Medeia e a tragédia: porque mata os próprios filhos?

July 15, 2017 | Autor: Diogo Jesus | Categoria: Greek Tragedy, Medea, Classical Studies
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Lisboa, 08 de Maio de 2015

Medeia e a Tragédia: porque mata os próprios filhos?

Trabalho apresentado na cadeira de História das Culturas da Antiguidade Clássica, regida pelo Prof. Doutor Nuno Simões Rodrigues

Realizado por: Diogo Jesus Nº 53154 Licenciatura de História – 2º Semestre, 2014/15

Neste breve trabalho pretendemos enquadrar a peça Medeia no género trágico e justificar o derradeiro acto da princesa bárbara que mata os seus filhos, nesta óptica. Assim, analisaremos estes dois pontos e excluiremos explicações preliminares desta tragédia, mito e suas versões. Em que medida Medeia se enquadra, então, na tragédia? Para H.D.F. Kitto, a tragédia está na sua paixão que vence a razão; tudo o que faz radica na sua motivação. B. Knox reabilita Medeia como verdadeira heroína (à semelhança de Ajax ou Electra) movida pela ideia de honra comportando-se como um deus trágico do Olimpo que busca punir quem os recuse honrar. E. Schlesinger reconhece não uma luta entre a emoção e razão mas uma reacção agonizada do sentimento maternal perante a terrível acção de vingança a que já se propôs a perpetrar1. Rocha Pereira afirma que a tragédia se desencadeia, porque a heroína tem aquele carácter terrível, misto de inconstância, arrebatamento, amor veemente e ódio cego2. Também estão presentes o terror e a compaixão geradas pela personagem. Se por um lado é provocado o terror (os gritos de Medeia na sua fúria, a alegria que sente e manifesta quando Creonte lhe concede um dia, o qual já destinara para a sua vingança ou a alegria igualmente sentida quando o mensageiro lhe descreve a sorte da princesa e do rei) e a piedade (o monólogo de Medeia, que hesita e sofre completamente ou quando Jasão lhe recorda do seu passado e confirma o que tanto a faz sofrer). Onde a maioria dos heróis trágicos são vítimas do destino, a feiticeira pode ser entendida como senhora do seu destino ou, no limite, veículo da justiça do destino. Apesar destas discrepâncias a função central e cívica da tragédia mantém-se com a demonstração exemplar de alguma verdade sobre o sofrimento não reconhecido. No caso de Medeia é transmitido como os crimes desnaturados ocorrem quando uma emoção descontrolada toma controlo. Até que ponto Medeia, a protagonista da peça, se enquadra no herói trágico? Não possui os seus principais traços ou apresenta-os de forma mitigada. Tradicionalmente, o herói trágico é uma personagem simpática mas envolvido por uma falta irretorquível, como é frequente a arrogância (ὕβρις), que lhes leva a sofrer e eventualmente arrepender dos seus actos mas sem nunca voltar ao seu antigo esplendor. Medeia, enquanto obviamente orgulhosa, nunca pede desculpa pelos seus excessos e escapa sem qualquer consequência negativa associada. Em vez de passar de um estado nobre, de confiança para um desespero humilde, a transformação que ocorre é precisamente a inversa. Nas palavras de Luísa de Nazaré Ferreira, “quando falamos de Medeia, o crime terrível do filicídio impõe-se como referência obrigatória”.

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Cf. Lloyd-jones, Hugh, Euripides, Medea. Pp. 441-3 Cf. Pereira, Maria Helena da Rocha, Estudos de História de Cultura Clássica, Vol I, pp.79

A peça começa com o amaldiçoar dos próprios filhos e família (no párodo ou entrada do coro) e percebe-se que está determinada na vingança desde a interrogação do coro de coríntias que perguntam como não chorara quando vir os filhos que matara ate hesita, pensa em abandonar o seu plano quando em frente às crianças, interroga-se. Mas quando volta a pensar no facto de deixar impunes os seus inimigos, recorrente esse desejo, percebe que deve prosseguir. Também se deixasse os filhos em Corinto, estes provavelmente seriam mortos. Medeia sabe o mal que vai fazer e ao sabê-lo deveria abster-se de o fazer mas a sua ira (θυμός) é mais poderosa. Nunca contemplou verdadeiramente renunciar à sua vingança porque se o fizesse não seria a Medeia3. A tragédia não radica em como Medeia toma a sua decisão; mostra a extensão da agonia que a perspectiva das causas da decisão da execução. O seu lado humano implora por misericórdia mas o seu orgulho e θυμός determinam. A última cena acentua a sua semelhança com os deuses. Porém, estes não têm piedade humana e apesar da sua “apoteose” satisfazer o seu desejo de vingança não lhe trará a felicidade humana. O seu ódio, o seu desespero e resolução de vingança são inabaláveis, e este é o traço principal da tragédia, que começa a partir do momento em que Medeia sabe da traição de Jasão. Recorda com um misto de saudade e arrependimento tudo o que fizera por Jasão; depois de a ter abandonado por outra mulher com quem havia de gozar a vida que tinha sido salva por ela. A ingratidão fá-la sofrer. Em Eurípides como em Séneca, os elementos dramáticos da peça são acima de tudo o ódio não contido de medeia e depois o assassínio dos filhos que a leva à luta entre a paixão e a razão4. Eurípides coloca Medeia a olhar por uma última vez os filhos e comunica às palavras proferidas por ela toda a ternura e carinho que as mães sentem pelos filhos. Ela, que tão forte sempre se mostrara é dominada e enfraquecida, por momentos, pela ternura que sente pelos filhos. Mas o ódio vence, porque é inquebrantável essa ânsia de vingar-se.”5 A história da feiticeira da Cólquida e do herói lendário dos argonautas termina assim: tal como Medeia planeara, a fatalidade ocorreu; apenas Jasão ficou com vida, como Medeia desejava, porque ele deveria sentir que perdera tudo, devia tornar-se tão infeliz quanto ela. Mesmo a custo dos seus próprios filhos. Era esse o objectivo da sua vingança.

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Cf. Lloyd-jones, Hugh, Euripides, Medea. Pp. 450 Ver Vasconcelos, L. G., A Medeia de Eurípedes e a de Séneca. Pp. 27-28 5 “(…) foi em vão, meus filhos, que vos dei a vida e vos criei. Pus em vos tantas esperanças para o futuro, para a minha velhice! Privada da vossa presença terei uma vida triste e miserável. (…) Faltam-me as força. Não, eu não posso, não os matarei. Mas então os meus inimigos ficarão impunes? (…) É preciso que morram, e, já que assim é, eu que lhes dei a vida tirar-lha-ei também” 4

Bibliografia Lloyd-jones, Hugh (1990). Euripides, Medea 1056-80. Greek epic, lyric and tragedy: the academic papers of Sir Hugh Lloyd-Jones. Oxford: Clarendon. pp. 441-452. Pereira, Maria Helena da Rocha, (1967). Estudos de História de Cultura Clássica. Vol I, 2ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. pp. 308-313 Ferreira, L. N. (1997). A Fúria de Medeia. Humanitas, 49, 61-84. Vasconcelos, L. G. (1945). A Medeia de Eurípedes e a de Séneca (Tese de Licenciatura em Filologia Clássica). Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

Fontes: Eurípides. (2006). Medeia. São Paulo: Odysseus.

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