Max Weber e Michel Foucault ao rés do chão

June 19, 2017 | Autor: Fabiana Jardim | Categoria: Literature, Biopolitics
Share Embed


Descrição do Produto

1

Mesa III – Estado, condução da vida e governo dos outros Max Weber e Michel Foucault ao rés-do-chão: acerca dos contornos da experiência política no presente a partir de duas distopias contemporâneas Fabiana A. A. Jardim (Faculdade de Educação, USP).

No âmbito deste seminário que propõe o exercício de identificar e apontar as convergências possíveis entre dois autores tão fundamentais como Max Weber e Michel Foucault, o caminho que proponho percorrer, ao redor do tema Estado: condução da vida e governo dos outros, se esboça nesse título um pouco estranho que escolhi para minha fala: “Max Weber e Michel Foucault ao rés-do-chão: acerca dos contornos da experiência política no presente a partir de duas distopias contemporâneas”. De diferentes maneiras, a dimensão da política, a dimensão do poder e suas formas, suas práticas, suas manifestações e sentidos, foram alvos das análises tanto de Max Weber quanto de Michel Foucault. Mas como se trata de pensar as possíveis convergências entre os autores, optei por 1) seguir as pistas dessa proximidade nos termos do próprio Foucault, quando sugere participar de uma linhagem filosófica comum a Weber, em especial em textos escritos a partir do final dos anos 1970 e 2) tendo identificado um certo problema comum a ambos, toma-los no sentido de uma “caixa de ferramentas” à qual é interessante recorrer hoje, quando se trata de pensar nosso presente. De um modo geral, a comunicação tem um objetivo ao mesmo tempo bastante simples e excessivamente ambicioso. O objetivo é recolher alguns indícios que nos ajudem a enfrentar o problema de como pensar o Estado hoje? Numa formulação mais foucaultiana, recolher indícios que nos ajudem a enfrentar o problema de como pensar essa nossa experiência estatal, essa configuração de governamentalidades, discursos e práticas que atravessam e se encontram no Estado? Se, na formulação do mesmo Foucault, vale a pena interrogar o Estado não como uma instituição, mas como “efeito móvel de governamentalidades múltiplas” (2008: p.106), como pensá-lo atualmente? Mas apesar da ambição desmedida do objetivo, vou propor aqui um percurso bastante simples (daí o “rés-do-chão” do título) que envolve o exame de dois romances contemporâneos, ambos considerados distópicos – um subgênero literário que já nos alimentou com diversas figuras e imagens para operar a crítica das formas de governo em funcionamento. O sistema de castas biologicamente criadas de Admirável Mundo Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

2

Novo; o Big Brother e a Novilíngua de 1984; a onipresença da televisão e a criminalização da literatura de Fahrenheit 451; a Los Angeles pós-apocalíptica da novela de Philip K. Dick1 ou as conexões neurais a internet presentes em Neuromancer... Essas narrativas distópicas contribuíram com imagens eloquentes que funcionam muitas vezes como lembranças em relação aos perigos das “doenças do poder” que atingem o funcionamento do Estado (Foucault, 1995: p.232). Mais do que isso: por vezes essa literatura distópica dá forma literária a processos antes mesmo que nós, cientistas sociais, possamos dispor de ferramentas conceituais e teóricas para reconhecer. Daí a proposta de tomar esses dois livros, Não me abandone jamais, de Kazuo Ishiguro, e Jogos Vorazes, de Susanne Collins, cuja experiência de leitura me provocou enormemente, e dividir com vocês essas inquietações. Em 1978, em uma conferência intitulada “O que é a crítica? (Crítica e Aufklärung)”, Michel Foucault procura indicar a genealogia possível do que chama de uma atitude crítica. Referindo-se ao desenvolvimento da arte de governar como problema que “explode” entre os séculos XV e XVII, e localizando-a com relação aos efeitos do Poder Pastoral em termos de certa relação entre indivíduo, verdade e obediência, Foucault sustenta que [...] teria nascido na Europa, naquele momento, uma espécie de forma cultural geral, ao mesmo tempo atitude moral e política, maneira de pensar etc., que pode ser chamada como arte de não ser governado ou arte de não ser governado dessa forma e a esse preço. (2000: p.172).

Ele segue caracterizando essa atitude crítica, sublinhando sua relação com as estratégias de verdade: “A crítica teria essencialmente por função o desassujeitamento no jogo que poderia ser denominado, em uma palavra, de política da verdade”, (p.173; grifos meus). Quando chega a essa formulação é que Foucault propõe que tal definição guarda relações de proximidade com a definição de Aufklärung que aparece na resposta kantiana à questão “O que é o Iluminismo?”, pois nesse texto, Kant define o processo de Esclarecimento ao mesmo tempo como apelo à coragem de conhecer, necessidade de autonomia do sujeito de conhecimento e clareza na distinção entre o uso público e o uso privado da razão. Vale notar que Foucault marca a proximidade da problematização da razão no projeto das três Críticas e neste texto sobre a Aufklärung: em ambos os casos, trata-se de pensar os limites da razão. No primeiro caso, colocar o problema do que é possível 1

Trata-se da novela Do androids dream of eletric sheep? (1968), que deu ensejo à Blade Runner (1986). Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

3

conhecer sem perigo; no segundo, o problema da desconfiança de que as relações entre conhecimento e Estado podem conduzir a excessos. É nesse sentido que Foucault sugere que, se na Alemanha essa distância entre crítica e Aufklärung talvez jamais tenha deixado de ser considerada como problema, na França ela seria retomada apenas nos anos 1950, e é nesse momento que ele se refere a Weber: [...] Retornamos, por consequência, à questão: o que é a Aufklärung. E se reativa, assim, a série de problemas que marcou as análises de Max Weber: o que é esta racionalização na qual reconhecemos não somente o pensamento e as ciências ocidentais desde o século XVI, mas também as relações sociais, as organizações estatais, as práticas econômicas e talvez até mesmo o comportamento dos indivíduos? (FOUCAULT, 2000: p.179).

Dessa genealogia da atitude crítica e da análise de sua entrada como problema para a filosofia, Foucault extrairá consequências metodológicas, esclarecendo os termos de seu próprio projeto filosófico. Nos anos seguintes, Foucault segue voltando a este texto de Kant (2004; 2005; 2010), passando a reconhecer nele um acontecimento, que coloca para a filosofia a tarefa de pensar o presente. É quando passa a distinguir entre duas tradições inauguradas por Kant: uma analítica da finitude e uma ontologia do presente. E é nesta última que se reconhece e na qual localiza Max Weber. Seria mesmo possível ler em Max Weber essa dupla preocupação: 1) com o exercício de controlar os limites da racionalidade científica, por meio da produção da objetividade e do reconhecimento de sua impotência para a produção de sentidos para a vida e 2) por outro lado, com a importância do conhecimento científico, no que é capaz de esclarecer sobre a articulação entre valores, condições de existência e condução da vida (Lebensfhürung)2. Vale notar ainda que ao vincular, n’A Política como vocação, vocação política e ética da responsabilidade, Max Weber está, de algum modo, implicando conhecimento e política, na medida em que ações pautadas por tal ética demandam clareza e capacidade do indivíduo em lidar com o irracionalismo da história e os paradoxos éticos que este produz. Ainda que a pinceladas muito grossas, esse breve esboço de vinculação de Max Weber e Michel Foucault a um problema comum que constitui nossa modernidade, e do qual cada um deles desdobra um programa cujas aproximações e distanciamentos vêm sendo marcados ao longo desses dias, me permite seguir adiante na análise das duas

2

Schluchter, 2011: p.43. Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

4

distopias escolhidas para, ao final, voltar à contribuição e à atualidade de ambos para compreensão de nosso presente.

