MEIO AMBIENTE E DISTRIBUIÇAO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC

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MEIO AMBIENTE E DISTRIBUIÇAO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA NO NOVO CPC
Luiz Fernando Calil de Freitas

Introdução.
O presente ensaio pretende modestamente alinhar elementos de ordem constitucional e categorias próprias à teoria geral do direito, assim como à teoria do ordenamento jurídico, com a finalidade de verificar a validade de algumas premissas que necessariamente devam ser consideradas no enfrentamento do tema atinente à distribuição do ônus da prova na matéria ambiental. O tema é candente e envolve, como já dito, questões que se inserem no âmbito da teoria geral do direito, na teoria do ordenamento jurídico, no direito constitucional, no direito ambiental e, por fim, no direito processual civil.
Zona de quíntupla fronteira, região de incertezas em que, atento à lição da teoria sistêmica segundo a qual os sistemas são por natureza instáveis nas suas zonas limítrofes, eis que a crescente complexidade das sociedades humanas contemporâneas produzem diferenciações funcionais que, por sua vez, criam sistemas sociais parciais, como é o caso do direito e, no seu interior os subsistemas jurídicos, para resolução de problemas específicos (Luhmann, vol. I, pp. 225 e s.), terá lugar aqui a tentativa da reconstrução de um discurso que permita o acoplamento dos subsistemas jurídicos e, por essa via, a veiculação de verdades (?) jurídico-científicas que viajarão do campo mais geral da teoria geral do direito até o campo mais específico da distribuição do ônus da prova no processo cível cujo objeto seja o direito ambiental. Afinal, em certa medida a pergunta a ser feita é a vetusta dúvida dos sistêmicos aqui transposta para o direito: um sistema nada mais é do que a soma das suas partes ou é algo mais? Quanto ao universo jurídico a resposta, antecipa-se, só pode ser a dos vitalistas (Losano, 2011, vol. 3, pp. 237 e s.), que desde as primeiras décadas do século passado afirmaram a existência do algo mais. Essa concepção aqui adotada sem que dela se faça profissão de fé, calha por cimentar de forma lógica, racional e que, ao menos se pretende, científica, os argumentos a serem apresentados. Notadamente por ser o direito entendido como um sistema aberto, já que se trata de sistema social que troca informações com o meio no qual inserido, sofrendo e produzindo, em decorrência, influências. Disso decorre, por inferência lógica, que internamente ao universo jurídico, compreendido como um sistema, e somente assim poderá sê-lo, os vários subsistemas se comunicam e influenciam-se reciprocamente. A capacidade de auto geração do direito observa, entretanto, uma lógica própria que deve obedecer àquilo que foi desvendado por Kelsen acerca da hierarquia das normas e da supremacia da constituição (Kelsen, 1996). Por fim, cabe uma palavra acerca do que vem antes mesmo da análise de um determinado conjunto de normas, jurisprudência, doutrina e o quer mais que se considere parte integrante de um sistema jurídico. Contemporaneamente afirma-se a imperiosa necessidade de uma teoria da justiça que funcione como infraestrutura que dá sustentação e permite o funcionamento de um sistema jurídico. Quanto ao tema, abertamente a opção do processo civil brasileiro é pela teoria do direito como integridade, formulada por Ronald Dworkin (Dworkin, 1999), expressamente referida no artigo 926 do novo Código de Processo Civil, cujo caput confia aos tribunais a missão de uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Sem ignorar, entretanto, que o desenvolvimento da ciência - em qualquer campo, mas aqui com o denotativo tanto do avanço tecnológico industrial quanto aquele da ciência jurídica - antes de corresponder ao avanço do racionalismo, identifica-se mais intensamente com um processo instável de desracionalizaçoes e re-racionalizações (Morin, 2005, p. 165).
A questão aqui é: se o processo civil é um instrumento para a realização da efetiva tutela jurisdicional ao direito material, no âmbito da discussão que aqui nos propomos realizar, como estabelecer uma razão constitucionalmente adequada para o equacionamento do problema da distribuição dinâmica do ônus da prova em matéria ambiental?
Às armas.

