Memória da TVE: uma pesquisa no arquivo audiovisual

June 8, 2017 | Autor: N. Weber Santos | Categoria: Televisão Pública
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Memória da TVE: uma pesquisa no arquivo audiovisual1 WEBER SANTOS, Nádia Maria (Doutora) 2 UNILASALLE/RS COIRO-MORAES, Ana Luiza (Doutora) 3 UNILASALLE/RS GOULART, Medianeira Aparecida Pereira (Mestranda)4 UNILASALLE/RS KIEFFER, Tiago de Moraes (Graduando)5 UNILASALLE/RS TOGNI, Maria de Lourdes (Graduanda)6 UNILASALLE/RS

Resumo: Este artigo tem por finalidade apresentar o projeto e um primeiro diagnóstico do acervo audiovisual da TVE, a partir da pesquisa que está sendo realizada neste espaço, a fim de trabalhar a memória da emissora e, consequentemente, da história de nosso Estado e seu patrimônio audiovisual. A hipótese da investigação centra-se na ideia de que tanto a própria televisão como as imagens produzidas por esta possuem um significado histórico e cultural para a sociedade gaúcha, fazendo da emissora um espaço de memória e, portanto, sendo necessária sua preservação. Alguns primeiros resultados da pesquisa são apresentados aqui sob a forma de análise das fichas criadas a partir do exame detalhado das fitas de programação da emissora, componentes do arquivo da TVE. Palavras-chave: Memória Social, Patrimônio Cultural, Acervo audiovisual, TVE.

1Trabalho apresentado no GT de Historiografia da Mídia, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. 2 Doutora em História pela UFRGS, Pós-doutora pela Université Laval, Quebec. Professora e pesquisadora do PPG em Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle/Canoas. Coordenadora da pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Cultural Piratini: o acervo audiovisual da TVE, projeto que recebe financiamento da Fapergs, edital Pesquisador Gaúcho 2014. [email protected] 3 Doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Pós-doutorado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora e pesquisadora do PPG em Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle/Canoas e Professora Colaboradora do PPG em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). ViceCoordenadora da pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Cultural Piratini: o acervo audiovisual da TVE, projeto que recebe financiamento da Fapergs, edital Pesquisador Gaúcho 2014. [email protected] 4Bacharel em Arquivologia, pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em Gestão em Arquivos. Arquivista na Universidade Federal do Rio Grande Do Sul. Mestranda em Memória Social e Bens Culturais no Centro Universitário La Salle. [email protected] 5Licenciando em História pelo Centro Universitário La Salle UNILASALLE/RS. [email protected]. 6Licencianda em História pelo Centro Universitário La Salle UNILASALLE/RS. [email protected]

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Introdução A Fundação Cultural Piratini: Rádio e Televisão completou 40 anos em 2014, e seu arquivo audiovisual, constituído a partir de 1979-1980, possui fitas editadas e brutas, nos formatos Umatic e Super V (as mais antigas) e DVC Pro e DVC (as mais novas). Há também materiais ainda mais antigos, que compunham o acervo da TV Piratini, herdado pela a TVE em 1980, quando para esta migrou para o local daquele canal de televisão, e estão disponíveis no Museu Hypólito da Costa, em diversos registros, que vão de fotografias a materiais em áudio e fitas gravadas em formatos ainda a verificar. Neste artigo, a hipótese de pesquisa é que a TVE e as imagens produzidas por esta emissora pública têm significado histórico e cultural para a sociedade gaúcha, pois a televisão, ao produzir programas televisivos, guardá-los e preservá-los, faz de seu arquivo um lugar de memória, um lócus privilegiado da memória coletiva, social e cultural. Desta forma, resgatar as fitas desses programas, ou mesmo fragmentos delas, torna o arquivo valioso às lembranças e imprescindível para a memória cultural (ASSMAN, 2013) da sociedade e para sua identidade (POLLAK, 1992). E, por isso, o arquivo da televisão estatal do Rio Grande do Sul pode ser considerado como a “consciência histórica” não só da instituição (BELLOTTO, 2006), mas também de todos aqueles que partilharam o fazer das programações, de todos os gêneros, apresentando e reapresentando a identidade gaúcha. O projeto de pesquisa Memória e Patrimônio da Fundação Cultural Piratini: o acervo audiovisual da TVE vem compondo um diagnóstico da situação desse arquivo audiovisual, das imagens brutas e editadas e dos programas de televisão que historicamente constituíram as grades da emissora. Assim, o objetivo da pesquisa, cujos primeiros resultados são apresentados neste artigo, é contribuir para a preservação do acervo audiovisual da TVE e para o uso socialmente compartilhado deste material enquanto memória imagética, representação identitária e possível patrimônio cultural da sociedade gaúcha. Para tanto, coletamos dados — o que significou examinar as fitas uma a uma, anotando todos seus conteúdos e dispondo-os em fichas conforme o modelo que se encontra a seguir, na seção Procedimentos metodológicos da pesquisa e análise de seus primeiros dados — e reunimos até o momento 51 fitas do tipo Umatic e 2

