MECANISMOS ENUNCIATIVOS EM DIÁRIOS VIRTUAIS: A EMERGÊNCIA DE POSICIONAMENTOS ENUNCIATIVOS

May 23, 2017 | Autor: Elisa Mattos | Categoria: Blogs, Blogging, the Blogosphere
Share Embed


Descrição do Produto

MECANISMOS ENUNCIATIVOS EM DIÁRIOS VIRTUAIS: A EMERGÊNCIA DE POSICIONAMENTOS ENUNCIATIVOS Elisa Mattos de SÁ PUC-MG [email protected] RESUMO: Assumindo-se que os diários virtuais, atualizados no meio digital, constituem um gênero que possui características singulares – por advir das inovações tecnológicas que marcam novas práticas sociais e discursivas – e que se baseia em contrapartes de gêneros previamente existentes, o presente trabalho visa examinar posicionamentos enunciativos em diários virtuais. Com esse propósito, recorrendo a uma abordagem sócio-interacionista, este artigo objetiva investigar o uso de mecanismos enunciativos agenciados pelo enunciador em textos atualizados em blogs, verificando a relação entre esses procedimentos e as particularidades do gênero em questão. Palavras-chave: Posicionamento enunciativo; Diários virtuais; Mecanismos enunciativos. ABSTRACT: This paper aims at analyzing enunciative positionings in blogs, a genre that is considered a product of the impact of digital novelties on social life. For this reason, electronic journals present unique features as well as characteristics of other genres. Such remarks play a very important role in the phenomenon I intend to investigate: the use of enunciative or discoursive mechanisms in the writing of blogs. Keywords: Enunciative positionings; Blogs; Enunciative mechanisms.

Introdução

O advento das inovações tecnológicas do meio digital, em especial a Internet, a rede mundial de computadores interligados 24 horas por dia1, tem marcado o surgimento de novas formas de interação. Uma das explicações para essa realidade está no fato de que à medida que modificamos nossas práticas sociais, alteramos também a maneira pela qual nos engajamos nos processos de socialização, o que pode levar a transformamos a linguagem e a língua em função de nossos (novos) propósitos comunicativos e de nossas atuações na sociedade.

1

Como definido no Dicionário Eletrônico Houaiss de Língua Portuguesa: rede de computadores dispersos por todo o planeta que trocam dados e mensagens utilizando um protocolo comum, unindo usuários particulares, entidades de pesquisa, órgãos culturais, institutos militares, bibliotecas e empresas de toda envergadura.

Nos vários contextos digitais, diferentes gêneros textuais vêm surgindo, como os fóruns de discussão, o chat e o blog e inúmeras questões têm sido levantadas, principalmente no que se refere à configuração e à função desses gêneros. Um dos objetivos deste artigo refere-se a um exame do gênero blog, considerando-se especialmente suas condições de produção e recepção. Buscando contribuir para os estudos lingüísticos sobre as práticas de linguagem inscritas e atualizadas no ambiente virtual, este trabalho visa refletir sobre a manifestação de posicionamentos enunciativos nos diários virtuais, a partir da observação de determinados e mecanismos enunciativos presentes na materialidade de textos pertencentes a esse gênero.

Diários virtuais: um gênero emergente do contexto digital Conforme Marcuschi (2004, p.61), os blogs2 “funcionam como um diário pessoal” situado na Internet, em que anotações diárias, ou em tempos regulares, são feitas e se mantêm acessíveis a qualquer usuário da rede mundial de computadores. Citando Wallace (2001, p.19-30), Marcuschi (2004, p.29) também afirma que os blogs tratam de “uma escrita autobiográfica com observações diárias ou não”. Para Komesu (2004, p.113), os blogs são concebidos como “espaço em que o escrevente pode expressar o que quiser na atividade da (sua) escrita, com a escolha de imagens e de sons que compõe o todo do texto veiculado pela internet”. Assim como muitos outros gêneros emergentes do meio virtual, os blogs são fruto do impacto das tecnologias digitais na vida cotidiana e possuem sua contraparte em um gênero prévio – o diário de foro íntimo3, como evidencia Marcuschi (2004, p.31). Dessa forma, os diários virtuais possuem certas particularidades e regularidades que podem ser primeiramente identificadas em relação ao seu gênero-base. Entretanto, tratando-se de um