A indisponibilidade do meio ambiente sadio e equilibrado
O meio ambiente, como direito fundamental (CF, art. 225), é indisponível tanto para a política (Estado) quanto para os particulares, vale dizer, não pode validamente ser violado por atos estatais, sejam eles atos legislativos, administrativos ou judiciais, nem por atos de disposição praticados por particulares no exercício da autonomia da vontade (Ferrajoli, 2008, pp. 12-8). Uma diferença formal entre direitos fundamentais e outros direitos, que é essencial para a caracterização daqueles como indisponíveis é a natureza vertical, assim entendidos os vínculos entre os titulares de direitos fundamentais como vínculos publicísticos, ou seja, do tipo de relação entre o indivíduo e o Estado; por isso que, enquanto correspondem aos direitos patrimoniais deveres de não lesionar relativamente aos direitos reais, ou obrigações no caso de direitos pessoais, aos direitos fundamentais, porque expressos em normas constitucionais, corresponde a deveres e obrigações a cargo do Estado, as quais, uma vez violadas, dão causa à invalidade da lei e de outros atos estatais (Ferrajoli, 2008, p. 17).
Na dicção de Luigi Ferrajoli (Ferrajoli, 2007), há uma democracia civil atinente ao espaço de liberdade privada dos sujeitos particulares ao lado de uma democracia política, relativa à esfera pública. Ambas se caracterizam por um espaço de liberdade de agir tomando decisões (exercício de poder), tanto com efeitos limitados a particulares (democracia civil), quanto com efeitos produzidos em relação à polis. Em ambas as situações, cuida-se da dimensão formal da democracia que sempre está limitada por normas constitucionais substanciais que correspondem aos direitos da dimensão de defesa (imunidades geradas pelos direitos de defesa), assim como materialmente vinculada por normas constitucionais substanciais que correspondem aos direitos da dimensão social prestacional (vínculos gerados pelos direitos prestacionais). As imunidades se caracterizam como deveres de não agir, obrigações de não fazer, ou seja, deveres que têm como destinatários tanto agentes públicos quanto particulares, de não afetar indevidamente os bens jurídicos que compõem o meio ambiente. O fundamento jurídico da indisponibilidade de todo e qualquer direito fundamental relativamente aos entes estatais se acha na Constituição da República, precisamente no art. 60, parágrafo 4, IV, cujo enunciado expressamente estabelece não poder ser objeto sequer de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir direito fundamental. Além desse argumento fundamentar igualmente a indisponibilidade no âmbito dos atos da vida privada (mercado), uma vez que, de rigor, aquilo que nem a lei, o ato administrativo e o ato jurisdicional podem tocar validamente por certo nenhum ato particular poderá, do ponto de vista jurídico, validamente afetar, também dão suporte à indisponibilidade por particulares a universalidade, a natureza não patrimonial dos direitos fundamentais e a sua inalienabilidade – ninguém pode validamente alienar sua vida, sua liberdade, sua liberdade de opinião, sua liberdade religiosa, sua liberdade de trabalho, ofício ou profissão, etc. É dizer, sendo os direitos fundamentais constitucionalmente estatuídos, independentemente de qualquer ato ou manifestação de vontade de particulares, os quais nenhum ato ou negócio jurídico realizam para serem titulá-los, nenhum ato ou negócio jurídico caracterizado pela manifestação e vontade de particular é válido para produzir o efeito de alienar direito fundamental. A titularidade dos direitos fundamentais depende apenas de um fato jurídico: o nascimento com vida em um determinado universo jurídico delimitado por uma Constituição, e a circunstância de o sujeito viver inserido em tal universo jurídico.
Modo absoluto, o meio ambiente, em constituindo-se em direito fundamental, é, por natureza, indisponível, inalienável e universal, não se cuidando de bem com natureza patrimonial, por isso que insuscetível de apropriação privada, assim como insuscetível de alienação, revelando-se indisponível tanto por atos praticados por particulares – que não o podem apreender de forma privada -, quanto por atos de entes públicos, eis que estes todos são por natureza constituídos para cumprir os limites e vínculos constitucionalmente estabelecidos em favor dos direitos fundamentais.