SuperV, datadas de 1980 a 1990. Neste material foram encontrados conteúdos diversos abordados em documentários, entrevistas, musicais, videoclipes e programas como “Sete no Ar”, “História de Quem faz a História”, “60 minutos” e “Vox Populi”, o primeiro programa em que, das ruas, as pessoas podiam perguntar diretamente aos entrevistados sobre diversos temas. Dentre os principais assuntos abordados nesse programas, de cunho jornalístico, de entrevistas ou no formato talk shows, estão política, educação, cultura e esporte. Nas imagens brutas, um tema interessante foi a busca pelos problemas dos meninos de rua e as imagens de filmes arquivados para disponibilização para programas da emissora que versam sobre os diretores, gêneros, temas, movimentos, escolas, atores e atrizes. Neste artigo será analisada apenas uma destas fitas, a fim de demonstrar nossa hipótese.

A TVE: memória de um meio e de seu arquivo O início da TV brasileira remonta a 18 de setembro de 1950, quando a TV Tupi de São Paulo, PRF-3 TV, canal 3, foi inaugurada. Era a concretização do sonho de um pioneiro da comunicação no Brasil, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, o Chatô, que já controlava os Diários e Emissoras Associados, uma cadeia de jornais e emissoras de rádio. A TV Piratini foi ao ar no dia 20 de dezembro de 1959, como uma das emissoras integrantes do grupo que ao longo da década de 1950 também inaugurou estações em Curitiba, Salvador, Recife, Campina Grande, Fortaleza, São Luís, Belém e Goiânia (STRELOW, 2009). Silva (2008) informa que a origem da TVE, e consequentemente do seu arquivo de imagens, está ligada ao encerramento da TV Piratini, em 18 de junho de 1980. A TVE-RS atualmente está situada no mesmo prédio em que a TV Piratini fora instalada, na Avenida Corrêa Lima, no Morro de Santa Teresa, em Porto Alegre. Algumas lutas travaram-se, entre grupos e governo (principalmente nas décadas de 1960-70 do período ditatorial) para que as emissoras pudessem ter seus espaços de concessão garantidos pelo Governo. A TVE foi criada em 1974 na Faculdade dos Meios de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (FAMECOS/PUCRS), a partir 3

de um acordo do Governo do Estado com a instituição de ensino. Sua programação era voltada para a educação e servia de laboratório aos alunos do curso de Jornalismo. (SILVA, 2008). Tendo ocorrido um incêndio nas instalações da TVE na Famecos em 1980, a administração da emissora reivindicou o espaço pertencente à extinta TV Piratini, no Morro Santa Teresa. A TVE herdou da TV Piratini acervos filmográficos, torre e equipamentos. Mas em 1983, após uma reformulação e modernização tecnológica, um novo incêndio destruiu algumas instalações da TVE e todo seu arquivo de imagens, composto por “documentos produzidos pela emissora e por toda herança filmográfica da extinta TV Piratini”. (SILVA, 2008, p. 26) Segundo este autor, a maioria das latas de filme foi queimada e o restante foi depositado nos porões do prédio principal da TVE, onde permaneceram até a década de 1990, quando então, num repasse, os equipamentos, filmes e fitas do incêndio foram levados para o Museu de Comunicação Social Hypólito José da Costa, onde permanecem até hoje, muitos em precário estado de conservação. As películas em 16mm, as fitas Quadruplex de 2 polegadas e as Helicoidais de 1 polegada ficaram jogadas no subsolo do Museu por mais de 15 anos. Em 2006, através da ação conjunta da ONG Arqvive, Universidade Federal do RGS e Museu de Comunicação Social Hypólito José da Costa, foi recatalogado parte do acervo fílmico proveniente do incêndio. Os demais documentos permanecem, até o momento, em más condições de guarda e preservação. (SILVA, 2008, p. 27) Muitas transformações aconteceram na TVE, como a transmissão a cores em 1983, a interiorização do sinal para o interior do Estado, a reformulação (nos anos 1990) da estrutura organizacional (passando a chamar-se Fundação Rádio e Televisão Educativa) e a realização de um acordo de cooperação técnica com a Fundação Padre Anchieta de São Paulo – TV Cultura, que propiciou a troca de programas entre as grades de programação (SILVA, 2008, p. 28). O conteúdo do arquivo que hoje encontramos nas dependências da TVE data, portanto, da década de 1980 em diante, nos formatos já elencados no início deste artigo. Interessa-nos, a partir deste acervo de imagens, re-traçar a memória e a história da TVE, assim como de alguns momentos da sociedade gaúcha, naquilo que constitui sua memória imagética, o que se configura como um dos motes desta pesquisa. No arquivo 4

