Meios de comunicação de massas, opinião pública e democracia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA DISCIPLINA: GRANDES PROBLEMAS INTERNACIONAIS ATUAIS 2015/2

Meios de comunicação de massas, opinião pública e democracia Pietro Barreto Menin

RESUMO O objetivo desse trabalho é discutir o papel dos meios de comunicação de massas, pensando-os no contexto atual: sua importância para a opinião pública, na construção de uma democracia com participação popular e a sua influência sobre a cultura política brasileira. Refletindo criticamente sobre a função realizada pelos meios de comunicação de massas na contemporaneidade, sem perder de vista a conjuntura da organização socioeconômica internacional e trazendo exemplos das experiências de regulação dos meios de comunicação em outras nações americanas, procura-se neste trabalho dar conta da complexidade da situação no Brasil. Será discutido se, e como, no caso brasileiro, existe a necessidade de uma regulação dos meios de comunicação, e como esta eventual regulação pode ser pensada sob a luz das experiências realizadas na Argentina, na Venezuela e nos Estados Unidos.

Meios de comunicação de massas, por que existem e a quem servem? Para realizar uma análise concreta da situação atual dos meios de comunicação de massas, não podemos ignorar a conjuntura socioeconômica global: a hegemonia do modo de produção capitalista renovado pela ideologia neoliberal do final do século XX. O neoliberalismo teve o início marcado pelo Consenso de Washington, conjunto de medidas formuladas em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras sediadas na capital estadunidense, como o Fundo Monetário Internacional, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e o Banco Mundial. Estas medidas passaram a servir de “receita” para os ajustes macroeconômicos dos países em desenvolvimento.

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Esta mudança de rumo do desenvolvimento socioeconômico que diminui o papel do Estado e aposta na racionalidade do mercado para o desenvolvimento das sociedades, se deu concomitantemente a queda do muro de Berlim, a dissolução da União Soviética e ao consequente final do Estado de Bem-Estar Social europeu. O modelo industrial fordista foi ultrapassado e substituído pela produção de modelo toyotista, fragmentada e dispersa nas etapas do processo produtivo. O modelo japonês toyotista intensifica a automação na indústria causando desemprego estrutural, investe no trabalho terceirizado e precário, gerando unidades de trabalho informal e alterando o modelo das negociações salariais. Nesta mesma época a centralidade da economia é modificada: do capital industrial para o capital financeiro, o novo “coração” da economia (CHAUÍ, 2013). Este modelo de desenvolvimento mantém intocável o princípio liberal do direito natural da propriedade privada e a exploração da força de trabalho para a obtenção do lucro, o mais-valor (MARX, 1867). Louis Althusser (1974) afirma que é preciso adicionar a teoria marxista elementos que explicam a reprodução do status quo, do modo de produção vigente. Para Althusser, para melhor compreendermos a teoria de Estado de Karl Marx e levá-la adiante, temos de considerar as duas faces da aparelhagem de Estado, o “Aparelho Repressivo de Estado (AE)”, que funciona, pelo menos no limite, pela violência, e é constituído por: governo, exército, polícia, tribunais, prisões, etc. E os “Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE)”, “um certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas” (1974, p. 43), formado por: AIE religioso (diferentes igrejas), AIE escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e particulares), AIE familiar, AIE jurídico, AIE político, AIE sindical, AIE cultural (Letras, artes, esportes) e AIE da informação (imprensa, rádio, televisão). A primeira diferença entre os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) e o Aparelho Repressivo de Estado (AE) é de que os primeiros são plurais, não estão em unidade de controle, e estes diferem do segundo também por serem pertencentes majoritariamente ao domínio privado ao invés do domínio público. A grande maioria das igrejas, dos sindicatos, boa parte das escolas, as famílias, assim como os meios de comunicação, são pertencentes ao domínio privado. Segundo Althusser, “pouco importa que as instituições que os realizam sejam públicas ou privadas. O que importa é o seu funcionamento.” (1974,

