Medicalização Infantil: uma análise do caso especifico de défice de atenção e hiperatividade (ADHD) em crianças

May 24, 2017 | Autor: Sofia Sousa | Categoria: Sociology, Medical Education, Medical Ethics, Public Health, Children
Share Embed


Descrição do Produto

2016/2017

Medicar ou educar?

ANÁLISE DO CASO ESPECÍFICO DO DÉFICE DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (ADHD) EM CRIANÇAS SOFIA ALEXANDRA RIBEIRO DE SOUSA

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO SOCIOLOGIA DA SAÚDE E DA DOENÇA LECIONADA POR: ALEXANDRA LOPES

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

ÍNDICE: ABSTRACT ...................................................................................................................................... 2 I. Medicalização Infantil: análise do caso especifico do Défice de Atenção e Hiperatividade (ADHD)........................................................................................................................................... 3 II.

ADHD: aspetos estruturantes na análise da medicalização infantil...................................... 5

III.

ADHD: perspetivas teóricas, potencialidades e fragilidades ............................................. 8

IV.

Quais os dados a utilizar e formas de análise ................................................................. 13

V.

Bibliografia .......................................................................................................................... 16

ANEXO 1 – Diferenças de sintomas entre rapazes e raparigas segundo a Healthline (2016) ..................................................................................................................................................... 17 ANEXO 2 – Timeline relativo aos medicamentos, sintomas e consequências de ADHD segundo a APA e a AAC (2016) ................................................................................................. 18 ANEXO 3 – ADHD e a percentagem de diagnósticos nos EUA segundo a Healthline (2016) ..................................................................................................................................................... 19 ANEXO 4 – ADHD associado à condição económica nos EUA segundo a Healthline (2016) 20 ANEXO 5 – Estados com maiores taxas de tratamento versus Estados com menores taxas de tratamento, através de medicamentos de ADHD nos EUA, segundo a Healthline (2016) ..................................................................................................................................................... 21

1

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

ABSTRACT O presente trabalho tem como objetivo principal analisar o caso da medicalização infantil, mais especificamente os diagnósticos de Défice de Atenção e Hiperatividade. Para a realização do mesmo, foi feita uma revisão de literatura, maioritariamente em inglês visto ser onde são produzidos mais estudos sobre o tema em análise. Assim, pretende-se propor uma proposta de Investigação de caráter misto, ou seja, em que são abordadas e utilizadas metodologias quantitativas através dos inquéritos por questionário e, metodologia qualitativa com a execução de entrevistas semiestruturadas. A análise dos resultados iria passar pelo uso de programas estatísticos como o SPSS e transcrição de entrevistas e, ainda, de forma complementar o uso de fontes secundárias como a literatura já existente – causas e consequências deste distúrbio bem como classificação do mesmo pelos profissionais de saúde - sobre o caso e dados estatísticos previamente concebidos de fontes fidedignas como o InfarMed, EuroPharm, HealthLine, American Psichyatric Association e a American Academy of Child & Adolescent Psychiatry. Através da elaboração de uma pergunta de partida – Quais são os fatores sociais e históricos que contribuíram para o aumento da medicalização em crianças com ADHD? – foram posteriormente criados objetivos de pesquisa gerais e específicos, bem como Hipóteses teóricas. A escolha deste tema passou pela falta de informação e atenção sobre este caso especifico e ainda para compreender as mudanças sociais que fizeram com que houvesse esta atenção e preocupação crescente face ao comportamento infantil.

Palavras-Chave: Medicalização, ADHD, crianças, psiquiatras.

2

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

I.

