Medidas em Ciências Humanas. Reflexões e questionamentos

July 5, 2017 | Autor: Antonio Roazzi | Categoria: Psychological Assessment, Statistics, Assessment, Avaliação Psicológica
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PSICOLOGIA: CONCEITOS, TÉCNICAS E PESQUISAS VOLUME i Este primeiro volume da coletânea Psicologia. Conceitos, técnicas e pesquisas aborda três tópicos da Psicologia: Teoria Cognitiva, Avaliação Psicológica e Humanismo/Existencialismo. A coletânea pretende, a cada volume, apresentar avanços e discussões sobre os diversos campos teórico-práticos da Psicologia. Os capítulos procuram ir mais além do que a pergunta que geralmente é feita por estudantes e novos profissionais sobre "como se faz?", ampliando as discussões para o âmbito do "por que se faz?". O leitor encontra na primeira parte deste volume: aspectos fundamentais das terapias analítico-comportamental e cognitivo-comportamental, bem como a proposição de instrumentais para utilização nestas; discussões teóricas sobre teorias do desenvolvimento envolvidas na cognição humana (teoria do apego, interação social, desenvolvimento do self, autoconsciência e teoria da mente). Na segunda parte, reflexões e questionamentos em torno da mensuração em Psicologia; o uso da Teoria de Resposta ao Item na medida psicológica; assim como resultados de pesquisa psicométrica. A terceira parte envolve três importantes reflexões no espectro do Humanismo e Existencialismo: uma mais aplicada à atuação clínica e as demais de cunho epistemológico na relação Psicologia e Filosofia. Um elenco de textos abrangente, oportuno e prático que pode ser útil tanto à pesquisa de estudantes como ao trabalho de psicólogos ou profissionais de áreas afins interessados em avanços teórico-metodológicos e discussões epistemológicas do conhecimento na área. Apresenta-se útil tanto na graduação quanto na pós-graduação, assim como para programas de formação em geral.

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EDITORA CRV

PSICOLOGIA: CONCEITOS,TÉCNICAS E PESQUISAS VOLUME i

Ronald Taveira da Cruz Estefânea Elida da Silva Gusmão Organizadores

EDITORA CRV

Ronald Taveira Estefânea Elida da Silva Gusmão (Organizadores)

PSICOLOGIA, CONCEITOS, TÉCNICAS E PESQUISAS VOL. I

EDITORA CRV Curitiba - Brasil 2013

Copyright © da Editora CRV Ltda. Editor-chefe: Railson Moura Diagramação e Capa: Editora CRV Revisão: Os Autores Conselho Editorial: Prof. IV. Andreia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR - RO) Prof. Dr. António Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Prof. Dr. Carlos Federico Dominguez Ávila (UnB - DF) Prof. Dr". Carmen Tereza Velanga (UNIR - RO) Prof. Dr. Celso Conti (UFSCAR - SP) Prof. Dr". Gloria Farinas León (Universidade de La Havana -Cuba) Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Prof. Dr. Guillermo Árias Beatón (Universidade de La Havana - Cuba) Prof. Dr. João Adalberto Campato Júnior (FAP - SP) Prof. Dr. Jailson Alves dos Santos (UFRJ)

Prof. Dr. Leonel Severo Rocha (URI) Prof. Dr". Lourdes Helena da Silva (UFV) Prof. Dr". Josania Portela (UFPI) Prof. Df. Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UNIR - RO) Prof. Dr. Paulo Romualdo Hemandes (UNffAL - MG) Prof. Dr". Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFS) Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus (IFRO) Prof. Dr". Solange Helena Ximenes-Rocha (UFPA) Prof. Dr". Sydione Santos (UEPG PR) Prof. Dr. Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA) Prof. Dr". Tânia Suely Azevedo Brasileiro (UNIR - RO)

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÂO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P969 v. l Psicologia: conceitos, técnicas e pesquisas: volume l / Ronald Taveira da Cruz, Estefãnea Elida da Silva Gusmão (org.). - 1. ed. - Curitiba, PR: CRV 2013 268p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8042-646-5 1. Psicologia 2. Psicoterapia 3. Comportamento humano. I. Cruz, Ronald Taveira da II. Gusmão, Estefãnea Elida da Silva. 13-1603.

13.03.13 18.03.13

CDD: 155 CDU: 159.92 043444

2013 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004. Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV Tel.: (41) 3039-6418 www.editoracrv.com.br E-mail: [email protected]

SUMARIO PREFÁCIO. PARTE 1 Teoria Cognitiva. CAPÍTULO 1 TERAPIAANALÍTICO-COMPORTAMENTAL E COGNITIVOCOMPORTAMENTAL: aspectos fundamentais

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Melyssa Kellyane Cavalcanti Galdino, Nilse Chiapetti, Giovanna Wanderley Petrucci Toscano, Mariana Bandeira Formiga

CAPÍTULO 2 ATERAPIACOGNITIVO-COMPORTAMENTAL E SEU PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

39

Estefânea Elida da Silva Gusmão, Elba Celestino do Nascimento Sá, Hysla Magalhães de Moura, Maria Irenilda Rodrigues de Souza, Thayro Andrade Carvalho

CAPÍTULO 3 PROBLEMAS COMPORTAMENTAIS EM CRIANÇAS: manejo sob estratégias da psicoterapia analítico-comportamental

57

Paloma Cavalcante Bezerra de Medeiros, Jandilson Avelino da Silva, Nilse Chiapetti, Ernandes Barbosa Gomes

CAPÍTULO 4 PENSAMENTO E LINGUAGEM: a capacidade de "calcular" e as psicopatologias

71

Ronald Taveira da Cruz, Deivison Miranda Sales

CAPÍTULO 5 O SIGNIFICADO DO APEGO E DA INTERAÇÃO SOCIAL NO DESENVOLVIMENTO DO SELF, AUTOCONSCIÊNCIA E TEORIA DA MENTE

109

António Roazzi, Alexsand.ro Medeiros do Nascimento, Estefânea Elida da Silva Gusmão

147

CAPÍTULO 1 MEDIDA EM CIÊNCIAS HUMANAS: reflexões e questionamentos

145

PARTE 2 Avaliação Psicológica

António Roazzi, Maria Waleska C. Lopes de Andrade, Leonardo Rodrigues Sampaio

CAPÍTULO 2 PSICOMETRIA: utilização da teoria de resposta ao item em cinco métodos diferentes de equalização