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p. 46), portanto, as instituições privadas podem funcionar também como Aparelhos Ideológicos de Estado. A diferença fundamental entre os dois é: o Aparelho Repressivo de Estado funciona fundamentalmente pela violência, enquanto os Aparelhos Ideológicos de Estado funcionam pela ideologia. Isso não significa que não funcione uma ideologia no campo do AE, mas a ideologia funciona de maneira secundária, prevalecendo a repressão, inclusive física. “Exemplos: O Exército e a Polícia funcionam também pela ideologia, simultaneamente, para assegurar a sua própria coesão e reprodução e pelos valores que projectam no exterior” (1974, p. 47). Inversamente e proporcionalmente, os AIE funcionam prevalentemente pela ideologia, e secundariamente pela repressão, mesmo que, em situações de limite, funcionem pela violência dissimulada ou simbólica. Portanto, não existe aparelho puramente repressivo ou puramente ideológico, mas existe um “duplo funcionamento”: em cada um dos dois tipos de aparelhos de Estado, uma das duas funções é majoritária em relação a outra. Como já dito, uma característica dos AIE é a pluralidade, ou seja, a diversidade de proprietários, suas origens e contextos socioculturais. Entretanto, o que constitui a unidade deste corpo aparentemente disperso é a ideologia, unificada, apesar das contradições e diversidades, na ideologia dominante, ou seja, na ideologia da classe dominante do modo de produção vigente. Considerando que a classe dominante detém a propriedade privada dos meios de produção, obtendo assim o poder sobre o Estado e utilizando o Aparelho Repressivo de Estado para a manutenção da ordem, podemos afirmar que a classe dominante também usufrui do poder ideológico dos Aparelhos Ideológicos de Estado, fundamental para a reprodução das relações exploratórias de produção. O Aparelho Repressivo de Estado, portanto, através da repressão, sejam as ordens administrativas ou a força bruta, assegura as condições para o exercício dos Aparelhos Ideológicos de Estado, estes que, por sua vez, contribuem assegurando as relações de produção. No modo de produção feudal, o poder repressivo se encontrava na Monarquia, e o poder ideológico era exercido pela Igreja, aparelho ideológico de Estado religioso, que acumulava múltiplas funções hoje distribuídas aos distintos aparelhos ideológicos, pois a partir da Igreja, funcionavam o AIE familiar, o AIE político e até o AIE da informação. Portanto, para Althusser, no feudalismo a Igreja era o aparelho ideológico principal, e no capitalismo este papel pertence a escola, entretanto, o aparelho ideológico escolar apesar

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de ser o principal, não trabalha sozinho, mas conjuntamente com outros aparelhos ideológicos. Todos os Aparelhos Ideológicos de Estado têm o mesmo objetivo: a reprodução das relações exploratórias do modo de produção capitalista. O aparelho político sujeita os indivíduos à ideologia política democrática, direta ou indireta, o aparelho religioso marca as cerimônias, influencia a moral e os costumes, e o aparelho de informação, aqui, principal objeto de análise, oferece a todos cidadãos, doses diárias de nacionalismo, liberalismo, moralismo e chauvinismo, através da televisão, do rádio e dos meios de comunicação em geral. Regulação dos meios de comunicação de massas: esclarecer a opinião pública para construir uma democracia de massas Um modelo político democrático pressupõe a participação das massas populares na política, e participação das massas significa muito mais que o mero voto. Significa participar nas escolhas políticas fundamentais e estratégicas para o desenvolvimento da sociedade democrática, uma sociedade de todos, gerida por todos. A tomada de conhecimento, por parte das massas, de sua situação concreta no status quo, das contradições existentes e da desumanização resultante do modo de produção vigente, produz uma consciência crítica popular, que, se trabalhada juntamente com a ação política, se cristaliza no poder de transformar a realidade. É o que chamamos de práxis, a reflexão crítica e a ação dos humanos unidas dialeticamente sobre o mundo para transformá-lo (FREIRE, 1987). É nesse ponto que os meios de comunicação de massas obstaculizam a construção de uma democracia participativa e a superação da exploração de uma classe pela outra: por serem parte dos Aparelhos Ideológicos de Estado, funcionam somente para a reprodução das relações de produção e a manutenção do status quo explorador, unificados pela ideologia dominante, injetando doses de alienação e desinformação nas massas, com o argumento de que procuram “entretê-las” ou “informa-las”. Através dos meios de comunicação, diversas ideologias são depositadas unilateralmente na consciência popular, naturalizando uma série de contradições e omitindo os problemas concretos que deveriam ser esclarecidos e debatidos pelo povo. Como Freire relata (1987), diversos mitos são veiculados até as massas, como o mito de que a ordem vigente é a ordem da liberdade; de que todos, até os miseráveis, têm a mesma chance de serem grandes empresários; de que 4

