Meios de Pagamento no Brasil, 1952 - 1964.

June 29, 2017 | Autor: L. Simões de Souza | Categoria: Economia, Brasil
Share Embed


Descrição do Produto

1

MEIOS DE PAGAMENTO NO BRASIL DURANTE

O

CICLO DE 1951 – 1964 Luiz Eduardo Simões de Souza1

1. Introdução O objetivo deste texto é o estudo de algumas características da emissão monetária do Brasil, durante o ciclo de 1951 – 1964, em que se observou a aplicação de políticas desenvolvimentistas no país, tendo este alcançado significativo desenvolvimento econômico. 2. Contextualização O fim da Segunda Guerra marca uma retomada das políticas cambiais, após dificuldades do fluxo de capitais externos e internos no período Vargas, caracterizado pelo esforço em proteger o país da saída de capitais durante os anos da Depressão. Intentando abrir a economia brasileira, e comprometidas com o projeto liberal norte-americano, as autoridades monetárias retiraram várias restrições à saída de divisas do país, outrora implementadas pelo Estado Novo. A justificativa dessa medida era a possibilidade de estímulo de novos ingressos de capitais privados no futuro. Apesar do bom desempenho dos preços do café durante a guerra da Coréia, que elevou o volume de entrada de divisas no Brasil entre 1950 e 1951, os programas de investimento em infra-estrutura promovidos pelo governo exigiram importações e demandaram maior receita de divisas. O resultado desse conjunto de políticas cambiais foi uma saída líquida da ordem de mais de 500 milhões de dólares entre 1946 e 1952 . 2

Isso motivou a Instrução 70 da SUMOC, de 1953, que promoveu uma reforma cambial, com o objetivo de estimular ainda mais as exportações e equilibrar a balança comercial. Novos recursos externos foram procurados.

Mas a redução progressiva das

exportações no restante da década de 50, somada aos compromissos externos crescentes, 1Texto 2

escrito em 2001. Segundo BARBOSA, 1982, p.35 .

2 recolocava o problema de conciliar metas de crescimento econômico com as restrições externas. Após o governo Dutra, de pouca efetividade na apuração de resultados da política de desenvolvimento, houve um movimento no sentido da reversão da tendência de favorecimento da indústria doméstica do processo de substituição de importações, rumo à expansão do espectro de influência do capital estrangeiro no país.

As políticas de

liberalização cambial, iniciadas à Instrução no. 70 da SUMOC, e reformulação do perfil do crédito liberado ao investimento industrial marcariam o governo após Getúlio Vargas (1951 -1954). A abertura ao capital estrangeiro seria efetivada no governo seguinte, através da intensificação das políticas anteriores - como, por exemplo, na Instrução no. 113, da SUMOC - e mesmo do financiamento de atividades do capital externo com recursos públicos, à custa do endividamento nacional. Com a recuperação das economias européias e sua necessidade de expansão pelos mercados internacionais, as atenções das empresas multinacionais se voltaram para o Brasil. A expansão industrial vinculada ao Plano de Metas teve um perfil multinacional acentuado, bastante diferente do inicial. Isso conferiu à indústria dos últimos anos da República de 1946 um forte componente de interesse externo, que, certamente, teve peso nos desdobramentos políticos e econômicos posteriores no país. No âmbito das políticas de desenvolvimento regional, buscou-se a criação de pólos industriais no sudeste, aproveitando a acentuada concentração industrial da região, originária de tentativas anteriores . 3

A inauguração de Brasília encontraria o modelo de industrialização, originalmente baseado na substituição de importações, então progressivamente atrelado ao capital externo. Herdando uma dívida incapacitante, além da crise política desencadeada pelo interlúdio de Jânio Quadros na presidência, João Goulart não conseguiria dar continuidade ao processo, mesmo com o Plano Trienal, até sua deposição pelos militares, em 1964. Entre 1951 e 1964, o Brasil cresceu à taxa média de 6,7% ao ano, quase atingindo a dobra do Produto Interno Bruto ao final da década.

3

Maiores detalhes em SOUZA, 1999.

