila Maior. Júlio Máximo d’Oliveira Pimentel” in O Occidente, nº 213, 21 de Novembro de 1884, p. 263 4 Guilherme José António Dias Teixeira Pegado (1803-?) foi professor na Universidade de Coimbra e, após a criação da Escola Politécnica de lisboa foi nomeado professor de Física experimental e Matemática desta escola. Esteve também ligado ao Observatório Meteorológico do Infante D. Luís começou a funcionar regularmente em Outubro de 1854.

Partindo para o estrangeiro Júlio Pimentel “teve o tirocino prático, que as suas viagens científicas lhe proporcionaram; e o que hoje sabe de química experimental, deve-o à frequência de laboratórios dirigidos por alguns dos mais hábeis químicos da época atual”5. De facto, em Paris estudou com o químico Péligot6, professor no Conservatório de Artes e Ofícios e com o seu preparador, o químico Favre 7, que posteriormente foi professor na Faculdade de Marselha. Regressou a Portugal em 1847, mas o seu interesse em conhecer os principais laboratórios europeus e os desenvolvimentos da química e das suas aplicações à agricultura e à indústria, levaram-nos a realizar nos anos seguintes várias viagens de estudo a diferentes países europeus. Estas viagens permitiram-lhe contactar com alguns dos mais importantes químicos da altura, como foi o caso de Justus Von Liebig8. Apesar das suas deslocações ao estrangeiro, conseguiu conjugar a sua atividade docente com um intenso trabalho de investigação química. Assim, realizou várias análises sobre as águas minerais existentes em Portugal, desenvolveu estudos sobre novos produtos que fossem passíveis de exploração industrial, preocupou-se com as questões de salubridade e de higiene públicas, investigou e propôs novas formas de tratar as vinhas, para referirmos apenas alguns aspetos. Muitos destes trabalhos deram origem a textos científicos que foram publicados em várias revistas nacionais e estrangeiras, enquanto outros o levaram a ter uma intervenção direta na indústria, na agricultura ou na cidade de Lisboa. O seu trabalho desde cedo foi reconhecido pelos seus pares e pela sociedade letrada da altura. Em 1860 a revista O Instituto, publicada em Coimbra, referia que “o distinto lente da escola politécnica, amestrado na instrução profissional pelos mais assíduos e laboriosos estudos em países estrangeiros, e continuados no seu belo laboratório de Lisboa, é já conhecido dentro e fora do país, como dos cultores mais ilustres das ciências químicas”9.

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O Instituto:jornal scientifico e litterario, Vol. 8, 1859/60, p.43. Eugène-Melchior Péligot (1811-1890) foi um importante químico francês que foi professor do Conservatório de Artes e Oficios. Entre os trabalhos que escreveu contam-se Traité élémentaire de manipulations chimiques (1836), Recherches sur l’analyse et la composition chimique de la betterave à sucre (1839), Le verre, son histoire, sa fabrication (1879), Traité de chimie analytique appliqué à l’agriculture (1883). 7 Pierre-Antoine Favre (1813-1880) (1835) realizou estudos na faculdade de medicina, mas em 1835 abandonou a universidade de medicina para entrar no laboratório privado Eugène Melchior Péligot. Na altura em que Péligot foi nomeado professor de química do Conservatoire des Arts et Métiers, Favre assumiu o cargo de preparador das aulas de Peligot. 8 Justus von Liebig (1803-1873), alemão de origem foi um dos mais importantes químicos da altura. 9 O Instituto:jornal scientifico e litterario, Vol. 8, 1859/60, p. 43. 6

O seu reconhecimento passou também pela sua participação em várias sociedades científicas nacionais e estrangeiras, como foi o caso do Instituto de Coimbra, da Academia Real das Ciências, da Sociedade Química de Paris, da Sociedade de Artes de Londres e da Academia de Florença.

2. A química ao serviço da sociedade: da análise de águas minerais ao saneamento da cidade 2.1. – O estudo das águas termais Em 1849 Júlio Máximo de Oliveira Pimentel realizou estudos sobre as águas sulfuradas das Caldas da Rainha considerando que, Entre as numerosas águas sulfúreas termais que existem em Portugal, têm as das Caldas da Rainha tal reputação de superioridade, pelos seus reconhecidos efeitos no tratamento de muitas e diversas enfermidades, pelas comodidades que no seu local se oferecem aos que delas vão fazer uso, e finalmente pela amenidade e beleza do sítio, que nenhum daqueles a quem a Medicina prescreve o uso das águas sulfúreas hesita em dar-lhe decidida preferência.10 Neste estudo referiu que “desde 1795, desde a época em que a Química entrou verdadeiramente no caminho do progresso nenhum trabalho importante se haja publicado sobre a composição daquelas águas”.11

Foi graças a este trabalho que

entrou para a Academia Real das Ciências como reconheceu anos depois, “ Em1849, fiz o estudo analítico das águas sulfuradas das Cardas da Rainha. Foi este modesto trabalho que me abriu as portas dessa ilustre Sociedade”.12 Data também de1849 a sua análise as águas minerais de S. João do Deserto, localizadas em Aljustrel, feita na sequência de uma solicitação de Dr Barros A Gomes e do Duque de Pamela. A análise foi realizada a partir de “de uma boa porção de água, que o Duque mandou vir de Aljustrel, perfeitamente acondicionada, e da qual me fez presente”13. Os primeiros ensaios permitiram-lhe perceber que para além do interesse medicinal desta água ela demonstrava grande um interesse pelos “seus princípios mineralizadores”, facto que lhe despertou um grande interesse.14 Apesar disso, as suas

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Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, Análise das Águas Minerais das Caldas da Rainha feita em Julho de 1849, Lisboa, Academia das Ciências, 1850. 11 Ibidem 12 J. Máximo de Oliveira Pimentel, “Sobre as águas sulfuradas das Caldas da Rainha”, Annaes da Academia das Sciencias de Lisboa, Lisboa, 1858, p.129 13 Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, Memoria e estudo chymico da agua mineral de S. João do Deserto, em Aljustrel, Lisboa, imprensa Silviana, 1852, p.5 14 Ibidem.

múltiplas ocupações em Lisboa impediram-no de se deslocar a Aljustrel para realizar uma análise mais profunda e, por isso, na altura limitou o estudo às características da água. Contudo, tendo tido conhecimento de que no lugar de onde se retirava a água se iniciara a exploração de um depósito de cobre, solicitou que lhe fosse disponibilizada “uma porção do minério, e sobre ele tentei alguns ensaios com o fim de descobrir uma explicação plausível da maneira porque aquela água se mineraliza”15. O estudo realizado por Oliveira Pimentel foi publicado em 1851 por iniciativa da Sociedade Farmacêutica Lusitana da qual este químico era sócio16. Oliveira Pimentel analisou também várias outras águas do país, cujas notícias saíram na revista o Instituto de Coimbra17 ou nas Actas da Academia Real das Ciências, como aconteceu com as águas de Moura18 ou as águas do Gerês19. Nos inícios da década de 1850 analisou também as águas potáveis de Lisboa. As análises feitas por Júlio máximo de Oliveira Pimentel não se restringiram às águas termais e no laboratório da Escola Politécnica de Lisboa onde era professor realizou várias outras análises, como foi o caso da análise do sabão Menotti.20 2.2 – Os trabalhos sobre a higiene pública, a salubridade atmosférica e o saneamento da cidade de Lisboa. Com o advento da Regeneração a sociedade e a economia portuguesas da segunda metade do século XIX foram marcadas por um programa de “melhoramentos materiais”, em que se inseriram, entre outros, o caminho-de-ferro, cuja análise tem sido regularmente retomada pela historiografia Portuguesa. Menos referida foi durante muito tempo, “a existência de um programa de melhoramentos materiais em meio urbano,