a classe dominante é heroica, porque é mantenedora da ordem; e de que é generosa, quando o que realiza é falsa ajuda, assistencialismo. Estes mitos são depositados diariamente nas massas através dos meios de comunicação de massas, “como se o depósito deste conteúdo alienante nelas fosse realmente comunicação” (FREIRE, 1987, pg. 79). O que os meios de comunicação realizam, de fato, é a espetacularização da realidade (VARGAS LLOSA, 2012), quando as aparências são transformadas nas essências dos acontecimentos, filtrando a realidade que a massa terá acesso. Esta espetacularização realizada pelos meios de comunicação é um elogio a mercadoria, esta, colocada em posição de tamanha importância que chega a ultrapassar qualquer assunto político, cultural ou social. As ideias são empobrecidas neste modelo mercadológico dos meios de comunicação, que prioriza as imagens, deixa os livros para traz e só “evolui” no sentido audiovisual. Realidade contemporânea: os chefs e os estilistas substituíram os cientistas e filósofos nas sessões de cultura dos meios de comunicação. As “notícias” veiculadas acabam com qualquer noção de tempo, matando “qualquer perspectiva crítica sobre o que ocorre” (VARGAS LLOSA, 2012, pg. 39), pois são veiculadas rapidamente, sobrepostas uma a outra, independente da importância real do seu conteúdo para a população – refugiados de guerra podem ter os mesmos minutos de atenção em um telejornal do que uma lesão de um jogador de futebol. O que é fundamental compreendermos deste trabalho de Mario Vargas Llosa é: a televisão, como meio de comunicação de massas, é a maior demonstração da banalização de conteúdos concretos, tendendo sempre a transformar em espetáculo tudo o que por ela passa. As mutações e distorções que “transformam” a realidade após a passagem pelo filtro midiático são extremamente prejudiciais para a construção de uma democracia que conte com uma opinião pública esclarecida. Como apontam Neto e Cademartori (2013), a democracia constitucional sofre as mazelas da concentração dos meios de comunicação nas mãos de alguns megaempresários, pois o recorte dado nas informações, de acordo com os interesses dos mesmos, trazem problemas como: o caráter personalista que é tradicionalmente estimulado na representação política brasileira através dos estrondosos investimentos publicitários e da falta de conteúdo concretamente político sendo debatido, o que favorece a personalização do poder e o surgimento de líderes de Estado suprapartidários. Este comportamento fica evidente nos posicionamentos dos jornais “populares” em relação à política, que dão atenção apenas aos casos de escândalos de corrupção, tratando problemas estruturais do sistema político no campo da moral, 5