175

Girlene Ribeiro de Jesus, Dalton F. Andrade, Camila Akemi Karino, Fabiana Queiroga

CAPÍTULO 3 ESCALA DE ATITUDES ANTE O USO DE DROGAS (EAAUD): adaptação e evidências de validade e precisão em estudantes piauienses

193

Emerson Diógenes de Medeiros, Valdiney Veloso Gouveia, Rildésia Silva Veloso Gouveia, Renan Pereira Monteiro, Paulo Gregórío Nascimento da Silva, Tiago Jessé Souza de Lima

PARTE 3 Humanismo

209

CAPÍTULO 1 DO LABORATÓRIO À ELABORAÇÃO, IMPLICANDO O SABER/FAZER CLÍNICO: o cuidado, o sentido, a travessia, a oficina e a supervisão

211

Dimítri Cario Gabriel

CAPÍTULO 2 A PSICOLOGIA ONTOLÓGICA DE MERLEAU-PONTY

227

Ronald Taveira da Cruz, Neemyas Kerr Batalha dos Santos, Jeferson Menezes de França

CAPÍTULO 3 PSICOLOGIA E FILOSOFIA: consciência e liberdade na filosofia de Sartre

239

Luciano Donizetíi da Silva

SOBRE OS AUTORES

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CAPITULO l

MEDIDA EM CIÊNCIAS HUMANAS: reflexões e questionamentos António Roazzi Maria Waleska C. Lopes de Andrade Leonardo Rodrigues Sampaio

O que mensuramos e por quê? Na atualidade, as ciências humanas preocupam-se com o comportamento humano, visam explicar suas causas e tomam como base observações que podem ser caracterizadas por serem mais ou menos sistemáticas. A construção de "modelos explicativos" do comportamento é um processo essencialmente indutivo, baseado em observações empíricas e em intuições acerca do comportamento esperado em variadas situações. A ciência, tida como um conjunto de atividades que são essencialmente sociais e analíticas, usa, desde sua origem na modernidade, a mensuração como forma de conhecer e demonstrar o conhecimento. O presente ensaio objetiva discutir alguns problemas gerais e implicações que dizem respeito ao processo de mensuração nas ciências humanas e particularmente na Psicologia. Para tanto, procura primeiro conhecer como o conceito de mensuração vem se constituindo ao longo da história ou como diversos estudiosos vêm pensando e discutindo a questão sobre a utilização de medidas nas ciências humanas. Não se trata aqui de um estudo historiográfico, mas apenas da tentativa de situar a questão da mensuração em um contexto próprio às ciências humanas. Para tanto, será realizado um levantamento envolvendo abordagens científicas que desenvolveram teorias sobre a mensuração e/ou medidas baseadas em teorias, ao elaborarem modelos que buscam explicar a estrutura e a direção das relações entre construtos psicológicos e suas medidas.

O conceito de medida A questão relativa à mensuração não é nova. Uma avaliação quantitativa, mesmo que de caráter aproximado, sempre existiu de alguma forma na historia do ser humano. Provavelmente, desde o homem pré-histórico as pessoas devem ter expressado de alguma forma que uma determinada coisa é maior do que outra, que isto é mais leve do que aquilo etc. É difícil que expressões deste tipo não apresentem, de alguma forma, aspectos "quantificacionais". Um avanço notável ocorreu quando as pessoas começaram a recorrer a avaliações mais precisas, introduzindo o conceito de medida e operando uma correspondência entre cada grandeza considerada como um número. A partir deste momento,

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começou-se a dizer que um determinado tecido era de tantos "côvados"18, que tal produto pesava tantas "almudes"19 etc. Isto tudo pareceu ter, sobretudo, uma utilidade bastante prática. Mais especificamente, no dia a dia das pessoas, o numero que expressava a medida era utilizado para fixar a quantia de dinheiro que se devia dar para adquirir algo. Entretanto, uma primeira revolução que se pode chamar de verdadeiramente científica, ocorreu quando a geometria demonstrou que, entre os números que expressavam determinados tamanhos e aqueles que expressavam outros, mesmo que de tipos diferentes, existiam relações matemáticas precisas, necessárias. Por exemplo, quando passou-se a considerar as relações que existem entre comprimentos, áreas e volumes. Neste processo histórico de desenvolvimento das técnicas de mensuração é importante relembrar que aquela que hoje se denomina de revolução científica iniciou cinco séculos atrás, principalmente por mérito de Galileu, levando a descobrir de forma clara um novo método para estabelecer relações quantitativas necessárias entre as coisas da natureza: o método experimental. Através do mesmo era possível demonstrar que entre as mensurações das diferentes medidas que intervêm em um determinado fenómeno existem sempre determinadas relações matemáticas, as quais, em seguida, foram denominadas de leis físicas. Desde a Antiguidade, os grandes pensadores têm tratado a mensuração com vistas a estabelecer não somente sua importância para o conhecimento, como também para oferecer um critério unívoco deste conceito. Pode-se então dizer que a história da busca de conhecimento converge com a questão da mensuração. Por exemplo, Héyilghen (1993) cita que já nas obras de Platão e de Aristóteles concepções distintas demarcariam a questão da mensuração: de um lado havendo o que se poderia chamar de um caráter absoluto: ideias ou formas universais que existiriam independentemente de qualquer sujeito empenhado num esforço para apreendê-las, esta seria a proposta de Platão; de outro lado, encontrava-se a ênfase nos métodos lógicos e empíricos dada por Aristóteles. Hoje, analisando o passado, autores como Héyilghen (1993) observam que estas concepções clássicas foram retomadas no Renascimento, constituindo dois posicionamentos principais: o racionalismo que aponta o conhecimento como o produto de uma reflexão racional e o empirismo, que prega a percepção sensória como forma de conhecer. Pode-se afirmar que atualmente as ciências experimentais fundamentam-se no empirismo e, segundo atesta Héyilghen (1993), na teoria da correspondência com o reflexo. Tal teoria propõe uma espécie de mapeamento ou reflexo dos objetos externos através dos órgãos sensórios (possivelmente com o uso de diferentes instrumentos de observação) para o cérebro e/ou para a mente. Dessa forma, a realidade não teria uma existência a priori (como em Platão), mas seria desenvolvida 18 19

Còvado: No Egito antigo, o côvado era uma medida retirada da distância entre o cotovelo e as pontas dos dedos. Correspondia a dezoito polegadas (45 centímetros). Almude: Antiga medida de capacidade (cereais e líquidos) que levava 12 canadas ou 48 quartilhos equivalente a cerca de 16,8 litros. No sistema métrico decimal corresponde a 25 litros.