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Ibidem. Julio Maximo d' Oliveira Pimentel, Memoria e estudo chymico da agua mineral de S. João do Deserto, em Aljustrel / Julio Maximo d' Oliveira Pimentel, 1852 (Lisboa: imprensa Silviana) 17 Muitas das águas minerais existentes no país forma estudadas pelos membros do Instituto de Coimbra e estudos publicados na revista Instituto de Coimbra. Sobre o assunto veja-se, António José F. Leonardo; Décio R. Martins and Carlos Fiolhais, “O instituto de Coimbra e a análise química de águas minerais em Portugal na segunda metade do Século XIX”, Química Nova [online]. 2011, vol.34, n.6, pp. 1094-1105. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422011000600031 (consultado em 2-02-2013) 18 Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, “A Analyse da agua de Moura, feita pelo Visconde de Villa Maior …., Actas das sessões a Academia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo II, 1850 pp. 66-72. 19 Julio Maximo d' Oliveira Pimentel, Analyse das águas mineraes do Gerez, Lisboa, Tipografia da Real Academia das Ciências, 1851. 20 Júlio Máximo de Oliveira Pimentel “Sobre a Analyse do Sabão Menotti”, Revista Universal Lisbonense, Tomo III, nº 27, 1843-44, pp.323-324. 16

assente na requalificação da capital e que foi esboçado em dois tempos ao longo da segunda metade do século XIX”.21 A grande crise sanitária que afetou a cidade em 1856-185822, tornou mais evidente a necessidade de dotar a cidade de um sistema adequado de esgotos e de abastecimento de água23. Em meados de oitocentos o fornecimento de água canalisada era considerado um pressuposto essencial à saúde e à higiene pública de qualquer grande cidade. Situação de que Júlio Máximo de Oliveira Pimentel tinha bem consciência, “a administração ilustrada de todas as grandes cidades, em que de ordinário se aglomera uma população pobre e laboriosa, atende primeiro que tudo ao fornecimento abundante e económico de boa água que os princípios higiénicos recomendam como necessária para a alimentação e usos domésticos dos habitantes”24. Nos Annaes das Sciencias e Lettras, publicados sob os auspícios da Academia Real das Ciências e que tinham como principais redatores Júlio Máximo de Oliveira Pimentel e Andrade Corvo, a preocupação com a higiene pública foi uma constante25. Outra das preocupações de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel foi a viciação do ar nos espaços fechados, razão porque, conjuntamente com Joaquim António da Silva, elaborou e apresentou à Academia Real das Ciências um “Estudo sobre a viciação do ar atmosférico”. Fazendo incidir o seu trabalho sobre as habitações particulares, os teatros, as aulas, os templos, as casas de assembleias e as oficinas, concluíram que o ar era viciado não só pela respiração e transpiração das várias pessoas que se acumulavam nesses espaços, mas também pela combustão das matérias que serviam para a iluminação artificial das quais resultava ácido carbónico e água. Concluíram também que a situação se agravava quando era lançado para a atmosfera o ácido sulfuroso, Álvaro Ferreira da Silva, e Ana Cardoso de Matos, “Urbanismo e modernização das cidades: o "embellazamento" como ideal, Lisboa, 1858-1891”, Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona, Nº 69 (30), 1 de agosto de 2000. Disponível em http://www.ub.edu/geocrit/sn-69-30.htm (consultado 2-02-2012) 22 Que teve como consequência a segunda maior crise de mortalidade de todo o século XIX (apenas ultrapassada no ano de 1833). Sobre as crises de mortalidade no século XIX veja-se Teresa Rodrigues, Viver e morrer na Lisboa Oitocentista (Migrações, Mortalidade e Desenvolvimento), Col. História, n°10, Lisboa, Ed. Cosmos, 1995. 23 Sobre o assunto veja-se Álvaro Ferreira da Silva “Una máquina imperfeita: tecnologia sanitária en Lisboa en la segunda mitad del siglo XIX” In António Lafuente, Ana Cardoso de Matos e Tiago Saraiva, (ed.) Maquinismo Ibérico, Madrid, Doce Calles, 2007, pp. 371-400. 24 Annaes Administrativos e Económicos, Lisboa, 1855, pp. 22/3. 25 Sobre a importância que os engenheiros e os homens de ciência tiveram na modernização das cidades veja-se Ana Cardoso de Matos, “O papel dos «homens de ciência» e dos engenheiros na construção das cidades contemporâneas. O caso de Lisboa”, paper apresentado no XVIII Encontro da APHESUrbanismo e Infraestruturas urbanas, Lisboa, 1998. 21

produzido pela combustão do gás de iluminação mal depurado, o ácido de carbono, que se formava nos focos de combustão em que se queimava o carvão e os “eflúvios infectos” que emanavam dos canos de despejo que em Lisboa estavam em comunicação com o interior de muitas casas particulares. Tornava-se, assim, “importante e necessário o estudo destas questões, que tão intimamente se ligam com a salubridade pública”26. Devido às queixas sobre os maus odores e a falta de salubridade do ar na zona próximo da Companhia Lisbonense de Iluminação a Gás, situada na Avenida 24 de Julho, que era considerada como uma das causas das doenças que na altura afetavam a população de Lisboa, Oliveira Pimentel foi também encarregado pela Câmara de Lisboa de proceder a experiências destinadas a verificar a qualidade do gás que a companhia fornecia aos consumidores.27 No entanto, as experiências realizadas por Júlio Máximo de Oliveira Pimentel em locais como o Teatro de S. Carlos permitiram verificar que o ácido sulfuroso não era um produto constante do gás que a Cª fornecia. De qualquer forma, ao longo da segunda metade do século XIX, a Cª Lisbonense de Iluminação a Gás procurou introduzir na sua fábrica, situada na Boavista, uma série de melhoramentos que permitissem, não só aumentar a produção, mas melhorar a qualidade do gás fornecido. A poluição atmosférica da cidade era também agravada pela atividade de outros estabelecimentos fabris como era o caso da Fábrica de extração e purificação de óleo de purgueira situada em Alcântara. O funcionamento desta fábrica tinha como consequência “que em muitas ocasiões se sente, à distância, o cheiro nauseativo [sic] da fábrica, excitando enjoos e dores de cabeça”28. As queixas desencadeadas por esta situação determinaram que, por Portaria de 28 de Setembro de 1853, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, lente de Química na Escola Politécnica, e José Victorino Damásio, diretor do Instituto Industrial, fossem nomeados para realizar uma inspeção da fábrica a fim de determinarem “as condições de salubridade em que se acha, a respeito dos moradores daquele Bairro, e quais as providências que convirá adotar em benefício da saúde pública”29. Esta inspeção confirmou as condições de insalubridade da fábrica, que eram particularmente graves numa altura em que “pode ser possível uma invasão de

