Mecanismos institucionais e desenvolvimento na América Latina: Brasil e Peru em perspectiva comparada

July 18, 2017 | Autor: Camila Rezende | Categoria: Latin American Studies, Political Science, Social Development in developing countries
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Seminário América Latina: Cultura, História e Política - Uberlândia - MG – 18 a 21 de maio de 2015

Mecanismos institucionais e desenvolvimento na América Latina: Brasil e Peru em perspectiva comparada Camila Silva Rezende1

RESUMO Os países latino-americanos têm produzido intensamente nas últimas décadas a fim de construírem o próprio conhecimento acerca do desenvolvimento. O referencial utilizado neste trabalho sustenta que as instituições são a chave do desenvolvimento, e não as políticas, que mudam de acordo com cada governo. No entanto, o que a literatura tem mostrado é que as instituições mais importantes para promover o desenvolvimento são as democráticas, responsáveis pela eleição dos governantes e o accountability. Estas instituições, no entanto, são as que mais requerem trabalho nos países latinoamericanos, pois têm se recuperado e reconstruído desde a terceira onda de redemocratizações na América Latina. Este trabalho busca se inserir nesse debate, analisando Peru e Brasil e seus avanços no desenvolvimento socioeconômico durante a última década. PALAVRAS-CHAVE: América Latina; desenvolvimento; instituições; democracia.

1 - Introdução Após a Segunda Guerra Mundial, surgiu a economia do desenvolvimento, área de estudo preocupada em conduzir os países pós-coloniais a uma situação socioeconômica similar a dos países desenvolvidos. A teoria do desenvolvimento no pós-guerra se baseava na premissa de que os aparelhos de Estado podiam ser usados para promover a mudança estrutural (que envolvia acelerar a industrialização, modernizar a agricultura e fornecer a infraestrutura necessária para a urbanização). A visão “dirigista” da economia predominou nos países desenvolvidos até a década de 1970 e nos países em 1

Mestranda em Ciência Política do PPGCP-UFG, email: [email protected].

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desenvolvimento até 1980, quando crises econômicas e a falta de crescimento impulsionaram a ascensão do neoliberalismo, “que enfatiza as virtudes do Estado mínimo, das políticas do laissez-faire e da abertura internacional” (CHANG, 2003, p. 32). Segundo Ugo Pipitone (1994), alguns valores atuais são tidos como verdades incontestáveis, por exemplo, a ação econômica do Estado é considerada um fator de rigidez que interfere no equilíbrio perfeito das leis de mercado. Para o autor, esse tipo de discurso ignora exemplos de ação estatal que impulsionaram a saída do atraso econômico, por exemplo na Alemanha, Suécia, França ou Japão. Os mercados não são perfeitos e, sendo construções sociais, se compõem com as formas e políticas do Estado, e não apenas com outros tipos de laços sociais, se articulando em redes não só personalizadas,

mas

também

institucionalizadas

(HIRSCH,

MICHAELS

&

FRIEDMAN, 2003). Até as teorias de desenvolvimento que privilegiam o mercado como instituição sempre reconheceram que “a existência do Estado é essencial ao crescimento econômico” (EVANS, 1993, p. 111), embora seja o Estado mínimo dentro do território nacional. O que este trabalho tratará de fazer é comparar os resultados das estratégias para o desenvolvimento que foram adotadas desde a redemocratização por Brasil e Peru, países latino-americanos que valorizam diferentes instituições nas suas estratégias. O estudo buscará inferir as estratégias que têm sido mais bem sucedidas em promover o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, beneficiar a população. Para isso, serão comparados os indicadores de crescimento econômico e qualidade de vida de Brasil e Peru, ambos localizados na América do Sul e membros de blocos de integração regional, mas que têm adotado estratégias diferentes em relação ao papel do Estado na economia e à abertura do seu mercado interno. Espera-se com este esforço se inserir no importante debate sobre como os países da América Latina podem alcançar o desenvolvimento socioeconômico. 2 – América Latina e Desenvolvimento