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pela observação contínua e absoluta. Qualquer peça de conhecimento que fosse proposta, supostamente deveria corresponder a uma parte da realidade externa ou interna à pessoa. Na prática, o conhecimento absoluto poderia nunca ser alcançado, sendo, contudo, de alguma forma concebível como o limite de reflexos sempre mais precisos da realidade. Entretanto, uma síntese entre o racionalismo e o empirismo foi proposta por Emmanuel Kant (1787/2002). O conhecimento, para este filósofo, seria o resultado da organização de dados perceptivos com base em estruturas cognitivas inatas, as categorias. No que diz respeito à mensuração, Kant distinguia as grandezas extensivas, susceptíveis de serem decompostas em partes e diretamente mensuráveis, das grandezas intensivas, determinadas por via indireta e susceptíveis de serem descritas por relações de ordem. A partir desta dicotomia, segue-se a exclusão tanto da operação de contagem, que pode ser a mais antiga forma de conhecimento do mundo, como do conceito de probabilidade de um evento, que constitui uma estratégia racional para mensurar a incerteza dos fenómenos da natureza (SIEGEL, 2006). As várias abordagens que se desenvolveram no início do século XX, dentro da linha que se convencionou chamar de pragmática - o positivismo lógico, o convencionalismo e a interpretação de Copenhagen da mecânica quântica - geraram novas discussões sobre o problema da medida. O conhecimento passa a ser convencionado em modelos que procuram representar o meio externo sem, no entanto, chegar jamais a capturar toda a informação relevante. Aliás, um bom modelo é tido como sendo aquele que maximiza a simplificação na resolução de problemas, pois modelos complexos (com demasiadas informações) não seriam de fácil aplicação prática. Um modelo deve ser escolhido conforme o critério de ser passível de produzir predições corretas ou aproximadas, às quais possam ser testadas na solução de problemas. Ainda conforme explica Héyilghen (1993), a ideia de modelos implica a existência em paralelo de diferentes modelos, mesmo que estes pareçam contraditórios entre si. O modelo a ser escolhido depende do problema a ser resolvido. O critério básico para a escolha de um modelo tem sido o de que este seja capaz de produzir predições corretas ou aproximadas que possam ser testadas ou ainda soluções para problemas. Critica-se esta linha de abordagem ao argumentar-se sobre o fato de que não se obtém uma resposta clara às perguntas: de onde vêm os modelos? Ou o conhecimento? Inclui-se nestas críticas também o fato de que tais abordagens assumem implicitamente que os modelos são construídos de partes de outros modelos e/ ou de dados empíricos produzidos através de ensaio e erros, heurísticas ou intuições (HÉYILGHEN, 1993). Para compreender-se como se apresenta atualmente a questão sobre a mensuração, é preciso distinguir também um conjunto mais radical de abordagens denominado de "construtivismo". Para este, o conhecimento é construído a partir de e pelo sujeito. Nada é dado, nem os dados empíricos objetivos ou fatos, nem as categorias inatas ou estruturas cognitivas. Rejeita-se a ideia de correspondência ou reflexão da realidade externa. Todavia, conforme destaca Héyilghen (1993), pôr em causa a não correspondência entre o modelo e as coisas que representam, pode levar a um relativismo extremo, à ideia de que qualquer modelo construído pelo sujeito é

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tão bom quanto qualquer outro. Ou seja, não há como distinguir um conhecimento adequado ou "verdadeiro" de um "falso", o idiossincrático do consensual. Duas abordagens tentam evitar o relativismo absoluto: o construtivismo individual e o construtivismo social. A primeira quer alcançar a coerência entre diferentes peças de conhecimento utilizando o seguinte critério: construções que são inconsistentes, comparando com a maior parte de outros conhecimentos que o indivíduo tenha, tendem a ser rejeitadas e construções que integram apropriadamente partes que antes eram incoerentes são mantidas. O construtivismo social, por sua vez, adota o consenso entre os sujeitos como o critério último para julgar o conhecimento. A verdade e/ou a realidade são construções com as quais a maioria concorda (validação através do consenso). Como a ideia de mensuração alcança este quadro na epistemologia contemporânea? Passo a passo a questão da mensuração foi se acomodando durante o período enfocado acima. Em sua obra Principies of mathematics (1903) o filósofo inglês Bertrand Russell, escrevia: "Denomina-se mensuração de quantidade, no sentido mais geral, qualquer método através do qual se estabeleça uma correspondência unívoca e recíproca entre todas ou algumas quantidades de um determinado género e todos e alguns números [...]" Entretanto, tal definição de quantidade exclui as quantidades intensivas que Russell, apesar de reconhecer sua existência e sua capacidade gradativa, considera impossíveis de serem mensuradas. O seu conceito de mensuração, baseado em um critério unívoco, fundamentado sobre a divisibilidade e a capacidade aditiva, não permite avaliar as quantidades intensivas a não ser através de alguma relação indireta. Campbell (1920), de forma similar, afirmava que só se pode falar de uma quantidade em termos científicos se esta puder ser descrita com base em uma unidade padrão sobre a qual é possível operar em termos aditivos (como para o peso ou o comprimento), excluindo, assim, da pesquisa científica tradicional as medidas não dotadas de capacidade aditiva, como as psicofísicas, em sua época aparecendo como emergentes. A posição de Campbell, claramente cautelosa em relação às ciências comportamentais, tem estimulado estas últimas e, em particular, a psicologia a refinar os procedimentos de mensuração e a estabelecer modelos para relacionar fenómenos. Uma das principais contribuições de Campbell seria o que se convencionou chamar de medida por teoria (ou medida byfiat). Conforme explica Pasquali (1996), comumente distinguem-se três tipos de medidas: •

A medida fundamental, na qual se pode identificar uma unidade base padrão ("natural") específica, que possui uma representação extensiva. "São dimensões (atributos mensuráveis) que permitem a concatenação, isto é, dois objetos podem ser associados, concatenados, formando um terceiro objeto da mesma natureza" (PASQUALI, 1996, p. 27). Por exemplo: massa, comprimento e tempo;

