MEDIDA PROVISÓRIA E COISA JULGADA

July 6, 2017 | Autor: Edilton Meireles | Categoria: Direito Processual Civil, Coisa Julgada, Medidas Provisórias
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MEDIDA PROVISÓRIA E COISA JULGADA

MEDIDA PROVISÓRIA E COISA JULGADA Revista de Processo | vol. 97 | p. 157 | Jan / 2000 DTR\2000\92 Edilton Meireles Área do Direito: Geral Sumário: 1.Introdução - 2.Da sentença normativa - 3.Da medida provisória 1. Introdução Com a introdução da medida provisória no rol das espécies normativas, com as características que lhe foram impostas pela Lei Magna, situações antes não presentes podem surgir a partir da perda de sua eficácia. Neste trabalho trataremos de um desses aspectos: a possibilidade da formação da coisa julgada em decisão prolatada com fundamento em medida provisória que não é convertida em lei. Situação muito próxima, por sua vez, já ocorria, há mais tempo, no âmbito trabalhista, pois a sentença normativa, proferida em dissídio coletivo, também, tem plena eficácia a partir de sua publicação, podendo ser reformada ou tornada ineficaz por decisão posterior, em grau de recurso. 2. Da sentença normativa Como se sabe, a sentença normativa é ato legislativo exercido pelos tribunais trabalhistas. Sua vigência e aplicação se iniciam com a intimação das partes da decisão proferida em dissídio coletivo, podendo ter efeito retroativo em seus aspectos financeiros. Dispõe, por outro lado, o art. 6.º, § 3.º, da Lei 4.903/65, que "o provimento do recurso (no dissídio coletivo) não importará restituição dos salários e vantagens pagos na execução do julgado". Ao assim dispor, o legislador equiparou a sentença normativa ao antigo decreto-lei, que gozava de plena eficácia desde sua publicação, não implicando na nulidade dos atos praticados durante a sua vigência, ainda que rejeitada posteriormente pelo Congresso Nacional (art. 55, § 2.º, CF (LGL\1988\3)/67-69). Quis o legislador conferir plena eficácia à sentença normativa, ainda que não "transitada em julgado" a decisão. Tem, assim, a sentença normativa, plena eficácia desde sua publicação. Sua reforma posterior, por decisão do juízo recursal, equipara-se, desse modo, a ato de revogação da lei. A norma que era aplicável (a sentença normativa), deixa de ser por novo ato normativo (a decisão recursal), que lhe altera ou revoga. A decisão recursal, assim, deve ser encarada como uma nova lei, que, por incompatibilidade, revoga a anterior. Durante sua vigência, no entanto, goza de plena eficácia. Mesmo a decisão recursal que julga extinto o processo sem julgamento do mérito, data venia, deve ser encarada como uma nova norma que revoga a anterior. Ela funciona como uma lei nova que revoga uma anterior, ainda que não discipline de forma diversa a matéria regulada nesta (norma revogada). Isso porque, a lei é clara em afirmar que "o provimento do recurso (no dissídio coletivo) não importará restituição dos salários e vantagens pagos na execução do julgado". Se o legislador não distinguiu o conteúdo do provimento recursal (se extintiva do feito ou apenas reformadora da decisão recorrida), não cabe ao juiz discriminar. Discordamos, assim, do Juiz Nylson Sepúlveda, para quem, a decisão recursal que extingue o dissídio coletivo, antes de revogar a sentença normativa recorrida, faz com que esta deixe de existir, "como se nunca tivesse sido proferida".1 Página 1

