Medeia - porque razão matou os filhos?

July 17, 2017 | Autor: Irene Tavares | Categoria: Greek Tragedy, Classical Mythology, Euripides Medea
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Faculdade de Letras
Universidade de Lisboa
Ano Lectivo: 2014/2015 - 2º Semestre
Curso: História
Cadeira: História da Cultura da Antiguidade Clássica
Docente: Prof.ª Doutor Nuno Simões Rodrigues


Medeia de Eurípides:
Por que razão Medeia mata os filhos?







Aluno: Irene Alexandra Semião Tavares
 Nº: 51297



5 de Maio 2015
São dois os textos que se centram na figura de Medeia, a feiticeira de Cólquida: a tragédia Medeia de Eurípides e o poema Argonáutica de Apolónio de Rodes. A versão de Eurípides foi estreada em 431 a.C., ano do início da guerra do Peloponeso. Esta peça é uma das quatro que Eurípides apresentou em concurso nas festas dionisíacas, sendo as outras três: Filoctetes, Díctis e o drama satírico Segadores. O poeta apresentou uma versão original do mito de Medeia, a qual não agradou muito ao público pois apenas ganhou o terceiro lugar. Ao contrário das outras versões, de outros poetas, na de Eurípides Medeia mata os filhos voluntariamente. No entanto, o motivo para tal acção tem por um lado, interpretações directas e óbvias, e por outro, interpretações menos óbvias e ocultas que merecem uma melhor análise.
Medeia era filha do rei Aetes da Cólquida, e sobrinha de Circe (uma feiticeira). A tragédia grega começa quando Jasão chega a Cólquida, em busca do Velo de Ouro, e Medeia apaixona-se por ele decidindo ajudá-lo na sua missão através das artes mágicas. Depois de matar o irmão Apsirto e de espalhar os seus restos mortais para não serem perseguidos, o casal foge para Iolcos, onde Jasão oferece o velo de ouro a Pélias. Medeia envenena o rei pois este não queria dar o trono a Jasão, e morre nas mãos das filhas e por isso o casal é expulso para se ir refugiar em Corinto, onde se passa a acção da tragédia de Eurípides. Esta mesma acção só dura um dia, o dia em que Medeia é autorizada a poder ficar no reino de Corinto antes de ser exilada. Jasão abandona Medeia para se ir casar com a filha do rei Creonte.
Medeia revolve vingar-se matando a noiva, o rei e os seus próprios filhos. O único obstáculo para o sucesso deste plano era a ausência de um lugar para se exilar após os crimes. Porém chega Egeu vindo de Atenas, que iria ajudar Medeia numa troca de favores: Medeia podia ficar em Atenas, sendo esta a sua cidade hospitaleira, e Egeu podia ter filhos a partir das artes mágicas de Medeia. Esta depois consegue convencer os seus filhos a levarem presentes para a princesa, que na realidade estavam envenenados e acabaram por a matar juntamente com o rei. Jasão vai em busca de Medeia, mas encontra os seus filhos mortos e Medeia a escapar no carro do deus do Sol e seu avô, Hélio.
O que se vai tratar aqui é o motivo de Medeia ter morto os próprios filhos, pois Eurípides não o explica claramente, tendo o leitor o dever de o interpretar. Um destes motivos é o facto de Medeia se querer vingar de Jasão, pois a bárbara deixou a sua própria terra natal, deixou a sua família e assassinou o seu irmão pelo amor ao seu esposo. Jasão possui grande parte da culpa para justificar o facto de Medeia se ter tornado assassina e traidora. No entanto, apesar de tudo isto Jasão troca a esposa pela princesa do reino de Corinto, e Medeia sente a revolta. Medeia sem Jasão é incompleta, infeliz, amargada e violenta.
Com medo que aconteça algo á sua filha, o rei Creonte decide anunciar a expulsão de Medeia pois teme que esta se queira vingar da princesa. Por isso, outra das razões para o filicídio é a revolta de Medeia por ser expulsa pois a feiticeira não tinha para onde ir, não tinha nenhuma terra hospitaleira. Medeia pede a conivência do coro, depois suplica ao rei de corinto, do qual obtém licença para ficar mais um dia antes de ser exilada. No entanto, irá utilizar este dia para pôr em prática o seu plano de vingança.
É importante também salientar que, Medeia tinha tanto ódio a Jasão que mata os próprios filhos para este sofrer com isso, ou seja, o ódio a Jasão sobrepõe-se ao amor pelos filhos. No entanto, a partir de um momento Medeia tem um conflito interno pois esta não quer voltar atrás com as suas decisões, mas ao mesmo tempo não quer sofrer pela morte dos filhos. Medeia também não queria deixar os seus filhos á mercê dos seus inimigos, ou seja, Jasão, a princesa e o rei de corinto, por isso a melhor decisão seria evitar o seu sofrimento, matando-os.
Para se compreender as razões de Eurípedes ao escolher o desfecho desta peça, há que relembrar que esta foi apresentada no ano em que se iniciou a guerra do Peloponeso, como já afirmado anteriormente. Esta era uma altura em que as relações com Corinto estavam particularmente debilitadas. Por isso, é compreensível que o poeta tenha atribuído grande parte da culpa da morte das crianças a Corinto.
Segundo Maria Helena da Rocha Pereira, Medeia é uma princesa Bárbara e uma feiticeira. No entanto, ao contrário do que acontece com as imitações da obra, como a de Séneca e de Cameille, a magia aqui ocupa uma parte mínima pois apenas é utilizada em algumas situações como quando Medeia utiliza a as artes mágicas para Jasão levar o velo de ouro, além de também ser utilizada nos presentes destinados á princesa e que acabaram por mata-la a ela e ao rei, e por último é usada no carro do sol, com o qual Medeia foge no final.
Há autores, como Aristófanes que afirmam que Eurípedes tinha um grande ódio às mulheres, daí a este ter revelado a mulher como um ser fraco, calculista, desesperado, irracional e com um espirito selvagem. O homem, pelo contrário era racional, piedoso, contido e com aura de herói. No entanto, outros autores afirmam que e ao contrário do que se pensava, Medeia era um grito de independência e libertação das mulheres pois uma das características de Medeia é o facto de esta não ser tímida nem covarde, lutando por um objectivo. Talvez este também tenha sido um factor para o desfecho da peça.
Na realidade nota-se a hipocrisia de Jasão em muitas das suas falas, além do seu cinismo, já que este pouco se importava com o destino dos filhos. Se as crianças estão em perigo de serem exiladas, este parece não se inquietar com a sua segurança, comportamento que é muitas vezes notado pelo Pedagogo. Jasão casa-se pelo poder: "não foi por amor de uma mulher que eu fiz esta aliança com o leito real que agora tenho, mas, como já disse com o desejo de salvar e de gerar filhos régios, da mesma origem dos demais, que sejam o sustáculo da casa".
Outro traço evidente em Medeia é o seu carácter bárbaro, estrangeiro e é precisamente este atributo que justifica as suas principais características: o seu furor, o facto de ser feiticeira e dominar a magia, ousadia e o seu carácter sanguinário que se nota pelo facto de querer matar o seu próprio irmão e depois os seus filhos.
Há também outro factor importante para salientar. Na antiguidade, quem fazia o culto aos deuses dava-lhes os seus objectos mais preciosos, quer fosse jóias, ouro, bom gado ou mesmo os próprios filhos, sendo que os próprios deuses apoiam a decisão do filicídio. Assim sendo, sacrifícios humanos não eram tabus na época, mesmo que se tratassem de crianças. Então, outra das razões ocultas para que Medeia cometesse o acto de assassinar os próprios filhos pode ter sido um sacrifício aos deuses pois em muitas passagens se nota uma forte ligação e adoração de Medeia para com os deuses. Por exemplo, muitas vezes Medeia reza aos deuses pela morte do marido e da princesa, além de ser neta do próprio deus do sol, Hélio.
Com isto, podemos concluir que há um grande número de razões que podem ter levado Medeia a cometer filicídio, já que umas são mais claras e outras é preciso uma análise mais profunda não só da obra mas também da mente do próprio autor. Eurípides na sua obra não diz claramente o porquê da acção de Medeia, no entanto é possível deduzir que pode ter sido por mera vingança, por desespero da própria feiticeira por não ter um lugar onde ficar, por ódio a Jasão, por querer ver o esposo sofrer e por não querer ver os filho entregues a Corinto. No outro lado estão as razões ocultas para o sucedido, como o facto de Atenas estar contra Corinto na guerra do Peloponeso e o próprio autor ter vivido de perto esta conflitualidade, ou mesmo por odiar (ou não) as mulheres. Não se pode esquecer o facto de os gregos verem os estrangeiros e bárbaros como pessoas mais sanguinárias e violentas, daí muitos dos comportamentos de Medeia. Por último, havia ainda o factor religioso indirectamente presente na obra que se dá pelo sacrifício de algo aos deuses, que pode ter sido outra das várias especulações sobre o filicídio cometido por Medeia.








