MEMORIA- 26(2015)_ Bordado Madeira

July 27, 2017 | Autor: Alberto Vieira | Categoria: History of Madeira Islands, Madeira, Bordados, Historia Da Madeira
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Março / 2015

portfolio:

Bordados da Madeira

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O bordado

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O protagonista

[uma história de vida(s)]

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á lugares onde o tempo se demora. Há lugares onde a História se borda, porque a História da Madeira é [também] uma História de se bordar. Há lugares assim: feitos de tesouros embrulhados em papel de seda, feitos de histórias de gente sem nome, feitos de viagens. Há lugares que ajudam a construir outras histórias, possibilitando mais um dinheirinho para ajudar a subsistência, abrilhantando festas em outros lugares do mundo, permitindo levar a Ilha em viagem… Este é um lugar desses. Fica na Rua das Mercês, 31.

E tem um rosto: Joaquim Pedro Drumond de Sá e Sousa. Data de nascimento: 16 de agosto de 1937 Profissão: Fabricado de Bordados da Madeira, melhor dizendo: “Manufactures and Exporters of Madeira hand made Embroideries”.

João Eduardo de Sousa, Lda. [esta firma] P6

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Os Mercados

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A Fábrica

Centro Estudos de História do Atlântico (CEHA) | Rua das Mercês, nº 8, Funchal | Tel: 291 214 970 • Fax: 291 223 002 • Emails: [email protected] | [email protected] | [email protected]

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Toada bordada Alma à roda urde e Borda.

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..esses bordados cuja perfeição nos enleva são muitas vezes feitos por uma pobre mulher mal arranjada, descalça, que vae com o bordado na mão até ao calhau, até à roda da maré, vigiar se o barquinho onde anda o seu velho à pesca já vem para o porto.(…) E repara que emquanto a mãe faz um bordado, a filha, criancinha de dez ou doze annos, faz uma tira e está à porta, toda seria com a thesoura enfiada n’uma fita ao pescoço ganhando uns tristes vinténs.”

O Bordado

1883: SILVA, Marianna Xavier da, Na Madeira. Offerendas , Lisboa, Livraria Ferreira, p.51.

À vista turva faz a curva. Met´agulha faz o ponto ponto a ponto do pesponto ... «caseado» «cavaquinha» «ponto corda»... .... ... .... ...«vai ao centro» «faz por dentro ...» «..faz por fora»... faz a fIora... Elabora a pasta toda .... ... .... Roda .... roda. Lança e passa «garanito»... Lança-linha ...urdidura miudinha... põe bem dura... “ta bonito”.!... ... ... ... ... vai-lá - pica pica e fura “fura”«ílhó... » >> CONT. PÁGINA SEGUINTE

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iz-se, por aí, que o bordado da ilha é uma invenção britânica, ligada a Mrs. Phelps. Todavia, a História que conhecemos é outra e revela uma invenção madeirense, urdida em séculos de labor, fruto de uma tradição portuguesa trazida para a ilha pelos primeiros colonos e que persistiu, em muitas famílias, como forma de gosto e hábito. Apenas a partir de meados do século XIX,

este produto ganhou importância comercial e, em torno do seu fabrico, surgiu uma indústria fundamental na economia da ilha e um importante suplemento na economia familiar da população rural. A sua ligação inglesa surge a partir de 1854, com Miss Phelps, responsável pela sua promoção no mercado britânico. Antes disso, porém, tivemos uma primeira promoção, que

aconteceu em 1850, na exposição industrial feita no Funchal, por iniciativa do Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, repetindo-se, depois, na Exposição Universal de Londres. Esta presença em Inglaterra foi importante para que o bordado aí entrasse rapidamente pela mão dos próprios ingleses, transformando-se numa moda. Aos poucos, o bordado Madeira ganhou fama >> CONT. PÁGINA SEGUINTE

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Faz sem medo o furo a fundo bem redondo “pequenito” .... ---passa o dedo ... “Assim...” tá bom» ... .... Passa .... «Passa o fio» leva a fio de retrós todo o “risco” que é meu riscado . ... Se bordando quem sois vós? Mais faz .... e faz “solteira” faz “Viuva” faz “casada” faz “canela” faz “bastida” faz “cavaca” Bem à roda Dessa borda faz “a cheio” “bico e folha” e “caseia” tudo à volta... Nessa folha.... tira os fios. Põe Cuidado no cruzado bem certinho... Cruza o ponto d’ “arrendado”... - “Latadinha” ...? >> CONT. PÁGINA SEGUINTE