Medicalização Infantil: análise do caso especifico do Défice de Atenção e Hiperatividade (ADHD)

O presente trabalho de proposta de investigação pretende abordar a questão da Medicalização Infantil, focando o caso do Défice de Atenção e da Hiperatividade nas crianças. A escolha deste tema deve-se a um interesse pessoal em compreender a atenção crescente que tem vindo a ser dada às crianças que apresentam comportamentos considerados anormais, ou seja, crianças que possuem dificuldades de concentração ou que são hiperativas. Associado a este interesse está a motivação para compreender as mudanças sociais que fizeram com que houvesse esta atenção e preocupação crescente. Num campo mais abrangente, seria pertinente realizar um projeto de investigação sobre este tema pois na área da saúde é pertinente compreender em maior profundidade o papel dos profissionais de saúde, nomeadamente psicólogos e psiquiatras na medicalização de crianças, ou seja, analisar os motivos subjacentes e se esta prescrição é justificável ou não. Após a escolha do tema, foi feita uma pesquisa exploratória recorrendo a relatórios da área da saúde para melhor compreender as causas, sintomas e preocupações que possam estar intrínsecos ao Défice de Atenção e à Hiperatividade. Como a pesquisa foi baseada fundamentalmente na American Psychiatric Association (APA), passarei a utilizar a sigla ADHD1. Então, de acordo com a APA (2016) e os estudos pela associação realizados, podemos afirmar que o ADHD é dos distúrbios que com maior frequência é diagnosticado nas crianças. A este distúrbio, além das dificuldades de atenção/concentração e excesso de movimentos para uma determinada situação, está a impulsividade também incluída no diagnostico. Sendo o distúrbio que mais frequentemente é diagnosticado, torna-se pertinente compreender os impactos provocados no aproveitamento e vida escolar das crianças, bem como ao nível do desenvolvimento da sua personalidade e relações interpessoais. “ An estimated 5 percent of children […] have ADHD. ADHD is often first identified in school-aged children when it leads to disruption in the classroom or problems with schoolwork.” (APA, 2013).

1

ADHD é o termo inglês referente ao Défice de Atenção e Hiperatividade (AttentionDeficit/Hiperactivity Disorder)

3

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

Recorrendo a uma análise mais aprofundada sobre o problema em si, foi utilizado um trabalho da American Academy of Child & Adolescent Psychiatry (AAC) e pela APA (2013), intitulado “ADHD: parents medication guide”. Recorri a este relatório com o objetivo de compreender quais as possíveis causas para o surgimento do ADHD, sendo que na obra é mencionado que não se pode identificar uma causa única e exclusiva, mas sim que este problema pode estar relacionado com hereditariedade e interação com o ambiente envolvente, como por exemplo “[…] low birth weight; exposure to cigarette smoke, alcohol, herbicides, or pesticides as a fetus in the womb […]” (AAC & APA, 2013). Um aspeto interessente é o facto de haver mais rapazes do que raparigas 2

diagnosticados com ADHD, o que nos leva a questionar o motivo pelo qual atualmente,

são cada vez mais os diagnósticos de ADHD na infância. “[…] Research indicates that the increase in children diagnosed with ADHD is largely due to greater awareness and improved detection of the condition […]” (AAC & APA, 2013). Esta afirmação referida pode remeter então para uma explicação de origem histórica, ou seja, com o avanço da medicina ao longo das décadas bem como a vivência e experiência de uma era globalizada, dá-se mais atenção a certos tipos de comportamentos que numa época anterior eram descartados ou tidos como sendo normais de uma certa faixa etária, assim sendo, além de uma mudança histórica, dá-se uma mudança social e cultural que contribui para um maior enfoque nos comportamentos infantis, mudando as formas de educação e parentalização que podem fazer com que – no caso da hiperatividade e da impulsividade por exemplo – os pais recorram com mais frequência a especialistas médicos em busca de respostas para o controlo do comportamento dos seus filhos. Tendo em linha de conta que o enfoque do trabalho incide sobre a medicalização infantil, é de mencionar que não existe medicação que possa curar o distúrbio, esta apenas serve como mecanismo de controlo dos sintomas, é um tipo de distúrbio que se apresenta como sendo prolongado no tempo em termos de tratamento e acompanhamento, tendo como objetivo fazer com que a criança consiga ser capaz de lidar com os sintomas de forma a possuir uma vida saudável bem como relações e redes de amizades. É ainda importante referir que além da medicalização, existem tratamentos comportamentais que assenta em três abordagens chave. A primeira é o treino parental, ou seja, ajuda a compreender quais os sintomas do ADHD e as formas que existem que lidar com os

2

Ver Anexo 1, referente aos dados da HealthLine (2016)