Bibliografia
Bibliografia geral:
Obra de referência:
EURÍPIDES, " Medeia", versão do grego e notas de Maria Helena Rocha, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2013

Obras auxiliares:
ROCHA PEREIRA, Maria Helena da. Estudos da História da Cultura Clássica. I Cultura Grega, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 11ª ed., 2012
GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. 2ª ed. Apartado: Europa-América, 1989. Resenha de João Mattar.
GRIMAL, P., Dicionário de Mitologia Grega e Romana, Lisboa, 1992
SIMÕES RODRIGUES, Nuno. Medeia, a deusa solar: Releitura de uma velha problemática. Em: O sol greco-romano, Universidade Carlos III, Coimbra, 2008.
FERREIRA, Luísa de Nazaré. A fúria de Medeia. Em: Hvmanitas, vol. XLIX, 1997, Coimbra.
TSURUDA, prof. dra. Maria Amália Longo. Medeia: uma discussão sobre a mulher em Eurípides. Em: Notandum 19, Porto, 2009.
"Tragédias de Eurípides". Biblioteca de autores clássicos, Imprensa nacional da moeda, vol. I, 2012.





Na versão de Eurípides, Medeia teve dois filhos pequenos, pois são acompanhados pelo pedagogo e também porque muitas vezes durante a peça não compreendem que a sua vida está em perigo, devido á sua inocência. Não se sabe os seus nomes, o que é normal numa tragédia quando se trata de crianças.
Aqui há um contraste: Medeia, mulher vingativa que mata os filhos vai para uma cidade sagrada, de paz e equilíbrio, de rasas flores e clima ameno.
Quem era exilado na Grécia antiga, procurava primeiramente recorrer a quem estava ligado por um vínculo de hospitalidade. Este vínculo baseava-se na retribuição de favores, caso um dia as posições de invertessem. Era uma forma de etiqueta que informa o ideal aristocrático.



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