atribuindo “culpa” as legendas partidárias e até incriminando a classe política em sua totalidade. Os grandes debates necessários para a sociedade, a respeito de projetos de lei, reformas que estão sendo clamadas pela população nas ruas e discursos realizados diariamente pelos parlamentares na Câmara e no Senado são reduzidos a pouco importantes ou até a insignificantes nos “jornalões” da mídia. Esta despolitização da realidade social de viés mercadológico e alienante e o uso das mídias como veículos para o mero investimento político-publicitário, segue estimulando a política personalista e enfraquecendo as instituições partidárias que são os instrumentos concretos de representação da pluralidade de interesses de uma sociedade democrática. Outro aspecto citado por Neto e Cademartori que considero alarmante é a confusão na separação entre o domínio público, expresso pela liberdade de expressão e a opinião pública, e o domínio privado, relativo a concentração de poder econômico dos proprietários dos meios de comunicação. Esta confusão entre público e privado é alimentada pela falta de limites regulatórios impostos pelo Estado, e essa concentração de poder impossibilita a difusão das diferentes fontes de informação, fundamentais para uma opinião pública esclarecida e um sistema político substantivamente democrático. Tendo realizado inicialmente uma reflexão crítica a respeito da funcionalidade dos aparelhos ideológicos de comunicação, fica a constatação crucial de que os meios de comunicação de massas agem como poderes invisíveis (BOBBIO, 1997), alheios ao regulamento e ao controle do Estado democrático de Direito, agindo diretamente sobre a população, obstruindo possibilidades da construção de uma opinião pública esclarecida, multiplicando seu capital e elegendo seus próprios representantes na política. Se torna evidente a urgência de discutirmos e trabalharmos para a criação de mecanismos que aumentem o controle do Estado em relação aos oligopólios proprietários dos meios de comunicação. Controle aqui não significa censura, mas regulação das propriedades privada e cruzada dos meios de comunicação de massas. No modelo de meios de comunicação de massas brasileiro atual, da maneira como vem sendo centralizado o poder da informação, a pluralidade de informações é absolutamente desestimulada, a não ser pela “rota de fuga” da internet, onde diversos veículos de comunicação de origens plurais tem conquistado espaço, mas ainda não com força suficiente para disputar hegemonia com os meios de comunicação tradicionais, como rádio e televisão. Neste contexto, as informações produzidas pelos oligopólios midiáticos 6

tendem, cada vez mais, a serem veiculadas como ‘desinformações’, pois alienam e só servem para a defesa dos seus interesses de classe, isto é, a manutenção do status quo – a reprodução das relações sociais de produção exploratórias e a sua naturalização por parte das massas.

Experiências americanas de regulação dos meios de comunicação de massas A regulação da mídia funciona de modos diferentes pelo mundo, e nesta sessão serão exploradas as principais características dos modelos de regulação utilizados em três nações americanas que possuem contextos socioculturais, econômicos e políticos diferentes: Argentina, Estados Unidos e Venezuela. Na Argentina, a Ley de Medios gerou diversas polêmicas e embates da grande mídia com o governo da então presidente Cristina Kirchner. A lei aprovada no primeiro mandato de Kirchner, em outubro de 2009, tinha como objetivo a “regulação dos serviços de comunicação” e a criação de mecanismos para descentralizar e estimular a concorrência, democratizando e barateando a comunicação¹. A lei fixou limite de licenças e área de atuação por setor para cada investidor, desmanchando as propriedades cruzadas dos meios de comunicação. O titular de um serviço de TV a cabo não pode ser titular de um serviço de TV pública ou de rádio da mesma região. A lei também definiu que os canais abertos devem “emitir no mínimo 60% de produção nacional”, “30% de produção própria que inclua noticiários locais” e nas TVs de cidades que possuem população maior que 1,5 milhões de habitantes, 30% de produção local independente. A restrição das propriedades cruzadas dos oligopólios midiáticos argentinos e a pluralidade de licenças incomodaram a oposição política e as empresas de mídia, principalmente a gigante Clarín, que teve de abrir mão de mais de duzentas concessões de TV aberta e a cabo. Os argumentos oposicionistas afirmam que a Ley de Medios atenta contra a “propriedade privada” e a “liberdade de expressão”. Apesar de uma série de disputas judiciais, a Suprema Corte de Justiça da Argentina declarou as normas aprovadas constitucionais. No caso dos Estados Unidos, a propriedade cruzada dos meios de comunicação igualmente é proibida. A FCC (Federal Communications Commission), agência independente do governo, se dedica desde 1934 a regular o mercado das telecomunicações.