***

É bastante possível que ao propor uma reflexão ancorada em duas distopias contemporâneas tão distintas, eu tenha apenas aprofundado o desafio incontornável de localizar as possíveis convergências entre escritores cuja aproximação já não é simples. Mas menos que fazê-los convergir, nesse caso da literatura se trata de colocar os dois romances em relação justamente para lançar luzes sobre as proximidades e as diferenças que fazem com que os autores, ainda que partilhando algumas inquietações, tenham chegado a soluções formais tão distintas. É, portanto, no sentido de um exercício de pensamento que propus examinar essas duas novelas, ambas lançadas em 2005: Não me abandone jamais, de Kazuo Ishiguro, e Jogos Vorazes, de Susanne Collins. Kazuo Ishiguro, escritor nascido em Nagasaki cuja família se mudou para a Inglaterra quando ele tinha apenas cinco anos, é autor de vários títulos, a maior parte dos quais já mereceu tradução para o português como Uma pálida visão dos montes (romance de estreia, de 1982), Um artista do mundo flutuante (1986), Vestígios do Dia (1989), Quando éramos órfãos (2000) e, mais recentemente, do romance distópico que será alvo de análise, Não me abandone jamais (publicado em 2005), além dos contos reunidos em Noturnos (2009). Como curiosidade, vale destacar que encontrei apenas uma única dissertação de mestrado a respeito do autor em nossa Faculdade, defendida no Departamento de Estudos Linguísticos e Literários em Inglês em 2009. A pesquisadora, Rose Sugyama, centrou sua análise sobre o lugar que o espaço ocupa na narrativa, como eixo que permite o desdobramento das memórias do narrador, compreendendo o espaço produzido pela rememoração a partir da noção foucaultiana de heterotopia3. (Se pensar a ficção de Ishiguro utilizando Foucault parece produtivo, quem sabe trazer Ishiguro para tensionar essas reflexões sobre Weber e Foucault também o seja. Veremos). A fortuna crítica que se constitui a respeito de Ishiguro costuma sublinhar a presença de alguns temas que atravessam seus livros, tão diversos entre si. A memória 3

Rose Y. Sugyama. Espacialidades narrativas: uma leitura de An artist of the floating world de Kazuo Ishiguro. Dissertação (Mestrado) – FFLCH-DLM, Universidade de São Paulo, 2009, 148p. Disponível no Banco de Teses. Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

5

como problema; a narração centrada nos fatos e circunstâncias que se desenrolam no tempo do cotidiano e a proximidade de sua literatura com o que se poderia chamar, bastante imprecisamente, como literatura de trauma ou de testemunho são eixos recorrentes. Ainda que o próprio Ishiguro recuse parte dessas análises, afirmando-se como alguém que só deseja contar boas histórias e que escreve de forma menos consciente do que gostariam de crer aqueles que empreendem análises literárias em torno de seus livros, sua literatura nos confronta com alguns traços comuns, especialmente no que se refere a um uso de uma linguagem bastante clara e precisa, mas na qual depreende-se sempre algo de não-dito ou interdito. Há sempre uma espécie de desconforto com a linguagem, uma espécie de frustração em sua incapacidade de cumprir uma de suas principais funções: a comunicação, permitindo o estabelecimento de relações interpessoais. Na literatura de Ishiguro, por muitas vezes as palavras edificam espaços de ausência. Mas passemos ao romance, que talvez uma parte de vocês conheça ou do qual já tenha ouvido falar. Não me abandone jamais é narrado por Kathy H., uma jovem “cuidadora”, de trinta e um anos, que está prestes a “se aposentar” dessa função, dando início a uma outra carreira, a de “doadora”. Ao longo do livro, acompanhamos os percursos de sua memória, quase que sentados no banco dos passageiros do carro que ela usa para se deslocar em seu trabalho como “cuidadora”, pois o tom do livro – conforme já apontado por parte da crítica –, é muito simples, quase coloquial. Antes de qualquer coisa, cabe destacar que apenas duas palavras, antes do primeiro capítulo, localizam a narrativa no tempo e no espaço – Inglaterra, anos 1990. É tudo de que dispomos para que possamos enraizar a narração de Kathy em um espaçotempo historicamente localizável. Logo, porém, vamos nos dando conta de que se trata de um artifício, e que essa inscrição histórica visa somente produzir em nós – à medida que vamos, como Kathy, nos tornando mais conscientes de todo o contexto – um sentimento entre a surpresa e a revolta, pois que ao construir um passado alternativo, que teria se desenrolado a partir do final da Segunda Guerra Mundial, Ishiguro nos confronta com a necessidade de reavaliarmos nosso presente. Como aponta Mark Currie, em sua cuidadosa análise da construção do tempo na narrativa: De um lado, existe uma sensação de futuro, inerente ao interesse do romance na clonagem; e de outro, uma sensação de passado, na forma de uma espécie de memórias da escola pública, ou a lembrança de uma infância aparentemente isolada das forças da história. (There is, on one hand, a sense of the future, which inheres in the novel’s interest in cloning; and on the Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

6

other hand a sense of the past, in the form of a kind of public school memoir, or a recollection of a childhood apparently isolated from the forces of history). (CURRIE, 2010).