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e surgiram novos mercados. A segunda metade do século dezanove foi o momento crucial para a afirmação da produção e comércio do bordado. Em 1863, exportava-se já para os Estados Unidos, enquanto na década de oitenta se abriu o mercado alemão, que rapidamente adquiriu uma posição dominante, devido às regalias aduaneiras existentes na ilha e em Hamburgo, o principal porto de destino. Os valores continuaram a subir e, em 1906, eram trinta mil as bordadeiras e dois mil os profissionais nas oito casas, contribuindo com 242.342$180 réis. Já em 1912 temos 34.500 bordadeiras. O século XX marcou a diversificação dos mercados e a alteração da matéria prima. O algodão e a cambraia cederam lugar ao linho cru e a linha dominante passou a ser a castanha. Aos tradicionais mercados, juntaram-se o Brasil os EUA, Canadá, França e África do Sul. Os alemães mantiveram até 1914 uma posição dominante neste comércio, a que estavam ligados desde 1880. Com a guerra, os alemães perderam importância na exportação do Bordado Madeira,

em favor dos sírios. Na década de cinquenta, a crise do cruzeiro levou à perda do mercado brasileiro, mas a tradição do bordado manteve-se em algumas cidades brasileiras, por mãos de madeirenses que para aí emigraram. O Brasil deu lugar à Venezuela e à Itália. Os EUA continuaram a ser um dos mais destacados mercados. A maioria dos mercados estava na mão de um grupo restrito de comerciantes, oriundos do país de destino do grosso das exportações e entre eles e o mercado de destino existia uma relação de dependência que se alargava até ao tipo de bordado, padrões e tecidos. Assim sucedia com os mercados americano e alemão. Estes artefactos podiam ser laborados na ilha ou no próprio local de destino por mãos hábeis de mulheres madeirenses. Foi isso que aconteceu no Brasil e no Hawai. O bordado ocupou a mão de obra feminina em toda a ilha, desde o século XIX. Na década de sessenta, as bordadeiras apenas existiam no Funchal e Câmara de Lobos, mas, já nos anos noventa, a atividade se alargava a toda a ilha

da Madeira e havia chegado ao Porto Santo. A conjuntura económica da década de trinta conduziu à criação do Grémio dos Industriais de Bordado da Ilha da Madeira (1935) , com o objetivo de orientar a indústria e promover o comércio. De acordo com um relatório de 1952, o bordado ocupava mais de cinquenta mil famílias, isto é mais de metade das famílias do meio rural. A crise da década de oitenta levou ao encerramento da maior parte das casas de bordados, deixando o mesmo de assumir o papel que tinha na economia familiar e da ilha. O retrato da bordadeira, da sua vivência e das casas de bordado deu motivo suficiente para que Horácio Bento de Gouveia dedicasse o romance Lágrimas Correndo Mundo (1959) a estas vivências rurais. Já em 1922, Elmano Vieira fizera delas o tema da uma opereta “As Meninas dos Bordados” e o Feiticeiro do Norte, Manuel Gonçalves(1858-1927) lhes havia dedicado um folheto de trovas populares “As Raparigas dos Bordados”. Alberto Vieira | CEHA

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...Ou faz “Olho de passarinho” - Que fizeres faz “certinho” ... faz “Cruzinha”!... Se quizeres “faz qu’é bom...” Faz assim ... ...isso assim e«tá bem bom» !... ... ... ...... Tu que enches Os broslados ... ao “enchê-los” vai fazendo os quatro lados! Já vai cheio a mais de meio os meus riscos... ...Feitos ... dados... ... ...