2

Deve-se fazer uma distinção entre o gênero blog e os softwares que disponibilizam espaço e recursos para a criação de diários virtuais, a exemplo o Blogger (www.blogger.com.br). Esses softwares são, na realidade, ferramentas para a publicação de blogs, e não devem ser confundidos com o gênero blog. 3 Marcuschi (2004, p.31) aponta outras contrapartes para o gênero blog, como “anotações” e “agenda”. Essas contrapartes não serão abordadas neste artigo. No entanto, parece-me pertinente mencionar que essas contrapartes, assim como os diários íntimos, também, são atividades recorrentes na vida cotidiana e, de certa forma, também dizem respeito a uma prática discursiva instaurada na instância privada.

novo gênero4, faz-se necessário ressaltar que: (i) essas particularidades e regularidades manifestam-se diferentemente da forma como se configuram no gênero prévio; e (ii) novas particularidades e regularidades podem surgir. Marcuschi (2004, p.34-35), por exemplo, ao formular uma matriz de parâmetros de identificação de um número de gêneros do meio virtual, estabelece que os diários virtuais possuem, entre outros aspectos: 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7)

Relação temporal assíncrona; Texto corrido; Função lúdica e interpessoal; Tema livre; Estilo informal; Presença de diferentes semioses; Participantes múltiplos.

Vejamos um exemplo5: Junho 23, 2005 Estou meio órfâ... Minha lista de blogs favoritos encolheu tanto. Não sei mais onde anda o Wumanity, a Walkwoman e tantos outros. Engraçado isso. Nunca vi essas pessoas, mas pensava conhecê-las e agora nem sei onde andam. Ingrato isso, da gente perder de vista, lembranças tão boas. Onde vocês que sumiram, andam? Se pelo menos, não pensassem que eu também sumi, como de fato sumi, mas reapareci; ainda poderiam passar por aqui e me dizer o que estão fazendo, em como estão felizes. Isso diminuiria meu sentimento de perda e me faria feliz por sabê-los felizes. faz parte da minha onipotência, imaginar que eram mais felizes, quando estávamos em contato. Não registrem. :: Comentários 4

O post6 acima é um exemplo típico de textos atualizados em diários virtuais. Considerando-se os parâmetros postulados por Marcuschi, observam-se a presença de estilo informal, texto corrido, tema livre – subentende-se que a autora desse blog optou por discorrer sobre sua solidão, podendo ter escolhido um outro tema para seu texto -, diferentes semioses (uso de linguagem não-verbal representada pela figura ao lado do texto 4

Conforme as reflexões de Marcuschi (2001, p.4) em relação ao surgimento de novos gêneros textuais. Exemplo extraído de http://joyceprado.blogspot.com/. 6 Post é o nome dado a toda mensagem escrita pelo autor de um blog. Esta nomenclatura remete-se à linguagem usada e vulgarizada no meio virtual. 5

escrito) e participantes múltiplos (o link para comentários evidencia quatro participações sobre o post da autora). No texto selecionado, fica clara a função7 comunicativa do gênero blog. Trata-se da escrita autobiográfica, marcada pelo uso de primeira pessoa do singular e pelo conteúdo temático (de natureza pessoal, íntima). O projeto de dizer da produtora desse texto volta-se inteiramente para as relações pessoais que ela estabeleceu com outros escreventes de blogs e para a solidão que tem sentido devido à ausência dessas pessoas no ambiente virtual. A escrevente8, nesse post, também demonstra que sente falta das interferências – ou melhor, dos comentários antes feitos por usuários da Internet, sobre os textos publicados por ela em seu diário, como se vê em: “ainda poderiam passar por aqui e me dizer o que estão fazendo, em como estão felizes. Isso diminuiria meu sentimento de perda e me faria feliz por sabê-los felizes”.