4

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

mesmos, existe ainda um tipo de tratamento apenas focado na criança em que é promovido o desenvolvimento social dos mesmos, e ainda o desenvolvimento académico e capacidades de resolução de problemas. Por fim, uma intervenção ao nível escolar, em que o busílis é ajudar os professores a preencherem as necessidades educacionais das crianças com diagnóstico de ADHD (AAC &APA, 2013). Quanto às escolhas de medicação, aqui podemos referir um aspeto preocupante e que, em certa parte, se tornou motivação para a análise destes casos específicos. Como já foi abordado, existe medicação própria para o controlo dos sintomas do distúrbio em causa, contudo, segundo o relatório da AAC & APA (2013), existe imensa medicação no mercado “off-label” (AAC & APA, 2013), sendo que esta medicação se refere a medicamento que ainda não foram estudados de forma adequada – “[…] The FDA defines off-label as « not having been studied adequately» in a particular population ( for exemple, children and adolescentes with ADHD)” (Ibidem) – sendo este o grande problema, pois estes medicamentos “off-label” são muitas vezes estimulantes que acabam por produzir efeitos secundários fortes e prolongados no crescimento das crianças e, na sua maioria, são os que são disponibilizados pelo mercado farmacêutico (AAC &APA, 2013). Assim sendo, no próximo capítulo serão apresentadas algumas das questões essenciais que foram suscitadas através da compreensão do fenómeno propriamente dito, bem como objetivos gerais e específicos e ainda, hipóteses teóricas.

II.

ADHD: aspetos estruturantes na análise da medicalização infantil

O trabalho em questão, irá ser de caráter misto, ou seja, uma combinação de metodologias qualitativas e quantitativas, de forma a ser possível criar uma linha de análise mais abrangente, cobrindo todos os aspetos relevantes para a compreensão do tema em questão. Após ser realizada uma pesquisa teórica prévia quer de autores da área da saúde, quer de textos que expliquem em que consiste o Défice de Atenção e a Hiperatividade, foi possível criar uma Pergunta de Partida que vai sustentar todo o trabalho, sendo a mesma 5

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

Quais são os fatores sociais e históricos que contribuíram para o aumento da medicalização infantil, mais especificamente no caso do Défice de Atenção e Hiperatividade?. Partindo desta pergunta de partida, foram elaborados uma série de objetivos – gerais e específicos – que permitissem especificar e afunilar a investigação até chegar ao busílis da mesma, ou seja, compreender o porquê deste fenómeno da medicalização infantil. Assim sendo os objetivos gerais, passam por: Compreender a problemática da medicalização infantil; Analisar o papel dos profissionais de saúde, mais precisamente dos psiquiatras, no que concerne o disgnóstico de distúrbios comportamentais na infância. No que diz respeito aos objetivos específicos, estes pretendem focar aquilo que vai ser visto e analisado com maior persistência, sendo que os mesmos passam por: Compreender o interesse económico dos psiquiatras no aumento das prescrições de medicamentos na infância; Compreender as alterações e implicações do Défice de Atenção e Hiperatividade no comportamento infantil, ou seja, Analisar os impactos da medicação na vida das crianças a longo prazo. Por fim, visto que o trabalho tem uma componente quantitativa, foram criadas Hipóteses de Trabalho que posteriormente poderão ser corroboradas ou não pela análise de dados, sendo as mesmas: Os psiquiatras possuem elevado interesse económico no que se refere à prescrição de medicamentos na infância; A mudança das sociedades, nomeadamente, no campo dos valores e da instituição família, fizeram com que o Défice de Atenção e Hiperactividade passa-se a ser visto como uma anomalia comportamental; A medicação para o Défice de Atenção e Hiperactividade possui implicações a longo prazo no rendimento escolar dos jovens, bem como nas suas relações interpessoais, e por fim, Crianças provenientes de classes sociais altas são medicalizadas para este distúrbio em maior quantidade, face às crianças de classes sociais baixas. Dado o seu cariz quantitativo, foi criado um modelo de análise com as principais variáveis de estudo, de forma a melhor e mais sucintamente compreender o fenómeno do ADHD.