O PROTAGONISTA

De permeio, Canta! Conta a lenga... faz toada ... Sente a ida dos negalhos desfiando ladainhas ... sofre as linhas goza as linhas cobre as linhas dos desenhos... meus engenhos ... meus trabalhos a ti postos na toalha no teu colo já bordada! >> CONT. PÁGINA SEGUINTE

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ilho de Pedro Damião de Sousa e de Maria Drumond de Sá, Joaquim Sá e Sousa vive (d)os bordados desde sempre. - Já levo 62 anos a trabalhar nos bordados… Di-lo, entre gargalhadas, como se o tempo não lhe doesse e a vida continuasse a ser como era: cheia. - O meu pai tinha uma fábrica de bordados, que ficava na Rua Conde Carvalhal, no Chão da Loba: era a “Pedro Damião de Sousa”, porque, naquele tempo, a firma recebia o nome do patrão… Eram seis: “três/ três”. Apenas ele e um outro irmão (durante algum tempo, apenas) se deixaram enredar nas teias dos pontos e das linhas, dos linhos e dos algodões… Por razões da vida – que não quisemos saber – estudou num colégio, no continente, até ao 5º ano:

- Estudei nas Caldinhas. Fui colega do Pinto da Costa, o próprio. Foi meu colega de carteira, do Primeiro ao Quinto ano do liceu e tudo o que ele sabe, foi eu que lhe ensinei (risos). Depois, vim para cá estudar o Sexto e o Sétimo… Teria talvez 16 anos, quando começou a trabalhar nos bordados. Para fugir à tropa, emigrou para a Venezuela onde o pai já tinha negócios. A verdade é que Pedro Damião tinha ido àquele país, para cobrar umas dívidas, “gostou daquilo, montou negócio e eu fui para lá trabalhar com ele”. A casa, lá, chamava-se “Marie Claire”… [ não sabe porquê, nunca pensou muito nisso, e ri…]: - Coisas do meu pai… Naquela altura, exportavam muito para a Venezuela. Fabricavam cá. Na Venezuela, não há bordadeiras, como no Brasil. Vendiam

no outro lado do mundo. Joaquim conta que andava cá e lá, que conhece a Venezuela de ponta a ponta, que, todos os meses, visitava os seus clientes, que ia um mês para um lado, outro mês para outro, que foi um tempo bom. Teria à volta de 30 anos, quando regressou. Seria por altura do 25 de abril. O pai falecera em finais de 1973; a casa de bordados já estava fechada. A Venezuela já não dava. Tinhase acabado o tempo em que se vendia tudo. Tinha-se acabado o tempo das facilidades em que qualquer mercadoria – incluindo os bordados – entrava na Venezuela e se vendia… Nos anos 70, as coisas tinham mudado: - Os impostos aumentaram de tal maneira que ninguém conseguia sobreviver. Era quase 100% sobre o valor do bordado. Não era sustentável.

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Maravilha ! Dessa, à roda Ainda ficam Mãos na borda. Fica a mãe, Fica a f ilha Fica a tia Fica a’miga Fica outrém Mais a prima... E eu, também nesta ilha faço rima e ando a roda dessa moda que já roda O mundo à volta. Faço o “risco” e me arrisco deste todo já bordado o legado de fazê-lo desenhado. foi meu jeito foi meu fado É meu feito! Se bem feito Feito foi Sob o peito meu dobrado Tal riscado... ... .... Olho a toalha alva na mesa longa da vida que se fez bordada. >> CONT. PÁGINA SEGUINTE

O Sr. Joaquim voltou, então, para casa. Veio para o Funchal e trabalhou para o Figueira & Phelps. Esteve naquela firma durante pouco tempo, porque o vieram buscar, do Leacock. Foi gerente daquela firma durante cerca de 25 anos. - A minha primeira missão foi anular uma encomenda enorme, feita com um cliente e fazer uma nova, com preços mais altos. Era um italiano. Lá consegui convencê-lo e trabalhei com ele, durante muitos anos. Um bom cliente! Cheguei a ter, em meu poder, na altura, nos anos oitenta, 100 mil contos, em tecido. Uma brutalidade! . . . meio milhão de euros, hoje em dia. Eles exportavam 30.000 contos por mês. Na altura, o Leacock era o maior exportador de bordados da Madeira. Mas, depois, começou a decair. Saiu daquela firma, pouco antes de fechar. Inscreveu-se no desemprego. Era hora de mudar a vida.

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A tarde cai A noite vem D’ânsias luada... Desce a poalha na álgida distancia que fica na estrada e à mente me traz esta toada, da alva toalha bordada que dobro de sobre a mesa longo da vida aqui desenhada ... .... .... Sinta, sinta comigo o feito que faz sentirmo-nos em paz.