É nesse sentido que se trata de uma distopia estranha, pois que ao invés de localizada no futuro, localiza-se em nosso passado recente, justamente naqueles anos em que o mundo “acabou” em diferentes eixos: devido ao “fim do emprego”, ao “fim do Estado”, ao “fim da História”. Um resumo rápido dos fatos principais da história: Kathy H. e seus amigos, Ruth e Tommy, são clones, criados por um programa governamental de doações de órgãos e devem seguir o percurso institucional que lhes é adequado: crescer numa instituição que se assemelha a um internato; passar um tempo em um alojamento; e iniciar finalmente a carreira de “doadores”, ainda que esta não seja exatamente uma carreira longeva, pois que após três ou quatro doações estarão mortos. Se a história pode ser resumida dessa maneira, esta está longe de ser propriamente a história contada por Ishiguro. Passo agora então a breves considerações sobre aspectos formais da narrativa, na medida em que são elas justamente que nos permitem pensar os temas dessa mesa, quais sejam, as relações entre condução de conduta, governo dos outros e Estado. Como já anunciado, a história é narrada por Kathy H. e consiste basicamente numa tentativa de compreensão do passado, num momento em que aqueles que eram seus contemporâneos em Hailsham, a instituição na qual eles cresceram, já se foram. De fato, Kathy não é uma “cuidadora” comum, pois enquanto outros ficam nessa posição apenas por poucos anos antes de iniciarem suas doações, ela tem sido “cuidadora” por quase doze anos. Este é um primeiro ponto importante: Kathy narra, em alguma medida, da perspectiva de uma sobrevivente. Não no sentido que essa palavra costuma ter quando se trata de grandes catástrofes, naturais ou políticas. Mas no sentido de alguém que vai vendo morrer, uma a uma, as pessoas que conhece e que ama. Sobrevivente, então, no sentido de ser “aquela que restou” (para emprestar a expressão utilizada por Eliane Brum para se referir a Joan Didion, autora de O ano do pensamento mágico e Noites Azuis4).

4

Eliane Brum. A mulher que restou. Publicado em 26/08/2012. Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Mente-aberta/noticia/2012/08/mulher-que-restou.html, último acesso em 14/05/2013. Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

7

No caso de Kathy, essa situação é especialmente trágica na medida em que, sendo clone, ela não tem nenhum passado a não ser aquele constituído pelas lembranças de que dispõe, aquelas que foi capaz de articular desde que passou a ter “consciência”. Sendo clone, também não tem futuro – nenhuma âncora, portanto, que a enraíze no tempo. Acompanhamos Kathy, então, em seu trabalho de rememoração, que ela empreende menos para procurar um sentido do que para tentar fixar o que viveu, evitando que se percam as memórias que lhe dão identidade. Já na primeira leitura do livro, chamou minha atenção que se tratasse de uma narrativa sem clímax: a narrativa corre límpida pelas margens anunciadas desde início. Não há peripécia, não há reviravolta, não há nada capaz de alterar o destino das personagens. Ainda que o livro narre o processo de aprendizagem de Kathy sobre sua própria condição, ela continua utilizando os termos “nativos” que aprendeu em Hailsham, com toda sua carga de eufemismo e ambiguidades que faz persistir, ao longo de todo o romance, uma das ideias centrais que move o drama que é a consciência possível num contexto em que tudo é absolutamente dito e nada é dito claramente. Como John Mullan, escrevendo sobre o romance, aponta: O fracasso em imaginar uma realidade diferente é inato à sua linguagem narrativa. O fracasso [de Kathy] em desafiar o que será feito a ela é linguístico tanto quanto psicológico e político. [Failure to imagine a different reality are native to her narrative language. Her failure to challenge what is to be done to her is linguist as much as psychological or political], (MULLAN, 2010).

Não deixa de ser interessante que, ao se propor a contar uma história de conformação aos limites da vida e da morte, Ishiguro tenha conferido tamanha centralidade à instituição escolar que é Hailsham. No contexto geral da história, Hailsham aparece como um espaço privilegiado, em que para além do controle e dos cuidados necessários ao crescimento dos “corpos” dos doadores, desenrola-se um projeto político – que só chegamos a conhecer quase ao final – que visa afirmar a possibilidade de tratar humanamente os clones, tentando sensibilizar a opinião pública a partir de sua produção artística (desenhos, esculturas, quadros etc.). De algum modo, essa instituição que deveria se ocupar apenas com os alunos “biológicos”, pretende cultivar neles também outra coisa: sua inteligência, sua sensibilidade, sua criatividade... todos os aspectos, enfim, que borram os limites entre a vida criada para ser utilizada em doações e a vida dos “normais”. E é este projeto que fracassa de forma retumbante, a partir de uma “virada de maré” que a ex-diretora de Hailsham, Miss Emily, localiza no Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

8

final dos anos 1970: a partir daí, o romantismo envolvido na ideia é recusado, alguns escândalos (nunca muito claros) contribuem para a mudança de humores e essas tentativas são encerradas. Na medida em que o programa de doações é de responsabilidade governamental, fica clara a identificação de Miss Emily ao campo da filantropia articulada em torno dos clones, assim como fica claro o fechamento dos espaços de ação que compliquem a gestão racional e pragmática do programa. Por isso, não é de estranhar que a personagem chamada de Madame, responsável pela curadoria dos trabalhos artísticos feitos pelos alunos para efeito de propaganda beneficente, chore ao se despedir de Kathy e Tommy, após eles terem ido procurá-la a fim de obter um “adiamento” em suas doações, dizendo “Pobres criaturas. Quem me dera poder ajudar. Mas agora vocês estão por conta própria” (ISHIGURO, 2005b: p.325)5. Ainda que Ishiguro reiteradamente afirme que sua escolha ao localizar uma história seja algo posterior à decisão a respeito da história que será contada, é difícil não projetar sobre esses destinos trágicos das personagens, ensinadas a reconhecer a vida que levaram em Hailsham como privilégio a ponto de se distraírem do horror do destino que as esperava6 e depois tendo que lidar com o abandono provocado pela “mudança da maré”, sobre os destinos sociais e profissionais de jovens que haviam crescido sob as promessas de pleno-emprego e que, nos anos 1980, 1990, chegavam ao mercado de trabalho apenas para descobrir que tais promessas eram falsas e que o futuro imaginado não se realizaria. Nos discursos reiterados sobre as mudanças profundas no mercado de trabalho, não é possível ouvir o eco dessa fala contundente: “Pobres criaturas. [...] agora vocês estão por conta própria”? Muitos são os eixos envolvidos na construção da novela, mas aqui gostaria de chamar a atenção para dois últimos aspectos. O primeiro se relaciona ao interlocutor a quem Kathy se refere. Desde as primeiras páginas, deparamo-nos com expressões como “não sei como era onde você cresceu”, “talvez onde você esteve tenha sido diferente”, “se você é um cuidador, já deve ter ouvido falar de mim”... Uma série de pistas que nos ajudam a perceber que Kathy não está falando conosco, mas sim com seus pares de destino. Trata-se de uma estratégia que sustenta, do ponto de vista formal, que ela jamais tenha que explicar muito todos aqueles termos nativos que abordam as doações sem, no entanto, referirem-se diretamente a elas. Trata-se também de estratégia que visa 5

“Poor creatures. I wish I could help you. But now you’re by yourselves” (ISHIGURO, 2005a: p.272). A questão da importância dessa sensação de privilégio para a conformação ao próprio destino foi analisada por John Mullan, 2010. 6

Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

9

manter o leitor real a um só tempo próximo e distante do que é narrado: próximo para compartilhar o drama de Kathy e Tommy, mas distante o suficiente para recusar sua passividade, afirmando assim sua própria capacidade de luta. Em entrevista Kazuo Ishiguro afirma que a falta de resistência dos clones, em geral, e de Kathy H., em particular, é premissa de seu livro e não o que ele tenta explicar. Ainda assim, creio que há algo de importante nesse esforço de construir a narrativa preocupando-se em manter uma distância entre eles e nós – me pergunto se esta não é uma estratégia de Ishiguro para nos manter na mesma situação das crianças de Hailsham, a que tudo é dito e não dito. Penso especialmente sobre a cena que dá título ao livro. Kathy H. está em seu quarto, abraçada a um travesseiro, escutando uma canção em fita K7, quando vê Madame parada no corredor, chorando, inconsolável. Na cabeça de Kathy, a música tratava de uma mulher que quer ter filhos, está impedida, e de repente se descobre mãe, então canta suavemente “Baby, baby, never let me go”. Ainda que Kathy afirme que sabia que a canção era sobre outra coisa, não se livrava dessa sensação, agarrada ao sentido literal das palavras: um bebê, uma mãe que nunca mais quer se afastar dele. Ao ver Madame chorando, Kathy entende que ela vira a cena da mesma maneira, e que chorara por saber que, como clone, ela jamais poderia ter filhos. Já quase ao final do livro, porém, Kathy pergunta a Madame sobre esta cena. E Madame diz algo como “eu vi uma criança, pura, ingênua, agarrada forte a um mundo doce e gentil que ia se acabando; e eu vi que esta criança se agarrava forte a este mundo, porém era inútil: ela o deixaria escapar e estaria sozinha num mundo cruel”. Pobres criaturas. É Mark Currie quem chama a atenção para a importância da compreensão literal de Kathy em relação à música frente à compreensão metafórica de Madame. Mas sugiro aqui uma leitura um pouco diversa. Creio que essa distância entre literalidade e metáfora pode ser indicadora de algo que Ishiguro revela e esconde a todo o tempo: o fato de que a história que conta não é sobre nós, mas é sobre nós: é sobre nós mesmos hoje. A história é literal, é sobre o mundo que começamos a perder nos anos 1970, esse mundo da seguridade social (os clones, afinal, são uma espécie de seguro de vida perverso!), dos destinos institucionais por onde corre o fluxo da vida ativa, o mundo de certa organização que dava horizonte de sentido ao tempo. Mas a história é também metafórica, colocada num tempo alternativo, falando de uma sociedade distinta da Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

10

nossa. E eu me pergunto se essa maneira de Ishiguro construir sua história não é efeito dessa vontade presente em cada um dos guardiões de Hailsham, de ao mesmo tempo informar diretamente, mas protegendo as crianças da verdadeira face do horror de seu destino. Como Kathy, talvez Ishiguro também esteja a nos “cuidar”, delicadamente nos preservando do horror de nosso destino ao nos permitir essa saída honrosa de nos vermos outros em relação aos clones e sua falta de vontade de lutar. Há ainda outro efeito nessa estratégia narrativa adotada por Ishiguro: na repulsa que nos provoca essa passividade dos clones, ele põe o dedo na ferida do quanto se tornou impensável para nós esse abandono ao que parece ser “o curso natural da vida”. O que essa narrativa marcada por um continuum, que termina antes do desfecho justamente porque ele é inevitável, parece por em questão é se há mesmo algo como um “instinto de sobrevivência” a qualquer preço, capaz de colocar interesses e vontades em movimento; a suposta passividade de Kathy nos inquieta justamente porque nos parece impossível. “É como passar diante de um espelho pelo qual passamos todos os dias de nossas vidas e de repente perceber que ele reflete outra coisa, uma coisa estranha e perturbadora” (ISHIGURO, 2005b: p.50): será que o que nos perturba é a desconfiança de que talvez haja uma escolha diferente na roda-vida do imperativo à sobrevivência a qualquer preço? Aproveito essa deixa para passar ao segundo livro, Jogos Vorazes, de Susanne Collins. São três livros, na verdade: Jogos Vorazes, Em Chamas e A Esperança. O livro também foi lançado em 2005, embora pertença a um universo bastante diverso do de Kazuo Ishiguro – os livros de Susanne Collins são considerados literatura para jovensadultos e integram um movimento editorial bastante intenso de publicação de trilogias ou tetralogias, muitas vezes tratando de mundos fantásticos ou distópicos7; outro ponto em comum é que as personagens centrais são meninas fortes, dispostas a se juntar a movimentos de resistência ou são elas mesmas as líderes de tais movimentos. Começo então com aquele breve resumo da história: Katniss, uma garota de 16 anos, vive numa sociedade pós-guerra que se reconfigurou em torno da Capital, vencedora, com a divisão de trabalho entre doze distritos, cada um deles especializado num tipo de atividade econômica (pesca, mineração, agricultura, indústria têxtil,

7

A saga de vampiros Crepúsculo, de Stephanie Meyer, por exemplo, também começou a ser publicada em 2005. Do mesmo modo, algumas distopias têm feito sucesso no mercado editorial: é o caso da tetralogia de Scott Westerfeld (Feios, Perfeitos, Especiais e Extras) e da trilogia de Veronica Roth (Divergente, Insurgente. O terceiro livro sai no segundo semestre deste ano). Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

11

indústria de eletrônicos etc.). Como forma de celebração da paz e rememoração dos riscos da insurreição, a cada ano são sorteadas duas crianças ou adolescentes em cada distrito – entre 12 e 18 anos, um menino e uma menina – para concorrer nos Jogos Vorazes: uma arena de batalha, transmitido ao vivo como um reality show, onde deverão lutar até que sobre apenas um (a) vitorioso (a). Há várias desigualdades que adensam o drama – a despeito de se tratar de um sorteio, as crianças de famílias mais pobres, que sofrem de fome persistente, se veem compelidas a colocar seus nomes diversas vezes no sorteio para ter acesso a uma dose extra de provisões mensais; além disso, os distritos mais ricos estimulam seus jovens a competir, sabendo que além de prestígio, o distrito de onde saiu o (a) vitorioso (a) ganha muitas doses extras de comida. É esse contexto que torna tão irônica a frase sempre repetida pelos apresentadores dos Jogos: “que a sorte sempre esteja a seu favor” – de largada, a sorte está sempre mais a favor de uns do que de outros. A história é inteiramente narrada em primeira pessoa, por Katniss e não há de modo algum a presença de qualquer narrador onisciente: nós só sabemos o que ela sabe, o que tem consequências importantes tanto para o desenvolvimento da história quanto da análise que pretendo fazer aqui. O livro se inicia no dia do sorteio para o 74º Jogo, a primeira vez que a irmã mais nova de Katniss irá participar. A família de Katniss é composta por ela, sua irmã de 12 anos (Primrose) e sua mãe. O pai morreu num acidente nas minas, anos antes e, diante da depressão de sua mãe, Katniss tornou-se responsável pelos cuidados e, principalmente, pela alimentação da família; rompendo as leis do distrito, ela transpassa a cerca que delimita do distrito 12 para caçar e coletar, sustentando a família a partir das carnes e da venda dos produtos no mercado local (também atravessado por toda uma série de ilegalismos). Para encurtar a história: Primrose é sorteada, Katniss se voluntaria para poupá-la e, junto com o mocinho Peeta, segue para a Capital, onde será preparada para participar do Jogo. O Jogo vai chegando ao fim, ela e Peeta sobrevivendo juntos após uma mudança que permitia que houvesse dois vencedores se fossem de um mesmo distrito, mas quando finalmente sobram só os dois, surpresa! A exceção à lei foi revogada e agora eles devem se matar. Tendo em mente algo que Peeta lhe dissera antes dos Jogos começarem, Katniss tem uma ideia: entrega a Peeta um punhado de amoras venenosas e contam até três para que não haja nenhum vencedor. Na última hora, Sêneca Crane, o formulador do 74º Jogo, intervém e pela primeira vez o Jogo tem dois vencedores. O ato público final de rebeldia, que havia Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