de fitas, que reúne material de mais de 40 anos — utilizado até hoje pelos programadores da TVE, quando precisam de material para inserir na grade de programação — há falhas de indexação, por falta de informação no programa de computador que executa tal tarefa. Em entrevista prévia com os funcionários do arquivo, observamos as seguintes necessidades: a) levantamento de todo material existente, b) execução das fases da arquivística (decupar, classificar/indexar detalhadamente e digitalizar o material), c) registro do material levantado em um tipo de sistema classificatório de dados que possibilite seu reconhecimento e consulta de forma mais detalhada. Tais necessidades coincidem com o momento em que a TVE passa por uma migração de mídia, ou seja, muda do sinal analógico para uma modulação digital do sinal. Trata-se de ver este desafio como uma oportunidade de reconhecimento, registro e constituição de um acervo a partir do material audiovisual, quando a TVE se vê sob o impacto da mídia digital. Este impacto, aliás, já vem se fazendo sentir desde o final do século passado, através de um número crescente de atividades comunicacionais e informacionais. “Todas as tarefas relacionadas com a manipulação, arquivamento, recuperação e disseminação de informações; todos os tipos de trabalhos que lidam diretamente com dados simbólicos, textuais, numéricos, visuais e auditivos, precisam adequar-se a este novo referencial: o digital.” (LEVACOV, 1998, p. 12) A importância da preservação de arquivos liga-se ao fato de que os documentos guardados constituem um registro cultural de um determinado tempo e espaço, podendo ser significativos para toda a sociedade. E, manter a integridade do suporte e da informação do acervo que custodiam é responsabilidade tanto de empresas e instituições quanto de profissionais ligados à memória e ao patrimônio (historiadores, arquivistas, museólogos, pessoal da informação e da comunicação, em nosso caso). A preocupação com a salvaguarda dos arquivos audiovisuais recai sobre outro ponto, mais específico: a questão do meio pelo qual a imagem chega até o espectador, ou seja, é necessário o uso de uma tecnologia. “Os documentos audiovisuais se caracterizam por conter sons e/ou imagens em movimento dispostos em um suporte (fita cassete, fita Beta, CD, DVD etc.). Ao contrário de um documento escrito ou fotográfico, os suportes, para serem gravados, transmitidos e compreendidos, necessitam de um dispositivo tecnológico.” (BUARQUE, 2008, p.1). 5