JOÃO EDUARDO DE SOUSA, LDA. [esta firma]

- Há mulheres que gostam. Se fosse aqui, custava um dinheirão… Lá fora, arranja-se mais barato. É pago como se fosse uma bordadeira. São mulheres já reformadas… Estão em família: ele, o filho e as duas empregadas que tem desde sempre, uma das quais, já estava na firma quando ele a comprou. E fazem tudo. No escritório, sobre uma estante, os prémios. - Um foi por causa disto:

LEANDRO JARDIM, 1996

P.S.: Improviso para a exposição dos trabalhos apresentados no final do Curso para “Bordadeiras de Casa”, promovido pelo 1. B.T.A M., projetado e monotorizado por mim, no Estreito de Câmara de Lobos em 1996. Recordo que a cadência da declamação sugere o puxar da agulha, a linguagem usada, os nomes entre aspas, eram usuais entre as bordadeiras que às “rumas”, bordavam “pegadas” as toalhas que eu vi na vida. Hoje em dia, raramente se ouve.

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oi então que as coisas se organizaram, de forma a que ele pudesse investir num negócio seu. Joaquim Sá e Sousa já conhecia o dono desta casa. Eram do mesmo ramo, afinal. Os tempos não estavam fáceis e esta casa da Rua das Mercês estava a ter prejuízo. - Esta firma tem mais de 50 anos. É muito antiga. Arranjou um sócio e, em nome da mulher e do filho, comprou-a. Havia de comprar a parte do sócio, mais tarde. Quando ficou desempregado, trouxe consigo uma carteira

de clientes. Ou de amigos, como prefere dizer. São os mesmos de sempre… Teve de manter o nome da firma. Questões de renda e de papéis… Mantém o negócio, agora com muito menos empregados, com muito menos volume de negócios. Ainda vale a pena. Ainda tem encomendas. Mantém os clientes. E os amigos. É quase tudo feito na fábrica: cerca de 99% do trabalho. O que não consegue – ou porque é altura de maior volume de trabalho, ou porque é mais complicado e requer outro assentamento, manda fazer fora:

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OS MERCADOS Os mercados desta firma são mais ou menos os mesmos. A Itália, porém, é o mercado do coração. - Tenho muitos conhecimentos na Itália, muita amizade; quando vou a Itália, sou recebido como um rei… Joaquim conta das viagens que fazia, de carro, entre Lisboa e Itália e do prazer que lhe dava ir conduzindo, Europa dentro, muitas

vezes acompanhado, com o carro cheio de amostras, com a vontade de fazer negócios: - Levava o mostruário e depois vendia. Vendia muito à Suíça, Saint Moritz. Tenho um cliente, em Saint. Moritz. Um amigo. Vem cá muitas vezes. Vai vir agora em abril. Este cliente é um dos que trouxe do Leacock. Outro amigo.

Para a maioria dos fabricantes de bordado Madeira, a América é, hoje, o principal mercado. Para Joaquim, não. Para ele, a América vem em terceiro lugar, depois da Itália e da Suíça. Vende, basicamente, para lojas. Tem um cliente grossista, de quem é compadre. É dos poucos que compra para vender. - E clientes aqui à porta? - Tenho poucos. Ainda cá vem um, mas não

é um mercado significativo. Queixa-se do tempo, da crise, da indefinição das coisas. Por isso, não arrisca. - Pagam? Não pagam? Tenho medo. Não investe em mercados novos, em novos clientes. Mantém os antigos, que conhece e em quem confia. Guarda-os como amigos. - Já os conheço há muitos anos. Sei que pagam sempre.

A pedido do cliente, a Bordado Madeira, uma toalha especial com paisagens da Suíça: a neve, os esquiadores e a Torre inclinada, em fundo vermelho. >> CONT. PÁGINA SEGUINTE

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A firma vai-se aguentando, assim. Devagar. À exata medida das suas possibilidades. As casas grandes investiram muito, perderam muito. E vão fechando. Uma atrás da outra… O que tem aguentado a firma João Eduardo de Sousa Lda., de portas abertas, é o pequeno volume de despesas. O pessoal reduz-se aos de casa e a duas funcionárias polivalentes, da família, elas também: Maria Rita e

Encarnação. Hoje, já não percorre os caminhos da Europa de carro, para vender os seus bordados. Quando pode, porém, visita os clientes, levando, como dantes, o mostruário, umas tiras bordadas para mostrar as barras dos lençóis e uma toalha pronta - para eles verem o efeito.