A publicização da vida privada nos blogs

O exemplo apresentado evidencia um fenômeno cada vez mais acentuado nas esferas sociais: a publicização9 da vida privada. Do conteúdo temático do post à presença da estratégia comentários, nota-se nesse diário virtual a manifestação explícita da intimidade em domínio público. A publicização da vida privada, no entanto, não se restringe apenas a práticas discursivas inscritas no ambiente virtual. Como afirma Komesu (2004, p.112), o “exibicionismo da vida privada” nos diários virtuais pode ser percebido em outras esferas de atuação social e em outros meios de comunicação, como a televisão.

7

Atualmente, nota-se o surgimento de novas funções comunicativas nos chamados blogs. Há, por exemplo, blogs jornalísticos e de cunho político. Percebe-se, também, um recente desenvolvimento de blogs voltados para o ensino. Dado o desdobramento de funções comunicativas mediadas por esse gênero, creio ser possível afirmar que há, nesse momento, tipologias do gênero em questão, como fez Komesu (2005, p.103-129). Outros tipos de blogs não serão abordados neste trabalho, que se concentra, assim, no gênero diário virtual como uma forma de auto-expressão. 8 Para escrevente, procuro uma equivalência entre esse termo e a expressão produtor do texto, ou seja, aquele que possui responsabilidade sobre o que está sendo enunciado. Remeto-me a Silva (2002, p.92) para mais considerações sobre essas categorias. 9 Por publicização da vida privada entendo o movimento de tornar pública a intimidade, ou de exibir para algum público questões que convencionalmente dizem respeito às esferas privadas ou íntimas, como ocorre em certos reality shows na televisão, por exemplo.

Quanto à explicitação da vida íntima nos diários virtuais, essa pesquisadora sugere que a emergência (e o alastramento) dos blogs relaciona-se “à questão dos limites (ou a falta de limites) entre o domínio do público e do privado na sociedade contemporânea” (KOMESU, 2005, p.29). A publicização da vida íntima é um traço central para os estudos dos blogs. As práticas de linguagem atualizadas no e pelo gênero diário virtual situam-se em uma imbricação das instâncias pública e privada, na qual a subjetividade do escrevente é compartilhada com inúmeros interlocutores. A figura abaixo é exemplo de um blog10, em que esse fenômeno pode ser observado com bastante propriedade.

Nos posts de diários virtuais, a publicização da vida privada envolve um outro aspecto dos parâmetros estabelecidos por Marcuschi – a presença de participantes múltiplos. O recurso “comentário” (um link para inserção de comentários de leitores sobre textos de escreventes de blogs) possibilita a participação de qualquer usuário que deseje opinar ou fazer observações sobre mensagens postadas em diários virtuais. Vale ressaltar que o comentário não é um recurso padrão, podendo ser adotado ou não pelo escrevente do diário. No entanto, essa estratégia mostra-se amplamente utilizada nos blogs. Dos 15 blogs selecionados para este estudo exploratório 12 possuíam link para

10

Retirado de: http://ricon.blogspot.com/.

comentários, ou seja, entende-se que há uma predisposição dos escreventes para a intervenção de outros interlocutores sobre os textos publicados. Na materialidade lingüística dos textos, como veremos adiante, a manifestação da intersubjetividade mostra-se marcada pelo diálogo entre o escrevente do diário virtual e seus possíveis interlocutores. A emergência de um “eu” marcado pelo “outro”

A criação e a publicação de diários virtuais implica, portanto, dois movimentos, a saber: (i) a publicização do cotidiano ou da vida privada daquele que produz textos nos diários virtuais, ou seja, a manifestação pública de uma intimidade; e (ii) a intervenção de outros participantes na atividade de linguagem inscrita nesse ambiente. Ora, se as práticas de linguagem atualizadas no gênero diário virtual remetem-se especialmente à escrita autobiográfica e se essa é uma atividade que envolve tanto a imbricação das instâncias públicas e privadas quanto a participação de outros interlocutores (além do próprio escrevente), pode-se levantar a hipótese de que na materialidade lingüística dos textos atualizados nesse gênero a emergência de um “eu” apresenta-se cercada de indícios de referências a um “outro”, ou a “outros”. Efetivamente, no plano da enunciação, trata-se da manifestação de um posicionamento enunciativo11 atrelado à interferência

ou

à

intervenção,

mesmo

que

não

imediata,

de

outros

enunciadores/enunciatários. Assumir esses pressupostos envolve compreender, primeiramente, que a atuação dos enunciadores escreventes de blogs manifesta-se carregada pela expectativa de uma atitude responsiva de possíveis e/ou futuros enunciatários. Esse é um aspecto essencial do que Bakhtin chamou de dialogismo. Nas reflexões de Bakhtin (1981, p.112-136), a posição responsiva é característica de nossos engajamentos em situações de interação e se constitui como parte de nosso trabalho