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Uma medida derivada, à qual se recorre quando atributos da realidade não são passíveis de serem medidos extensivamente; neste caso busca-se estabelecer algum tipo de relação entre este tipo de atributo e uma medida extensiva. Uma prova empírica de que tal atributo pode ser afetado por dois ou mais componentes, passíveis de serem medidos extensivamente, torna-se então necessária. Como exemplo ter-se-ia a massa (volume x densidade) e a luminosidade (candeia x distância). Entende-se, portanto, por medida derivada de um atributo aquela cujos componentes do atributo, estabelecidos por uma lei empírica, tenham finalmente dimensões extensivas. Fala-se também de medida derivada quando, embora os componentes da função não sejam redutíveis, em última análise, a medidas fundamentais, eles apresentam, contudo uma unidade-base natural específica. (PASQUALI, 1996, p. 29),



Uma medida por teoria (by fiai)', segundo Pasquali (1996), existiriam atributos da realidade que além de não possuírem dimensões extensivas (não podendo, portanto, serem mensurados por medidas fundamentais), não possuem uma unidade-base natural específica. Nestes casos, deve-se recorrer a leis e teorias para que a mensuração seja possível - às leis, quando forem estabelecidas empiricamente as relações entre duas ou mais variáveis; às teorias, quando não existe o estabelecimento de leis (teorias servem para construir hipóteses sobre as relações entre os atributos da realidade), "permitindo assim a medida indireta de um atributo através de fenómenos a ele relacionados via teoria" (p. 29).

Esta discussão sobre o problema de medir-se ou não as variáveis qualitativas em uma forma aditiva é, segundo Narens (2002), a fase clássica do problema da mensuração. As abordagens clássicas da medida são baseadas em operações de adição empíricas e observáveis que seriam usadas para produzir uma escala de relação de funções medidas, equivalente ao procedimento desenvolvido por Helmholtz, Hõlder, Campbell, Frege e por Whitehead e Russel. Narens (2002) informa que embora neste período Campbell fosse o autor mais influente entre os acima citados, foi Hõlder quem forneceu a apresentação mais rigorosa, completa e sistemática sobre cuja tradição a moderna teoria da medida tende a proceder. Narens (2002) afirma que durante oito anos (de 1932 a 1940) uma comissão criada pela Associação Britânica para o Avanço da Ciência debateu o problema clássico de como integrar os dois tipos de dados (intensivos e extensivos), mas não conseguindo chegar a uma conclusão consensual. Entre outras opiniões, argumentava-se que qualquer lei propondo expressar uma relação quantitativa entre intensidade da sensação e intensidade do estímulo, por exemplo, não seria meramente falsa, mas seria, de fato, sem sentido, pelo menos até o dia em que aos sentidos pudessem ser aplicadas operações aditivas e subtrativas, assim como se faz com os estímulos.

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Hoje, a distinção entre quantidades extensivas e quantidades intensivas não tem mais motivo de ser, mesmo quando ainda se possa encontrar alguém que tenda a recusar cada definição de quantidade extensiva que não respeite o requisito da capacidade aditiva. Tal comportamento implica deixar à margem da ciência as quantidades intensivas, quando as mesmas já têm uma longa tradição no campo da mensuração. Numa versão contemporânea da questão da mensuração (ver JUDD; MCCLELLAND, 2003; SARLE, 1996, entre outros) observa-se a popularidade de um ramo da matemática aplicada que se tornou útil para a medição e a análise de dados, quer sejam estes intensivos ou extensivos. Trata-se da teoria matemática da medida, que está elaborada na obra de Krantz, Luce, Suppes e Taversky (1971; apud SARLE, 1996): "Fundamentos da Medida" e que foi popularizada na psicologia por S. S. Stevens. Este autor deu origem à ideia de níveis de medida, em seu artigo: "Teoria das Escalas de Medidas" (1946; apud SARLE, 1996; ver também NARENS, 2002). Stevens considerava a medida clássica e sua proposta de construção de uma escala, através de sequências padronizadas, como limitada, embora sendo, sem dúvida, uma forma especial da mensuração. Propôs, então, um sentido mais amplo para a medida, qual seja, o de que medir é atribuir números a objetos ou a eventos conforme regras (STEVENS, 1946, apud NARENS, 2002). Segundo Sarle (1996), a ideia fundamental da teoria da medida é a de que estas não são iguais aos atributos medidos. Portanto, se se quer tirar conclusões sobre o atributo, deve-se levar em conta a natureza da correspondência entre o atributo e a medida. Assim, a medida de algum atributo relativo a um conjunto de coisas passa a ser o processo de atribuir números ou outros símbolos às coisas, de maneira que as relações entre os números ou símbolos (ou suas propriedades) reflitam as relações dos atributos que estão sendo medidos. Uma forma particular de atribuir números ou símbolos na intenção de medir é o que se chama de escala de medida. Para Stevens (1946; citado por NARENS, 2002) o problema da mensuração consistiria simplesmente em tornar explícito: (a) as regras para a atribuição de números; (b) as propriedades matemáticas (ou estruturas) das escalas resultantes e (c) as operações estatísticas aplicáveis às medidas feitas com cada tipo de escala. Narens (2002) afirma que Stevens falha em não fornecer uma definição geral ou uma teoria das regras e também em não compreender que as complexidades matemáticas no estabelecimento rigoroso de tipos de escala vão ser, em geral, mais complexas do que no caso simples coberto pela medida clássica. Stevens teria entendido, contudo, que a abordagem clássica era estreita demais, podendo ser aumentada ao caracterizar-se o processo de medida. Como a teoria da medida adotou as proposições de Stevens? Para este autor, (ver SARLE, 1996) a mensuração se justificaria em sua relação com a estatística, com o objetivo de evitar que esta permitisse afirmações sem sentido. Quando se mede algo, explica Sarle (1996), os números resultantes são usualmente, em algum grau, arbitrários. Escolhe-se usar uma escala de l a 5 em vez de uma de -2 a 2, escolhe-se usar uma escala de graus Fahrenhreit em vez de uma escala Celsius (p.2). As conclusões de uma análise estatística não poderiam depender destas decisões arbitrárias, porque decisões diferentes poderiam ser tomadas a cada vez.