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A FÁBRICA

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ão é difícil a viagem no tempo. A porta da rua abre-se para um pátio de azulejos antigos. Ainda se puxa o badalo para chamar as pessoas. A recebedoria está fechada. Vimo-la pelo lado de dentro, intacta, com o seu balcão de madeira e as prateleiras ainda cheias de bordados para dar. Porque ainda há bordadeiras. Muitas. São mulheres de idade, maiores de sessenta anos. Segundo o Sr. Joaquim, é mais uma ajuda, não dá para viver. Há uma ou outra bordadeira nova, no campo, mas a maioria, não. - Quando trabalhava com o meu pai, havia

um homem no Estreito de Câmara de Lobos que também bordava. Há tempos, vi uma reportagem sobre outro da Quinta Grande… O bordado é pago de acordo com uma tabela do Instituto do Bordado. Os pontos são contados e pagos “a metro”: as viúvas, o arrendado, as folhas… - Olhe este aqui. Os olhos do Sr. Joaquim derramam-se sobre a perfeição do trabalho que tem nas mãos. De fadas. Ou de artistas. Mãos da ilha. Diz que gostaria de pagar para além da tabela, mas que não pode. Mostra um mostruário de monogramas… >> CONT. PÁGINA SEGUINTE

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- Em baixo de cada monograma, há um número. Era a referência que dantes se fazia. Hoje em dia, já não se faz nada disso. Aqui há tempos, ofereci para o museu do instituto, umas 30 ou 40 peças destas. Isto já não me serve para nada… As coisas estão diferentes. Mais difíceis. Apesar de tudo, as agentes continuam a bater-lhe à porta. São maioritariamente do Campanário, Tabua, de Santo António. Levam a mercadoria para dar a bordar e têm uma comissão de 10%, sobre o valor do bordado. Se ela der 500 euros a bordar, recebe 50. É essa a despesa da firma que lhe dá, mais as linhas que são precisas para fazer o trabalho… A casa é um labirinto. Joaquim Sá e Sousa vai-nos guiando por entre rolos de papel e peças de tecido, mostrando os pormenores de uma rotina que faz sua há muitos anos, que há ser do filho… Entramos na sala que foi, outrora, a do desenhador e do picotador.

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tinha oito ou dez. Agora, tenho duas lá em cima, só. E fazem tudo. Depois, lá em baixo, somos os dois: o meu filho e eu. - Tenho aqui uma relíquia. Uma peça de museu. E é uma relíquia, de facto. Uma máquina amplia o bordado. - O desenho é posto em cima e o fole aproximava ou afastava de forma a projetar no papel da estampagem.

O número da cor da linha… marcado…

E vai mostrando… - Isto é tudo desenhos para estampar. Os números têm correspondência num livro, onde está a referência. Dentro do rolo, está o desenho. São geralmente os tradicionais, se bem que, às vezes, os clientes pedem alguma coisa especial… e eu faço…

Fase seguinte: a estampagem. A João Eduardo de Sousa, Lda. mantém tudo à moda antiga. - Tenho uma funcionária que faz a estampagem. A anil. Como dantes. Mantendo o estilo tradicional.

Para picotar…

- Tenho uma desenhadora que está em casa, que trabalha e que me faz os desenhos à noite. Antigamente, era tudo aqui. Agora, já não vale a pena. Para quê, se não há encomendas? Então, essa rapariga faz e picota. E eu pago-lhe à parte. Compensa assim. É muito melhor do que ter uma funcionária… Antigamente, tinha uma desenhadora, uma picotadora, uma lavadeira, só para lavar. Na recebedoria, tinha duas pessoas, a engomar

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E mostra como se faz. Talvez esteja aqui um dos segredos do negócio. Como todos os negócios tradicionais, para além de saber gerir, é preciso saber fazer… Quando as agentes trazem de volta o bordado, pronto, é preciso verificar se está bem feito. É preciso: - lavar

- engomar

- tirar nódoas (água raz, água oxigenada, álcool e um pó e sabão azul).