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Annaes das Sciencias e das Lettras, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1857, p.123. Cf Ana Cardoso de Matos, “A indústria do gás em Lisboa - uma área de confluência de várias abordagens temáticas”, Penélope, nº29, 2003, p.120. 28 Boletim do Ministério da Obras Públicas, Comércio e Indústria, n°3, Março de 1854, pp. 260-261. 29 ibidem 27

cólera mórbus”, razão porque pediam que se ouvisse “com urgência o Conselho de Saúde Pública sobre este assunto”30. As preocupações que Júlio Máximo de Oliveira Pimentel tinha com a higiene pública estiveram na origem de uma série de experiências, que iniciou em 1849 e que visavam aplicar à limpeza das cidades um sistema fácil, económico e higiénico para a remoção dos dejetos dos habitantes da cidade que permitisse que esses mesmos dejetos fossem posteriormente aplicados pela agricultura. Como afirmou na altura “a indústria moderna, tendo escutado os conselhos da ciência, não considera já matéria alguma como inútil, e tende sucessivamente a tomar produtivos todos os resíduos que até aqui se desprezavam.” 31 Nas palestras que nesse ano realizou sobre a química aplicada à agricultura, manifestou-se contra o sistema de canalizações que estava a ser adotado pela Câmara de Lisboa. Este sistema que fazia o despejo dos canos para o mar oferecia grandes inconvenientes, que a médio prazo se traduziriam de forma negativa na salubridade da cidade, nomeadamente pelo estado das praias lodosas. Também com o objetivo de melhorar o saneamento da cidade, em 1852 solicitou a Diniz Collares que fabricasse, com algumas modificações que lhe sugeriu, uma cópia do aparelho de Filliot32, destinado a separar as dejeções sólidas das líquidas, e em 1853 publicou na Gazeta Médica de Lisboa uma série de artigos que apontavam vários dos inconvenientes do sistema de saneamento de Lisboa e que procuravam “discutir um novo sistema de limpeza inodora, baseado no que fora imaginado por Payen e Salmon de Paris”33. Convencido das vantagens do sistema que propunha, tentou, sem o conseguir, que a Câmara Municipal de Lisboa e alguns estabelecimentos particulares da cidade o adoptassem34.

4- A produção de conhecimentos científicos ligados ao desenvolvimento económico do país 4.1 – A química ao serviço da indústria: a produção de soda no país 30

Ibidem , Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, “Hygiene Publica” in Annaes das Sciencias e das Lettras, ob. Cit., 1857, p.454. 32 As descrições de muitos aparelhos destinados à separação dos dejetos entre os quais se incluía o de Filltot, foram publicadas, entre 1848 e 1849, pelo Boletim da Sociedade Promotora da Indústria Nacional de Paris. 33 Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, “Nota sobre a faculdade fertilizante das dejecções animais tomadas inodoras pelos meios chimicos"” in Annaes das Sciencias e das Lettras, ob. Cit., 1857, p.198. 34 Nesta altura Júlio Máximo de Oliveira Pimentel era vereador da Câmara de Lisboa. 31

Em meados do século XIX, a discussão sobre as possibilidades e as vantagens de se produzir soda em Portugal voltou a estar na ordem do dia e envolveu dois dos mais reputados químicos da altura – Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, que estivera ligado à Fábrica da Verdelha, e o químico Sebastião Betâmio de Almeida (1817-1864), que chegou a possuir um estabelecimento que fabricava soda em S. Dinis próximo de Paris, e que foi o autor de vários estudos químicos e de um relatório sobre a fábrica de vidros da Marinha Grande.35 Foi ainda professor na Escola Industrial do Porto criada em 185236. Entre o final de 1852 e os primeiros meses de 1853 a discussão entre estes dois químicos preencheu as páginas de Jornais, como foi o caso do jornal Revolução de Setembro, o Jornal da Associação Industrial Portuense e a Revista Universal Lisbonense.37 Por um lado, Betâmio de Almeida era adepto da existência de pautas proteccionistas que defendessem da concorrência estrangeira as fábricas portuguesas, cuja produção de soda e de ácido sulfúrico implicava custos mais elevados, e concomitantemente, preços mais elevados do que os preços de iguais produtos provenientes Inglaterra ou França.38 Por seu lado, Oliveira Pimentel considerava que era possível produzir, na fábrica que se pretendia instalar em Aveiro39, estes produtos com preços concorrenciais com os estrangeiros sendo, por isso, desnecessária a protecção pautal. Durante anos Oliveira Pimentel foi “consultor técnico” da fábrica da Verdelha pertencente ao conde Farrobo, cujos produtos foram expostos na Exposição Industrial de 1849. Segundo o seu testemunho se nos primeiros tempos a produção desta fábrica não era suficiente para o consumo do país, em 1853, quando “a fábrica da Verdelha 35

Sebastião Bettamio de Almeida (relator), Relatorio sobre a Fabrica Nacional de Vidros da Marinha Grande, Lisboa, 1860. 36 Em Maio de 1853 Sebastião Betâmio de Almeida foi nomeado para a cadeira de Química aplicada às artes da Escola Industrial do Porto. 37 Sobre o assunto veja-se Ana M. Cardoso de Matos, Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Industrial no Portugal Oitocentista. O caso dos lanifícios do Alentejo, Lisboa, Estampa, 1998, pp.62-63. 38 Sobre esta polémica em 1853 J. M. Oliveira Pimentel escreveu um extenso artigo na Revista Universal Lisbonense que se estendeu por vários números. 39 “Encarregado por uma companhia – que tem longamente hibernado; mas que não está decerto morta -de estudar, e estabelecer, em Aveiro, a fabricação dos produtos químicos iniciais; e tendo examinado detidamente, e mediante algumas experiências, os recursos daquela terra para o fim proposto; convencime: de que a decomposição do sal marinho pelo ácido sulfúrico não podia ali ser feita, a respeito dos aparelhos, pelos processos geralmente seguidos na Europa, senão com grande desvantagem; mas que esses processos, modificados dentro dos seus princípios nada deixavam a desejar. E numa extensa memória – sobre a fabricação dos produtos químicos em Portugal – que submetia à mesma companhia em 1853 (…), propus duas substituições do aparelho clássico das Dames-Jeannes”. Prospecto do Boletim de Chimica AppIicada á fabricação de produtos chimicos; ás artes e officios; á agricultura; á higiene e medecina; á farmácia; à economia doméstica, Lisboa, 1861 pp. 4-5.