O desenvolvimento de um país é geralmente medido pelo PIB per capita ou pelo IDH (engloba escolaridade, saúde e outros fatores sociais) e pode implicar o aumento dos fatores de produção e da produtividade dos fatores, sendo associado com frequência às condições de vida ou à qualidade de vida da população de um país, sendo o crescimento 2

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econômico a sua aplicação quantitativa.. Embora desenvolvimento pareça implicar a ascensão em alguma escala evolutiva, se desenvolver não é fazer a transição de tradicional para moderno, porque há sociedades tradicionais com setores modernos e sociedades modernas com setores tradicionais, mas pode indicar uma situação de oposição entre desenvolvido e subdesenvolvido, dois lados de uma mesma moeda como argumenta Celso Furtado (IANNONE, 2011; MARTINS, 2012). Para Ugo Pipitone (1994) a questão central do subdesenvolvimento consiste em deformações, e não em insuficiências numa escala evolutiva. Sobre a saída do atraso, o autor afirma se tratar de um processo lento de acumulação progressiva de circunstâncias favoráveis, no qual a direção de uma sociedade é assumida (ou condicionada) por grupos sociais interessados em modificar as estruturas e práticas produtivas tradicionais (PIPITONE, 1994). E apesar de afirmar que a história não se repete, tornando o caminho para o desenvolvimento único para cada nação, Pipitone (1994) enumera o que acredita serem condições para a saída do atraso, afirmando que país algum alcançou formas maduras de desenvolvimento capitalista sem: profundas mudanças nas estruturas produtivas agrícolas, consolidação política interna e eficiência administrativa. A história econômica recente é rica em projetos para a América Latina e em correntes de pensamento econômico que advogam explicações e soluções, conjunturais ou estruturais, para os problemas da região. O desenvolvimentismo, por exemplo, se empenha na superação da situação de subdesenvolvimento por meio da industrialização (IANNONE, 2011; MARTINS, 2012), enquanto o pensamento liberal advoga a promoção das exportações e os benefícios do livre-cambismo, por meio da autorregulamentação da economia pelas leis de mercado e da separação entre economia e política (IANNONE, 2011). Os autores da linha de pensamento socialista, por outro lado, argumentavam que o subdesenvolvimento advinha das relações capitalistas. Seu principal autor brasileiro, Caio Prado Júnior, advogava o controle de investimentos estrangeiros no país e as lutas no campo pela reforma agrária, como forma de combater o latifúndio (IANNONE, 2011). Já a teoria da dependência surgiu no contexto da CEPAL entre 1964 e 1973 e teve “grande influência até fins dos anos 70, quando se afirmou, com apoio norte-americano, a liderança liberal-conservadora nos processos de redemocratização na região” (MARTINS, 2012, p. 34). A visão weberiana (representada por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto) buscava elaborar uma análise integrada do desenvolvimento, enfatizando a dominação política e a ação de grupos de interesse. A estagnação da economia brasileira se devia ao modelo de industrialização por 3

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substituição de importações. E a superação do subdesenvolvimento se daria pela negociação da dependência, pois há interdependência entre os países centrais e periféricos, permitindo o ingresso de capitais estrangeiros no país (MARTINS, 2012). A visão marxista (representada por Theotônio dos Santos e Ruy Mauro Marini), por outro lado, advogava que só seria possível desenvolver a América Latina rompendo a relação de dependência. Para esta linha, o capitalismo sempre se baseou na exploração e insere os países latino-americanos nessa ordem já em situação de periferia, pois “se incorporam à divisão internacional numa especialização produtiva que os inferioriza” (MARTINS, 2012, p. 37). As alterações estruturais sofridas pela América Latina no período pós-guerra tiveram a industrialização como preocupação central e acarretaram uma fase de maior crescimento econômico (FRENCH-DAVIS, MUÑOZ & PALMA, 2005). O modelo de industrialização por substituição de importações, no entanto, não conseguiu tornar as economias da região menos suscetíveis aos movimentos do mercado internacional (FRENCH-DAVIS, MUÑOZ & PALMA, 2005). Entre as novas propostas sugeridas como alternativa ao esgotamento do ISI, estaria o estímulo à formação de um mercado regional latino-americano, a fim de atenuar a vulnerabilidade externa dos países da região. 3 – Mecanismos institucionais no Brasil e no Peru