Segundo Buarque (2008), é relativamente recente o reconhecimento, por parte de arquivistas e pesquisadores, dos documentos audiovisuais como patrimônio cultural, os quais devem ser preservados e difundidos por seguidas gerações. Entretanto, em função dos suportes audiovisuais em que foram originalmente veiculados, esses documentos necessitam de dispositivos tecnológicos específicos para a sua reprodução, o que torna difícil a tarefa de produzir um acervo (e sua manutenção e salvaguarda), pois tais dispositivos desaparecem do mercado com a mesma rapidez que emergem cada vez mais novas tecnologias. As mídias mudam e os aparelhos para reproduzi-las passam a não mais existir. É o caso que encontramos num primeiro exame do acervo da TVE, onde existem rolos de filmes muito antigos, sem aparelhagem adequada para reproduzilos. Ou seja, perdem-se os “documentos” materiais de imagens pela deterioração temporal e perdem-se seus conteúdos (as próprias imagens) pela impossibilidade de examiná-los corretamente pela falta de tecnologia adequada. Caducam as tecnologias e acabam por caducar também as memórias, os “instantes de verdade” contidos nas imagens. Sendo a TVE uma emissora pública de televisão no Rio Grande do Sul, seu acervo constitui-se em memória viva do nosso Estado. Em seus registros, de grades de programação e formatos variados, que se modificaram no decorrer do tempo e com a revolução tecnológica acelerada de nossa época, observamos quadros ímpares de programação destes 40 anos de existência, diferentes de emissoras privadas, onde o caráter comercial muitas vezes impera. Não são muitos os trabalhos acadêmicos relacionados à TVE em nosso meio. Além do artigo de Lobato (2006), que faz parte da publicação dos resultados de sua pesquisa de mestrado, localizamos na monografia de Silva (2008) um pouco da história da emissora. Este último nos remete aos primórdios da televisão brasileira pública e mais especificamente do Rio Grande do Sul. O autor examinou detidamente o arquivo da TVE e, ao analisar uma parte do mesmo, coloca-nos frente a necessidades prementes de preservação daquilo que entende como primordial para manter a memória audiovisual da sociedade. Diz ele que, no momento em que “vivemos num universo em mutação quase instantânea, regido por revoluções tecnológicas imediatas, em que a memória e a 6

tradição, pressupostos básicos para a configuração de uma identidade social, tornam-se cada vez mais descartáveis, o arquivo audiovisual de uma televisão é parte indispensável para a recuperação, de maneira imediata, da memória de determinado lugar”. (SILVA, 2008, p. 11) Assim, alguns aspectos teóricos são relevantes para a discussão dos objetivos da pesquisa e demonstrar sua relevância, no que tange à valorização do arquivo audiovisual da TVE como bem cultural imagético da sociedade gaúcha nestes 40 anos de existência da emissora: Imagem e Memória, Patrimônio Cultural, Televisão (como campo do audiovisual), TV Pública. A TVE e suas imagens têm significado político, ético e histórico dentro da sociedade, pois a televisão, ao produzir imagens, ao guardá-las e no trabalho ativo de preservá-las, faz de seu arquivo um lugar de memória, um lócus privilegiado da memória coletiva, social e cultural.

Procedimentos metodológicos da pesquisa e análise de seus primeiros dados A pesquisa, de nível exploratório e descritivo, explicita o problema, descreve e apresenta a mensuração do fenômeno que é seu objeto de estudo em um determinado período (GIL, 2007). Trata-se de uma pesquisa documental, ou seja, “da consulta aos documentos, aos registros pertencentes ao objeto de pesquisa estudado, para fins de coletar informações úteis para o entendimento e análise do problema” (MICHEL, 2009, p. 39), cujos dados vem sendo coletados e registrados através de fichas de coleta de dados preenchidas a partir da observação de fitas de diversos formatos, considerando que os suportes midiáticos (arquivos impressos, registros em áudio, vídeo ou filme, bem como os recursos digitais) constituem-se em fontes primárias,configurando-se em linguagens por meio das quais é possível acessar a memória de bens e artefatos culturais (MOREIRA, 2005). Assim, apresentamos abaixo o modelo de uma ficha de coleta de dados da pesquisa. Nas fichas confeccionadas pelos integrantes da pesquisa constam, em geral, as descrições sumárias das fitas do arquivo da TVE, que são objeto de análise da pesquisa. Aqui exemplificamos de forma sucinta como analisá-las, de acordo com as categorias eleitas pela pesquisa, isto é, o contexto temático da fita e suas referências históricas, que as situam como registro da memória cultural do Estado do Rio Grande do Sul. 7

FICHA DE COLETA DE DADOS

Período: Setembro de 2014 a fevereiro de 2015. Responsáveis pela coleta: Janine, Maria de Lourdes, Mariani e Tiago.