entrou em vida regular, nunca falta o ácido nem a soda, nem o cloreto de cal aos consumidores”40 a preços constantes ao longo de todo o ano. Talvez por acreditar ser possível produzir em Portugal soda e ácido sulfúrico a preços competitivos, mas seguramente também, devido aos seus conhecimentos químicos, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel foi um dos fundadores da Sociedade Geral de Produtos Químicos que, em 1859, fundou a Fábrica da Póvoa de Santa Iria, “fábrica magnífica, levantada segundo as mais perfeitas indicações da ciência, que entrou já [Março de 1859] em laboração, e cujos produtos estão prestes a aparecer no mercado. Previa-se que esta fábrica produzisse mais de 700.00 kg de ácido sulfúrico, 500.000 Kg de soda, fabricando também cloreto de cal e “outros produtos de consumo certo e seguro”41. Apesar disso, o relatório apresentado em 1860 pelo Conselho de Administração, relativo ao ano anterior, revelou a existência de vários problemas no funcionamento da fábrica “atrasos nas instalações, problemas na mise-en-route das que já funcionavam e até uma situação de contencioso com Hipólito Dubeux, encarregue das vendas e dos fornecimentos de matérias-primas”42. A produção desta fábrica destinava-se às fábricas de tecidos, estamparias, tinturarias, destilarias, fábricas de papel, estearinas e produtos químicos secundários, mas devido aos problemas com o seu funcionamento a fábrica foi comprada por Deligny, passando mais tarde para a Companhia Real Promotora da Agricultura Portuguesa. 4.2. – O fabrico do papel a partir da piteira: um ramo industrial que não chegou a desenvolver Em 1854 Júlio Máximo de Oliveira Pimentel obteve a patente para o fabrico da celulose extraída da piteira, ramo industrial que não chegou a desenvolver. No entanto, Oliveira Pimentel apresentou, na Exposição Universal de 1855 realizada em Paris, um papel feito de pita e algodão, que não passou desapercebido ao júri desta mesma exposição,- « A la paille, au bois de natures diverses, aux écorces de certains arbres, vient se joindre entre autres l’agave, dont notre collègue, M. d’Oliveira de Pimentel, a

J. Pimentel “Fabrico de Soda em Portugal”, Revista Universal Portuguesa, Tomo V, nº 29, 27 de Janeiro de 1853, p.340, 41 Jornal da Associação Industrial Portuense, 6° Ano, n°47,1859, pp.375-6. Só depois que a fábrica começou a funcionar “é que principiou também a colocação das acções para que os capitais não pudessem duvidar da seriedade da empresa”. 42 Cf Isabel Cruz, “Das vantagens de não ser precioso: aspectos da exploração e uso do cobre em Portugal (1789-1889) ”. Disponível em http://triplov.com/isabel_cruz/cobre/minas1.html (consultado 2.-02-2013). 40

su tirer un si bon parti »43. As Exposições Universais eram importantes locais de divulgação dos progressos da ciência e da técnica e da indústria 44 e na Exposição Universal de 1855 fora visíveis os esforços feitos pelos vários países para substituir os papéis feito a partir do trapo por papéis feitos com por matérias fibrosas.45 A descrição da patente de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel de produzir papel a partir da piteira foi publicada, em 1860, na revista O Instituto de Coimbra, que considerou que “Este invento é uma nova prova do esmero com que o ilustre autor cultiva a química prática, e da útil direção, que sabe dar ao ensino desta ciência experimental”46. Na altura reconhecia-se que a importância “deste produto fabril é hoje uma verdade bem patente a todos. O consumo do papel aumenta prodigiosamente todos os dias, e principia já a sentir-se a escassez da matéria-prima mais geralmente empregada, que é o trapo”.47 Relembrava-se também que no Brasil já há algum tempo que se fabricava papel com as fibras do cipó, em Cuba com as da bananeira, na China com as do bambu e na Algéria com as da palmeira. No artigo publicado na revista O Instituto explicava-se que o “segredo” para transformar em papel as fibras vegetais “consiste em separar mecanicamente os fios da planta, e reduzir os filamentos a pasta para se obter o feltro, que há-se constitui o papel” e tudo isto conseguiu Oliveira Pimentel que “resolveu o problema em relação à celulosa da piteira e apresenta amostras de folhas de papel, e até uma já impressa”48. 43

Exposition Universelle de 1855. Rapports du jury mixte international publiés sous la direction de S. A. I Le Prince Napoléon président de la commission impérial, Paris, Imprimerie Impériale, MDCCCLVI, p. 554 44 Sobre a Exposições Universais e a sua importância como espaços de divulgação da Ciência e da técnica veja, entre outros, Ana Cardoso de Matos, “As Exposições Universais: espaços de divulgação dos progressos da Ciência, da Técnica e da Indústria e a sua influência na opinião pública portuguesa”. In O Mundo Ibero Americano nas Grandes Exposições, Augusto Mourão, Ana M. Cardoso de Matos, Maria Estela Guedes (eds), Lisboa, 1998, pp. 91-107; Expositions universelles, musées techniques et société industrielle/World Exhibitions, Technical Museums and Industrial Society, Ana Cardoso de Matos, Irina Gouzévitch e Marta C. Lourenço (ed.). Lisboa, 2010; Maria Helena Souto, Portugal nas Exposições universais, 1851-1900, Lisboa, 2011; Ana Cardoso de Matos, Christiane Demeulenaere-Douyère e Maria Helena Souto, “The World Exhibitions and the display of science, technology and culture: moving boundaries” in Quaderns d'Història de l'Enginyeria, vol 12, 2012, pp.3-10. Disponível em[http://hdl.handle.net/10174/6378(consultado em 2-02-2013) 45 A este propósito o « le jury signale les tentatives faites dans tous les pays pour substituer aux chiffons les matières que la nature nous offre en si grand nombre. Jusqu’à ce jour, les difficultés et les frais des préparations préliminaires ont été un obstacle à leur application pratique pour le papier blanc ; mais nul doute qu’à l’avenir les progrès toujours croissants de la science, les nouveaux moyens mis à sa disposition et le bas prix graduel des agents chimiques, ne permettent d’offrir à l’industrie des pâtes préparées possédant suivant leur provenance, des qualités dont on a déjà reconnu la valeur spéciale pour différents sortes de papiers. » Exposition Universelle de 1855. Rapports du jury mixte international, ob. Cit., p. 554. 46 O Instituto : jornal scientifico e litterario, Vol. 8 (1859/60), Coimbra, Imprensa da Universidade, p.42 47 Ibidem 48 Ibidem