6

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

Papel dos Psiquiatras Caracterização Sociodemográfica

Impactos

Alterações comportamentais

ADHD

Aumento dos diagnósticos

Fatores Sociais e Históricos

Aumento da medicalização infantil

Figura 1 Modelo de Análise

Esta figura do modelo de análise apresenta as principais variáveis que podem influenciar o estudo em questão, havendo uma questão de dualidade entre algumas como os fatores sociais e históricos e o aumento da medicalização infantil, bem como as alterações comportamentais e o ADHD. Desta forma, existem variáveis de influência direta e indireta, tal é o caso do papel dos psiquiatras e os impactos. Tendo em linha de conta as hipóteses teóricas, a primeira relativa ao papel do papel dos psiquiatras pode ser analisada juntamento com as mudanças ao nível social, pois estes contribuíram para o desenvolvimento deste campo da Saúde – a psiquiatria – e por sua vez estas mudanças levaram a uma alteração da forma como os comportamentos infantis são analisados hoje em dia. Todas as variáveis acabam por ter uma relação entre si, ou seja, para o ADHD regista-se uma multi causalidade de multiplicidade de fatores que têm influência sobre este fenómeno. Foi introduzida ainda a variável relativa à caracterização demográfica, uma vez que se torna importante perceber se este fenómeno da medicalização infantil é mais predominante nas classes sociais elevadas versus as classes sociais mais baixas, tal hipótese será testada através de inquéritos por questionário, que são posteriormente apresentados e justificados.

7

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

III.

ADHD:

perspetivas

teóricas,

potencialidades

e

fragilidades Primeiramente, para esta abordagem teórica iremos começar com o autor Adam Rafalovich (2010), sendo que este apresenta a evolução histórica do ADHD – conceito contemporâneo – ou seja, apresenta os moldes e contornos que este foi obtendo ao longo dos tempos, sempre baseado nos discursos médicos acerca do mesmo fenómeno/problema, sendo o mesmo um autor fundamental na compreensão e resposta da hipótese de trabalho relacionada com as mudanças nas sociedades, isto é, mudanças de valores e na instituição familiar. “[…] Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) has known a variety of names during the 20th century […]” (Rafalovich, 2010). Desde logo, o autor enumera uma série de comportamentos que sempre foram vistos pela sociedade como sendo desviantes e contrários à norma estabelecida, é a partir desta enumeração e compilação pela comunidade médica de comportamentos desordeiros que levou à medicalização infantil – “[…] The history of compiling these symptoms into formal diagnoses represents na increasing drive to medicalize unconventional childhood behavior […]” (Ibidem). Neste sentido, a medicalização na infância surgiu como uma forma de controlar os comportamentos de formas não convencionais, sendo que esta alteração de mentalidades levou a uma progressiva mudança na prática clinica moderna, sendo que o ADHD passa a ser o foco das atenções no início do século XX. No que diz respeito a outras áreas cientificas como a Sociologia, este distúrbio e as possíveis causas e consequências a ele subjacentes foram ignoradas de certo modo, ou seja, foram alvo apenas de uma leve e breve discussão – “[…] Previous discussions of ADHD have invoked sociological accounts of mental deviance, especially those models which denote process of labeling and of medicalization […]” (Ibidem) – assim sendo, historicamente, as consequências e moldes que este fenómeno veio sofrendo acabaram por ser ignoradas pela maioria dos teóricos na área da Sociologia, sendo que, foi apenas criado um nicho de autores que se dedicaram a esta questão e ao estudo de outros problemas de foro psiquiátrico e psicológico.