11

A noção de posicionamento enunciativo que adoto neste trabalho inspira-se nas reflexões de Bronckart (2003, p.319-336) e se trata, concretamente, da posição em que um enunciador se encontra em relação a outros enunciadores em um evento de interação. O posicionamento enunciativo, segundo o autor, relaciona-se às vozes presentes na enunciação e aos diferentes tipos de modalizações identificáveis em textos produzidos em um evento interativo. Por limitações de espaço, abordarei apenas algumas modalizações no presente estudo.

social e discursivo. Esse autor, ao discutir questões relacionadas à interação verbal e à enunciação, reflete que “a palavra dirige-se a um interlocutor”, ou seja, entende-se que nossos atos de linguagem são sempre dirigidos a um “outro” e que ao participarmos de eventos interativos, sempre projetamos um interlocutor (real ou virtual), antecipamos e orientamos sua compreensão e sua resposta em função dos nossos próprios dizeres. Esse movimento de projeção incita uma participação ativa dos interlocutores, que, por sua vez, ao compreenderem os dizeres de um enunciador, dialogam não apenas com o que é dito, mas com aquele que enuncia. Sob a perspectiva bakhtiniana, as relações entre interlocutores, sejam elas imediatas ou mediatas, são essencialmente dialógicas. Pode-se dizer, assim, que um enunciador manifesta-se sempre em relação a seus enunciatários. Logo, infere-se que a constituição de um posicionamento enunciativo cerca-se pelas relações dialógicas estabelecidas entre o enunciador e seus possíveis enunciatários. No que diz respeito à emergência do posicionamento enunciativo em diários virtuais, essa manifestação pode ser identificada por meio de estratégias e de mecanismos enunciativos agenciados pelos escreventes de blogs para discursar sobre si – ou sobre qualquer assunto de natureza pessoal, como veremos a seguir.

O posicionamento enunciativo em diários virtuais: das marcas de interatividade às modalizações pragmáticas

Matencio & Silva (2005, p.246) alegam que os mecanismos enunciativos escolhidos por produtores de textos podem ser entendidos como “ações/operações implicadas no (e para o) gerenciamento de vozes e na assunção de posições discursivas, inscritas na tessitura discursiva do texto”. Isso implica afirmar que na materialidade lingüística dos textos, encontra-se a emergência de posicionamentos enunciativos indiciados discursiva e lingüisticamente por operações que pressupõem as relações interativas estabelecidas entre enunciador e enunciatário(s), ou entre produtor e receptor-leitor. Segundo Silva (2002, p.159-164), ao retomar Marcuschi (2001a), as marcas de interatividade são elementos lingüístico-discursivos que revelam o caráter interativo e interpessoal presente na superfície textual do projeto de dizer de um enunciador. Silva

ressalta que esses elementos lingüístico-discursivos podem variar conforme um número de fatores, incluindo-se o gênero em que o texto é construído e atualizado e “as ações

discursivas e os recursos lingüísticos dos quais o produtor lança mão para levar a efeito o projeto comunicativo em mente” (cf. 2002, p.161). A autora também reafirma que pelas seleções de determinados recursos lingüísticos e pelas “atividades de composição/formulação textual” agenciadas pelo produtor do texto, ficam evidentes as ações realizadas pelo enunciador para atuar sobre seu enunciatário, fornecendo a ele “pistas para construir sentido ao que está em jogo na interação” (cf.