3

Tabela 01: Brasil: Produto Interno Bruto Fonte: IBGE 1958 = 100 taxa de Ano crescimento PIB 1951 4,9 68 1952 7,3 72 1953 4,7 75 1954 7,8 81 1955 8,8 86 1956 2,9 88 1957 7,7 93 1958 10,8 100 1959 9,8 106 1960 9,4 112 1961 8,6 118 1962 6,6 122 1963 0,6 123 1964 3,4 125 As médias qüinqüenais de crescimento econômico apontam elevação significativa da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto durante o período 1956 – 1960, conforme podemos ver na Tabela 01-B, em comparação com os meios de pagamento: Tabela 01-B: Produto Interno Bruto X Meios de Pagamento Anos

taxa média de crescimento (1)

1951-1955 1956-1960 1961-1965

Fonte: IBGE(1) e SUMOC(2)

6,70% 8,12% 4,32%

expansão dos meios de pagamento (2)

17,86% 31,48% 65,95%

4

3. Meios de Pagamento Nos anos 50 e 60, os meios de pagamento se expandiram fortemente, como se vê a seguir: Tabela 02: Brasil: Meios de Pagamento (1958 = 100)

Papel-Moeda em Poder do Público

Meios de

Pagamento Ano 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 fonte: SUMOC

29 35 43 50 62 83 100 142 196 295 482 791 1469

32 38 49 57 68 81 100 127 170 256 398 686 1148

Moeda Escritural 29 34 40 48 59 83 100 147 206 310 515 832 1596

A expansão correlata dos meios de pagamento, como se verifica na Tabela 02, pela evolução do papel-moeda em poder do público e da moeda escritural, implicou numa razão do multiplicador bancário sempre acima de 2,0 o que certamente favoreceu as políticas expansionistas do governo, além de expressá-las. Na composição relativa dos meios de pagamento, observa-se a constatação do favorecimento de moeda escritural, conforme o Gráfico 01:

5

Gráfico 01 Brasil: Meios de Pagamento 1950 - 1964 (% sobre o total do ano) 90,00%

80,00%

70,00%

60,00%

Papel-Moeda e

Moeda Escritu 50,00%

40,00%

fonte: SUMOC 30,00% das autoridades monetárias brasileiras, ou seja, o comprometimento da O passivo

capacidade do governo em financiar o setor privado, cresceu mais de 67 vezes entre 1952 e 20,00%

1964. O papel-moeda em circulação aumentou pouco mais de 40 vezes, sendo que o papelmoeda em poder do público acompanhou a pouco mais da metade do aumento do passivo o 10,00%

crescimento das obrigações a pesarem na promoção das políticas monetárias governamentais. Por sua vez, as obrigações da carteira de câmbio, após um breve alívio 0,00% resultante dos efeitos da Instrução no. 70 da SUMOC, retomaram um crescimento tal que, em nove anos, aumentaram em mais de 186 vezes na composição das obrigações. A vairável de maior aumento em termos absolutos da realização do passivo consistiu nos depósitos à vista e a curto prazo realizados no Banco do Brasil – este agindo como banco comercial – pela SUMOC: de 1951 a 1964, tais depósitos cresceram em mais de 360 vezes. Tais informações podem ser constatadas na Tabela 03.

6

Tabela 03: Passivo das Contas de Banco Central das Autoridades Monetárias 1958=100 Anos Papel-Moeda em Circulação em poder em poder total do público dos bancos

Obrigações da Carteira de Câmbio

Depósitos à Vista E a Curto Prazo Estados e Municípios

Autarquias

Bancos comerciais no Banco do outros no Brasil, pela Banco do SUMOC Brasil

1951 29 34 1952 32 36 1953 38 40 1954 49 46 1955 57 53 1956 68 66 1957 81 76 1958 100 100 1959 127 138 1960 170 181 1961 256 256 1962 398 521 1963 686 884 1964 1148 1562 Fonte: Relatórios da SUMOC