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Existem regras que limitam o número de estações de rádio ou canais de TV que uma empresa pode controlar e existe uma regra que obriga os canais a dedicarem 3 horas semanais a programas educativos infantis. A respeito do conteúdo, no país existe o entendimento que o mesmo deve ser regulado pelo mercado e pela opinião pública, e a FCC somente age em casos de abuso, quando regras são descumpridas, como a de veiculação de cenas consideradas impróprias. Casos de difamação e injúria pessoal em mídia impressa geralmente causam processos na Justiça que resultam na aplicação de severas multas. Já na Venezuela, a lei Resorte – Responsabilidade Social em Rádio e Televisão – passou a operar três anos após o conhecido “golpe midiático” de 2002 contra o então presidente Hugo Chávez. A mídia venezuelana apoiou o golpe contra o governo Chávez e não veiculou notícias sobre as manifestações populares resultantes do golpe, que pediam a volta de Chávez ao poder. O canal RCTV (Radio Caracas Televisión), que se posiciona abertamente como oposição ao governo Chávez, não teve sua concessão de televisão aberta renovada. De acordo com a lei, o Estado decide a renovação da concessão, onde o tempo máximo caiu de 25 anos para 15 anos. A hereditariedade é proibida. Em 2010 a lei foi atualizada e passou a contemplar a internet, punindo veículos que não restrinjam o acesso a mensagens que incitam o ódio. A norma, criticada pelo IPYS (Instituto Prensa y Sociedad) como contrária a “liberdade de expressão”, foi aprovada pelos movimentos sociais e entendida como um passo no caminho da democratização dos meios de comunicação. Em dezembro de 2014, já estavam em atividade 244 rádios e 37 televisões comunitárias no país, tendo a maioria recebido, inicialmente, equipamentos do próprio governo para começar a funcionar. A lei Resorte ainda estabelece 50% de reserva da programação para produções nacionais, e a violação da lei pode ocasionar suspensão do sinal do veículo por 72 horas ou até a concessão pode ser revogada em caso de reincidência.

Os meios de comunicação de massas no Brasil A partir dos confrontos políticos que envolveram a regulação dos meios de comunicação na Argentina e na Venezuela, podemos compreender a importância desta discussão para uma nação que se constrói democraticamente. Os interesses dos oligopólios

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midiáticos e seus representantes serão, sem sombra de dúvidas, obstáculos concretos para a democratização dos meios de comunicação de massas no Brasil. No Brasil até a década de 1990, a distribuição das concessões de rádio e TV eram de inteira responsabilidade do Presidente da República. O presidente Fernando Henrique Cardoso, com o intuito de mudar esta prática autoritária, a partir do decreto nº 2.108/96, estabeleceu as licitações públicas e definiu como critérios para a disponibilização das concessões de rádio e TV o preço e a proposta técnica. Teoricamente, descentralizaria o poder de distribuir as concessões. Na antiga legislação, os presidentes tinham plena liberdade de distribuir as concessões para seus correligionários regionais, uma prática utilizada com clareza pelos presidentes do Regime Militar (1964 – 1985) e na presidência de José Sarney (1985 – 1990), quando as concessões foram negociadas e distribuídas em troca de apoio político. O Ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Motta, anunciou que haveria uma revolução nos meios de comunicação, mas na prática, não podemos considerar que as mudanças foram revolucionárias. A partir da prática das licitações, as concessões devem ser assinadas pelo presidente e enviadas ao Congresso Nacional, porém, a “outorga de permissão”, que possibilita a “retransmissão de serviços de radiodifusão de caráter local” (ROLDÃO, 1999) ficou sendo faculdade exclusiva do Ministro das Comunicações. Segundo a revista Carta Capital² (30.09.98, p. 28), durante o governo FHC, 87 parlamentares ganharam permissão para a instalação de estações retransmissoras de televisão. No mínimo contraditório para uma política de comunicação descentralizadora e “revolucionária”. De fato, o que ocorreu no governo FHC foi a flexibilização das comunicações – a privatização das telecomunicações – como já indicava seu programa de governo. Não houve preocupação com a democratização da distribuição de emissoras de televisão e rádio. Na verdade, o que aconteceu foi uma troca de critério: de político para econômico. Durante os governos sucessores, de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o assunto foi mantido em silêncio até o segundo mandato de Rousseff, que após sua reeleição, afirmou que é necessária a regulação econômica das comunicações³. Até o presente momento, não vimos o debate sendo resgatado concretamente. Enquanto isso, os antigos proprietários da mídia advindos do Regime Militar, do governo José Sarney e seus parceiros, permanecem beneficiados, pois herdaram o legado das escolhas com viés político e econômico do século passado. O que é extremamente preocupante, pois o Brasil 9

não é mais o mesmo do século XX e os barões dos meios de comunicação continuam controlando a maior parte do que a população assiste, escuta e lê.