CATEGORIAS DE COLETA

Identificação do material N° da fita

Mídia

3849

SuperV

Acessibilidade/Visibilidade

Assuntos

Tipo de conteúdo

Imagens brutas Sim

Matérias editadas

sim

Contextualização

Programas

Data/Período da fita

Gravações brutas

1992

Contexto temático da fita Manifestacã o na Praça da Matriz para Impeachem ent do Collor1992/ /

Referências históricoculturais

A partir de um fragmento retirado das várias fichas construídas após coleta de dados no período exposto acima optamos por contextualizar aqui um tema de relevância histórica: a manifestação na Praça da Matriz em prol do impeachment do presidente Fernando Collor. Sobre as imagens da manifestação na capital, estas destacam o movimento em Porto Alegre representando de forma abrangente a proporção dos protestos que atingiram todo o país. Os “caras pintadas”, que representam ainda hoje um marco no movimento democrático, foram naquela época decisivos no processo que buscava o impeachment e culminou na renúncia do presidente em 29 de dezembro de 1992. O processo de impeachment, contudo, continuou a tramitar no Senado, que lhe tirou o cargo e o deixou inelegível por oito anos.

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Após longas investigações, a sociedade brasileira, exercendo seu direito de cidadania e sentindo-se lesada foi às ruas reivindicar ações que respondessem à gravidade dos fatos ocorridos no seu período presidencial. Na reportagem da Folha de São Paulo, Preite Sobrinho (2008, p. 1) pontua: “Caras-pintadas foi o nome dado aos jovens e estudantes que, em agosto e setembro de 1992, pintaram o rosto de verde e amarelo e organizaram passeatas pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello”. O movimento dos caras-pintadas representa para os brasileiros um fato político que se constituiu em marco histórico, uma vez que teve como antecedentes a Ditadura Civil-Militar (1964-1985) e a campanha pelas “diretas já!”, movimento que reivindicou eleições presidenciais diretas no Brasil, entre os anos de 1983 e 1984, e que, embora tenha sido frustrado, pois foi rejeitada pelo Congresso a Emenda Constitucional Dante de Oliveira7, conquistou para a sociedade brasileira uma vitória parcial, visto que em janeiro de 1985 Tancredo Neves foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral. Dessa forma, em 1990, pela primeira vez na história do Brasil pós-Ditadura Civil-Militar o povo teve efetivamente a oportunidade de escolher os seus representantes. Eleito pelo voto direto para a presidência da república, Fernando Collor de Melo, já em maio de 1992 a revista Veja publicava a chamada de capa Pedro Collor Conta Tudo, relativa à entrevista com o irmão do presidente, Pedro Collor de Melo, que o responsabilizava por cumplicidade com seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, acusado de cometer crimes como enriquecimento ilícito, evasão de divisas e tráfico de influência. As denúncias levaram à formação do Movimento pela Ética na Política, composto por 18 entidades civis, como centrais sindicais, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Em junho foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e a juventude começou a tomar as ruas. Em 11de agosto de 1992, aconteceu a primeira passeata, em frente ao Masp (Museu de Arte de São Paulo) que reuniu cerca de 10 mil pessoas (PREITE SOBRINHO, 2008). Os caras-pintadas surgiram nesse período como figuras de destaque entre as diversas forças responsáveis pela derrocada do primeiro presidente eleito por voto direto em quase trinta anos. Esse movimento de caráter estudantil se 7

Proposta de Emenda Constitucional de autoria do deputado Dante de Oliveira (PMDB) que estabelecia eleições diretas no Brasil.

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tornou uma espécie de “porta-voz” do movimento Fora-Collor junto à esfera pública, mesmo existindo outras entidades civis nesse cenário e com esse mesmo objetivo. Suas manifestações se tornaram emblemas da participação popular na campanha para a saída de Collor devido, principalmente, à visibilidade adquirida (QUINTÃO, 2010, p. 6).