29 32 38 49 57 67 81 100 129 171 256 414 712 1204

52 52 64 71 65 126 126 100 81 151 669 696 1179 3403

26 29 38 43 44 57 88 100 131 238 435 517 806 2185

9 12 15 19 22 32 86 100 156 249 381 815 1674 3277

Total do Passivo

total

total

26 20 22 38 29 29 42 33 35 44 35 38 56 44 44 64 53 55 106 99 95 100 100 100 168 164 152 219 230 232 306 332 369 498 608 579 855 1139 1031 1367 2029 2092

compulsórios fechamento sobre promessas do câmbio cambiais

264 985 545 240 161 112 112 100 44 1634 11900 16038 12751 40777

total

19 103 18 350 46 218 33 104 68 100 27 56 44 67 100 100 153 115 187 684 592 4480 3274 7663 4366 7249 7894 19201

23 28 33 43 50 64 84 100 122 181 308 479 800 1542

7

A evolução incremental dos meios monetários, observada em nível máximo de agregação, tendeu à permanente aceleração, como podemos ver no Gráfico 02:

Gráfico 02: Brasil: Taxa Incremental dos Meios de Pagamento: 1952-1954

50

40

30

20

10 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 Fonte: Relatórios da SUMOC, vários anos.

MPVP

Durante os cinco primeiros anos do ciclo, os meios de pagamento expandiram-se à taxa média estimada de 15%, com pequenas desacelerações em 1952 e 1955, que podem ser atribuídas aos efeitos da retração da economia mundial no início do Pós-Guerra e à Guerra da Coréia no campo dos fatores externos, bem como dos efeitos restritivos iniciais da política creditícia empreendida em pleno ano eleitoral pelo Governo Café Filho, como se pode ver na seguinte tabela:

Tabela 04: Brasil - Expansão de Crédito - Média Mensal 1954-1955 (%) Jan-Ago 1954 Governo Vargas Banco do Brasil 3,8 Bancos Comerciais 1,9 Meios de Pagamento 1,5 Fonte: Banco do Brasil, Relatório 1955

Jan 55 – Mar 55 Gestão Gudin

Abr - Set 55 Administração Whitaker

0,4

1,2

0,1

1,6

1,3

1,7

8 Nos primeiros anos do governo de Juscelino Kubitschek houve significativo reforço da política de liberalidade emissória, até uma forte retração em 1958, em que se conteve a intensidade do ritmo de emissões ao nível de 1956. Contudo, no ano seguinte retomou-se a expansão monetária a níveis ainda maiores, em marcha somente interrompida pelas transições dos governos subseqüentes, acentuando-se a tendência de predomínio da Moeda Escritural sobre o Papel-Moeda Emitido. Isso certamente deveu-se à necessidade de fornecer recursos às diferentes praças na corrida expansiva do período 1956-60, e com a forte escassez localizada de recursos, como aquelas que produziram as crises bancárias das praças de São Paulo e Recife em 1958. Assim, nos interessa a observação separada do comportamento dos agregados monetários . No Gráfico 03, temos a taxa incremental da emissão de papel-moeda no 4

período:

Gráfico03: Brasil: Taxa Incremental da Emissão de Papel-Moeda, 1952-1964 50 40 30 20 10 0 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 fonte: Relatórios da SUMOC, vários anos

PMEP

O primeiro aspecto denotado nessa variável componente é a ausência do “vale” de 1958. O comportamento da intensidade emissória de papel-moeda parece determinar as oscilações dos meios de pagamento até o início do governo Kubitschek, durante o qual não há mácula da reta ascendente de incrementos de papel-moeda emitido. Note-se que 4

Em apêndice final, apresentam-se as componentes dos meios de pagamento, de acordo com valores absolutos e participações percentuais no total .

9 Jânio Quadros, eleito frente à crise inflacionária de 1960, conteve a aceleração do ritmo de emissões do ano eleitoral, mantendo-o, contudo, à mesma pendente do governo de JK. A proximidade dos dados e o peso dos eventos de 1964 não nos possibilita análise muito segura da situação das emissões nesse ano, mas não nos parece muito fora de

GRÁFICO 04 Brasil: Incremental de Caixa em Moeda Corrente do Banco do Brasil, 1952 - 1964 60 40 20 0 -20 -40 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 Fonte: SUMOC