A terceira geração dos direitos fundamentais e a questão do risco
Acresce que o meio ambiente apresenta nítida conotação de direito de terceira geração, caracterizando-se como sendo direito de titularidade difusa e, em especial, como pertencendo ao rol daqueles direitos a mercê dos riscos artificialmente produzidos pela sociedade industrial (Beck, 2011).
A denominada ética de prospectiva responsabilidade (Jonas, 1994) - fundada na reflexão em torno à ecologia profunda, assenta-se no reconhecimento da essencial vulnerabilidade da natureza em face da cada vez mais intensa, profunda e abrangente capacidade de intervenção tecnológica do homem na natureza - tem caráter normativo no sentido de que as decisões acerca de tais intervenções tenham sempre e cada vez mais em consideração o futuro e as condições de possibilidade de manter o planeta apto abrigar e permitir a vida humana de futuras gerações. Resulta disso que o princípio constitucional do ambiente ecologicamente equilibrado se constitui em direito fundamental de terceira geração, caracterizando-se como um direito de fraternidade, vez que seu titular é todo o gênero humano (Bonavides, pp. 588-9).
Os riscos decorrentes da aceleração do desenvolvimento industrial tornada possível pelos avanços científicos e tecnológicos, contudo, diferencia-se, quanto à percepção e à distribuição da riqueza, vez que são normalmente invisíveis e em algumas hipóteses irreversíveis, dando lugar ao surgimento de situações sociais de ameaça ao reproduzirem as desigualdades socioeconômicas e, do ponto de vista dos países, gerando desníveis internacionais (Beck, p. 27). Tal situação se agrava consideravelmente na medida em que todo o avanço que produziu artificialmente riscos antes inexistentes, não é suficiente para constatar com certeza a existência e auferir com precisão a extensão de molde a possibilitar a prevenção daqueles riscos.
Por tal razão, relativamente a direitos fundamentais que tais, afirma-se que a proteção do direito constitucional, mais propriamente como efeito da norma jusfundamental na perspectiva objetiva (Freitas, pp. 33 a 57), produz-se os denominados deveres de proteção – direitos derivados dos deveres de proteção (Sarlet, pp. 301-5). Porque todos os poderes constituídos são constitucionalmente vinculados, da pura e simples previsão constitucional de um direito fundamental – perspectiva objetiva – decorre, para todo e qualquer ente estatal, o dever de proteger tais direitos supraordenados. Na linguagem de Ferrajoli, a previsão constitucional de direitos fundamentais produz a denominada esfera do não decidível, assim entendido um espaço de atuação dos entes públicos em que o agente não dispõe (indisponibilidade dos direitos fundamentais) do poder de decisão acerca do mérito de seu ato. Assim, quando o Estado age, seja produzindo leis, seja praticando atos administrativos, seja ainda, no que nos interessa diretamente aqui, praticando atos jurisdicionais, com fundamento em norma jusfundamental, esse jamais será um ato de governo, caracterizando-se sempre como um ato de garantia daquilo que já decidido (por isso que praticado no âmbito da esfera do não decidível) em nível constitucional (Ferrajoli, 2007).
Essa, do ponto de vista sistêmico, a razão da indisponibilidade dos direitos fundamentais para os entes públicos – essa a indisponibilidade do meio ambiente para o órgão da jurisdição quando decide, porque, em verdade, não decide, apenas deve garantir a preservação daquilo que a Constituição já decidiu. Assim, a decisão judicial acerca do tema do meio ambiente, deve sempre ter em conta que os riscos devem ser evitados, ou seja, não havendo certeza demonstrável que determinada ação não lesará o meio ambiente, ela não deve ser judicialmente autorizada. Disso decorre, como corolário lógico, que há inversão do ônus argumentativo de demonstrar que uma determinada atividade não é ou será lesiva ao meio ambiente.