Pela mesma altura em que saiu o artigo na revista O Instituto, também a Revista Universal Lisbonense publicava a descrição do processo de fabrico do papel da agave americana sublinhando que era digna de ”louvor a resolução do sr Julio Pimentel de ceder a beneficio publico o privilégio que legalmente havia obtido para o fabrico deste papel”.49 4.3. – O “encontro fugaz” com outras actividades industriais Em 1845 quando Júlio Máximo de Oliveira Pimentel se encontrava em Paris, José Maria Eugénio de Almeida, na altura contratador das saboarias nacionais contactou-o, para que o informasse sobre a melhor forma de fabricar sabão e para que aceitasse o cargo de inspecção da fábrica da sua fábrica deste produto, cargo que veio a desempenhar no seu regresso a Portugal e que se traduziu numa melhoria importante na forma como se fabricava o sabão. Dos contactos entre Oliveira Pimentel e Eugénio de Almeida resultou também alguma cooperação na indústria dos açúcares. Em 1846, Eugénio de Almeida foi durante um pequeno período sócio da Fábrica a Vapor para a Refinação de Açúcar.50 Em 1853, colaborou com Betâmio de Almeida quando este procurou publicar uma Technologia Chimica dirigida aos industriais que seria composta por 4 volumes cuja publicação se faria em cadernos de 32 páginas51. E, de facto, em 1861 publicou-se um prospecto do Boletim de Chimica applicada à fabricaçâo de produtos chimicos; às artes e officios; à agricultura; à hygiene e medecina; à pharmacia; à economia doméstica52, dirigido por Sebastião Betâmio d’Almeida. Como colaboradores deste boletim indicavam-se, entre outros, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, João de Andrade Corvo, José Maurício Veloso, sub-director técnico da Imprensa Nacional, Emílio Larcher, director técnico e gerente da fábrica de panos Larcher & Sobrinhos de Portalegre, os farmacêuticos Barral & Irmão, o viticultor José Maria da Fonseca e João Luiz de Moraes Mantas, aluno da tinturaria dos Gobelins. Apesar da importância da temática e do prestígio científico dos colaboradores a obra não chegou, tanto quanto sabemos, a ser publicada. “Descripção do processo para a fabricação do papel da agave americana, e inventado por Júlio Máximo de Oliveira Pimentel”; Revista Universal Lisbonense, nº 35, 1859, p.8. 50 Helder Adegar Fonseca, e Jaime Reis, “José Maria Eugénio de Almeida, um capitalista da Regeneração”, Análise Social, vol. XXIII (99), 1987, p. 885. 51 Veja-se, por exemplo, o “Annuncio Bibiographico” que saiu no Jornal da Associação Industrial Portuense, nº 9,1853, p. 304 52 Lisboa, Tip. Universal, 186. Previa-se que o Boletim fosse um folheto mensal de 50 a 60 páginas e que o seu preço fosse de 4$500 reis por ano. 49

4.4. – A química ao serviço da modernização agricultura As preocupações de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel não se limitaram à indústria. A agricultura estava também no centro das suas preocupações e com o objectivo de divulgar os conhecimentos que contribuíssem para o desenvolvimento desta actividade proferiu conferências no Grémio Literário53, onde em 1849 apresentou o curso de “Química aplicada à agricultura”, que seria depois publicado pela Revista Universal Lisbonense. Nesse ano o plano de cursos incluía, para além das conferências deste químico, outras conferências, nomeadamente às que incidiriam sobre "Máquinas a vapor" e cuja responsabilidade foi atribuída ao engenheiro José Maria da Ponte e Horta. Oliveira Pimentel foi, segundo o jornal A Epoca54 “o que melhor deu o carácter de curso à sua leitura. Tem um tal agrado e correnteza no exprimir-se, que visivelmente captiva o auditório. Depois fez logo aplicações do que dizia, ao nosso reino, no que muito interessou os ouvintes. Se se desprender mais dos apontamentos, dificilmente terá competidor.”55 Talvez por essa razão nos números seguintes a revista publicou as “Lições sobre a dependência em que a agricultura racional está da química- Professadas no Grémio Literário por o Sr Júlio Máximo de Oliveira Pimental”.56 Na segunda metade do século XIX um dos problemas que continuava a afectar o desenvolvimento agrícola era a falta de adubos, problema que só será resolvido no final do século com o surgimento de adubos químicos, daí que as propostas apresentadas por Oliveira Pimentel para o saneamento da cidade de Lisboa se tenham articulado sempre com a ideia de se aproveitar os dejectos dos habitantes da cidade para fertilizar os campos agrícolas. Como Oliveira Pimental afirmou num artigo que, em 1857, publicou nos Annaes das Ciências e Letras, “a indústria moderna, tendo escutado os conselhos da

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No século Grémio Literário foi um espaço importante de divulgação da ciência. Outros cursos e conferências foram dados neste espaço. Em 1841 foi lecionado pelo engenheiro José Ribeiro de Sá um curso, público e gratuito, de 36 lições de física aplicada às artes oficinais e à indústria moderna. Este curso que tinha lugar na sede do Grémio aos sábados das 19h às 20H, destinava-se aos operários e artífices dos vários ofícios. Em 1849 o Grémio Literário organizou um novo plano de cursos. Sobre o assunto veja-se Ana Cardoso de Matos, “Os agentes e os meios de divulgação científica e tecnológica em Portugal no século XIX”, Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales., Universidad de Barcelona Nº 69 (29), 1 de agosto de 2000. Disponível em http://www.ub.edu/geocrit/sn69-29.htm (consultado 2-02-2013) 54 O plano completo dos cursos foi publicado no Jornal A Epoca, tomo II, 1849,nº 39,pp. 183-184. Sobre o assunto veja-se Ana M Cardoso de Matos, Ciência, tecnologia e desenvolvimento industrial. O caso dos lanifícios do Alentejo, Lisboa, Estampa, 1998, p. 207. 55 A Epoca, nº 39, 1849, p. 189. 56 A Epoca, nº 48, 1849, pp. 325-327. As lições são continuadas nos números seguintes da revista.

ciência não considera já matéria alguma como inútil e tende sucessivamente a tornar produtivos todos os resíduos que até aqui se desprezavam”57. Proprietário de terras produtoras de vinho, Oliveira Pimentel dedicou-se também aos estudos enológicos, aos quais atribuiu particular atenção após 1869, altura em que se ascendeu ao cargo director da Universidade de Coimbra58. Como resultado dos seus estudos sobre a região do Douro deixou importantes trabalhos como: Memória sobre os processos de vinificação para genuínos (1868-1869), O Tratado de vinificação para os vinhos genuínos (1868-69); o Manual de viticultura (1875) e o Douro ilustrado (1876). O interesse de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, 2.º visconde de Vila Maior, pela viticultura, particularmente a do Douro, estava diretamente ligado com o facto de este químico ser natural de Cabeça Boa, concelho de Torre de Moncorvo, e proprietário de uma importante quinta no Douro. O seu interesse pelas questões vitivinícolas foi determinante para que, em 1866, fosse nomeado para fazer parte da “Comissão Encarregada de Visitar os Distritos Vinhateiros na Época das Vindimas para Estudar os Processos de Vinificação”. Como resultado deste estudo pôde verificar que nos locais em que a vinha tinha resistido ao oídio, esta doença acabara por se tornar um «poderoso incentivo de progresso» da vitivinicultura nacional, por ter obrigado a modernizar a forma como se fazia o tratamento das vinhas59. A filoxera surgiu nas vinhas do concelho de Sabrosa no Douro em meados da década de 1860. No início da doença a região do Douro ainda conheceu um período de “relativa prosperidade comercial dos vinhos portugueses”, que encontravam escoamento para França, país que tinha sido atacado mais cedo pelo insecto60. Para tentar travar o desenvolvimento da doença e reactivar a produção, nos anos seguintes foram nomeadas várias comissões encarregadas do estudo e tratamento das vinhas do Douro. A comissão nomeada em 1878 foi presidida por Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, então já Visconde de Vila Maior, e a ela se ficou a dever uma série

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Annaes das Sciencias e das Lettras, 1857, p.466. Luís A. De Oliveira Ramos, “Um especialista do Douro: o Visconde de Vila Maior”, Douro-Estudos Documentos, vol. VI (11), 2001, (1º), pp. 11-14. 59 Sobre o assunto veja-se Conceição Andrade Martins, “A «era de progresso» da viticultura nacional” in In Villaverde, Manuel, Wall, Karin, Aboim, Sofia e Silva, Filipe Carreira da (Eds.), Itinerários: A Investigação nos 25 Anos do ICS, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, pp. 73-74 60 Gaspar Martins Pereira, O Douro e o Vinho do Porto de Pombal a João Franco, Lisboa, Ed Afrontamento, 1991, p. 131. 58

de medidas como “a instalação dos primeiros postos experimentais para ensaiar a aplicação de medicamentos no tratamento das vinhas”61.