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Existem, no entanto, situações em que a sentença normativa deve ser tida como inexistente, jamais gerando qualquer efeito. Seria, por exemplo, a sentença normativa proferida por órgão absolutamente incompetente. Neste caso, o decreto judicial sequer ingressa no mundo jurídico, assim como a lei inconstitucional. 2Não é a hipótese, pois, de se aplicar a regra do art. 6.º, § 3.º, da Lei 4.903/65. Da mesma forma que o decreto-lei editado por Ministro de Estado não tinha qualquer eficácia jurídica, por inconstitucionalidade formal, a sentença normativa proferida por órgão incompetente, não tem o condão de gerar qualquer efeito normativo. Entendendo-se, por sua vez, a sentença normativa como ato fruto do exercício do poder legislativo conferido à Justiça do Trabalho, a inconstitucionalidade de qualquer de seu dispositivo acarreta na sua ineficácia desde sua edição. Ou seja, não gera qualquer efeito. 3 Diante dessas conclusões, a decisão prolatada em ação individual, fundada em cláusula de sentença normativa antes mesmo dessa "transitar em julgado", não é afetada com a modificação ou nulidade desta (sentença normativa). Transita em julgado, assim, a sentença individual, de modo eficaz, independentemente do trânsito em julgado daquel'outra, não podendo ser rescindida sob a alegação de que se baseou em provimento ineficaz. E mais. Independentemente da reforma ou não da sentença normativa, enquanto em vigor, ela produz efeito de pleno direito, podendo o interessado exigir a aplicação da norma sujeita a recurso às situações ocorridas ao tempo de sua vigência, ou seja, antes de proferida a decisão recursal que lhe revogou. A decisão recursal, pois, somente passa a vigorar a partir de sua publicação, ainda que seja para reduzir salários. Antes dela, aplicável, de pleno direito, às situações ocorridas a este tempo, a sentença normativa recorrida. 3. Da medida provisória Como se sabe, a medida provisória tem plena eficácia e vigência desde sua edição, mas perde todos os seus efeitos se não convertida em lei pelo Congresso Nacional (art. 62, par. ún., CF/88 (LGL\1988\3)). Pode ocorrer, no entanto, de determinada medida provisória servir de fundamento à sentença, que vem a transitar em julgado. Ou ainda - o que é mais factível de ocorrer -, que uma medida provisória revalidada, que ratifica, inclusive, os atos praticados na vigência da anterior, sirva de fundamento à decisão transitada em julgado. As questões que se colocam são: essa decisão transita em julgado? Se transita em julgado, pode ser rescindida? Se positiva a resposta anterior, sob qual fundamento se pode rescindir a decisão diante do rol taxativo do art. 585 do CPC (LGL\1973\5)? Na sentença o juiz aplica o direito ao caso concreto. Profere decisão, fazendo incidir o direito ao fato que lhe é levado a conhecimento (art. 126, CPC (LGL\1973\5)). O direito a ser aplicado, por sua vez, é aquele vigente e eficaz à época do fato ocorrido, devendo o juiz, entretanto, conhecer do direito superveniente se lhe tem pertinência (art. 303, CPC (LGL\1973\5)). "Julgar quer dizer valorar um fato do passado como justo ou injusto, como lícito ou ilícito, segundo o critério de julgamento fornecido pelo direito vigente, enunciando, em conseqüência, a regra jurídica concreta destinada a valer como disciplina do caso (fattispecie) em exame". 4 Mas, quando se fala em direito vigente, estar-se a se referir ao direito não sujeito a qualquer condição resolutiva. Em suma, ao juiz cabe aplicar o direito, a norma de eficácia plena à época do fato trazido ao seu conhecimento para deliberação. E não se pode admitir o contrário, pois a função do julgador é, justamente, a de proferir uma sentença, que, transitada em julgado, encerre a controvérsia, o litígio, o conflito de interesses que gerou a ação judicial. Em suma, como ensina Liebman, ao juiz incumbe editar "a regra jurídica concreta destinada a valer como disciplina do caso ( fattispecie) em exame". Julgar, por sua vez, com fundamento em lei sujeita a condição resolutiva, não é pôr fim ao conflito objetivo maior da jurisdição e da sentença. A sentença fundada em norma sujeita à condição resolutiva põe termo ao processo e, eventualmente, ao conflito, se a condição resolutiva da Página lei não 2