Sobre o âmbito de proteção do direito ao meio ambiente e a proibição de proteção insuficiente
Há que se considerar a implicação direta do principio da proporcionalidade em relação aos direitos fundamentais, sendo importante sinalar que o segundo subprincípio estruturante da proporcionalidade, qual seja o princípio da proibição de excesso (quanto ao máximo), também opera, com sinal trocado, como princípio da proibição de proteção deficiente (quanto ao mínimo). Relativamente aos direitos fundamentais em que ausente o cunho prestacional em sentido estrito, ou seja, nas situações em que o direito fundamental em espécie não pode ser objeto de uma obrigação de fazer por parte do destinatário da norma jusfundamental, seja o Estado, seja um particular, a possibilidade do respectivo exercício fica condicionada à satisfação de uma prestação em sentido amplo, qual seja a prestação dos direitos à organização e ao procedimento (Freitas, pp. 55-6), além do dever de não lesar.
É dizer: não sendo possível ao Estado ou ao particular produzir meio ambiente, o que de qualquer deles como destinatário da norma jusfundamental se pode juridicamente exigir em favor do titular do direito é o cumprimento do dever de não afetar danosamente (obrigação de não fazer), bem assim como o dever de criar e observar uma organização e um procedimento (obrigação de fazer) constitucionalmente adequados à proteção do direito. Tanto e uma (não afetar danosamente), quanto em outra (estabelecer e respeitar uma organização e um procedimento) das hipóteses, do ponto de vista da dogmática dos direitos fundamentais se está tratando da dimensão de defesa. Nesse aspecto, é importante ressaltar que a determinação do conteúdo específico do direito ao meio ambiente sadio, na perspectiva dos efeitos da dimensão de defesa é preciso ter em mente a atuação dos poderes públicos no sentido de garantir o desfrute efetivo, dispondo sobre a organização e o procedimento indispensáveis à adequada tutela do direito. Aqui ganha relevo a Untermaverbot, ou seja, proibição de proteção insuficiente ou deficiente, assim identificada a estrutura que os direitos fundamentais adquirem quando produzem efeitos na dimensão de defesa como um critério estrutural apto à verificação se um ato ou mesmo uma omissão estatal vulnera um direito fundamental de proteção (Pulido, pp. 800-1).
Nesse passo, sempre pertinente relembrar que o ato jurisdicional, a par de ato estatal, é também um procedimento (Alexy, pp. 472-4) que, na hipótese de processo judicial cujo objeto seja o meio ambiente, está constitucionalmente vinculado ao dever de proteção de posições jurídicas (dos titulares do direito ao meio ambiente sadio) constitucionalmente estabelecidas.
No que diz respeito especificamente ao meio ambiente, por ser este um direito fundamental de base material naturalística, não produzido nem produzível por ação estatal ou de particular, é relevante notar que a respectiva fruição por parte dos titulares depende essencialmente do cumprimento de prestações em sentido amplo (Alexy, pp. 454-482) por parte do ente estatal, mais especificamente do comprimento do dever objetivo de proteção no que diz respeito à organização e ao procedimento. Em relação a esse último, considerando-se o procedimento judicial, nele é possível afirmar-se a necessidade imperiosa da inversão do ônus da prova cuja carga não deve ser atribuída a quem pretende proteger o meio ambiente (para que demonstre que não pretende algo excessivamente protetivo do meio ambiente em detrimento de outro bem jurídico constitucionalmente protegido e com ele em conflito no caso concreto), mas sim a quem pretende realizar alguma ação potencialmente danosa (para que demonstre que não pretende algo que desprotege excessivamente o meio ambiente). É dizer, como o Estado não produz meio ambiente, cabe-lhe, em cumprimento ao dever de proteção, produzir procedimento jurisdicional que assegure proteção constitucionalmente adequada ao meio ambiente.