8

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

Nos anos 20, havia uma leitura incorreta dos sintomas de ADHD sendo que os seus sintomas acabavam por ser ignorados ou então mal interpretados pela comunidade médica, pois não havia um conhecimento aprofundado nem desenvolvido na área da neurologia. Deste modo, as nomenclaturas que eram atribuídas ao problema não eram favoráveis aos indivíduos, ou seja, adotando uma perspetiva sociológica, acabavam por ser diminutas face ao sujeito e condicionavam a sua inserção num contexto social, visto que lhe era atribuído uma conotação negativa, algo que, atualmente, com a sigla ADHD já não está tão presente nas sociedades, também pelo facto, deste diagnóstico ter crescido exponencialmente, tornando-se já comum e aceitável. Rafalovich (2010), menciona ainda que o aumento dos diagnósticos de ADHD são uma consequência que está diretamente ligada às corporações farmacêuticas que, numa lógica capitalista, criaram um aparato relativo ao controlo da saúde mental – “[…] It is inadequate to say that the increasing diagnoses of ADHD and consequent increase in the prescriptions for Ritalin, Cylert, and Adderall in school-age children are a result of pharmaceutical corporations, an out-of-control mental health apparatus, or a pill popping sensibility […]” (Rafalovich, 2010). Relativamente ao controlo da saúde mental e, mais precisamente ao controlo dos comportamentos infantis, é de extrema relevância mencionar os contributos de Peter Conrad (2005). Este autor foi fundamental nos estudos relativos ao aumento da medicalização nas sociedades contemporâneas, sendo que este analisa este fenómeno a partir de três fatores/dimensões que são essenciais, sendo elas o poder e autoridade que vem sendo atribuído à profissão médica; assiste-se também a uma culturalização e profissionalização que influência esta autoridade médica e, por fim, a criação de uma crescente jurisdição médica leva ao aumento da medicalização – tópico pertinente para compreensão do papel dos psiquiatras na prescrição de medicação infantil. Logo, o poder, fatores culturais e judiciais são fundamentais no aumento da medicalização das sociedades contemporâneas (Conrad, 2005). Continuando esta linha de pensamento, segundo o autor não podemos descartar o papel das farmacêuticas, no campo da inovação e marketing – “[…] Pharmaceutical innovations and the marketing played a role with Ritalin and hormone replacement therapy (HRT) in the medicalization oh hyperactivity and menopause 9

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

[…]” (Conrad, 2005). Desta forma, os pacientes deixam de se comportar como meros pacientes e passam a agir e também a serem vistos como consumidores, dando-se uma mudança de paradigma por parte das farmacêuticas, o essencial não é a solução de um problema, mas sim a venda de um produto, dando-se assim diversas mudanças organizacionais que deram origem a que o conhecimento médico se tornasse dominante. “[…] In addition to these organizational changes, new or developed arenas of medical knowledge were becoming dominant […]” (Ibidem). “[…] Thus, by the 1990s these enormous changes in the organization of health care, medical knowledge, and marketing had created a different world of medicine […]” (Ibidem), ou seja, este mundo diferente na área da medicina refere-se às emergentes formas sociais e práticas que vêm alterar o campo medicinal e biomédico. Na sua obra “Identifying Hyperactive Children” (Conrad, 1976), este autor faz uma análise empírica do processo de medicalização, sendo abordado o processo pelo qual um profissional de saúde passa para problematizar a questão do desvio comportamental infantil.”[…] the discovery of hyperactivity, or hyperkinesis can be attributed to the interplay between three social factors: the pharmaceutical revolution, trends in the medicalprofession,and governmentaction […]’’(Conrad 1976). Assim, o autor vem debater o poder que uma instituição pública como o governo ou o estado tem no contributo para a medicalização através da atribuição de diagnósticos unificados, sem ter em conta aspetos individuais. Logo, pode ser apresentado e salientado um fator social que representa uma grande assimetria entre o poder dos atores e das organizações formais: ADHD pode ser visto como uma forma de controlo por parte dos peritos médicos, sendo que usam linguagem que é inacessível para os leigos. Adotando agora uma abordagem social ao ADHD, podemos trabalhar e referir os contributos de Gloria Wright (2012). Esta inicia a sua obra salientando o conceito de medicalização criado por Conrad (1975) e a sua forma de controlo social, como já foi referido anteriormente. “[…] Today, the term ‘medicalization’ is seen as multidimensional in both meaning and scope, encompassing increasing applications to understandings of the human condition […]” (Ballard, 2005)3. Esta autora propõe uma abordagem social ao problema em questão, sendo que aborda o papel das

3

Citado in Gloria Wright (2012)