5- A actividade docente e a defesa de um ensino adequado às necessidades do país. A criação, em 1837, da Escola Politécnica de Lisboa e da Academia Politécnica do Porto procurava responder à necessidade crescente de pessoas com uma formação científica e técnica adequada ao desenvolvimento da indústria e da agricultura, à realização das obras públicas de que o país necessitava e ao desempenho das funções politicas e administrativas exigidas pelo Estado liberal. Júlio Máximo de Oliveira Pimentel integrou desde o início o grupo de professores desta escola, tendo assumido a regência da cadeira de química. A sua atividade enquanto docente desta disciplina deu origem à obra Lições de chimica geral e suas principaes applicações.62 Em 1859, Oliveira Pimentel, que na altura assumia o cargo de diretor interino da Escola Politécnica de Lisboa, considerava que esta escola tinha sido criada com o objetivo de habilitar os seus alunos “para bem desempenhar os diversos serviços do Estado, com as noções rigorosas e precisas das ciências matemáticas, físicas e de história natural; e com a prática dos trabalhos gráficos e das manipulações, conhecimentos estes que são indispensáveis na direção e execução de todos os serviços técnicos”63. Incluíam-se nestes “serviços técnicos”, a defesa do país, as construções públicas, as vias de comunicação, o levantamento das cartas geologias e outras, o encanamento dos rios, o melhoramento das barras, a intendência das minas ou a direção dos arsenais64. Segundo ele, a Escola Politécnica devia formar os funcionários do Estado, que deveriam ser depois enviados às escolas especiais onde completariam a educação profissional, como era o caso da Escola do Exército65.

Conceição Andrade Martins, “A filoxera na viticultura nacional”, Análise Social, vol. XXVI (112-113), 1991 (3.°), p. 657 62 Júlio Máximo de Oliveira Pimentel (visconde de Vila-Maior).,Lições de chimica geral e suas principaes applicações, 3 vol. Lisboa, 1852. 63 Diário do Governo, n° 278,1857, pp. 1510/11. 64 Diário do Governo, n° 251,1859, p. 1361. 65 Sobre esta escola veja-se Marta Macedo, Projectar e Construir a Nação. Engenheiros, ciência e território no século XIX, Lisboa, ICS, 2012. 61

Na sequência do interesse que demonstrou pela indústria em 1852, quando se criou o Instituto Industrial de Lisboa, foi nomeado lente de química nesta instituição, cargo que acumulou com o de professor na Escola Politécnica de Lisboa. Em 1857 sucedeu a José Maria Grande na Direcção do Instituto Agrícola. Ao longo dos anos em que exerceu funções docentes nas várias instituições formou algumas gerações de químicos, alguns dos quais se distinguiram pela sua obra, como foi o caso de Ferreira Lapa. Em 1869 o prestígio que adquirira foi determinante para a sua nomeação como reitor da Universidade de Coimbra, cargo que desempenhou até à sua morte. Durante o seu reitorado realizaram-se as comemorações dos centenários da reforma da Universidade realizada um século antes por iniciativa do marquês de Pombal, reforma esta que considerou como uma “obra de perfeição admirável” e como modelo a seguir66. No discurso que pronunciou na altura referiu que “nesta grande empresa a principal missão das Universidades é desenvolver e alimentar o espírito científico, transmitir a ciência às gerações futuras e aperfeiçoar a educação moral e cívica da mocidade”67, acrescentando que à universidade competia acompanhar o progresso das ciência, pois “o mínimo atraso no andamento progressivo das ciências compromete o futuro intelectual das gerações que lhes estão confiadas”68. Para assegurar uma boa formação das novas gerações considerava que, Hoje carecemos, a meu ver, de empreender um trabalho de simplificação, que fortaleça a estrutura da Universidade; que forme a instrução sobre bases singelas, mas seguras; que prescinda dos multiplicados ornatos, que prejudicam a obra; e finalmente que faça reviver o gosto pela cultura desinteressada das ciências, que visivelmente vai declinando desde que que se apossou da mocidade o espirito exclusivamente utilitário”69

6- A visita às Exposições Universais e às Exposições industriais.

Maria Eduarda Cruzeiro, “Capital simbólico e memória institucional — a propósito da Universidade no século XIX”, Análise Social, vol. XXIV (101-102), 1988 (2.°-3.°), pp. 598-599. 67 Discurso pronunciado pelo Reitor da Universidade de Coimbra Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, Visconde de Villa Maior em 16 de Outubro de 1872 por ocasião da festa comemorativa da reforma da mesma universidade em 1772, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1872, p. 28 68 Ibidem 69 Ibidem, p. 29. 66

Realizadas com alguma regularidade ao longo da segunda metade do século XIX, as exposições universais permitiram avaliar os progressos da ciência, da técnica e da indústria quer a nível nacional, quer a nível internacional70. Procurando conhecer o desenvolvimento científico e técnico registado nos vários sectores da economia, os governos portugueses nomearam comissões que tinham o encargo de estudar os progressos tecnológicos que cada país apresentava nas exposições universais. Os estudos realizados por estas comissões eram aqueles que em cada altura mais interessavam para o desenvolvimento económico do país71. Sendo a química uma das áreas que em meados do século XIX era determinante desenvolver no país, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel foi encarregado pelo governo de estudar os desenvolvimentos desta ciência na Exposição Universal de Paris de 1855. Os estudos que realizou nesta exposição deram origem a um Relatório72, ao qual procurou dar um carácter didáctico, pois, conforme explicou, “um povo, que apenas começa a iniciar-se no trabalho industrial, precisa conhecer os rudimentos da indústria, carece de minuciosas notícias, não só sobre os resultados, mas principalmente sobre os meios de produção (…) Levado por estas considerações entendi, depois de muito meditar, que o plano mais conveniente na redacção deste Relatório era dar amplo desenvolvimento à história de cada uma das indústrias que fizeram o objecto do meu estudo, ainda mesmo quando fosse necessário alargar os limites do trabalho de que me encarreguei, entrando na tecnologia. Prefiro antes que este meu Relatório se assemelhe a um tratado de artes químicas, do que seja um catálogo motivado dos objectos expostos no grande concurso universal da indústria.”73 Júlio Máximo de Oliveira Pimentel voltou a estar presente nas exposições de Exposições Universais Paris de 1867 e de 1878, e na de Londres de 1862. Das duas