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Por exemplo, se algumas pessoas julgam, através de uma escala de l a 5 sobre quão bom é o sabor relativo a um grupo de alimentos, pode-se testar a hipótese de que os alimentos possuem a mesma média em sabor através de uma ANOVA20. Entretanto, se se quer saber sobre o sabor em si, deve-se considerar como este se relaciona aos índices medidos para diferentes julgamentos. Idealmente, os julgamentos (índices) deveriam ser uma função linear dos sabores, com a mesma inclinação para os vários juizes; aí se poderia usar uma ANOVA. Mas, se os juizes compõem diferentes curvas relacionando índices e sabores, então a ANOVA não vai permitir fazer uma inferência sobre a média de quanto um sabor é bom. Sarle (1996) esclarece que talvez a única coisa de que se pode ter certeza é de que os índices são funções monótonas crescentes do sabor. Neste caso, poder-se-ia usar uma análise estatística, tal como o teste de Friedman21, que demandasse resultados invariantes. Dois outros conceitos essenciais foram apresentados por Stevens (1946; apud SARLE, 1996): o das transformações permissíveis e o de níveis de medida. O primeiro trata de transformações de uma escala de medida que preservam as relações relevantes do processo de mensuração. Por exemplo: mudar a unidade de medida (de centímetros para polegadas); multiplicar as medidas por um fator constante é um procedimento que não altera a correspondência da relação "maior do que" e "mais comprido do que", nem a correspondência de adição e concatenação (SARLE, 1996, p. 3). Stevens (1946 apud SARLE, 1996) estabeleceu diferentes níveis de medidas envolvendo variadas propriedades (relações e operações) dos números e símbolos que as constituem. Cada nível de medida possui um conjunto de transformações permissíveis. Os níveis hoje em dia mais considerados são: (a) O nominal. Atribui-se um número a qualquer coisa que se considere como tendo o mesmo valor do atributo, por exemplo: o número dos jogadores de futebol; (b) O ordinal. Atribuem-se números de maneira que a ordem destes reflita uma relação de ordem definida no atributo. Se os elementos x e y têm os valores a(x) e a(y) como atributos, atribui-se valores m(x) e m(y) tal que se m(x) > m(y) então a(x) > a(y). (c) O intervalar. Atribuem-se números de maneira que as diferenças entre estes reflitam as diferenças entre os atributos. Se m(x) - m(y) > m(u) m(v), então a(x) - a(y) > a(u) - a(v)22. Na prática, uma escala de medida pode não corresponder precisamente a nenhum destes níveis de mensuração. Pode haver, por exemplo, uma mistura de informações nominais e ordinais; escalas que misturem o nível ordinal e o intervalar de maneira 20 21 22

Análises de variância: conjunto de procedimentos estatísticos paramétricos que permitem ao pesquisador fazer inferências a respeito da influência de variáveis independentes sobre outras independentes, quando estas últimas são mensuradas em nível pelo menos intervalar. Teste de média não paramétrico. Tradução baseado no artigo de Sarle (1996, p. 4).

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que se tem que assumir que a escala é uma função monótona dos atributos. Mais ainda, Sarle (1996) explica que para muitas escalas subjetivas indexadas (tais como as que trazem apreciações como: "concordo fortemente", "concordo"... "discordo fortemente") não se pode demonstrar que os intervalos entre os índices são exatamente iguais, mas que com um cuidado e um diagnóstico razoáveis, pode ser tranquilo dizer que nenhum intervalo representa uma diferença duas ou três vezes maior do que um outro intervalo. Este autor alerta para as situações nas quais o processo de medida é mal definido demais para aplicar-se à teoria da mensuração. Nestes casos, dever-se-ia considerar qual as escolhas arbitrárias que foram feitas no curso da mensuração, quais os efeitos que estas escolhas podem ter tido sobre a medida e se é possível determinar uma outra classe plausível de transformações permissíveis. Assim, explica Sarle (1996), enquanto a estatística se preocupa com a conexão entre a inferência e os dados, a teoria da medida quer estabelecer a relação entre os dados e a realidade. Ambas são necessárias para inferir sobre o real. A teoria da mensuração mostra que alguns métodos estatísticos são inadequados para certos níveis de medida, se se quer fazer inferências significativas sobre o atributo que está sendo medido. Por exemplo, não se poderia dizer que hoje está duas vezes mais quente do que ontem porque ontem fez 20° graus Celsius e hoje faz 40° graus Celsius, pois tal relação se aplica aos números, mas não ao atributo sendo medido, a temperatura. Como já foi mencionado, o método estatístico pede resultados invariantes ou equivariantes sob transformações permissíveis para a escala de medida. Se tal invariância não se mantém, então as inferências estatísticas se aplicam apenas às medidas, mas não ao atributo. É inegável a contribuição das ideias de Stevens ao campo da mensuração, embora as inúmeras críticas de que é alvo ainda hoje. Por exemplo, Judd e McClelland (2003) argumentam que nem toda medida envolve números e que as regras de atribuição só constituem uma mensuração se os números subsequentes terminarem por representar algo significativo, alguma regularidade de atributos ou comportamento que permita a predição. Mensurar, segundo Judd e McClelland (2003), seria então um processo pelo qual os dados brutos - observações infinitamente minuciosas do comportamento enquanto realizado e produzido por entidades e seus atributos - são reduzidos a descrições compactas ou modelos que se supõe representar regularidades significativas (atributos ou construtos) das entidades observadas. Assim, uma escala, uma variável ou um modelo compactado é a descrição das observações construídas através da medida; o construto, por sua vez, seria o atributo significativo ou a regularidade que se presume que a escala representa. Neste sentido, a mensuração diz respeito a regras que atribuem uma escala ou o valor de uma variável a entidades para representar os construtos que se pensa serem teoricamente significativos. Contudo, afirmam Judd e McClelland (2003), só a regra não é suficiente. Para que uma escala ou variável seja uma medida válida é preciso que se assemelhe à disposição verdadeira, embora desconhecida, das entidades com os construtos que interessam teoricamente, ou seja, devem ter uma "validade de construto". Seria esta