10

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

instituições como a família e a religião no constrangimento dos indivíduos e das suas tendências comportamentais, sendo aqui a instituição escola fundamental para a análise, bem como a medicina. É afirmado que estes distúrbios não são estáticos, ou seja, tanto existe a possibilidade de deixar de serem medicados como, podem vir a ser re-medicados. Esta afirmação de Wright (2012) encontra-se intrinsecamente relacionada com o objetivo especifico desta proposta de investigação que é o de perceber os impactos a longo prazo da medicalização infantil. ADHD tem sido alvo de diversas criticas e perspetivas quanto ao seu entendimento e compreensão, por exemplo Cohen (2006) considera a medicalização de ADHD como uma forma de colonização das crianças – “[…] ADHD and its commom form of treatment, Ritalin, as a marker of the psychiatric colonization of childhood […]” (Cohen, 2006) – enquanto Goodman (2002) refere que este distúrbio é uma consequência do pós modernismo – “[…] that ADHD is a postmodern condition reflecting what he describes as a “short attention span culture” […]” (Goodman, 2002). Assim, segundo a autora temos de um lado uma perspetiva e análise biológica versus uma perspetiva de construção social do fenómeno da medicalização em casos de ADHD, sendo a segunda focada neste trabalho, de forma a dar resposta a um dos objetivos teóricos e hipóteses teóricas relativos aos fatores que estão na base deste problema. Logo, esta perspetiva analisa os significados e experiências que são atribuídos pelo agente social que está diretamente envolvido com o problema e as reações sociais ao mesmo. O que importa aqui, são os diferentes significados que são atribuídos de acordo com um contexto social ao comportamento das crianças, ou seja, estes significados variam de sociedade para sociedade, levando ao surgimento de diversas interpretações sociais da anormalidade. “[…] Beyond challenging medical domination, social constructionism is also used to explain social phenomena […]” (Wright, 2012), ou seja, a autora refere que não existe uma teoria social construtivista única acerca deste fenómeno, mas sim múltiplas e diversas análises sobre as perspetivas e significados que são atribuídos de acordo com um contexto a este distúrbio quer por parte dos indivíduos, quer pela sociedade. Apesar deste fenómeno ser genericamente categorizado como - “[…] problematic social behaviour […]” (ibidem) – um problema de comportamento social, que é apresentado de diversas formas explicando o facto de, atualmente, ser visto de 11

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

múltiplas maneiras contrastantes. “[…] I contend that ADHD remains an enigma that most people have a definite opinion about; a ‘condition’ which blankets the globe in all manner of ways, leaving most who would analyse the wide variety of views sure of little more than to be ‘ADHD’,is to be “different” […]” (Ibidem). Quanto à relevância deste estudo, podemos associar ao mesmo fragilidades que se podem impor como obstáculos na execução e aplicação desta proposta de investigação, são eles o caso de haver uma pluralidade de definições e perspetivas dos profissionais de saúde na definição e diagnostico de ADHD, bem como o facto de não haver uma base de apoio escolar. Como já foi referido anteriormente existem outras formas de tratamento deste tipo de comportamentos, passando pelo ajustamento das decisões e comportamentos parentais, bem como formas de apoio e formas de ensino alternativas ou complementares que podem ser adotadas pelos professores, deste modo, torna-se questionável se o sistema de ensino da sociedade contemporânea – mais precisamente, o sistema de ensino português – oferece este tipo de ajuda complementar. Contudo esta informação torna-se de difícil acesso, levantando outras questões relacionadas com as diferenças entre o ensino privado e o ensino público – remetendo para a pertinência da categorização sociodemográfica e inclusive para compreender as diferenças entre a quantidade de diagnósticos que são realizados em crianças de classe alta e crianças de classe baixa. Existe ainda um certo estigma em relação a este fenómeno bem como pouca pesquisa teórica e sistemas de apoio a jovens que possuam este distúrbio, havendo uma tendência do senso comum para os categorizar como “mal comportados” ou “pouco interessados” nas matérias e no processo de aprendizagem. Em termos metodológicos, pode ser difícil aplicar uma abordagem mista – inquéritos por questionário e entrevistas – devido aos recursos existentes, falta de tempo para recolha e análise de informação, podendo ser esta uma fragilidade desta proposta de investigação, uma vez que seria necessário realizar uma abordagem longitudinal de forma a avaliar os impactos da medicação prescrita, rendimento escolar e estabelecimento de relações interpessoais. Em suma, seria preciso um acompanhamento alargado de um determinado grupo de crianças. O interesse também que surgiu para realizar uma proposta de investigação incidindo sobre este tema está relacionada com o facto de, no contexto Português, este tópico do ADHD (défice de atenção de Hiperatividade) ser ainda encarada com um 12