- “abrir”

- limpar o ferro

O Bordado Madeira é feito de rendas. Nem sempre é possível recortar ali, na rua das Mercês. Às vezes, é preciso mandar recortar fora. Com tempo. Com a perfeição que se exige:

- dobrar

- Para exportar, faço uma factura e mando a mercadoria ao Instituto. Eles verificam se está bom, e metem-lhe o selo. Se não estiver bom, não põem o selo, e é preciso mandar consertar. Há sempre esse controlo. >> CONT. PÁGINA SEGUINTE

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E fomos perguntando. E o Sr. Joaquim foi respondendo: - Antigamente, vendia-se toalhas e lençóis e colchas… Cheguei a ter encomendas de 500 toalhas iguais que eu vendia para Itália. E vendia-se. O cliente, lá, queria era mais. Era assim: 100 dumas, 200 doutras, 300 doutras… Se o artigo era fácil de fazer, eu punha 500, 600. Produção para um ano. Lençóis: 400,

500… Os lençóis muito caros, então… iam menos, uns 20 ou 30. - E hoje, o que é que se vende? - Muitos lenços, toalhas de mãos, toalhas de batizado, uns vestidinhos. Antigamente, eu punha 500 toalhas, agora ponho uma ou duas. Vai mostrando algumas preciosidades. - Uma toalha pode custar 850 euros… e tenho um lençol de 1.500… Pelo labirinto dos quartos, a memória. Peças

de tecido jazem nas prateleiras, à espera: é linho, algodão, piqué, organdi, seda. - O linho é comprado na Bélgica e, sobretudo, em Itália, onde tenho um fornecedor. O linho português sai muito mais caro. Só para pagar o IVA… Sai mais barato importar. O algodão para os lenços é comprado em Portugal, mas vem de Inglaterra. - E uma empresa destas tem futuro? - Tem, porque é pequena. Se fosse grande…

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A não perder:

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Conversas aos pedaços

- Tenho aqui coisas fabulosas! - Aqui há tempos, ofereci para o museu do instituto, umas 30 ou 40 peças destas. Isto já não me serve para nada. - Hoje em dia, já não faço com esta perfeição. - Estas são bordadeiras especiais. (Joaquim dixit)

IABA EUROPE 2015 Dialogical Dimensions in Narrating Lives and Life Writing

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associação Internacional de Auto/ Biografia (IABA) foi fundada em 2009 e pretende promover o estudo das narrativas de vida, através de várias publicações e da organização de encontros. Um dos seus grandes mentores é Philipe Le Jeune, autor de Le Pacte autobiographique (1975) ou Pour l’autobiographie (1998), entre outras. No próximo mês de maio, entre os dias 27 e 29, a conferencia anual terá lugar no Funchal e será organizada em parceria pelo European Journal of Life Writing e pelo CEHA, Centro de Estudos de História do Atlântico. Contará com a presença de três convidados, Timothy Ashplant de King’s College, Londres, Rógerio Puga, da Universidade Nova de Lisboa e Leonor Coelho, da Universidade da Madeira aos quais se juntarão especialistas de toda a parte do mundo,

nomeadamente, Alemanha, Holanda, França, Polónia, Finlândia, Brasil, Argentina e até mesmo Hawaii. Durante três dias, o Funchal será palco de uma partilha de ideias e inovações, no que diz respeito às narrativas de vida e ao auto/ biografias. Será o momento de refletir sobre os projetos implementados, como também de apresentar novos projetos; mas será, sobretudo, o tempo de fortalecer os laços entre esta plataforma internacional de cooperação, no âmbito dos estudos das histórias e escritas da vida. Foi já solicitada a validação deste encontro, para efeitos na progressão da carreira docente. Links: https://sites.google.com/site/cehaiaba2015/ Facebook: Iaba Europe 2015

APELO Continuamos à espera que nos procure, que nos traga as suas histórias, que nos conte a parte em que a sua vida coincide com a vida da Madeira. Estamos aqui:

Contactos Centro Estudos de História do Atlântico (CEHA)

Emails: [email protected]

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Rua das Mercês, nº 8, Funchal



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Tel: 291 214 970

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