As instituições são regras e normas. As instituições formais são aquelas com sanções também formais com o objetivo de controlar, regular, organizar ou padronizar comportamentos. As instituições informais, por sua vez, são normas sociais compartilhadas subjetivamente para padronizar e regular comportamentos. Pode-se dizer ainda que as “instituições são dispositivos mais permanentes, ao passo que as políticas são mais facilmente cambiáveis” (CHANG, 2003). Neste trabalho, o foco é a democracia, uma instituição formal, como a burocracia e os governos nacionais, mas as instituições informais estão fortemente presentes e, por vezes, ofuscam as formais, como a atuação coordenada dos órgãos internacionais de crédito e o próprio mercado, que é uma construção social. Evans afirma que a principal preocupação dos países em crise à época da crise dos anos 1980 não deveria ser só identificar as políticas corretas para assegurar o desenvolvimento, mas também como criar e manter “uma estrutura institucional que 4

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seja durável e efetiva”, capaz de implementar essas políticas com sucesso (1993). Evans avalia que os Estados desenvolvimentistas têm capacidades administrativas de caráter mais estritamente weberiano, enquanto os Estados predatórios “orientados para a renda” têm caráter pré-burocrático. Os Estados desenvolvimentistas também colocam a transformação estrutural nas suas agendas, sendo observada uma correlação entre os desempenhos na transformação industrial e nos ajustes estruturais dos países analisados pelo autor e evidenciando que há aspectos institucionais que favorecem ambos. Ha-Joon Chang, no livro “Chutando a escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica” (2003), faz uma reconstituição histórica sobre como os países ricos enriqueceram e quais políticas e instituições foram adotadas pelos países que hoje são desenvolvidos. De acordo com o autor, as políticas e instituições recomendadas pelos países desenvolvidos às nações que buscam se desenvolver são aquelas existentes nos primeiros hoje, e não as políticas e instituições adotadas pelos países enquanto se desenvolviam. Isso faz diferença, pois a “introdução de instituições “avançadas” em países ainda despreparados para recebê-las” (CHANG, 2003, p. 27) é inconveniente para as nações em desenvolvimento, podendo resultar no seu mal funcionamento. As políticas e instituições recomendadas são geralmente aquelas prescritas pelo Consenso de Washington, chamadas pelo autor de “boas políticas” e “boas instituições” e definidas da seguinte forma: “Instituições boas” são, essencialmente, as existentes nos países desenvolvidos, sobretudo nos anglo-saxônicos. Entre as instituições-chave, incluem-se a democracia, a burocracia “boa”, o Judiciário independente, a forte proteção aos direitos de propriedade privada (inclusive a intelectual) e uma governança empresarial, transparente e orientada para o mercado, assim como instituições financeiras (inclusive um banco central politicamente independente). (CHANG, 2003, p. 11-12)

Devido à multiplicidade de fatores explicativos para o desenvolvimento, é difícil afirmar que algum fator específico foi a chave do sucesso dos países desenvolvidos, mas alguns fatores se repetem na história desses países, como a proteção à indústria nascente. De qualquer maneira, os países em desenvolvimento poderiam e deveriam se aproveitar dos avanços institucionais da atualidade e adotar as políticas e instituições mais modernas, desde que respeitem as normas sociais e os valores culturais das suas respectivas nações. 4 – A comparação entre Brasil e Peru