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

certo estigma e preconceito, além de existir uma escassa oferta de trabalhos/estudos sobre o mesmo. Tal pode revelar-se como sendo um obstáculo na prossecução desta proposta de investigação pois é um terreno ainda um pouco desconhecido na Sociologia e, mais especificamente na Sociologia da Saúde e da Doença, ou seja, não existe uma base de apoio ou um algo sustentável que analise os impactos que a prescrição de medicação para este distúrbio de comportamento tem nas crianças, quer a curto ou longo prazo. Apesar de se apresentar como uma tarefa complicada e difícil devido às fortes opiniões dos profissionais de saúde e ao seu conhecimento pericial, torna-se importante tentar compreender este fenómeno e, apesar do tema da proposta se focar e centralizar na medicalização infantil o papel dos pais nestes diagnósticos também é de extrema relevância.

IV. Quais os dados a utilizar e formas de análise Como já foi referido, esta proposta de investigação passa por uma metodologia mista em que são combinados métodos quantitativos e qualitativos. Primeiramente é importante mencionar a utilização e realização de uma revisão de literatura de acordo com o objeto de estudo, sendo a mesma exposta no capítulo III deste trabalho e acompanhada e baseada numa pergunta de partida direcionada para o objeto de estudo. Após a realização da revisão de literatura e seleção dos autores que melhor se adequam ao tema em si, foi apresentado um modelo de análise onde são expostas as diversas variáveis que irão ser abordadas e analisadas. É de acrescentar que esta revisão de literatura é encarada como sendo uma fonte secundária de informação – proporcionando um estudo orientado – e teve como auxílio diversas bases de dados credíveis e fidedignas como o Google Académico, Scielo, B-on e a base de base de dados da Faculdade de Letras e de Medicina. Numa pesquisa de caráter quantitativo a teoria é vista como uma explicação ampla, ou seja, uma lente teórica que pode levantar questões ao longo do trabalho – tal foi o caso devido à escrita e seleção de Objetivos gerais e específicos e Hipóteses Teóricas. Para a aplicação deste tipo de metodologia seriam aplicados Inquéritos por questionário, dado que os mesmos são uma fonte primária de recolha de informação. Estes seriam aplicados aos pais das crianças que fossem diagnosticadas com ADHD, sendo o mesmo essencial 13

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

para uma caracterização sociodemográfica que iria ser essencial para a resposta a alguns dos objetivos de pesquisa e Hipóteses teóricas. No inquérito poderiam ser aplicadas escalas de Lickert para compreender de que forma o comportamento das crianças estava a afetar o seu rendimento escolar e estabelecimento de relações interpessoais, mas também, questões fechadas em que seria abordado o número de vezes que os pais já tinham recorrido a profissionais de saúde quer de Medicina Geral quer de especialidade como a Psiquiatria. Em suma, o inquérito seria direcionado para perceber a perspetiva dos pais face ao problema do ADHD, sendo selecionada uma amostra de vinte indivíduos. Pensando nos recursos disponíveis e tempo para análise de dados, seria utilizado instrumentos de análise como o SPSS – programa característicos das Ciências Sociais – para ser possível realizar um cruzamento de variáveis como por exemplo o nível de escolaridade dos pais e o número de vezes que recorreram a profissionais de saúde, ou ainda um cruzamento entre a quantidade de medicamentos que são tomados pelas crianças face ao seu rendimento escolar. O inquérito seria auto administrado a uma amostra de caráter não probabilístico por quotas, em que seriam selecionados dez indivíduos de estratos sociais distintos de forma a melhor conseguir uma comparação para teste de hipóteses teóricas. Ainda mantendo a lógica de uma abordagem quantitativa os resultados obtidos através do inquérito por questionário seriam comparados com dados estatísticos de fontes secundárias, ou seja, dados previamente tratados sobre o tema, proporcionando uma comparação ao nível europeu evidenciando desigualdades ou disparidades entre vários países, através de bases como o InfarMed, EuroPharm, APA e AAC 4 e a HealthLine.5 Relativamente à parte qualitativa da proposta de investigação, seriam aplicadas entrevistas semiestruturadas aos profissionais de saúde, mais precisamente médicos de família – Medicina Geral – e Psiquiatras/Psicólogos, com o objetivo de compreender a perspetiva dos mesmos sobre o ADHD, se houve um aumento de diagnósticos ou não – caráter subjetivo – bem como, procurar perceber se são utilizadas outras abordagens complementares face à prescrição de medicação. A entrevista seria semiestruturada de modo ao entrevistado ao longo da mesma possuir a oportunidade de acrescentar informação que este possa considerar relevante sobre o tema em questão.