CMBP

propósito uma política de contenção da liquidez monetária do público promovida a mando de agentes políticos influentes desejando participação ainda maior de um Estado comprometido com seus interesses. Ao observar-se a evolução do incremental de caixa em moeda corrente do Banco do Brasil, no gráfico 04, verifica-se nas oscilações pré-1957 e nos vales de 1954 e 1956 outro efeito deliberado de política monetária frente às conseqüências da crise mundial: diante da iminência de restrição creditícia, liberaram-se os redescontos do Banco do Brasil, o que pode ter permitido a abertura de facilidades de crédito e parte da sustentação da política de liberalidade cambial. Com isso, apesar do comportamento distinto dessa variável que, enfim, é componente da taxa de crescimento do papel-moeda em circulação, esta tem perfil mais assemelhado à expansão de emissão de papel-moeda, conforme o gráfico 05, reforçando a idéia de que a retração monetária de 1958 foi objeto de política de favorecimento da moeda fiduciária.

10

Gráfico 05 Brasil: Incremento do Papel-Moeda em Circulação, 1952 - 1964

50 40 30 20 10 0 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 Fonte: Relatórios da SUMOC, vários anos.

Para verificar-se a afirmação anterior, realizaram-se três regressões, nas quais a variável dependente foi PMCP (Papel-Moeda em Circulação), alternando-se as variáveis independentes CMBP (Caixa em Moeda Corrente do Banco do Brasil) e PMEP (PapelMoeda Emitido), realizando-se, por fim, a regressão com as duas variáveis independentes. Os seguintes resultados se apresentaram: 1) PMCP, com CMBP independente – baixo poder explicativo (35,3%). 2) PMCP , com PMEP independente – alto poder explicativo (99, 9%), com pouca probabilidade de auto-correlação entre as variáveis (estatístico Durbin-Watson superior a 2,2); 3) PMCP, com as duas independentes - alto grau de poder explicativo (99,9%), com pouca probabilidade de auto-correlação entre as duas variáveis (estatístico DurbinWatson superior a 2,6)

PMCP

11 No Gráfico 06, temos os incrementos de caixa em moeda corrente dos Bancos Comerciais:

Gráfico 06 Brasil: Incrementos de Caixa em Moeda Corrente dos Bancos Comerciais

60 50 40 30 20 10 0 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 Fonte: SUMOC

CMCP

Não foi encontrada nenhuma relação dos encaixes do setor privado com os encaixes do Banco do Brasil, assemelhando-se o comportamento dos encaixes em moeda corrente dos bancos privados a uma composição dos incrementos do papelmoeda em circulação com a evolução da moeda escritural. O resultado da contabilização de todas as variáveis desagregadas anteriores, a taxa de variação do papel-moeda em poder do público, sintetiza o comportamento do papel-moeda no período (gráfico 07): intensa expansão contida pela crise do início da década de 50, logo seguida de expansão progressivamente acelerada até o final do Governo Kubitschek, quando a saída para a manutenção do projeto de desenvolvimento associado ao capital estrangeiro ameaçado pela inflação pareceu ser, aos olhos dos formuladores de política monetária, conter a expansão dos meios de pagamento ao público.

12

Gráfico 07: Brasil: Taxa Incremental do Papel Moeda em Poder do Público: 1952 - 1964

50 40 30 20 10 0 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 Fonte: Relatórios da SUMOC, vários anos.

PMPPP

Na composição da variável agregada final dos meios de pagamento, a moeda escritural parece ter participado sobretudo com a inserção da crise de 1955. Como nos mostra o gráfico 08, tanto nos momentos de redução dos encaixes do Banco do Brasil devido a dificuldades na obtenção de crédito, como em 1954 – 56, quanto na expansão de moeda escritural empreendida a partir do Governo Kubitschek, entre 1957 e 1961, os bancos comerciais preferiram tomar caminhos menos audaciosos, provavelmente investindo em ativos de menor liquidez.