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Sobre as Exposições universais como espaços de divulgação da ciência e da técnica veja-se Ana Cardoso de Matos, “As Exposições Universais: espaços de divulgação dos progressos da Ciência, da Técnica e da Indústria e a sua influência na opinião pública portuguesa”. In Augusto Mourão, Ana M. Cardoso de Matos, Maria Estela Guedes (eds) O Mundo Ibero Americano nas Grandes Exposições, Lisboa, Vega, 1999, pp. 91-107; e Ana Cardoso de Matos, Christiane Demeulenaere-Douyère e Maria Helena Souto, “The World Exhibitions and the display of science, technology and culture: moving boundaries”, Quaderns d'Història de l'Enginyeria, vol 12, 2012, pp.3-10. Disponivel em http://hdl.handle.net/10174/6378 (consultado em 2-02-2013). 71 Sobre o assunto veja-se Ana Cardoso de Matos, «World exhibitions of the second half of the 19th century: a means of updating engineering and highlighting its importance» in Quaderns d’Història de l’Enginyeria, Barcelona, Escola T.S. d’Inginyeria Industrial, vol. VI, 2004, pp.231-234. Disponível em http://upcommons.upc.edu/revistes/bitstream/2099/773/1/world_exhibitions.pdf (Consultado em 2-022013) 72 Relatório sobre a Exposição Universal de Paris. Tomo I. Artes Químicas, Lisboa, Imprensa Nacional, 1857. Publicado também no Boletim do MOPCI, 1857. 73 Boletim do Ministério das Obras Públicas, Commerco e Industria, nº 6, 1857, p. 554.

primeiras exposições este químico apresentou relatórios resultantes dos seus estudos74. Na altura da Exposição Universal de Paris de 1878, ocupando já o cargo de reitor da Universidade de Coimbra, foi nomeado comissário geral do governo português neste evento. Como comissário da secção agrícola foi nomeado João Ignácio Ferreira Lapa e como comissário da secção industrial, António Augusto de Aguiar. Para além das visitas e estudos que realizou às Exposições universais, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel visitou também a Exposição Industrial do Porto realizada em 1861. Sobre esta exposição publicou um extenso artigo na Revista Contemporanea com o título “Um passeio pela Exposição Industrial do Porto”, que é iniciado por uma frase que é bem explicita da crença de Oliveira Pimentel nas potencialidades industriais do país, Àqueles que dizem que a indústria em Portugal é uma planta exótica que vive de cultura forçada, responde a actual exposição promovida pela Associação Industrial Portuense, patente a todos nas magníficas salas e galerias da Associação Comercial do Porto.”75 Os vários produtos da indústria portuguesa apresentados nesta exposição, para a qual os organizadores tinham também convidado a indústria do país vizinho, ultrapassaram as prespectivas dos organizadores e do público, muitos dos quais receavam que “ a indústria catalã viesse ofuscar, com o seu brilho, hoje incontestável, os produtos das nossas fábricas”.76 Defensor de uma união aduaneira entre Portugal e a Espanha77, como o advogou num trabalho publicado em 186078, Oliveira Pimentel considerou também que esta exposição, “Este encontro espontâneo pressagia o sólido enlace económico das duas nações da península: única fusão ibérica possível na época 74

Relatório sobre a Classe LXXIII da Exposição Internacional de 1867, Lisboa, 1868 e Relatório acerca da Exposição Universal de Paris em 1878 pelo commissario regio..., Lisboa, 1879 75 J. Pimentel, “Uma visita pela Exposição Industrial do Porto”, Revista Contemporanea de Portugal e Brazil. Terceiro anno, Abril 1861, p. 251 76 Ibidem, p. 252. Nesta exposição foram também apresentados produtos da indústria brasileira. 77 Como refere Carlos Bastien em 1860, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel defendeu a existência de uma união aduaneira entre Portugal e a Espanha, sem que no entanto esse facto pusesse em causa a independência de cada país em termos de governos ou de administração interna, tendo mesmo apresentado um relatório pormenorizado em relação às tarifas e a outros aspetos. Carlos Bastian, “A integração europeia vista pelos economistas portugueses — uma perspetiva de longo prazo”, Análise Social, vol. XLIV (191), 2009, p. 252. Sobre o assunto veja-se também Maria da Conceição Meireles Pereira, “O contrabando Luso-Espanhol no século XIX – O discurso dos teóricos”, Revista da Faculdade de Letras. Historia, Nº. 14, 1997, pp.580-586. 78 Este trabalho de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel foi publicado em 1860 com o título “A liga das alfândegas peninsulares” na Revista Contemporânea de Portugal e Brasil, vol. 2, pp. 40-47, 68-80, 137140 e 286-291.

actual, porém mais valiosa e útil do que quantas fusões e anexações politicas possam imaginar os teóricos e utopistas.”79

7. – A participação nos órgãos político-administrativos do país 7.1. – A actuação na Câmara de Lisboa Em 1853 Júlio Máximo de Oliveira Pimentel ocupou o cargo de vereador da Câmara de Lisboa, desempenhando funções até1855. Em 1858 foi eleito Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, mas a Câmara foi dissolvida pouco depois devido à gravidade dos surtos epidémicos e à fraca capacidade de resposta por parte dos poderes públicos, que levou a vereação demite-se em peso. Esta altura foi “um momento de reconhecimento generalizado da precaridade do equipamento sanitário e das deficientes condições de habitabilidade dos edifícios da cidade.”80 Face à gravidade da situação “A resposta dos poderes públicos incidiu em três áreas que se consideraram como de intervenção imediata: o aumento do volume de água, (…); a ampliação e melhoria da velha rede de esgotos, herdada da reconstrução pombalina; a intervenção urbanística, proporcionando-se melhores condições de circulação e de higiene”81. Procurando ter uma proposta mais global para a resolução do problema em 1858 o município de Lisboa solicitou a P. J. Pézerat, engenheiro da câmara que apresentasse “um plano de intervenção municipal que respondesse à crise sanitária”82. No ano seguinte, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, novamente eleito presidente da vereação de Lisboa, apresentou uma proposta para que se estudasse a abertura de uma grande Avenida na sequência do Passeio Publico. Terão sido apresentado desenhos pelo engenheiros P.J. Pezérat, muitod dos quais hoje perdidos83. Conhecendo bem a cidade de Paris marcada pelo traço de Haussmann que abrira grandes avenidas, J. Pimentel, “Uma visita pela Exposição Industrial do Porto”, Op. Cit., p. 252. Álvaro Ferreira da Silva e Ana Cardoso de Matos "Urbanismo e modernização das cidades: o "embellezamento" como ideal. Lisboa, 1858-1891", op. Cit. 81 Ibidem. 82 “Em Maio do mesmo ano estava elaborado, constituindo-se como o primeiro instrumento de intervenção urbanística e sanitária por parte da câmara (…) No ano seguinte, traduzindo bem o processo de circulação de informação e de emulação de experiências que caracterizou o período, o engenheiro Pézerat seria encarregado de visitar a cidade de Paris e estudar os melhoramentos e a organização dos serviços municipais. Do relatório entregue à câmara, e não publicado, haveria Pézerat de ir buscar as propostas e considerações que faz na sua obra Mémoire sur les études d'améliorations et embelissements de Lisbonne (1865).” Ibidem. 83 A maioria dos desenhos terá desaparecido no incêndio que se verificou nos Palos do Concelho em 1863. Vários documentos ligados com o passeio publico e a abertura da Avenida são apresentados em Do Passeio à Avenida : os originais do Arquivo Municipal de Lisboa, coord. do catálogo Inês Morais Viegas, Miguel Gomes Martins, Lisboa, CML, 1998. 79