2002, p.163). Já as modalizações pragmáticas, em consonância com os estudos de Bronckart (2003, p.319-336), explicitam a “responsabilidade de uma entidade constitutiva do conteúdo temático (...) em relação às ações de que é o agente, e atribuem a esse agente intenções, razões (...), capacidades de ação” (grifo do autor). As modalizações pragmáticas, então, contribuem para a manifestação de um posicionamento enunciativo na medida em que, por meio dessas marcações, torna-se possível precisar a agentividade (e a voz) daquele que enuncia. Examinemos o seguinte exemplo12: Sábado, Julho 30 Água fria A freqüência com que meus sonhos têm me acordado esses dias está acima do normal. Fico em dúvida se é o sinal da idade chegando ou se é só coisa de momento. ... E veja só, tenho ridículos 24 anos e já fico me queixando da idade, como se tivesse 74. Tô parecendo aquelas pessoas de 30, 30 e poucos anos que ficam se dizendo velhas. Coisa ridícula! Se bem que eu me digo velho desde os 13. Mas isso só torna tudo MAIS ridículo. Melhor eu parar por aqui... deixa ver se consigo escrever algo que preste (mas acho difícil, já que não há precedentes desse acontecimento). Pedro | 9:00 AM | 4 na chácara do satanás. Adicione um comentário

Ao usar a expressão “veja só”, o escrevente desse blog convoca seu interlocutor a participar da reflexão iniciada na passagem anterior. O produtor do texto estabelece, ao usar

12

Retirado de http://utops.blogspot.com/. Grifos meus.

esse marcador discursivo, uma interlocução mais explícita com seus possíveis destinatários. Como enunciador, ele projeta em seus enunciatários uma atitude responsiva mais direta, realmente envolvendo-os em seu plano comunicativo. Seu posicionamento enunciativo, assim, constitui-se de suas próprias reflexões e de um diálogo com outros interlocutores sobre as questões levantadas. No plano da enunciação, considerando-se os indícios lingüístico-discursivos, é possível afirmar que esse enunciador constrói seu projeto comunicativo incluindo outros usuários da rede, orientado-os para os efeitos de sentido delineados em seu projeto de dizer e materializados lingüisticamente principalmente pela adoção desse marcador discursivo. Quanto às modalizações pragmáticas, os enunciados “Fico em dúvida” e “já fico me queixando da idade”, “eu me digo velho”, “melhor eu parar por aqui” e “mas acho difícil” (grifos meus) indicam, pela marcação verbal, a responsabilidade atribuída ao escrevente quanto a uma incerteza e quanto a um lamento sobre o tema “idade”. As modalizações pragmáticas são usadas, então, para marcar a voz do enunciador e quaisquer ações de sua responsabilidade. Há uma outra construção que tanto incita o envolvimento de outros interlocutores, quanto anuncia a voz do enunciador em sua ação discursiva: “deixa ver”. A palavra “deixa” dirige-se a um “outro”, aos enunciatários projetados pelo enunciador, mas, ao mesmo tempo, implica na ação do enunciador, marcada pelo vocábulo “ver”. Embora não constitua exatamente um marcador discursivo, essa oração pressupõe movimentos interativos e de agentividade por parte do enunciador. Em suma, o marcador discursivo “veja” e as modalizações pragmáticas contribuem para a construção do posicionamento do enunciador frente ao tema em questão, ou seu projeto de dizer, e em relação a outros fatores envolvidos nesse processo, incluindo-se, fundamentalmente, a delimitação de sua voz e de seu diálogo com seus (possíveis) enunciatários. Passemos a outro texto13:

13

Extraído de http://foolsdance.blogger.com.br/. Grifos meus.