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Neste trabalho a metodologia aplicada foi a comparativa. De acordo com Sartori (2003) o método comparado permite que a Ciência Política se reencontre com os grandes problemas, antes considerados cientificamente intratáveis e substituídos por microproblemas. A comparação é um método de controle das generalizações, que confere maior segurança para fazer previsões ou elaborar leis sobre a realidade. Segundo Sartori, “a comparabilidade leva, portanto, à homogeneidade; e a não comparabilidade está associada à heterogeneidade” (2003, p. 209). O Brasil e o Peru foram selecionados porque são representativos de duas estratégias para o desenvolvimento diferentes observadas na América Latina no período desde o início dos anos 2000: uma estratégia que é liderada pelo Estado e promove uma abertura controlada do mercado interno e outra que é liderada pela iniciativa privada e apresenta uma abertura generalizada aos mercados externos. Ao comparar tais estratégias, as intenções são entender quais foram os objetivos dos respectivos governos e avaliar se estes foram alcançados. Brasil e Peru passaram por uma “industrialização tardia, se depararam com tecnologias de produção exigindo mais capital do que os mercados privados eram capazes de acumular, foram obrigados a se valer do poder do Estado para mobilizar os recursos necessários” (EVANS, 1993, p. 116), se redemocratizaram durante a onda latino-americana das décadas de 1970 e 1980, ponto de partida desta análise, e perseguem o desenvolvimento socioeconômico, entre outras similaridades que os caracterizam como pertencentes à mesma espécie. Suas diferenças específicas, o alvo da comparação, residem nas estratégias para alcançar o desenvolvimento adotadas por cada país e as instituições acionadas. Na literatura sobre a relação entre democracia e desenvolvimento, se argumenta tanto que a democracia favorece o desenvolvimento socioeconômico quanto que a democracia é, antes, um resultado do desenvolvimento. Um ponto, no entanto, que parece se firmar como consenso é que a democracia é a “meta-instituição” que ajuda a alicerçar instituições melhores (CHANG, 2003) e, portanto, deve ser promovida. A democracia é amplamente recomendada aos países que buscam se desenvolver, porém, a verdade é que as nações hoje desenvolvidas, quando instituíram suas democracias, tinham regimes de baixa qualidade, pois o sufrágio era extremamente limitado e sem o voto secreto, e só chegaram realmente a instituir o sufrágio universal quando contavam com um nível já avançado de desenvolvimento, medido pelo PIB per capita (CHANG, 2003). 6

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O Peru implementou o sufrágio universal em 1956, quando seu PIB per capita era de US$ 2.732, valor semelhante ao de Áustria, Alemanha, Itália, Japão, Noruega e Suécia. Enquanto o Brasil implementou o sufrágio universal em 1977, quando seu PIB per capita era de US$ 4.613, valor próximo ao de Bélgica e Austrália. Tanto Peru quanto Brasil, no entanto, ficam bem atrás do Reino Unido, que adotou o sufrágio universal quando seu PIB per capita já era de US$ 5.115, e dos Estados Unidos, que era de US$ 13.316 (CHANG, 2003). Demonstrando que a democracia, como instituição que conhecemos hoje, exerceu nos países centrais ou desenvolvidos pouca influência sobre o seu desenvolvimento, pois chegou ao estágio em que os países em desenvolvimento se encontram em questão de inclusão e combate ao nepotismo apenas após a I Guerra Mundial e, nos Estados Unidos, apenas durante a década de 1970 após as lutas contra a segregação racial. O Peru possui uma história marcada por muitos golpes militares e consequentes transferências do poder para os civis. Estes, no entanto, tiveram pouca resistência, uma vez que procuravam subjugar as classes populares ao aparato do estado, tanto o golpe de 1962 quanto de 1968 se deram como resposta a movimentos populares consequentes do regime oligárquico então vigente no Peru (COTLER, 1994). As transferências para os civis em 1963 e 1977-80 se deram em meio a lutas políticas e sociais e, no segundo caso, a uma forte crise econômica. Em ambos momentos os partidos se mostraram incapazes de estabelecer uma força opositiva. La transición a la democracia en el Perú en 1980 se llevó a cabo en circunstancias en que se producían importantes cambios y tensiones en las relaciones sociales. La erradicación del viejo orden oligárquico-colonial y el desgaste del gobierno militar que decretó su cancelación impulsaron la irrupción política radicalizada de sectores medios y masas populares. (COTLER, 1994, p. 173).