12

sido precedido por outros pequenos gestos de Katniss ao longo dos Jogos, dá ensejo a revoltas e inícios de rebelião nos distritos (algo que só ficamos sabendo no livro dois) e é a partir daí que o drama se desenrola: Katniss é obrigada a se haver com as consequências de seus atos dentro da arena, o que só dá a ela a consciência aguçada de que os Jogos nunca terminam efetivamente – que seus efeitos políticos transbordam em muito o período em que o Jogo transcorre. Nesse sentido, podemos dizer que o tema central do livro é a aprendizagem da dimensão trágica da ação, de que fala Weber. Cada um dos livros tem seu próprio drama – a sobrevivência aos Jogos; as consequências imprevistas de um ato de rebeldia e o retorno à arena; a participação na rebelião e a desconfiança em relação às revoluções, incapazes de modificar a estrutura da relação entre governantes e governados... Os livros narram, porém, o constante esforço de Katniss para tomar consciência de seu lugar no mundo e de seu papel nos acontecimentos de seu tempo – ela é levada por um processo que é ao mesmo tempo de transformação e de luta para não perder a própria identidade. Do ponto de vista formal, chamo a atenção para três pontos. O primeiro se refere à narração em primeira pessoa e inteiramente ancorada no presente (à diferença do romance de Ishiguro, que se constrói a partir de memórias e, assim, consegue introduzir paradoxos na estrutura temporal, a partir do que Mark Currie chamou de “rememoração do esquecimento” e “rememoração do futuro”). Nós não sabemos como a história irá se desenrolar, não temos acesso a nenhuma outra informação a não ser aquelas que estão disponíveis para Katniss, e assim podemos acompanhar seu trabalho de compreensão do presente, sua leitura tática das situações em que se envolve e a tensão constante, em especial quando se encontra na arena durante os Jogos, em valorizar os laços de lealdade e manter o foco em sua meta (salvar-se, no primeiro Jogo; salvar Peeta, no segundo). Susanne Collins é filha de um ex-combatente no Vietnã e já afirmou em entrevistas que desde sua primeira série de livros, o também infanto-juvenil Gregor, Crônicas do Subterrâneo, que seu objetivo tem sido refletir, literariamente, sobre as consequências subjetivas da experiência da guerra. Nesse sentido, não espanta que Jogos Vorazes também se aproxime em alguma medida da literatura de sobreviventes ou de trauma, embora talvez possa espantar que a solução formal encontrada pela autora tenha sido reunir numa sociedade distópica o papel político desempenhado pelo ritual dos Jogos e os efeitos políticos do formato reality-show. O segundo ponto que destaco, Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

13

então, é esse: em que medida essa solução permite a autora refletir sobre os efeitos da guerra? Qual o sentido, na narrativa, de vincular estreitamente tecnologias de dominação, espetáculo e manutenção da ordem e da paz? Uma pista possível pode ser encontrada na tese de doutorado de Silvia Viana Rodrigues (2011), recém-publicada em livro e intitulada Rituais de Sofrimento. Examinando a invasão do formato dos reality shows, em especial os realities de eliminação, onde há vencedores, a autora procura demostrar a íntima relação entre sua disseminação e uma nova ideologia do trabalho, que modifica enormemente a relação das pessoas com os outros e consigo mesmas. Os realities encenariam, quase em forma pura, as vicissitudes da vida num universo de regras cambiantes, cujo objetivo parece ser sempre o de instaurar ou reativar um movimento que não visa nada além de si mesmo (e de audiência, claro!). Esses shows, então, estariam para além do mero entretenimento, pois colocariam a nu, de forma “crua”, os rituais de funcionamento dos mercados, em geral, e do mercado de trabalho contemporâneo, em particular. Portanto, a ideia de um poder político que se exerce por meio da ritualização de um Jogo, em que o vencedor é um “sobrevivente” literal, de algum modo está inscrita no modo de funcionamento da sociedade contemporânea8. Nos livros de Susane Collins, ele se articula com a reflexão sobre a guerra porque consiste em experiência radical em que a “natureza”, por assim dizer, de nossa relação com os outros e da relação conosco mesmo será “provada”. Pior: se numa guerra é possível identificar um inimigo comum que dê suporte ao estabelecimento de relações de reciprocidade, lealdade e honra, no Jogo em que só pode haver um vencedor, o inimigo são todos os outros; o inimigo está também dentro de si, pois uma dúvida ou momento de fraqueza leva à morte, interrompe qualquer chance. Silvia Viana comenta: Não é à toa que o jogo se tornou metáfora dileta em todas as esferas sociais, ela deriva da noção segundo a qual nossa relação com o mundo em permanente mudança deve ser lúdica, experimental, maleável etc. A metáfora mente. Toda criança sabe que não há nada mais sério do que o jogo. A metáfora inverte a verdadeira lógica do jogo, pois não se brinca com suas regras, mas dentro do espaço delimitado por elas, esse é o espaço da criação. E é nesse espaço que o princípio pode ser invertido (RODRIGUES, 2011: p.73).