Quarta-feira, Janeiro 05, 2005 SAME old plot eu queria tanto que TODO MUNDO ouvisse THE DEARS - LOST IN THE PLOT (o tal do "morrissey negro") que fiz um mp3 pra VOCÊ poder baixar aqui. mas não rolou. o velho blogger carece no quesito "recepção de arquivos grandes". enfim. dê um jeito de baixar. então ouça. e se emocione. depois, ME AGRADEÇA, BABY (não precisa). é isso aí. (eu não deveria postar bêbada jamais...) posted by M. 12:33 AM o número mais sozinho (1)

No caso acima, a agentividade ou a voz da enunciadora manifesta-se claramente pelas expressões “queria” e “fiz”. Evidentemente, a posição dessa enunciadora não se restringe apenas à declaração de responsabilidade sobre ações realizadas. Nesse post, o posicionamento enunciativo da escrevente constitui-se quase que completamente direcionado a um outro interlocutor. O diálogo estabelecido entre M. e seu leitor é bastante claro e na malha textual pode ser percebido pelo uso de “você” (em letras maiúsculas, evidenciando destaque), “me agradeça, baby”, em que a enunciadora lança mão de um estrangeirismo para qualificar seu interlocutor (baby) e demanda um agradecimento de seu leitor. Todas essas construções indicam um interlocutor específico, em especial o item lexical “você”. Diferentemente do texto anterior, nesse post tem-se o posicionamento da enunciadora totalmente construído em função de um destinatário concreto – e não virtual, como se percebeu no outro exemplo. Trata-se, de fato, de um dialogismo direto entre a produtora desse texto e seu leitor. A atitude responsiva de seu interlocutor torna-se ainda mais visível no comentário deixado sobre o texto, como se segue. Ouvi. Não gostei. Eu também posto muita coisa bêbado. No outro dia normalmente eu apago, às vezes não, porém. Alguém, que já foi outro. |

Homepage | 08.15.05 - 10:15 am | #

No comentário, o interlocutor, que se identifica como “Alguém que já foi outro” responde diretamente à M., e explicita que agiu em função de uma sugestão feita pela escrevente. O caráter dialógico das relações de interação amplia-se, nesse sentido, para ações do plano físico, ultrapassando o campo enunciativo.

Considerações finais

Em síntese, verifica-se nos textos aqui explorados a emergência de posicionamentos enunciativos cercados por projeções e referências a enunciatários outros, reais ou virtuais. De horizontes de interlocução mais ou menos diretos, lingüisticamente representados por expressões mais sutis ou mais diretas, ficam evidentes projeções enunciativas impregnadas por indícios de interação. Essas estratégias agenciadas pelos enunciadores são possíveis, ainda, não apenas pela natureza dialógica e pelo horizonte de resposta das interações em geral, mas porque os projetos comunicativos de tais enunciadores inscrevem-se em um gênero extremamente amplo, que possibilita essas ações discursivas. Os diários virtuais, por alimentarem a publicização da vida privada, permitem com que aqueles que produzem e publicam textos em blogs dialoguem com um sem-número de interlocutores, visto que a própria configuração do gênero abre espaço para interferências mais ou menos diretas sobre os projetos de dizer dos escreventes.

Referências bibliográficas BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução LAHUD, Michel & VIEIRA, Yara Frateschi. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 1981. BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. Tradução MACHADO, Anna Rachel & CUNHA, Péricles. São Paulo: EDUC, 2003. KOMESU, Fabiana Cristina. Entre o público e o privado: um jogo enunciativo na constituição de escreventes de blogs da internet. Tese (Doutorado) – IEL - Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas. Campinas: SP, 2005.

_____. Blogs e as práticas de escrita sobre si na Internet. In: MARCUSCHI, Luiz Antonio; XAVIER, Antonio Carlos. (orgs.) Hipertextos e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: MARCUSCHI, Luiz Antonio; XAVIER, Antonio Carlos. (orgs.) Hipertextos e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. _____. Gêneros digitais emergentes e atividades lingüísticas no contexto da tecnologia digital. In: GEL – Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo. USP, Universidade de São Paulo, 23-25 de maio, 2002. SILVA, Jane Quintiliano Guimarães. Um estudo sobre o gênero carta pessoal: das práticas comunicativas aos indícios de interatividade na escrita dos textos. Tese (Doutorado) – POSLIN – Programa de Pós-graduação em Letras (Estudos Lingüísticos) da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: MG, 2002. _____ & MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Referência pessoal e jogo interlocutivo: efeitos identitários. In: Letramento e formação do professor: práticas discursivas, representações e construção do saber. KLEIMAN, Ângela B; MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles (Orgs.). Campinas, SP: Mercado de Letras, 2005.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.