13

Gráfico 08: Brasil: Incrementos das Moedas Escriturais das Autoridades Monetárias e Bancos Comerciais

60 50 40 30 20 10 0 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 fonte: SUMOC

AMP

BCP

Ao final da exposição dos dados pesquisados, sobra ainda uma relação a ser estudada: a da evolução dos meios de pagamento com o produto. A indicadores estáveis da regressão realizada, tendo como variável dependente a taxa real de crescimento do PIB , a taxa de expansão monetária explica aquela última em apenas 13%. Contudo, a 5

regressão realizada a partir das duas variáveis reduzidas ao índice 100 – tomando-se como ano-base a mediana 1958 -

tem um poder explicativo de 89% da variável

independente sobre a dependente. A baixa probabilidade de autocorrelação manifesta-se pelo teste de Durbin-Watson a 2,06. Assim, seria mais apropriado dizer que uma eventual ação do governo teria muito mais de “reação” frente a outro evento da 6

economia nacional de igual ou maior porte do que a determinação da quantidade de meio circulante ou disponibilização de meios de pagamento. O estabelecimento da "verdade cambial", através da Instrução 204 da SUMOC, de fevereiro de 1961, e suas similares seguintes, parecem haver influenciado os desencontros visíveis dos incrementos das moedas escriturais, como visíveis no gráfico 08. O que certamente aponta para as flutuações e as crises ocorridas em 1963 e no pós64.

5 6

estatístico Durbin -Watson de 1,13, indicando moderada possibilidade de autocorrelação. Seria exagero falar em “políticas anticíclicas” no caso brasileiro.

14

4. Conclusões

Ao longo da história da formação do capitalismo no Brasil, o país oscilou entre duas tendências principais. Em certos momentos, houve predomínio de uma inclinação no sentido de um capitalismo nacional, razoavelmente autônomo, apoiado no mercado interno, com centros decisórios internalizados, aspirando ao desenvolvimento econômico auto-sustentado. Em outros momentos predominou a inclinação no sentido da associação com o interesse externo, procurando vantagens imediatas junto às multinacionais. A supremacia, ao longo dessa história, foi do capitalismo associado. O que passou a predominar desde o Programa de Metas foi um sistema econômico altamente associado com as multinacionais, delas dependente e voltado à satisfação das exigências do capital internacional . Não se pode, contudo, atribuir-se às políticas 7

desenvolvimentistas empreendidas por JK, que tiveram um arremedo de continuidade no Plano Trienal do governo João Goulart, inconcluso pelas ações dos militares incentivadas também pelo capital estrangeiro, para quem era a hora de acanhar os impulsos desenvolvimentistas do país. Em nossa análise, a intervenção estatal em nossa economia revelou-se, com o tempo, mais indicada ao atendimento de demandas por tarefas “desagradáveis” ou “contraproducentes” ao estabelecimento pleno da hegemonia do capitalismo associado do que à realização de um projeto nacionalista. O momento em que instalam-se as bases efetivas do capitalismo associado no Brasil deu-se em meados da década de 50, com ativa participação do aparelho do Estado. As políticas de relação com o meio circulante, tanto do lado cambial, quanto do lado emissório, dificilmente manifestariam outra coisa que não estreita coadunação com o capital estrangeiro. Mesmo o endividamento público resultante, entre outros fatores, da expansão de moeda escritural promovida a partir da segunda metade da década de 50, mostra que o sistema monetário praticamente coagia o investidor brasileiro a aproveitar as brechas das instruções de câmbio da SUMOC, emitindo 7

Cf. IANNI, 1989, p. 263 e seguintes.

15 obrigações de regulagem de câmbio à ordem de mais de dez para um ao ano, sepultando, através de sucessivos “saques sobre o futuro”, a oportunidade de um desenvolvimento autônomo do processo de substituição de importações. Em 1961, ainda durante o Governo Quadros, orientado por órgãos internacionais a realizar a desvalorização da moeda nacional frente ao dólar – na chamada “realidade cambial” – teria início o reforço de políticas recessivas, com o intuito de frear o desenvolvimento. Tais novas políticas não encontrariam identidade de ação no governo nacionalista de João Goulart, mas o Golpe Militar de 1964 reconduziria ao Planalto as políticas recessivas, promotoras do desaquecimento da economia brasileira observado no triênio seguinte.