A precaução como princípio constitucional e sua incidência sobre o direito ambiental
Em sede constitucional/ambiental, como naturalmente decorrente da necessidade de proteção do meio ambiente contra os riscos artificialmente produzidos pela denominada sociedade industrial e mesmo pela sociedade pós-industrial, na qual a capacidade técnico-científica de impactar nos bens jurídicos que conformam o direito ao meio ambiente saudável é cada vez mais ampla, profunda e intensa, o princípio da precaução recomenda que: "De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental" (Art. 15, Declaração do Rio). Mais especificamente, a CF/88, nos incisos do artigo 225 cuida de elencar determinações para que o poder público, cumprindo o dever de proteção específico ao meio ambiente enquanto direito fundamental, definam normativamente e através do estabelecimento de determinadas organizações e procedimentos, meios e modos para que a avaliação de impactos ambientais previna e evite, tanto quanto possível, danos ao meio ambiente. A previsão normativa, porque inserida necessariamente no universo mais abrangente do cumprimento do dever objetivo de proteção, inclui necessariamente a prestação dos efeitos por intermédio da função jurisdicional estatal.
Na lição de Alexy, os direitos a procedimentos judiciais são essencialmente direitos a uma proteção jurídica efetiva, que, em verdade, atuam como condição de uma proteção jurídica que o resultado do procedimento garanta o direito material do respectivo titular (Alexy, p. 472); mesmo quando o procedimento não garanta a conformidade jusfundamental do resultado, ele atua como forma de aumentar a probabilidade de um resultado constitucionalmente adequado; justo por essa razão o direito fundamental exige procedimentos como meio cujo fim é a proteção do direito fundamental (Alexy, p. 473). Em vista disso é que se afirma a existência de uma conexão entre direitos fundamentais (materiais) e procedimentos jurídicos, sendo nítido que o aspecto material e o procedimental se devem reunir em um modelo dual que garanta o primado do aspecto material (Alexy, p. 474).
Essa, enfim, a via que permite a viajem do discurso da proteção jusfundamental do meio ambiente desde sua sede material em nível constitucional, até sua proteção processual por intermédio do procedimento da distribuição do ônus da prova.

Uma nota sobre filosofia do direito – o Direito como integridade
Em singela e superficial síntese, Dworkin (Dworkin, 1999) propõe a questão de se decidir qual a filosofia deve animar a aplicação de um determinado ordenamento jurídico, classificando as possibilidades em três, a saber: o convencionalismo, o pragmatismo e aquela que concebe o direito como integridade. Na primeira hipótese, o convencionalismo propõe a aplicação da norma jurídica a qualquer custo, tal como convencionado que deva ser e de forma equitativa, assim, sendo todos tratados da mesma forma nos procedimentos estabelecidos o resultado será sempre necessariamente justo, porque equânime. Em uma concepção pragmática, de cunho consequencialista, tem-se o entendimento segundo o qual nenhum procedimento será justo se não produzir decisões justas – sejam legais, sejam judiciais -, sendo ponto relevante a consequência, no que ressalta o cariz utilitarista dessa visão. Por fim, o direito concebido como integridade, no que toca à atuação jurisdicional, nas palavras de Dworkin instrui os juízes a identificar direitos e deveres legais, até onde for possível, a partir do pressuposto de que foram todos criados por um único autor – a comunidade personificada -, expressando uma concepção coerente de justiça e equidade Dworkin, pp. 271-2). Em sua obra O Império do Direito, no capítulo VII, Dworkin descreve a metáfora do romance em cadeia, segundo a qual, sendo a concepção do direito como integridade tributária da produção e aplicação interpretativa, cada juiz escreve um novo capítulo de um grande romance que, a par de avançar não pode romper abruptamente com os capítulos anteriores, sob pena de violar a integridade narrativa.
O grande romance jurídico, escrito a várias mãos, exige integridade.
Aqui abandonamos parcialmente a narrativa de Dworkin, ajustada ao modelo da common law norte-americana e voltamo-nos ao modelo brasileiro, tributário que é da tradição romano-germânica, para afirmarmos que a integridade – reclamada pelo Código de Processo Civil, art. 926, caput – deve ser a projeção da configuração constitucional que alcança e perpassa todos os espaços jurídicos. É dizer, as decisões judiciais, por todas as razões já alinhadas, quando tiverem por objeto o direito fundamental ao meio ambiente, devem preservar a integridade do sistema jurídico protegendo necessária e suficientemente o direito material tal como determina a Constituição da República. O grande romance do direito, a ser escrito a várias mãos pelo sistema de justiça brasileiro, a teor do novo CPC, deve ter como elemento essencial a integridade e essa se constrói a partir dos elementos constantes da Constituição da República.
O que se está a afirmar é que a natureza e a estrutura do direito material ao meio ambiente impõe-se como condicionante do procedimento probatório nos processos judiciais que o tenham como objeto de discussão, em especial quanto ao ônus da prova.
A função jurisdicional como função de garantia dos direitos fundamentais
Também a função jurisdicional do Estado se submete à Constituição e, como tal, está obrigada ao comprimento do dever objetivo de proteção a todo e qualquer direito fundamental e, em especial, ao direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado.
Assim o é em razão da vinculação dos entes estatais à Constituição e a respectiva submissão aos seus comandos, dentre os quais interessa sinalar o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. De registrar-se que a função legislativa do Estado já cumpriu seu tanto de dever de proteção ao prever no processo civil a possibilidade e as hipóteses em que cabível a distribuição dinâmica do ônus da prova. Outro tanto cabe à função jurisdicional do Estado por ocasião da aplicação de tal norma, tendo em consideração especialmente a estrutura do direito material em questão, tal como acima sumariado.
A distribuição dinâmica do ônus da prova em processos judiciais que tenham por objeto o direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado devem, portanto, considerar o dever estatal de proteção, pela via possível da prestação em sentido amplo do procedimento jurisdicional constitucionalmente adequado à mais ótima proteção. Por isso que incumbe, modo inquestionável, a quem pretende praticar qualquer ação potencialmente danosa, ou, que coloque em risco a integridade ambiental, o ônus processual de demonstrar a inexistência de qualquer risco ao meio ambiente.