8

Sobre a estratégia literária de literalização de metáforas em Kafka e em Ishiguro, ver Currie, 2010. Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

14

Ao introduzir o rito dos Jogos Vorazes como forma de rememoração da vitória da Capital, o que se está ritualizando é a impotência da resistência e a impertinência da solidariedade. Não adianta se rebelar: a desigualdade de forças é insuperável. Não adiante tecer alianças, pois na hora em que a sobrevivência estiver em jogo, o melhor é não ter laços. O que a Capital não prevê é justamente que a inversão se faça no próprio espaço do Jogo, por alguém que compreende que se pode abdicar da vitória em nome da lealdade e da honra; que se pode abdicar da vida, se a sobrevivência significar a incapacidade de suportar a escolha feita. É esse o ato subversivo de Katniss: ela joga com as (poucas) regras que regulam o jogo e a partir daí desencadeia uma série de eventos que põem em xeque a ordem frágil na qual se assenta o poder da Capital. É sem dúvida insuficiente e aqui chamo atenção para esse último aspecto formal: ainda que Susanne Collins construa essa complexa arquitetura literária, os limites da resistência são constantemente apontados, seja pelo fato de que Katniss vai se dando conta de que não tem autonomia para conferir sentido à sua ação – e aí se vê enredada numa conspiração revolucionária, enunciando claramente seu descontentamento em ser usada como “peça” de um novo Jogo –, seja porque a desigualdade de forças entre Capital e Distritos é tão imensa, que é preciso recorrer a um deus ex-machina para sustentar a trama: assim, no segundo livro descobrimos um Distrito 13 que supostamente fora dizimado na guerra e que sobreviveu, após um acordo, por ser um distrito portador de armas nucleares. O Distrito 13 sobrevive por conta de sua intensa disciplina e sua orientação igualitária: todos vestem roupas iguais, todos têm direito a uma mesma porção de comida, todos têm acesso à mesma educação e saúde e a hierarquia existente se ancora em méritos. Tudo muito diferente, portanto, da gestão empreendida pela Capital, que gerencia as profundas injustiças e desigualdades com uma gestão diferenciada dos riscos (em seu Tour da Vitória, Katniss descobre as imensas diferenças de vigilância e repressão entre os distritos) e com o ritual dos Jogos – um ritual que é estendido por meio de vários mecanismos que fazem com que o assunto sempre esteja em pauta. Katniss logo se dá conta de que não parece haver saída que não uma ou outra forma indesejada de governo; à medida que a narrativa corre, ela vai se dando conta de que o curso das coisas é decidido de fato entre aqueles que dispõem de um poderio militar equivalente. Então, ao final do livro, quando já perdeu praticamente tudo o que Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

15

lhe importava, ao invés de dirigir sua flecha para o presidente Snow, ela mata a nova liderança, a presidente do Distrito 13, sabendo que assim abrirá ao menos um pequeno espaço de indeterminação. É novamente a ação limitada pela breve inversão das regras do jogo e o final, melancólico, reitera tais limites. Nada muda muito, a heroína da rebelião é localizada como “louca, traumatizada” para justificar o assassinato da presidente e termina seus dias no Distrito 12, na companhia do marido, dos filhos (que ela não queria), e daqueles com quem compartilha as memórias dos horrores vividos. Ponto final. Duas novelas distópicas, com temas e soluções formais distintas, mas com problemas que talvez sejam bastante próximos. O interesse em toma-las se encontra no esforço de interrogar nossa experiência no presente. Ainda que Kazuo Ishiguro certamente recusasse essa interpretação, entendo que Não me abandone jamais acaba sendo também uma reflexão sobre as condições e o sentido da resistência em sociedades que fizeram a experiência de um Estado de Bem-Estar Social ou Estado-Providência, enquanto Susane Collins acabou por produzir uma narrativa densa sobre as condições e o sentido das contra-condutas (mais do que da resistência) em sociedades nas quais a experiência estatal esteve atravessada por governamentalidades neoliberais. As duas narrativas consistem, então, em exercícios de dar forma a processos de difícil legibilidade em termos sociológicos; esta, aliás, a outra razão em pensar a partir deles – talvez ajudem a localizar novos temas de inquietação e de investigação. Se Ishiguro coloca sua ênfase no problema da finitude da vida e nos confronta com a incômoda experiência desses clones, conformados a seu destino e com o grau de “liberdade indesejada”9 que lhes foi assegurado, não está, de algum modo, apontando os limites de uma experiência estatal forjada no entrecruzamento entre artes de governo liberais e práticas que talvez não tenham chegado a se constituir como governamentalidade, mas sem dúvida alteraram o jogo estratégico desde o entreguerras? Não será das consequências subjetivas desse modo de governo que ele está tratando, e que nós deixamos de olhar talvez por termos aderido um pouco rápido demais às teses do “fim do Estado de Bem-Estar”? Se para construir literariamente esse problema de nossa atitude em relação aos limites da vida biológica ele precisou remeter a certa experiência institucional e disciplinar (com Hailsham), a um Estado cuja presença se faz sentir justamente em sua ausência, em seu desaparecimento no tempo 9

Cf. John Mullan, 2010. Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

16

cotidiano da gestão do Programa de Clones, a uma trajetória de vida normatizada em termos de escola – “período de liberdade e auto-formação” – trabalho como “cuidador” – doações e a uma ação política próxima à filantropia, isso não pode nos indicar a necessidade de compreender melhor as práticas que naquele momento se articularam? O fato dos clones terem difíceis relações com o passado e o futuro que não têm e, assim, verem-se confrontados com a tarefa de construção de sentido para uma vida que é, sob diversos aspectos, absolutamente individual não os aproxima do “tipo ideal” do indivíduo desmercadorizado10 do Estado de Bem-Estar, sem laços necessários com o mercado ou com a família? Não poderíamos entender esse universo em que vive Kathy H. como uma espécie de heterotopia (ainda que Foucault explicitamente tenha recusado utopias e distopias nesses termos) que repõe temporalidades, espacialidades e governamentalidades que nos parecem “fora de lugar” desde as mudanças intensas nos últimos 30 anos? No outro extremo temos Jogos Vorazes, em que Susanne Collins coloca em cena os custos subjetivos da assunção do jogo como grade de governo e condução de condutas. Invertendo um pouco sua solução formal, podemos pensar que ao invés de elucidar as consequências subjetivas da guerra por meio da referência ao Jogo, ela elucidou o quanto a generalização da metáfora do jogo nas várias esferas sociais teve por consequência fazer da vida uma guerra. Mas é interessante notar que os livros também apontam a insuficiência dessa forma política (a do rito espetacular e a do jogo): a depender do grau de insatisfação de cada distrito, essa estratégia se articula a punições severas, à uma vigilância constante, à inflição de penúria e fome; na Capital, ela se articula ao uso de drogas, à uma economia de fartura e desperdício... A disseminação da forma “jogo” é insuficiente, ela se articula a toda uma série de práticas que visam gerir diferencialmente os riscos. E é justamente essa complexidade que faz com que Katniss nunca consiga repor em coerência os significados de suas próprias ações. Esse é um poder ilegível, e ilegível na medida em que é sempre apreendido de um ponto de vista parcial. Até porque apenas os “Vitoriosos”, esses seres ambíguos, afirmados em sua potência no jogo que os desmoraliza, podem transitar entre os distritos, pois os espaços sociais são estanques: cada um só conhece aqueles com quem partilha a mesma

10

“Desmercadorizado” conforme a expressão de Gosta Esping-Andersen, e sua análise do estatuto dos indivíduos, independentes do mercado e da família, nas sociedades em que se estabelece um padrão de proteção social social-democrata (cf. ESPING-ANDERSEN, 1991). Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