4

Ver Anexo 2, relativo à timeline criada pela APA e AAC (2016), face a medicamentos, consequências e impacto na sociedade contemporânea dos diagnósticos de ADHD. 5 Ver Anexo 3, 4 e 5 sobre os principais dados estatísticos sobre ADHD no contexto Americano.

14

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

Para a análise das entrevistas, estas iriam ser gravadas, mas mantendo sempre a lógica do anonimato, sendo posteriormente transcritas para uma análise de conteúdo mais aprofundada, em que seriam utilizadas no corpo do trabalho as perspetivas destes profissionais face ao tema em questão, com efeito iria ser selecionada uma amostra de cinco individuos, de forma a comprovar ou não aquilo que é afirmado quer estatisticamente, quer através da literatura utilizada. Em suma, ao propor uma pesquisa mista, combinando estratégias destes dois métodos de pesquisa referidos anteriormente, seria possível obter uma melhor perceção quer dos pais das crianças com este diagnóstico, quer dos profissionais de saúde acerca da evolução do mesmo e do seu impacto das sociedades contemporâneas atuais, produzindo assim uma análise de dados mais “rica” e aprofundada sobre a questão.

15

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

V.

Bibliografia

Rafalovich, Adam (2010) – The conceptual history of attention deficit hyperactivity disorder:idiocy, imbecility, encephalitis and the child deviant. Routledge. Deviant Behavior: An interdisciplinar jornal.

American Academy of Child

& Adolescent Psychiatry and American Psychiatric

Association (2013) – ADHD: parents medication Guide. Elaine Schlosser Lewis Fund. Malacrida, Claudia (2004) – Medicalization, ambivalence and social control: mother’s descriptions of educators and ADD/ADHD. SAGE publications. University of Lethbridge, Canada. Conrad, Peter (2005) – The shifting engines of medicalization. Journal of Health and Social Behavior, Vol. 46. Brandeis University.

Conrad, Peter (1976). Identifying hyperactive children: the medicalization of deviant behavior / Peter Conrad ; foreword by Mark A. Stewart. Lexington, Mass.: Lexington Books. Wright, Gloria (2012) – ADHD perspectives: medicalization and ADHD connectivity. The university of Sydney. Wyatt, Joseph (2013) – Medicalization of depression, anxiety, schizophrenia, ADHD, childhood bipolar disorder and tantrums: scientific breakthrough, or broad-based delusion?. Vol. 1, Marshall University, USA. Whitaker, Robert (2005) – Anatomy of na epidemic: psychiatric drugs and the astonishing rise of mental illness in america. Cambridge, MA. Ethical Human Psychology and Psychiatry, Vol. 7, Nº 1.

16

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

ANEXO 1 – Diferenças de sintomas entre rapazes e raparigas segundo a Healthline (2016)

17

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

ANEXO 2 – Timeline relativo aos medicamentos, sintomas e consequências de ADHD segundo a APA e a AAC (2016)

18

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

ANEXO 3 – ADHD e a percentagem de diagnósticos nos EUA segundo a Healthline (2016)

19

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

ANEXO 4 – ADHD associado à condição económica nos EUA segundo a Healthline (2016)

20

Sociologia da Saúde e da Doença Proposta de Investigação

ANEXO 5 – Estados com maiores taxas de tratamento versus Estados com menores taxas de tratamento, através de medicamentos de ADHD nos EUA, segundo a Healthline (2016)

21

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.