Em 1980 Fernando Belaúnde foi eleito, dando início às reformas neoliberais no Peru, começando por reverter os avanços que o regime militar havia feito na reforma agrária do país. Segundo Julio Cotler (1994), o país optou pelo caminho neoliberal tendo em vista as experiências bem sucedidas no México e no Chile. Nos anos 1990 o presidente

Fujimori

implementou

um

drástico

programa

de

estabilização

macroeconômica a fim de reintegrar o Peru à comunidade financeira internacional. Este programa consistiu em diminuir a excessiva intervenção estatal observada nos anos anteriores, pois o investimento privado é que deveria ser a maior fonte de acumulação de capital, transformando o setor privado no principal motor de uma economia mais integrada ao mercado mundial (SAGASTI, 2000). Fujimori, no entanto, estabeleceu um 7

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governo autoritário, tendo sido posteriormente julgado por crimes de corrupção e até genocídio. O último presidente eleito no país foi Ollanta Humala, de orientação nacionalista. A história de regimes autoritários no Peru explica a baixa confiabilidade que a sociedade tem nas suas instituições democráticas (TANAKA e ROJAS, 2010), colocando o Peru em último lugar quando comparado a outros países latino-americanos neste elemento. Segundo Tanaka e Rojas (2010) a democracia no Peru tem avançado consideravelmente, mas ainda falta a inclusão de uma população historicamente marginalizada no país. E, segundo Manuel Glave e Miguel Jaramillo (2007) o desenvolvimento institucional no Peru tem sido o que melhor explicaria os avanços sociais e o crescimento social no país. Glave e Jaramillo ressaltam que são as características institucionais de longo prazo que causam reais mudanças num país e, no caso do Peru, o que tem mudado mas ainda requer melhoras são as instituições que regulam os incentivos dos governantes para buscar ganhos próprios ou tomar decisões que favoreçam a sociedade como um todo. A administração pública e a Justiça no país, fortemente ligados ao accountability, seriam as responsáveis pelas mudanças sofridas pelo Peru e pelas que ainda são necessárias (GLAVE e JARAMILLO). Tanaka e Rojas (2010) já argumentam a favor da confiabilidade das eleições, ressaltando o papel das instituições democráticas não em regular os governantes no poder, mas em garantir que as escolhas da sociedade sejam respeitadas. Os autores (TANAKA e ROJAS (2010), GLAVE e JARAMILLO (2007), CARRANZA (2011) no entanto concordam que a inclusão social no país é um marco analítico da maior importância, pois a desigualdade no Peru tem raízes na colonização e no antigo sistema de “castas” entre a sociedade “criola” descendente de espanhóis e os indígenas, maioria no país. Durante a transição política dos anos 1970 e 1980, o Brasil passava por crises entre capitais locais e internacionais, de representação dos interesses econômicos e sociais da sociedade, que se tornava mais complexa, e da relação entre público e privado no processo de desenvolvimento (SALLUM e KUGELMAS, 1991). Estas crises colocavam em xeque não só a forma de regime, militar autoritário, mas também a forma de Estado, o Estado desenvolvimentista, interventor e com imensa participação estatal nas atividades produtivas, cuja forma institucional básica era a empresa pública ou de economia mista. Esta forma de Estado, que apresentou forte continuidade entre 1930 e 1964, foi abalada, segundo Sallum e Kugelmas (1991), devido à crise fiscal e financeira 8