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uma condição que indicaria fortemente a necessidade de uma ligação inextricável entre mensuração e teoria. Neste caso, a mensuração pressuporia uma teoria que defina os construtos importantes a serem medidos e que forneça uma motivação para a regra de atribuir valores da escala às entidades. A seu turno, a teoria depende da mensuração para estabelecer a confiança num conjunto de hipóteses teóricas pelo acréscimo da demonstração das relações empíricas entre as medidas. Uma boa mensuração poderia então levar à desconfirmação das expectativas teóricas de duas formas: demonstrando sua inconsistência, ao verificar as relações empíricas, e por uma falha no próprio modelo de medida. A questão da validade da medida será retomada mais adiante. Maurin (1997) propõe o uso da teoria da mensuração como resposta à falta de uma capacidade analítica típica das ciências humanas. Tal ponto de vista, explica este autor, vem do mero relato em formas gerais de observações ai (relacionadas com conceitos claramente definidos) e seu conjunto A = {az} de checagens de alguma relação, por exemplo: relações binárias R, tais como preferências, ou operações internas I, tal como a combinação interna de duas medidas de maneira a obter-se uma medida nova, comparada a outras medidas que possuam a mesma relação R. Todas estas formas devem ser vistas como conjuntos estruturais algébricos (A, Rh, _ h,) (com suas possíveis muitas relações e operações) os quais constituem o que se convencionou chamar de sistemas de relações empíricas. O propósito da teoria da mensuração seria então, segundo explica Maurin (1997), fazer gravações adequadas ou aplicações de sistemas de relações empíricas em estruturas matemáticas (M, Sh, Th,) checando relações análogas ou homomorfas, as quais são chamadas de sistemas de relações numéricas. O mapeamento é o resultado de uma aplicação/de A em M e o tripé {(A, Rh, Ih,), (M, Sh, Th,), /} é uma escala de medida. Sendo que M é essencialmente um conjunto matemático de números reais (Re ou o espaço vetorial Re). Nesse caso, comenta Maurin, a teoria da mensuração é mais relevante e adequada, devido a suas precauções relacionais, do que os métodos de escalamento, multidimensionais ou não, "bonitinhos e convenientes" (p. 2). Ainda segundo esclarece Maurin, a teoria da mensuração intentaria lidar com imagens numéricas J(ai) preservando as relações algébricas empiricamente observadas Rh e _h. Maurin apresenta as características principais da teoria da mensuração em uma linguagem mais formal. Seus principais passos seriam então (Maurin, 1997, p. 2 ): 1)

2)

Passo representacionah lida com a existência de um sistema representacional numérico e sua aplicação/associada, ponto que deve ser rigorosamente demonstrado (necessidade de teoremas). Passo específico: muitas aplicações/são soluções adequadas para o passo anterior e fornecem uma classe de soluções; este segundo passo lida com a caracterização matemática da classe. Muitas vezes (uma situação regular) existem transformações internas \|/ em M (transformações ad-

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missíveis) tais que y continua sendo uma representação e o conjunto {y de transformações admissíveis é um subgrupo Ga do automorfismo Re interno. Por exemplo, alguns Ga clássicos seriam:

3)

4)

Passo significativo: diz respeito a toda afirmação numérica envolvendo imagens numéricas; por exemplo, J(aí) eÃaJ) são numericamente diferentes? É a afirmação _f(ai) >j[aj) significativa? Uma afirmação é dita significativa (ou sem sentido) se e somente se sua verdade permanece estável (ou não) sob transmissões admissíveis consideradas durante o passo da especificidade. Passo escalar. Existem muitas considerações práticas e importantes resultados sobre afirmações estatísticas. Os passos anteriores são os mais usuais e um resultado específico pode ser o suficiente. Entretanto, quando é necessário lidar com valores numéricos, às vezes as demonstrações do primeiro passo são construtivas podendo-se usar então técnicas de construção de escalas.

De início, as relações binárias Rh e as operações h,...aplicadas a ais... são observadas empiricamente. Quando são formuladas corretamente, ganham um status axiomático, sendo então chamadas de axiomas ou condições em teoremas representacionais e, para validar firmemente cada representação relacionada, têm que ser checadas identicamente por observações quando se quer aplicar os teoremas em dados observados. Assim, transformam-se também em condições testáveis (Maurin, 1997). Além destes aspectos favoráveis ao emprego de medidas axiomáticas, Maurin (1997, p. 3) destaca outros aspectos consideráveis: a) Pode-se fazer distinções: as medidas fundamentais lidariam com os passos l, 2 e 3 acima e com algumas condições algébricas que são limitadas a observações fenomenológicas. Em contrapartida, tem-se uma medida derivada quando alguma velha medida prévia está envolvida nas condições para o passo representacional. b) As relações R^ e as operações Ih, ou axiomas, ou condições relacionadas são essencialmente de natureza algébrica. Mas, de uma forma bem geral, os dados observados e os fenómenos são normalmente contaminados por alguma "dispersão de ruídos", então as condições algébricas são violadas e a medida representacional pode não ser viável. Contudo,

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isto é tipicamente o procedimento probabilístico de procurar uma estrutura fundamental adequada mesmo que ocorram variações erráticas e randômicas (uma tendência geral na ciência experimental). A versão probabilística da medida teria sido desenvolvida alguns anos depois da primeira versão, determinística, próxima ao ajustamento dos testes, relativa a um modelo estrutural. c) Os primeiros exames foram desenvolvidos para variáveis isoladas ou estímulos, mas esta abordagem geral, o respeito às regras algébricas testáveis para uma representação numérica, está também disponível para muitas variáveis, fornecendo o padrão de "medida conjunta" de acordo com seus axiomas (a versão randômica sendo aqui mais incómoda). A mensuração conjunta é a medida representativa mais importante. A ideia básica é medir uma variável contra a outra e vice-versa. Judd e McClelland (2003) esclarecem, através de um exemplo, como se estabelece tal medida. Supondo que se consiga estabelecer que uma pessoa se sinta tão desconfortável quando a temperatura é de 80° F com 93% de umidade quanto quando esta é de 90° e 75% de umidade. Pode-se então inferir que aumentar a temperatura de 80° para 90° é compensado psicologicamente de forma exata por uma baixa na umidade de 93% para 75%. Uma variação na escala de valores para temperaturas deve corresponder exatamente a variações na escala dos níveis de umidade. Isto implica que se se observa que uma pessoa se sente igualmente desconfortável nas combinações (80° - 75%) como em (90° - 51%) então se pode saber que variações de 80° para 90° são exatamente compensadas por reduções de 75% para 51% na umidade. Isto estabelece que a diferença nos valores da escala entre 75% e 93% de umidade é a mesma da variação nos valores da escala de 51 % e 75%. Dessa maneira, pode-se construir intervalos entre duas escalas e estabelecer relações entre estes intervalos e variações no atributo mensurado. A escala intervalar é aquela na qual o raio entre os intervalos permanece constante sob qualquer transformação permissível nos valores das escalas. Se se somar ou multiplicar uma constante para cada termo da equação não se altera o raio. No exemplo acima, a construção da escala continuaria até que se achasse as temperaturas que fizessem a equivalência entre (80°, 93%) e (90°, 75%) em termos de desconforto. A medida conjunta especifica as condições que devem ser satisfeitas para um ordenamento de todos os pares (a, p) a serem representados pela adição dos respectivos valores na escala. Toda quantificação precisa de uma classificação que lhe preceda, afirma Hegenberg (1976), no sentido de que os conceitos formulados a prior i é que devem determinar o tipo de associação simbólica a ser utilizada. Para este autor, medir é atribuir valores concretos a variáveis numéricas, sendo tais valores associados a conceitos que provêm das observações resultantes da pesquisa. Tal ponto de vista é compartilhado por Besson (1995, p. 46), que afirma: "a contagem pressupõe uma definição e o quanto pressupõe um como: o estatístico não se limita a contar; ele define (ou retoma definições) e conta o que classificou". Considerando estas proposições, pode-se definir o conceito de mensuração como um procedimento de classificação que possibilita atribuir um objeto a uma