16

Tabela A.1 – Meios de Pagamento sobre o Passivo como participação do total Anos

Papel-Moeda em Circulação em poder em poder total (3) do dos público bancos (1) (2)

Estados e Municípios (4)

Depósitos à Vista e a Curto Prazo Autarquias bancos comerciais (5)

53,57% 47,96% 49,77% 49,17% 49,77% 45,34% 41,80% 43,11% 44,98% 40,45% 35,86% 35,79% 36,96% 32,11%

9,85% 8,42% 8,08% 7,14% 7,18% 6,86% 6,12% 6,73% 7,59% 6,73% 5,58% 7,31% 7,44% 6,81%

63,41% 56,39% 57,85% 56,32% 56,95% 52,20% 47,92% 49,83% 52,57% 47,18% 41,44% 43,10% 44,40% 38,92%

0,49% 0,39% 0,42% 0,36% 0,28% 0,43% 0,33% 0,22% 0,14% 0,18% 0,47% 0,32% 0,32% 0,48%

Fonte: SUMOC – Relatórios – vários anos.

9,46% 8,51% 9,68% 8,32% 7,30% 7,40% 8,70% 8,31% 8,93% 10,91% 11,73% 8,96% 8,38% 11,77%

total (9) compulsórios sobre promessas cambiais (10)

no Banco do Brasil, outros no pela Banco do SUMOC (6) Brasil (7)

1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964

Obrigações da Carteira de Câmbio

2,25% 2,59% 2,69% 2,55% 2,63% 2,89% 6,00% 5,89% 7,51% 8,10% 7,28% 10,02% 12,33% 12,51%

12,77% 14,76% 14,27% 11,42% 12,45% 11,00% 13,94% 11,10% 15,28% 13,46% 11,03% 11,53% 11,86% 9,84%

fechamento do câmbio (11)

Total do Passivo (13)

total (12)

total (8)

15,02% 17,34% 16,96% 13,97% 15,08% 13,89% 19,95% 16,98% 22,79% 21,56% 18,31% 21,55% 24,19% 22,35%

24,98% 26,25% 27,06% 22,65% 22,66% 21,71% 28,98% 25,51% 31,86% 32,65% 30,51% 30,83% 32,89% 34,61%

3,90% 11,74% 5,61% 1,89% 1,10% 0,59% 0,45% 0,34% 0,12% 3,06% 13,08% 11,34% 5,40% 8,96%

0,53% 0,40% 0,91% 0,49% 0,89% 0,28% 0,34% 0,65% 0,81% 0,67% 1,24% 4,42% 3,53% 3,31%

4,42% 12,14% 6,52% 2,38% 1,99% 0,86% 0,79% 0,99% 0,93% 3,73% 14,32% 15,76% 8,93% 12,27%

100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%

17

Tabela A.2 MEIOS DE PAGAMENTO em CR$ 1000000,00 Ano

PapelMoeda Emitido (1)

1950 31202 1951 35316 1952 39280 1953 47002 1954 59039 1955 69340 1956 80819 1957 96575 1958 119814 1959 154621 1960 206140 1961 313858 1962 508780 1963 888768 1964 1483765

Caixa em Moeda Corrente do Banco do Brasil (2)

PapelMoeda em Circulação (3)

1633 29569 1662 33654 2208 37072 2983 44019 2969 56070 4001 65339 3157 77662 3396 93179 4522 115292 6160 148461 8618 197522 18284 295574 31036 477744 67368 821400 95440 1388325

Caixa em Papel-Moeda Moeda em Poder do Corrente dos Público [3 - 4] Bancos (5) Comerciais (4)

Moeda Escritural

Autoridades Monetárias (6)

4453 25116 5225 28429 5539 31533 6151 37868 7113 48957 8240 57099 10204 67458 11902 81277 15561 99731 21436 127025 28168 169354 39800 255774 81066 396678 137575 683825 243000 1145325 fonte: Relatório da SUMOC

8289 10096 12283 14942 17624 18487 23184 33614 37275 51916 84433 175223 267878 404440 965316

Bancos Comerciais (7)

Total (8)

Total dos Meios de Pagamento (5) + (8)

44917 53206 78322 52224 62320 90749 60336 72619 104152 71259 86201 124069 84893 102517 151474 102336 120823 177922 126641 149825 217283 176647 210261 291538 216132 253407 353138 321631 373547 500572 438245 522678 692032 610845 786068 1041842 1037749 1305627 1702305 1703918 2108358 2792183 3078500 4043816 5189141