17

condição. A clareza necessária a uma ação consequente não é possível; a ética da responsabilidade não é plenamente possível. A relação de Katniss com sua família, com sua rede de apoio, diz de uma individualidade constituída num padrão de proteção social liberal, em que as relações com os outros são sempre uma necessidade e um risco. As relações entre passado e futuro são diversas, e isso talvez explique o fato de que Katniss sente-se quase todo o tempo em débito com aqueles que lhe ajudam. À falta de qualquer coisa capaz de garantir segurança, toda uma economia de lealdades se constitui – se quisermos usar um termo “retrô”, poderíamos falar que Katniss está inteiramente imersa no que nos anos 1970 se chamava “cultura da pobreza”, mas também que é absolutamente contemporânea dos processos de endividamento assumidos por aqueles que devem satisfazer toda e qualquer necessidade no mercado. Um ponto comum aos dois livros se refere à escolha de cenários próximos à natureza, localizados “no interior”. Inicialmente eu pensei que se tratava, de fato, de uma nova tematização das relações entre natureza e cultura, mas nas releituras mais recentes desconfio que não, que essa escolha está mais relacionada à necessidade de encenar com clareza alguns conflitos – o que a escolha da cidade complicaria. Se essa hipótese é acertada, isso nos diz das dificuldades em desatar os nós das diversas práticas, temporalidades e governamentalidades operantes nos espaços das cidades. Para começar a pensar, faz-se necessário um deslocamento.

*** Para esboçar algumas direções a partir dessas questões suscitadas pelo (brevíssimo) exame das duas novelas, gostaria apenas de elencar alguns dos caminhos teóricos e metodológicos que têm me seduzido mais recentemente. Se se trata, então de pensar o Estado hoje, como fazê-lo? Destaco três eixos, inteiramente inter-relacionados, um teórico, um metodológico e outro político: 1) Do ponto de vista teórico: com as mudanças bastante intensas que aconteceram nos últimos trinta anos, que embaralham as categorias institucionais com que nos acostumáramos a pensar eixos de experiência como trabalho, cidadania, participação

política,

está

ficando

mais

evidente

a

crise

de

várias

das

governamentalidades que historicamente atravessaram o Estado. Isso nos interpela a repensá-lo. Um dos modos possíveis de fazê-lo, como apontou Colin Gordon já em sua Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

18

conferência de abertura, é empreender uma genealogia do sujeito político e, de acordo com minhas preocupações, em especial tendo em conta as práticas que foram governamentalizadas no Estado. Se puxarmos alguns dos fios das artes de governo que se entreteceram na instituição do Estado, não seria possível interrogar os limites desse sujeito político cuja experiência fazemos hoje? Mas quais desses fios melhor iluminam nossa atualidade? Minha sugestão aqui é que, devido aos já referidos dos efeitos de poder que se produzem no jogo entre legibilidade e ilegibilidade11, a identificação das problematizações que devem orientar essas genealogias passam por uma cuidadosa abordagem antropológica do Estado. Isto significa procurar compreender as práticas políticas hoje para além dos espaços e das formas que nos acostumamos a reconhecer – o que se desdobra em perspectivas que Veena Das e Deborah Poole reuniram sob o nome de uma “antropologia nas margens do Estado” (e vale notar que elas se referem a Weber e ao projeto moderno do Estado como monopólio do uso legítimo da violência como algo que interpela a experiência estatal). Para nós, pesquisadores brasileiros e latino-americanos, trata-se também da possibilidade de retomar o debate sobre nossa singularidade. Como se sabe, esse não é uma debate novo – referir-me às teorias desenvolvimentistas e às teorias de dependência é suficiente para indica-lo. Mas talvez seja produtivo recolocar a questão nos termos das governamentalidades que atravessam nossa experiência. Num nível mais geral, trata-se também de compreender a singularidade da “nossa modernidade” (CHATERJEE, 2004) e a singularidade de formações histórico-sociais é também um tema weberiano. 2) Do ponto de vista metodológico: uma antropologia constituída nas margens do Estado dialoga, em muitos sentidos com a ideia foucaultiana de heterotopia, isto é, esses espaços atravessados por processos históricos, práticas e temporalidades que fazem dele um contraponto ao projeto ou à compreensão que uma sociedade faz de si mesma num dado momento. De algum modo, América Latina e Brasil funcionamos por bastante tempo como uma heterotopia em relação ao mundo ocidental – lembremos, num exemplo que já tem mais de uma década, de Ülrich Beck e sua proposição de que estaria havendo uma “brasilianização” da Europa para apontar os processos de desregulamentação do

11

Um jogo que, na perspectiva de Das e Poole também é constitutivo do funcionamento do Estado e, por isso, objeto de análise na antropologia das margens do Estado que propõem (2004). Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

19

trabalho. Espaço de desordem, de Estado “fraco”, de corrupção e onde a norma e a formalidade não se generalizam. Diante dessa crise de governamentalidades abre-se, portanto, a possibilidade de nos pensarmos de outro modo, porque a partir de outros referenciais. De novo, trata-se de revisitar nossa singularidade, numa antropologia política que oriente as genealogias necessárias. Esses espaços heterotópicos não são dados, não estão nas margens no sentido da oposição centro-periferia (cf. Das e Poole, 2004): há que se ter em conta, portanto, seu processo histórico de constituição, sua relação com a dinâmica de produção das identidades nacionais ou com os usos da cidade12; o processo pelo meio do qual se dobraram, num mesmo espaço, lógicas, práticas e temporalidades de distintas artes de governar. Finalmente, apenas uma provocação sobre espaços heterotópicos pelos quais tenho me interessado e que devem orientar minha próxima pesquisa. Tendo em conta as intensas transformações que temos vivido no Brasil, e a maneira que impactam na dinâmica da Região Metropolitana de São Paulo, estou propondo pensar a partir do que acontece nos espaços mais descentralizados das políticas sociais: a escola, o posto de saúde e o programa de Saúde da Família, os Centro de Referência em Assistência Social, os serviços do Instituto Nacional do Seguro Social... Mas proponho fazer isso a partir dos sentidos da ação atribuídos pelos funcionários públicos aí instalados (os professores, os assistentes sociais, os enfermeiros e médicos etc.). A provocação está em tomar a descentralização proposta pelo neoliberalismo em sentido radical, não apenas no que se refere à generalização da forma empresa pelo corpo social, mas também no que tem de consequência para o funcionário público. Uma hipótese é que essa descentralização implica o funcionário, antes o burocrata cuja profissão lhe exigia cumprir as orientações como se fossem sua paixão (Weber, 1979) a assumir uma vocação antes própria do político, pois os paradoxos éticos se colocam a todo o tempo bem diante de seus olhos, e exigem uma tomada de posição. Talvez seja aí, nos sentidos das ações dessa parcela de trabalhadores tornada liminar pelas mudanças tanto no Estado quanto no trabalho (quer coisa mais “disfuncional” que empregados estáveis, com plano de carreira, fixados a um trabalho sem ter que

12

Para um exemplo da produtividades de uma análise dessa experiência da política e do Estado nas fronteiras da cidade, ver Telles, 2010 e Feltran, 2011. Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

20

reinvestir a todo o tempo seu capital humano?!), que encontremos caminhos interessantes de investigação. 3) Do ponto de vista político: Sobre isso, apenas uma última citação de Foucault: “[...] Talvez o objetivo hoje em dia não seja descobrir o que somos, mas recusar o que somos [...]”, (1995: p.239). Mas não há dúvidas que para que possamos recusar o que somos, é necessário esse esforço intelectual de conhecer com clareza – esse termo bastante weberiano – os limites do que somos.