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determinada classe e a construir no interior da classe uma relação de ordem, mesmo que não quantitativa; por exemplo "maior do quê... ", "igual a... ". Antes de cada verdadeira mensuração, cria-se, assim, uma representação do mundo em categorias fenomênicas conexas, por um conjunto de relações que podem ser traduzidas em uma linguagem numérica. Esta definição deveria eliminar o risco, sempre presente, de antepor a mensuração ao fenómeno, atribuindo o status de quantidade a tudo que é susceptível de avaliação numérica, sem ter-se uma adequada teoria de referência.

As ciências humanas, a teoria psicológica e a mensuração A observação e a mensuração de características mentais e comportamentais é certamente um dos problemas delicados no âmbito das ciências humanas. Apesar de existir um consenso sobre o fato de que os indivíduos diferem entre si a respeito de características pessoais, habilidades, comportamentos, entre outros, o problema a respeito da possibilidade de mensuração de variáveis tipicamente psicológicas persiste. De fato, a tarefa mais difícil no momento da coleta de dados é o da quantificação das observações que se faz sobre os comportamentos que são objeto de estudo. Esta passagem de observações para dados numéricos constitui um dos problemas centrais da mensuração. A questão que se põe, neste sentido, é a seguinte: como se justifica e legitima a passagem de procedimentos e operações empíricas (as observações) para representações de caráter numérico destes procedimentos? Até os dias de hoje existe uma dupla tendência entre os pesquisadores a favor ou contra a mensuração. Um primeiro grupo, a favor da quantificação, considera que, com os devidos cuidados e adaptações, é possível utilizar métodos quantitativos para o estudo da mente e do comportamento. Um segundo grupo, pelo contrário, céptico quanto à quantificação, considera que os fenómenos psíquicos são peculiares e que as mensurações que podem ser obtidas são, de qualquer maneira, somente pseudomensurações e que, consequentemente, pouco têm a contribuir para o desenvolvimento teórico. Pode-se afirmar que o desenvolvimento histórico da pesquisa em ciências humanas não tem gerado um complexo integrado de teorias sobre os vários aspectos do comportamento humano, mas uma série de teorias desconexas e, sobretudo, baseadas em afirmações de tipo verbal, muitas vezes independentes umas das outras. A teoria da mensuração, por sua vez, tem se desenvolvido independentemente da teoria psicológica, à qual deveria necessariamente ter feito referência. A situação, de fato, atual, é a de que nas ciências humanas, no geral, não existe uma teoria unificada em relação à mensuração, mas duas distintas tradições de pesquisa que correspondem, respectivamente, a uma abordagem formal e axiomática, que diz respeito aos modelos da psicologia matemática (SUPPES; ZINNES, 1963; SUPPES et ai. 1971, 1989, 1990) e a uma abordagem prática, capaz de produzir soluções aplicáveis a problemas empíricos concretos, a qual segue a linha iniciada por Thurstone e Guilford e que está ligada à tradição teórica da avaliação psicológica clássica e ao que se costuma denominar como abordagens psicométricas (PASQUALI, 1996).

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A separação entre estas duas linhas de pesquisa tem se tornado cada vez mais evidente com o desenvolvimento de "softwares" estatísticos bastante elaborados, que têm facilitado a aplicação de técnicas estatísticas sofisticadas a dados das mais diferentes ordens, os quais tomam como base modelos implícitos de mensuração que, na maioria das vezes, não estão em sintonia com as próprias técnicas. O material empírico que fundamenta os trabalhos no campo experimental ou aplicado é, na maioria dos casos, um conjunto de dados relativos a julgamentos de valores, que devem ser transformados com base em modelos espaciais afins, através de um sistema relacional empírico. Nem sempre o pesquisador é consciente da operação que está fazendo ao atribuir um número a uma resposta obtida dos sujeitos. Como já foi salientado, a teoria da mensuração e a sua prática seguem estradas paralelas ainda hoje. A exigência de quantificar as observações tem se tornado cada vez mais presente na maioria das áreas das ciências humanas e o uso de conceitos e técnicas estatísticas é bastante frequente. Entretanto, paralelamente, a análise bibliográfica não encontra análogo interesse para problemas conexos ao de como se mede e, algumas vezes, nem ao que se mede. As áreas nas quais é necessária uma maior integração entre teoria e praxe são substancialmente três, não necessariamente independentes: o tipo de mensuração, a amostragem e as técnicas de análise dos dados. O problema básico reside no fato de que as características mentais não são diretamente mensuráveis, isto é, são quantidades intensivas ou medidas derivadas, como já foi dito. Trata-se, portanto, de variáveis latentes, inferidas na base de alguma teoria, a partir do comportamento do indivíduo. A margem de incerteza não está, portanto, só no "como" se mede, mas também e, com mais veemência, no "o quê" se mede, afinal. Discutindo as relações entre medidas e construtos, Edwards e Bagozzi (2000) referem-se a amplos debates no meio científico sobre a natureza e a direção das relações que podem ser estabelecidas entre o "o quê" e o "como" se mede. Usualmente, os construtos são vistos como causas de suas medidas e, quando se estabelece tal tipo de relação, a medida é denominada de reflexiva porque representa a manifestação de um construto. Por outro lado, existem situações nas quais as medidas são vistas como causas de seus construtos. Neste caso, são denominadas de formativas, pois formam ou induzem a criação de um construto. Análises de covariâncias são usadas na diferenciação entre medidas reflexivas e formativas, uma vez que, no caso das primeiras, as covariâncias seguem modelos preditivos, enquanto que para as medidas formativas, os modelos de covariâncias são indeterminados. Porém, Edwards e Bagozzi (2000) alertam para o fato de que a análise de covariância serve apenas para que se tenha uma ideia acerca do tipo de medida utilizada, pois ela não distinguiria exatamente os dois tipos de medidas. Ou seja, há situações em que as medidas reflexivas podem covariar de uma maneira que não corresponde ao modelo preditivo esperado. Ao mesmo tempo, encontram-se casos nos quais as medidas formativas podem seguir modelos de covariância que seriam os esperados para as medidas reflexivas. A pouca importância que, em geral, se dá a critérios que buscam especificar as relações causais entre construtos