Conclusão
A ideia de direito como integridade é, aqui, o fio condutor que permite percorrer o transcurso que parte da concepção do ordenamento jurídico sumariamente apresentada, inserida em uma ambiência na qual a partir da Constituição são decididas determinadas questões, como a superioridade hierárquica e a centralidade sistêmica dos direitos fundamentais; essa noção perpassa a compreensão do direito ao meio ambiente como algo a ser protegido, em especial por força do princípio da precaução como corolário lógico do dever de proteção ao qual vinculados os entes estatais. Para além disso, com tons de especificidade definida pela estrutura e o conteúdo do direito material ao meio ambiente sadio e equilibrado, o fio condutor atravessa o espaço do princípio da proporcionalidade na dimensão da proibição de proteção insuficiente e, com foros de maior especificidade ainda, desemboca no procedimento judicial relativamente à definição do ônus da prova em sede de processo judicial que tenha por objeto material o direito ao meio ambiente.
Por obra e força, pois, do direito material (meio ambiente), cuja proteção genericamente é o escopo do direito processual, em razão da respectiva natureza demandar a precaução em face da sociedade do risco, nem seria correto falar-se propriamente em distribuição dinâmica do ônus da prova, seja por força de lei, seja por decisão judicial, afigurando-se mais apropriado à gramática constitucional que forçosamente atua sobre a gramática processual, tratar-se do tema como atribuição sistêmica do ônus da prova em favor da proteção ambiental.
Essas, a fim de que se estabeleça o debate, as razões constitucionalmente adequadas para o equacionamento da questão atinente ao ônus da prova em matéria ambiental.






Bibliografia referida:


ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco. Rumo a uma outra modernidade. 2ª edição, 2011, São Paulo: Editora 34.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27 edição, 2012, São Paulo: Malheiros.
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FERRAJOLI, Luigi. Diritti fondamentali, in VITALE, Ermano (a cura di). Diritti fondamentali. Un dibattito teorico. Terza edizione, 2008, Roma-Bari: Laterza.
___. Principia iuris. Teoria del diritto e della democrazia. V. 2. Teoria della democrazia. Roma-Bari: Laterza, 2007.
FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos Fundamentais. Limites e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.
JONAS, Hans. Ética, medicina e técnica. Lisboa: Veja – Passagens, 1994.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins fontes, 1996.
LOSANO, Mario. Sistema e estrutura no direito. Vol. 3. Do século XX à pós-modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito – I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8 edição, 2005, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidade y los derechos fundametales. Madrid: Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2005.



Procurador de Justiça, PhD em Direito Constitucional pela Università Roma Tre; Mestre em Direito Pela PUC-RS; Professor de Direito Constitucional da FMP.



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