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gerada pelo financiamento do desenvolvimento e à perda de domínio político sobre as atividades administrativas estatais. A formulação de um novo Estado através das reformas neoliberais que ocorreram na América Latina a partir do fim dos anos 1980 ocorreu devido “à perda da capacidade do Estado nuclear o desenvolvimento” (SALLUM e KUGELMAS, 1991, p. 151). A mudança mais simbólica no Brasil foi durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, com a implantação da doutrina neoliberal, tentativa de reforma gerencial na burocracia estatal, valorização das agências reguladoras, privatizações de empresas estatais, uma política fiscal mais rígida com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Após FHC os governos petistas de Lula e Dilma representaram no Brasil uma tendência da América Latina de governos pós-neoliberais. Lula no começo de seu primeiro mandato continuou com as prioridades de FHC, reduzir a inflação e diminuir o endividamento público, mais tarde se voltando à inclusão social, seguido por Dilma. Faz parte dessa estratégia um Banco Central ligado ao governo, acionado para um maior controle sobre a economia. Os resultados sociais das reformas neoliberais na América Latina mostraram que a afirmação da supremacia da democracia liberal e da economia de mercado foi precipitada e que os modelos ainda estavam em disputa. Ainda que não tenham promovido uma reformulação total, os governantes de centro-esquerda que chegaram ao poder a partir do início dos anos 2000 na América Latina implantaram mudanças e tem valorizado o papel do Estado na economia e as políticas sociais. 5 – Indicadores

Acordos comerciais do Peru: 16. - Acordos multilaterais: 1 (OMC). - Uniões aduaneiras: 1 (Comunidade Andina). - Acordos de livre comércio: 14 (Costa Rica, União Europeia, Coreia do Sul, Japão, Panamá, México, Associação Europeia de Livre Comércio, China, Canadá, Cingapura, Chile, Estados Unidos, MERCOSUL e Tailândia). Tratados bilaterais de investimento do Peru: 29 (Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, China, Colômbia, República Checa, Dinamarca, Equador, El Salvador, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Coréia, Malásia, Holanda, Noruega, Paraguai, Portugal, Romênia, Cingapura, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia, Reino Unido e Venezuela). 9

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Acordos comerciais do Brasil: 15. - Acordos multilaterais: 1 (OMC). - Uniões aduaneiras: 1 (MERCOSUL). - Acordos de livre comércio: 4 (MERCOSUL – Israel, Peru, Bolívia e Chile). - Framework agreements: 1 (MERCOSUL – México). - Acordos preferenciais parciais: 8 (MERCOSUL – Colômbia, Equador, Venezuela; MERCOSUL – Índia; MERCOSUL - México no setor automotivo; Suriname, México, Guiana, Argentina e Uruguai).

Crescimento do PIB na América Latina, Brasil e Peru. Fonte: Banco Mundial http://data.worldbank.org/

Desemprego na América Latina, Brasil e Peru. . Fonte: Banco Mundial http://data.worldbank.org/

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População abaixo da

linha

da

pobreza

no Brasil e no Peru.

Fonte:

Banco Mundial

http://data.worldbank.org/

Alex Pizzio (2011) afirma que cada sociedade vê a pobreza de forma diferente, mas geralmente há rês ideias ideias básicas associadas à noção de pobreza: 1) a ideia de subsistência, ou seja, condições materiais suficientes para garantir a integridade física; 2) as necessidades básicas, que são a ampliação da subsistência para o plano coletivo e não apenas individual; 3) a privação relativa, quando os indivíduos não conseguem adquirir bens e serviços que permitam que eles participem da sociedade como é esperado deles. Nesse sentido, a linha da pobreza é uma fronteira para separar pobres e não pobres, sendo pobres os “sujeitos cuja renda é incapaz de atender o conjunto de necessidades consideradas mínimas numa deterinada sociedade” (PIZZIO, 2011, p. 19). Alex Pizzio (2011) aborda ainda a pobreza ligada à noção de marginalidade, que o autor afirma ser uma forma de incorporação social. Nas formações capitalistas periféricas como Brasil e Peru, há uma população que não consegue participar do mercado de trabalho como ofertantes de mão-de-obra, não sendo absorvidos devido a superabundância de mão-de-obra. O desenvolvimento econômico, portanto, é excludente, e a marginalidade é “uma carência em relação à inserçãono mercado de trabalho, à proteçao social e à cidadania” (PIZZIO, 2011, p. 23). A distribuição de renda é avaliada de acordo com a concentração de renda nas camadas da população, das mais pobres às mais ricas. O índice de Gini mede a concentração de renda através da curva de Lorenz, produto do acúmulo percentual das camadas da população e da renda, sendo 1 uma sociedade na qual um indivíduo possui toda a renda e 0 a perfeita igualdade, na qual todos possuem a mesma renda.

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Índice de Gini no Brasil. Fonte: CEPALSTAT: http://estadisticas.cepal.org/cepalstat

Índice de Gini no Peru. Fonte: CEPALSTAT: http://estadisticas.cepal.org/cepalstat

Em 2011 o Brasil atingiu sua menor marca no índice que mede a desigualdade entre os residentes de um país, alcançando 0,559, mas em 2012 sofreu um aumento para 0,567, numa trajetória descendente que apresentou alguns momentos de crescimento. Enquanto o Peru vem em uma trajetória positivamente descendente desde 2007, atingindo 0,449 em 2012. 4 – Considerações finais

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Tendo em vista que democracia e desenvolvimento não possuem uma relação diretamente proporcional (BRESSER PEREIRA, 2006; CHANG, 2003) e, embora o desenvolvimento proporcione um aumento dos padrões médios de vida da população, por si só não é capaz de produzir distribuição de renda e igualdade na sociedade. As instituições democráticas de Brasil e Peru são boas, se comparadas às do período de desenvolvimento dos países centrais que não dispunham de sufrágio universal, voto secreto ou burocracia selecionada por métodos meritocráticos. Os dados mostram uma maior abertura do Peru aos mercados externos e do Brasil com os parceiros e membros do MERCOSUL, evidenciando um foco na política de integração regional. O Peru também apresenta maiores índices de crescimento do PIB, ressaltando um dinamismo maior de sua economia do que a do Brasil, embora o segundo apresente taxas brutas mais altas. Ao final de 2012 Brasil e Peru exportaram volumes similares, mas o Peru importou mais bens e serviços que o Brasil. Já os indicadores sociais demonstram um gasto maior por parte do Brasil com a população. E, embora o Peru apresente um índice de Gini menor, ou seja, menor desigualdade social, o Brasil tem uma taxa menor da população em situação de pobreza ou indigência. Isso evidencia que cada estratégia tem seus custos. A valorização do papel do Estado na economia, medidas protecionistas e o aumento do gasto social por habitante, estratégia de países como Argentina, Bolívia, Brasil e Venezuela, tem representado um índice médio de crescimento econômico mais baixo. Já a ênfase no papel da iniciativa privada na economia, com abertura aos mercados externos, estratégia observada em países como Chile, Colômbia e Peru, tem representado um índice médio de crescimento mais alto, porém com uma distribuição dos benefícios mais concentrada em determinados setores da população. A gama de segmentos sociais que cada estratégia favorece parece ser o fator determinante da escolha feita pelos países, demonstrando os objetivos das suas agendas governamentais Vários autores aconselham aos países em desenvolvimento que aprendam a partir das experiências dos países já desenvolvidos (CHANG, 2003, PIPITONE, 1994), mas também é sabido que assim que um país se desenvolve, causa mudanças não só em seu próprio espaço nacional, mas também no mercado mundial, de forma que o caminho para chegar ao objetivo nunca será o mesmo. Não se pode garantir que uma ação terá sempre o mesmo resultado na vida dos países, mas a história também não é uma sucessão de acontecimentos acidentais que impossibilitam qualquer previsão (PIPITONE, 1994). 13