18

Tabela A.3 MEIOS DE PAGAMENTO porcentagem sobre o total do ano referido Ano

1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964

PapelMoeda Emitido (1)

39,84% 38,92% 37,71% 37,88% 38,98% 38,97% 37,20% 33,13% 33,93% 30,89% 29,79% 30,13% 29,89% 31,83% 28,59%

Caixa em Moeda Corrente do Banco do Brasil (2)

2,08% 1,83% 2,12% 2,40% 1,96% 2,25% 1,45% 1,16% 1,28% 1,23% 1,25% 1,75% 1,82% 2,41% 1,84%

PapelMoeda em Circulação [1-2] (3)

37,75% 37,08% 35,59% 35,48% 37,02% 36,72% 35,74% 31,96% 32,65% 29,66% 28,54% 28,37% 28,06% 29,42% 26,75%

Caixa em Papel-Moeda Moeda em Poder do Corrente dos Público [3 - 4] Bancos (5) Comerciais (4)

Moeda Escritural

Autoridades Monetárias (6)

5,69% 32,07% 5,76% 31,33% 5,32% 30,28% 4,96% 30,52% 4,70% 32,32% 4,63% 32,09% 4,70% 31,05% 4,08% 27,88% 4,41% 28,24% 4,28% 25,38% 4,07% 24,47% 3,82% 24,55% 4,76% 23,30% 4,93% 24,49% 4,68% 22,07% fonte: Relatório da SUMOC

10,58% 11,13% 11,79% 12,04% 11,64% 10,39% 10,67% 11,53% 10,56% 10,37% 12,20% 16,82% 15,74% 14,48% 18,60%

Total dos Meios de Pagamento (5) + (8)

Bancos Total [6 + 7] Comerciais (7) (8)

57,35% 57,55% 57,93% 57,43% 56,04% 57,52% 58,28% 60,59% 61,20% 64,25% 63,33% 58,63% 60,96% 61,02% 59,33%

67,93% 68,67% 69,72% 69,48% 67,68% 67,91% 68,95% 72,12% 71,76% 74,62% 75,53% 75,45% 76,70% 75,51% 77,93%

100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00% 100,00%

19

Gráfico A.01: Meios de Pagamento do Banco do Brasil (composições sobre o total do passivo) 70,00%

Papel-Moeda em Circulação Depósitos à Vista e a Curto Prazo Obrigações da Carteira de Câmbio depósitos+obrigações

60,00%

50,00%

40,00%

30,00%

20,00%

10,00%

0,00% 1951

1952

1953

1954

1955

1956

1957

1958

1959

1960

1961

1962

1963

1964

20

5. Bibliografia ABREU, Marcelo de Paiva (org.), A Ordem do Progresso: Cem Anos de Política Econômica Republicana: 1889 – 1989. Rio de Janeiro, Campus, 1990. BAER, Werner. A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico no Brasil. Rio de Janeiro, FGV, 1966. BANCO DO BRASIL. Relatórios. 1955, 1958, 1962, 1965. BARBOSA, Wilson do Nascimento. Balanço do Período 1930 – 1964 na Economia Brasileira: uma visão de longo prazo. São Paulo, Departamento de História da USP. 1982. CARONE, Edgard. A Quarta República (1945 – 1964). São Paulo, Difel, 1979. ________, ______. A República Liberal:Instituições e Classes Sociais (1945 – 1964). São Paulo, Difel, 1985. FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional-Publifolha, 27a. ed., 2000 (1959). IANNI,

Octavio. Estado e Capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 2a. ed., 1989

(1965). INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Anuário Estatístico.vários anos. LEFF, Nathaniel H. Política Econômica e Desenvolvimento no Brasil: 1947 – 1964. São Paulo, Perspectiva, 1977. PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 21a. ed., 1981 (1945). SIMONSEN, Mario Henrique. Macroeconomia. Rio de Janeiro, FGV-Atlas, 9a. edição, 1995 (1985). SOUZA, Luiz Eduardo Simões de. A Indústria Brasileira Nasceu Grande? Controversa 20, ago-set 1999. SUPERINTENDÊNCIA DA MOEDA E DO CRÉDITO (SUMOC). Relatórios. 1956, 1965. TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. São Paulo, Zahar, 1972.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.