Referências Bibliográficas CHATTERJEE, Partha. Nossa Modernidade. In. ___. Colonialismo, Modernidade e Política. Salvador: EDUFBA/CEAO, 2004. COLLINS, Susanne. The Hunger Games. (Kindle Editions), 2009. ___. Catching fire. The Second Book of The Hunger Games. (Kindle Editions), 2010. ___. Mockingjay. The Final Book of The Hunger Games. (Kindle Editions), 2010. CURRIE, Mark. Controlling time: Never let me go. In: Matthews, Sean; Groes, Sebastian (eds). Kazuo Ishiguro: Contemporary Critical Perspectives. (Kindle Edition), 2010. DAS, Veena; POOLE, Deborah (Eds.) Anthropology in the Margins of the State. Santa Fé, Oxford: School of American Research Press/ James Currey, 2004. ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do welfare-state. Lua Nova, nº24, São Paulo, setembro, 1991, p.85-116. FELTRAN, Gabriel. Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Ed. Unesp/CEM-Cebrap, 2011 FOUCAULT, Michel. Aula de 5 de janeiro de 1983 (Primeira e Segunda horas). In: ___. O governo de si e dos outros – Curso dado Collège de France (1982-1983). São Paulo: Martins Fontes, 2010. ___. Nascimento da Biopolítica – Curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. ___. Segurança, território, população - Curso dado do Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008a. Tradução de Eduardo Galvão. ____. Foucault. In: MOTTA, Manuel B. da (Org.) Ética, Sexualidade e Política, Coleção Ditos & Escritos, vol. V. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2004 (1981), p.234-239. ____. O que são as Luzes? In: MOTTA, Manuel B. da (Org.) Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento, Coleção Ditos & Escritos, vol. II. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2005 (1984), p.335-351. ____. O que é a crítica? (Crítica e Aufklärung). Cadernos da F.F.C. Marília, Faculdade de Filosofia e Ciência – UNESP, v.9, nº 1, 2000a, p.169-187.

Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

21

___. Nietzsche, genealogia e história. In: ___. Microfísica do Poder, 13ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1998, p.15-37. ___. The subject and the power. In: RABINOW, Paul & DREYFUS, Hubert Michel Foucault Beyond Structuralism and Hermeneutics. Chicago: Chicago University Press, 1983, p. 208-226. ___. What is Enlightenment? (Was ist Aufklärung?). In: RABINOW, Paul (ed.). The Foucault Reader: an introduction to Foucault’s thought. Londres: Penguin Books, 1991 (1984), p. 32-50. GORDON, Colin. The soul of the citizen: Max Weber and Michel Foucault on Rationality and Government. In: WHIMSTER, Sam; LASCH, Scott (eds.) Max Weber, rationality and modernity. United Kingdom: Allen & Unwin, 1987, p.293-316. ___. Governmentality and the genealogy of politics. Lecture at The Birkbeck Centre for Law and the Humanities, University of London, The Foucault Effect 1991-2011, 3 and 4 June, 2011, 25p. (mimeo). ___. Governmental Rationality: An Introduction. In: BURCHELL, G.; GORDON, C.; MILLER, P. (eds). The Foucault Effect: studies in governmentality. Chicago: University of Chicago Press, 1991, p.1-52. ISHIGURO, Kazuo. Never let me go. United States: Vintage Books, 2005a. ___. Não me abandone jamais. São Paulo: Companhia das Letras, 2005b. MULLAN, John. On first Reading Never let me go. In: Matthews, Sean; Groes, Sebastian (eds). Kazuo Ishiguro: Contemporary Critical Perspectives. (Kindle Edition), 2010. RODRIGUES, Silvia Viana. Rituais de sofrimento. Tese (Doutorado em Sociologia), Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, USP, 2011. SCHLUCHTER, Wolfgang. Atividade e renúncia: Max Weber acerca da ciência e da política como vocações. In: ___. Paradoxos da Modernidade: cultura e conduta na teoria de Max Weber. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p.7-66. ___. Convicção e responsabilidade: Max Weber acerca da ética. In: ___. Paradoxos da Modernidade: cultura e conduta na teoria de Max Weber. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p.67-144. TELLES, Vera. A cidade nas fronteiras do legal e ilegal. Belo Horizonte: Fino Traço, 2010. TODOROV, Tzvetan. O que pode a literatura? In: ___. A literatura em perigo. 4ª ed. Rio de Janeiro: Difel, 2012, p.73-82. WEBER, Max. Ciência como vocação. In: ___. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1979, p.17-52. ___. Política como vocação. In: ___. Ciência e Política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1979, p.55-124.

Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

22

Contornos da experiência política no presente: reflexões a partir de duas distopias contemporâneas

Esta comunicação pretende refletir sobre os temas e dilemas que se colocam para que possamos nos liberar das formas políticas que, parece, têm mostrado claramente seus limites em crises mais ou menos duradouras nas últimas duas décadas. Para isso, tomaremos como objeto de reflexão duas distopias contemporâneas, bastante diversas entre si: o romance de Kazuo Ishiguro, Não me abandone jamais, e a trilogia escrita por Suzanne Collins, voltada para jovens-adultos, Jogos Vorazes. Por meio de uma análise da estrutura dessas narrativas e das soluções formais encontradas pelos autores, bem como de observações de deslocamentos importantes que operam em relação a distopias clássicas, pretendemos sugerir que enquanto o livro de Ishiguro registra os limites de uma governamentalidade ancorada majoritariamente em tecnologias de segurança, apontando seu modo cotidiano de funcionamento e as subjetividades a que dá lugar, a trilogia de Suzanne Collins põe a nu os efeitos de uma governamentalidade neoliberal levada ao extremo sobre a constituição subjetiva, numa temporalidade que transcorre sempre como exceção. De um polo a outro, indícios importantes sobre os limites de ambas as experiências e arranjos de governamentalidade podem ser recolhidos a fim de imaginar novos problemas para o pensamento sobre esse cidadão e esse sujeito político, atualizando as contribuições de Weber e de Foucault.

Palavras-chave: esfera política, cidadão, experiência política, sujeito político, distopia contemporânea.

Seminário Internacional Max Weber e Michel Foucault: possíveis convergências. São Paulo, 20 a 24 de maio de 2013.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.