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lhe retirou a eficácia, como quem referendando a decisão, mas essa remota possibilidade não impõe a regra de que possa julgar com base em tais diplomas legais. E a medida provisória é uma norma de eficácia precária, pois sujeita à condição resolutiva, qual seja, sua rejeição pelo Congresso Nacional. Assim, se implantada a condição resolutiva - rejeição da medida provisória pelo Parlamento -, ela perde seu efeito, só que de forma retroativa, conforme mandamento constitucional. A rejeição parlamentar do decreto-lei, no entanto, funcionava como espécie de ato normativo que revoga lei anterior, pura e simplesmente. Daí se tem, então, que o juiz não pode sentenciar com base em norma jurídica pendente de condição resolutiva, sob pena de decidir condicionalmente, o que é vedado por nosso ordenamento jurídico (par. ún., o art. 460, CPC (LGL\1973\5)). Em outras palavras, ao decidir com fundamento em medida provisória, o juiz dirá, por exemplo, que, se a medida provisória for convertida em lei, o direito acolhe o pedido da inicial; se, entretanto, a medida provisória for rejeitada pelo Congresso Nacional, o pedido é improcedente. Não se pode, ainda, se sentenciar no aguardo de que o Congresso Nacional possa, ainda que rejeitando a medida provisória, convalidar os atos já praticados, disciplinando, assim, as relações jurídicas delas decorrentes (par. ún., in fine, do art. 62, da CF/88 (LGL\1988\3)), pois se estará, com muito mais razões, julgando-se sob condição. Sob condição, incerta e futura, de que o Congresso possa disciplinar essas relações jurídicas e, ainda, de modo a convalidar os negócios jurídicos realizados ao tempo de sua vigência. E o Congresso não é obrigado a disciplinar essas relações jurídicas, muito menos convalidá-las. Daí se tem que o juiz está impossibilitado de julgar com fundamento em medida provisória. Admite-se, porém, o deferimento da tutela antecipada, já que pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo (§ 4.º, art. 273, CPC (LGL\1973\5)), ou, ainda, a concessão de medidas liminares tendentes a resguardar o resultado útil do processo, pois estas não transitam em julgado. Se porventura, diante dessa conclusão, ainda assim, o juiz sentenciar, vindo a transitar em julgado sua decisão, esta pode ser rescindida, pois violadora do dispositivo legal que impede a prolação de sentença condicional. - arts. 485, V, e 460, parágrafo único, do CPC (LGL\1973\5). A ação rescisória, entretanto, perderá seu objeto, carecendo o autor de interesse, se, no seu curso, a medida provisória for convertida em lei, pois, conquanto a sentença tenha sido condicional, ela perdeu essa característica, não havendo mais razão ou interesse para sua rescisão. E esse entendimento, inclusive, compatibiliza-se com o princípio da instrumentalidade e do aproveitamento dos atos processuais que não acarretam nulidade. É o que me parece ser.

(1) Questões controvertidas em ação rescisória, in Processo do Trabalho, coord. Rodolfo Pamplona Filho, São Paulo : LTr, 1997, p. 448. (2) Aliás, somos do entendimento que a sentença normativa é ato legislativo, nada tendo de jurisdicional, ainda que proferido por órgão do Poder Judiciário. Sendo norma estatal, a ela se aplicam, portanto, todas as regras de aplicação, vigência e eficácia das demais normas jurídicas estatais, inclusive quanto a possibilidade de ataque pela ação direta de inconstitucionalidade. (3) A respeito, cf., de nossa autoria, O Poder Legislativo da Justiça do Trabalho, in Revista Ciência Jurídica do Trabalho, n. 7, julho/98, Minas Gerais : Nova Alvorada Edições, 1998, p. 128-138. (4) Enrico Tullio Liebman. Manual de direito processual civil, v. I, trad. Cândido Rangel Dinamarco, 2. ed., Rio de Janeiro : Forense, 1985, p. 6.

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