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Pimentel será defensor da abertura de grandes avenidas e do melhoramento do Aterro da Boavista.84 Em 1860, quando deixou o cargo de presidente da vereação, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel apresentou um relatório do trabalho feito sob a sua presidência. Este relatório de actividades é, segundo Ana Barata, um documento importante que permite traçar um panorama geral do estado da cidade nesta altura.85 No relatório são visíveis as preocupações com a higiene pública e o saneamento da cidade de Lisboa, questões estas que que foram uma constante no trabalho e nas preocupações deste químico, que compreendia bem as consequências negativas que a falta de higiene pública poderia ter na saúde das populações. Assim, não é de estranhar que neste documente se relembre “a defeituosa canalização para o despejo das imundícias…, a grande acumulação de matérias corruptas que obstruíam os canos e dos quais exalava uma torrente de miasmas”86 7.2. – A colaboração com o Ministério das Obras, Públicas, Comércio e Industria e a acção no parlamento Júlio Máximo de Oliveira Pimentel teve também uma intervenção na administração pública através da sua participação no Conselho Geral do Comércio, Agricultura e Manufacturas, que funcionava no âmbito do ministério das Obras Públicas, Comércio e Industria, criado em 1852. Este Conselho devia dar o seu parecer em todos os assuntos destinados a melhorar e a aperfeiçoar qualquer ramo da indústria nacional, era composto pelo Ministro (presidente), pelo Director Geral do Comércio, Agricultura e Indústria (vice-presidente), por quinze vogais e por um secretário. Atendendo à especificidade dos vários assuntos sobre que tinha que se pronunciar, o Conselho dividia-se em três secções – Comércio, Agricultura e Indústria – compostas de cinco vogais cada87. Cada secção funcionava separadamente só se reunindo quando os assuntos a tratar implicassem o parecer de mais do que uma das secções. A Secção de Manufacturas integrava importantes 84

Sobre esta assunto veja-se Ana Barata, Lisboa «caes da Europa». Realidades, desejos e ficções para a cidade (1860-1930), Lisboa, Ed, Colibri, 2010, pp.46-49 85 O relatório fornece também indicadores do estado das relações existentes entre a edilidade e o governo central. Ana Barata, Lisboa «caes da Europa». Realidades, desejos e ficções para a cidade (1860-1930), op. Cit., p.25. O documento consultado e citado pela autora é o seguinte exposição da gerência anterior pela comunicação dos factos consumados, das medidas adoptada, projectos em estudo, das questões ventiladas e das ideias concebidas e propostas 86 Citado em Ana Barata, Lisboa «caes da Europa». Realidades, desejos e ficções para a cidade (18601930), op. Cit., p. 31. 87 Posteriormente elevados para sete.

empresários com interesses industriais, como era o caso de José Maria Eugénio de Almeida ou de Joaquim Ferreira Pinto Basto, a par de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel que associava os interesses industriais na Fábrica da Verdelha com a actividade científica e o professorado na Escola Politécnica. A sua intervenção neste conselho é demonstrativa da percepção que o governo da altura tinha de que o saber técnico-científico era cada vez mais necessário àqueles que ocupavam cargos políticoadministrativos.88 A participação de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel na Câmara dos Deputados coincidiu com o governo de Saldanha de quem era apoiante. Integrou pela primeira vez a Câmara dos Deputados em 1851 pelo círculo de Lisboa, mas nesta altura a sua participação foi diminuta89. Voltou a ser deputado por Lisboa em1855-56 participando nesta altura em várias comissões em várias legislaturas e “a sua palavra que raro se fazia ouvir nos debates políticos, era escutada com respeito quando se tratava de assuntos em que a ciência prática tem o primeiro lugar”.90 Em 1856 apresentou um projeto de lei relativo ao ensino industrial e na altura referiu “Todos sabem que a criação do ensino industrial é uma das criações mais modernas e mais importantes, e para ter todo o desenvolvimento precisa de disposições legislativas, é para este fim, que apresento este projeto e que peço que se declare urgente”.

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O Projeto de lei que apresentou na altura tinha como objetivos essenciais

dotar os institutos industriais das verbas necessárias aos seu funcionamento, criar no Instituto Industrial de Lisboa uma cadeira de tinturaria com professor e contramestre, e estabelecer gratificações para os diretores das oficinas de mecânica, tinturaria e química aplicada às artes (indústrias). Para a Escola Industrial do Porto o projeto de lei propunha a criação de uma cadeira de mecânica aplicada e estipulava, como disposição transitória, a possibilidade de esta escola contratar com qualquer fábrica do Porto o estabelecimento

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Sobre a importância da formação técnica na administração pública após a instalação da Regeneração veja-se Pedro Tavares de Almeida, A Construção do Estado Liberal, dissertação de Doutoramento, Lisboa, FCSH-UNL, 1995. 89 Foi eleito deputado em 1851-852, “como deputado substituto eleito escrutínio Suplementar para preenchimento da de vacatura para preenchimento da vacatura pelo circulo de Lisboa”. José Miguel Sardica, “Júlio Máximo de Oliveira Pimentel”, Dicionário Biográfico Parlamenta.1834-1910 Maria Filomena Mónica (coord), Lisboa, ICS/Assembleia da República, 2006, vol. 3, p.291. 90 J. B, “Visconde de Villa Maior. Júlio Máximo d’Oliveira Pimentel” in O Occidente, nº 213, 21 de Novembro de 1884., p .262. 91 Diário da Câmara dos Deputados, sessão de 11-07-1856, p.157.

das oficinas necessárias para o ensino prático das várias disciplinas ensinadas na Escola Industrial.92 Durante o tempo em que foi deputado soube sempre associar a actividade no parlamento com os seus numerosos trabalhos científicos, “Assistia regularmente às sessões, e regia ao mesmo tempo a sua cadeira na escola politécnica e a de química industrial para que fora nomeado, logo desde a fundação do instituto”.93 No início de 1863 ascendeu à Câmara dos Pares94 onde se manteve até 1883. Nesta Câmara voltou a ter um importante participação nas áreas que conhecia, como era o caso das questões ligadas com o ensino técnico.

Considerações finais O químico Júlio Máximo de Oliveira é um exemplo de um escol de homens que pela profundidade de conhecimentos técnicos e científicos, pela preocupação com o progresso do país, pelo cuidado com o bem-estar e a saúde das populações e pela sua capacidade de associar o estudo e o ensino com a intervenção na sociedade, na economia e na actividade político-administrativa, marcaram a segunda metade do século XIX. A homens como Oliveira Pimentel, os engenheiros Vitorino Damásio e António Augusto de Aguiar, o químico José Júlio Bettencourt Rodrigues, ou vários outros que poderíamos nomear, se ficou a dever, directa ou indirectamente, uma parte significativa do progresso que o país conheceu nessa altura nomeadamente a nível das obras públicas, da indústria e da agricultura, do ensino técnico-científico, da divulgação da científica, para referir apenas alguns aspectos. A eles também se ficou alguma da projecção que o país teve em termos internacionais, nomeadamente pelo reconhecimento científico que tiverem junto dos seus pares de outros países.

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Ibidem, p.158 J. M. Latino Coelho, “Julio Maximo de Oliveira Pimentel”, Revista Contemporanea Portuguesa,1860, p. 12 94 Por Carta Régia de 30 de Dezembro de 1862 recebeu a nomeação para integrar esta Câmara. 93

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