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e medidas, constitui uma falha metodológica, tendo em vista que se tal causalidade for incorretamente especificada, as relações entre construtos e medidas não podem ser testadas significativamente (EDWARDS; BAGOZZI, 2000). A literatura epistemológica sugere que uma análise sobre a relação de causalidade entre medidas e construtos deve levar em consideração quatro fatores principais: a) a distinção (a causa e o efeito devem ser considerados como entidades distintas); b) a associação entre as duas entidades (é necessário que a medida e seu construto estejam relacionados, de maneira que possam covariar paralelamente); c) a precedência temporal (a causa deve ocorrer antes do efeito); d) a eliminação de teorias conflitantes (garantir a inexistência de explicações antagónicas ou contraditórias para relação de causalidade entre as variáveis avaliadas). Destes quatro fatores, afirmam Edwards e Bagozzi (2000), o mais difícil de ser cumprido nas ciências humanas e sociais é o último, porque as pesquisas nessa área apontam para a existência de uma gama de variáveis exógenas não explicadas, que podem afetar as relações de causa e efeito. Tal ideia reforça o fato de que as relações entre construtos e medidas não podem ser estudadas sem que se faça referência ao quadro teórico conceptual que está por trás destas entidades. Com base nos fatores que determinam a causalidade entre duas variáveis, quatro modelos formais explicariam o tipo de estrutura das relações entre construtos e medidas (ver EDWARDS; BAGOZZI, 2000; JUDD; MCCLELLAND, 2002). Tais modelos são derivados de regras que estipulam que a correlação estabelecida entre duas variáveis pode ser decomposta em quatro componentes: a) um efeito direto (uma variável afeta diretamente outra), b) um efeito indireto (o efeito de uma variável sobre a outra é mediado por uma ou mais variáveis), c) um componente espúrio (decorrente de causas desconhecidas) e d) um componente não analisado (resultante de variáveis exógenas ou pré-determinadas). Variadas soluções são possíveis, utilizando-se como base estas regras. Edwards e Bagozzi (2000), por exemplo, sugerem que os modelos de relação causal entre construtos e variáveis podem ser de quatro tipos: 1. Modelo reflexivo direto: estipula que um construto exerce efeito direto sobre uma medida. 2. Modelo formativo direto: especifica que as medidas são causas diretas de um construto. Nos casos em que: (1) cria-se uma variável latente "induzida", que represente um grupo de variáveis observadas; (2) criam-se blocos que reunam os efeitos de diversas variáveis ou ainda (3) se se analisa o efeito de uma manipulação em uma variável latente, está-se incorrendo neste tipo de relação causal. 3. Modelo reflexivo indireto: propõe que os efeitos de um construto sobre suas medidas são mediados por uma ou mais variáveis latentes. Este modelo ocorre quando as medidas são consideradas não como derivadas diretas do construto, mas como indicadores deste, representando um ou mais de seus efeitos. 4. Modelo formativo indireto: sugere que os efeitos de uma medida sobre um construto são mediados por uma ou mais variáveis. Em outras palavras, uma medida formativa representa não a causa única do construto, mas apenas uma de suas causas.

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Edwards e Bagozzi (2000) afirmam que há no meio científico, em geral, uma ampla utilização de explicações que propõem a existência de efeitos causais diretos. Por outro lado, afirmam que uma análise mais detalhada sobre os quatro modelos poderia ajudar o pesquisador a especificar com mais precisão a direção (quem causa quem) e a estrutura (direta, indireta, espúria ou não analisada) das relações estabelecidas entre construtos e medidas, o que garantiria uma maior consistência e confiança na adoção de um modelo teórico. Uma abordagem bastante frutífera - no sentido de tentar solucionar a questão da teoria da mensuração na psicologia - nasce em 1964 com a publicação do famoso livro de Coombs, A theory ofdata. Neste livro, o autor, pela primeira vez, enfrenta de maneira sistemática e axiomática a questão da estrutura dos dados. Faz uso de uma linguagem geométrica para descrever os modelos mentais dos dados em contraposição com os modelos métricos mais utilizados. De fato, Coombs é da opinião de que um modelo de mensuração é na realidade uma teoria, e que os fatos são inferências, assim como os dados e as mensurações. Os dados são definidos como relações entre pontos no espaço que têm que ser capazes de permitir a representação de propriedades mentais não diretamente métricas. O modelo possibilita representar todas as relações definidas sobre as observações com base em somente duas relações: a de ordem e a de distância. Nas relações geométricas de ordem e distância, Coombs (1964) faz corresponder as relações mentais de dominância e proximidade. Quer-se estudar as respostas de um sujeito a um dado conjunto de estímulos (ou itens), representando em um segmento de reta os pontos correspondentes aos estímulos e um ponto correspondente ao sujeito, de tal forma que, com operações adequadas, possa-se transformar a ordenação de dominância em ordenação de proximidade entre os pontos estímulos e os do sujeito. Em outras palavras, o Modelo de Desdobramento de Coombs acrescenta ao escalonamento de itens, um valor para um "ponto ideal" relativo a cada indivíduo, na mesma escala dos itens. A noção que está por trás é a de que quando confrontados por escolhas entre dois itens, os sujeitos preferem o item que está mais perto de seu ponto ideal. Formalmente, ter-se-ia: a i b
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