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Talvez Peter Evans tenha razão sobre o verdadeiro desafio do desenvolvimento ser de fato a capacidade de planejar e executar (EVANS, 1993), acionando instituições e desenvolvendo políticas não transplantadas das economias centrais, mas próprias para o contexto de cada país e, como mostra a história do Brasil, também para cada região. Pois, como afirma Ha-Joon Chang, “não há um modelo de desenvolvimento industrial ‘tamanho único’ – apenas amplos princípios orientadores e vários exemplos que servem de lição” (2003, p. 116).

Referências Bibliográficas CARRANZA, Carlos Contreras. ¿Ahondó o redujo el Estado la desigualdad en el Perú? Una mirada desde la historia. In: CASTILLO, Janina León; ECHEVERRÍA, Javier M. Iguíñiz (Ed.) Desigualdad distributiva em el Perú. Lima: Fondo Editorial de la PUC Del Perú. 2011, p. 25-56. CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Editora da UNESP, 2003, capítulos 1, 2 e 3. COTLER, Julio. Las intervenciones militares y la “transferencia del poder a los civiles” en Perú. In: O'DONNELL, G.; SCHMITTER, P.; & WHITEHEAD, L. Transiciones desde un gobierno autoritario. Volume 2. Barcelona: Paidós, 1994

EVANS, Peter. O Estado como problema e solução. Lua Nova, n. 28/29, p. 107-156, 1993. FRENCH-DAVIS, R.; MUÑOZ, O.; PALMA, J. G. As economias Latino-Americanas, 1950-1990. In: BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. Volume VI: A América Latina após 1930, 2005, p. 129-228. HIRSCH, P. MICHAELS, S. & FRIEDMAN, R. ‘Mãos Sujas’ versus ‘Modelos Limpos’: Estará a sociologia em risco de ser seduzida pela economia? Oeiras: Celta Editora, 2003. In: A Nova SociologiaEconômica, p. 103-123. IANNONE, Roberto Antonio. Pensamento econômico brasileiro. In: BRUE, Stanley L. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Cenage Learning, 2011, p. 529-538. JARAMILLO, Miguel; GLAVE, Manuel. Perú: instituciones y desarrollo. Avances y agenda. In: Investigación, políticas y desarrollo en el Perú. Lima: GRADE. p. 301-349. MARTINS, Carlos Eduardo. O pensamento social latino-americano e os desafios do século XXI. Comunicação & Política, volume 30, n. 1, p. 25-51, 2012. NUNES, Edson. A gramática política do Brasil. Brasília: Jorge Zahar, 1997, capítulo 1. PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal. El método comparativo: fundamentos y desarrollos recientes. Documento de trabajo, Universidad de Pittsburgh, 2007. Disponível em: http://www.politicacomparada.com.ar/material/09/documentos/doc-trabajo_n1.pdf

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PIPITONE, Ugo. La salida del atraso: Un estudio histórico comparativo. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1994, introdução. PIZZIO, Alex. O que define os pobres como pobres: outros aportes ao debate acerca do conceito de pobreza. In: LUCENA, Andréa Freire de; CARVALHO, Claudia Regina Rosal; VIEIRA, Nair de Moura (Org.). Cooperação e inclusão social. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2011, p. 17-35. SAGASTI, Francisco. Perú Agenda y estratégia para el siglo 21. Lima: Agenda: PERÚ. 2000, p. 67-82. SALLUM JR., Brasilio; KUGELMAS, Eduardo. O Leviathan declinante: a crise brasileira dos anos 80. Estudos Avançados, v. 5, n. 13, 1991. SARTORI, Giovanni. Método comparativo e política comparada. In Sartori, Giovanni. A política. Brasília: EdUnB, 2003, p. 203-246.

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