Considerações finais Tendo como base a breve análise de conjuntura socioeconômica global, levando em consideração a função realizada pelos meios de comunicação de massas neste contexto, e refletindo a partir das experiências de regulação argentina, venezuelana e estadunidense, podemos chegar à uma conclusão: a regulação dos meios de comunicação é imprescindível para uma democracia saudável. O estímulo à pluralidade de ideias, práticas e movimentos sociais são fatores cruciais para o exercício livre e substantivo da democracia. Uma opinião pública que é influenciada por meios de comunicação concentrados nas mãos de alguns grupos oligárquicos pode ser considerada uma patologia grave da democracia constitucional brasileira. Para não cairmos no erro da censura e da privação da liberdade de expressão, temos de mobilizar o ataque a esta patologia onde ela ergueu seus pilares estruturantes: no campo econômico. A regulação econômica dos meios de comunicação passa fundamentalmente pelo fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação, como no modelo argentino e estadunidense, para que seja possível estimular produções comunicativas regionais, independentes e populares, possibilitando as diferentes vozes da sociedade entrarem no jogo democrático disputando o imaginário da população, com suas perspectivas próprias, de acordo com suas peculiaridades geográficas, socioeconômicas, políticas e culturais. As experiências argentina e venezuelana nesse ponto podem servir de exemplo teórico e prático: o embate com os oligopólios e seus representantes políticos será tenso e inevitável, e por isso a discussão tem de ser mobilizada o quanto antes pelos representantes legislativos e deve ser aberta à discussão da população, para que de maneira transparente e democrática se realize o debate e avancemos no campo dos meios de comunicação de massas. O que podemos afirmar, veementemente, é que no modelo de “regulação” (ou desregulação) brasileiro atual, a prática substantiva da democracia se torna inexequível, pois a opinião pública sofre a influência do poder ideológico dos oligopólios proprietários 10

da comunicação, que defendem seus interesses como classe dominante, aumentam seus impérios midiáticos, e não por acaso, mantém o imaginário verde-amarelo preso em um país já ultrapassado: o Brasil do café com leite, do autoritarismo centralizador e da exclusão das camadas menos abastadas da sociedade. A Constituição cidadã de 1988, construída com mobilização social, diálogo e luta dos trabalhadores, trouxe para o povo brasileiro uma série de direitos reivindicados a centenas de anos, como a universalização dos direitos sociais e políticos. Fica uma pergunta no ar: quando conquistaremos o direito de pensarmos livremente sem sermos atrapalhados?

Referências CHAUÍ, Marilena. Uma nova classe trabalhadora. In:______. 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma / Emir Sader (org.) – São Paulo, SP: Boitempo; Rio de Janeiro: FLACSO Brasil 2013. MARX, Karl. O Capital – Livro 1 – O processo de produção do capital – vol. 1. 1867. Ed. Civilização Brasileira, 2014. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Tradução Joaquim José de M. Ramos. Portugal: Ed. Presença; Brasil: Ed. Martins Fontes, 1974. CADEMARTORI, Daniela Mesquita Leutchuk de; NETO, Elias Jacob de Menezes. Poder, Meios de Comunicação de Massas e Esfera Pública na Democracia Constitucional¹. Revista ‘Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos’, 2013. Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. BOBBIO, Norberto. A democracia e o poder invisível. In: ______. O futuro da democracia. 6. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 41-64 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. VARGAS LLOSA, Mario. A civilização do espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Rio de Janeiro, Editora Objetiva LTDA, 2012. ROLDÃO, Ivete Cardoso C. O governo FHC e a política da radiodifusão. In: Congresso brasileiro de Ciências da Comunicação, 22, 1999.

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Periódicos 1. Como funciona a regulação de mídia em outros países? BBC Brasil. 01.12.2014 - http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/12/141128_midia_paises_lab 2. Poder é o canal. Revista Carta Capital, nº 83, 30.09.98. Carta Editorial, p.2834 3. O

que

significa

regular

a

mídia?

BBC

Brasil.

29.11.2014

-

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/11/141128_regulacao_midia_l ab

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