No dia 14 de agosto de 1992, Collor reagiu e foi à televisão para convocar a população a vestir verde e amarelo e a sair às ruas no domingo, em resposta aos que o atacavam. No entanto, aquele dia ficou conhecido como "domingo negro", pois os jovens saíram às ruas vestindo roupas negras e pintando o rosto da mesma cor em sinal de luto contra a corrupção (PREITE SOBRINHO, 2008). Para Miguel (2004), a pauta de questões relevantes são postas para deliberação nas casas legislativas, muitas vezes condicionadas pela visibilidade que essas questões obtêm nos meios de comunicação. Nesse sentido, consideramos que as imagens da TVE, ao trazer o contexto gaúcho das manifestações dos caras-pintadas locais, inseremse na centralidade da mídia em formular as preocupações públicas, agendando um movimento que tomou conta das ruas do país, e que, graças à visibilidade que obteve, não se restringiu a estudantes e cidadãos comuns, atingiu também a esfera dos líderes políticos, já que a Câmara dos Deputados conduziu o processo impeachment. Em transmissão ao vivo, 448 deputados votaram a favor, 38 contra, 23 não foram à sessão e um se absteve (PREITE SOBRINHO, 2008). Assim, é possível concluir que a mídia de modo geral e, no caso que em particular analisamos, a TVE, teve papel central no movimento que culminou com o impeachment do Presidente Collor, e, ao trazer as imagens dos jovens “caras-pintadas”, alinhou-se aos anseios do país por moralidade e retidão na condução da política.

Considerações finais Embora a forma sucinta como foram apresentadas aqui, têm-se nas fitas do arquivo da TVE, verdadeiras relíquias de imagens da sociedade gaúcha e da sociedade brasileira em seus diversos períodos históricos e em suas mais variadas facetas sociais. Sendo considerados bens culturais imagéticos da sociedade gaúcha, os arquivos audiovisuais da TV pública de nosso Estado merecem atenção e disposição tanto de órgãos governamentais como de instituições de ensino e pesquisa, a fim de que este 10

patrimônio possa ser reorganizado em seus arquivos e salvaguardado da destruição do tempo, bem como valorizado e divulgado de forma mais ampla para a sociedade. Dentre os resultados esperados e os impactos que possa ter na sociedade gaúcha, elencamos algumas propostas que julgamos mais importantes, como a manutenção deste patrimônio em seu lócus primário, sua guarda permanente em acervo, sua manutenção e sua conservação em relação ao desgaste do tempo e enquanto bens materiais da sociedade (emissora pública de TV) e a criação de uma Memória da TVE, a partir dos materiais audiovisuais produzidos nos 40 anos da emissora. A obtenção de um acervo audiovisual organizado e com amplo potencial para pesquisa, como consequência da salvaguarda das agruras do tempo de imagens que representam a memória da TVE nos 40 anos de sua história é uma de nossas maiores preocupações iniciais. Também com esta pesquisa, intentamos dar visibilidade a aspectos da História do Rio Grande do Sul a partir de imagens produzidas pela emissora pública de televisão do Estado. É relevante atentarmos para a produção de imagens de uma televisão estatal, considerando as lutas travadas no decorrer do tempo para sua instalação e permanência, levando em conta os diferentes períodos históricos e componentes políticos que a mantiveram ativa em quarenta anos de existência. Ao nos debruçarmos sobre o arquivo da TVE, estamos diante de um caleidoscópio de imagens que de forma bruta já representam o patrimônio cultural da sociedade e que, quando analisadas, superam as expectativas em relação aos conteúdos que contêm e que servem de fonte para futuras pesquisas históricas e de memória social.

Referências ASSMANN, Aleida. Espaços da Recordação – formas e transformações da Memória Cultural. Campinas: editora da UNICAMP, 2011. BELOTTO, Heloisa. Arquivos Permanentes – Tratamento documental. RJ: FGV, 2006. BUARQUE, Marco Dreer. Estratégias de preservação de longo prazo em acervos sonoros e audiovisuais. In: Encontro Nacional de História Oral, Anais. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de História Oral Anais; São Leopoldo, RS: Unisinos, 2008. 11

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2007. LEVACOV, Marília. Do analógico ao digital: a comunicação e a informação no final do milênio. In LEVACO, M. (org.) Tendências da comunicação. Porto Alegre, LP&M, 1998. p. 12-27. LOBATO, Daniela Hoffmann. O conceito de rede no âmbito das tevês públicas brasileiras. Revista Eptic, Niterói (RJ), outubro de 2006. p. 1-18. Disponível em http://www2.eptic.com.br/ulepicc_brasil/arquivos/pc_danilobato.pdf. Acesso em 20.abr.2012. MICHEL, Maria Helena. Metodologia e pesquisa científica em ciências sociais. 2. ed. São Paulo. Atlas, 2009. MIGUEL, Luiz Felipe. Mídia e Opinião Pública. In AVELAR, Lúcia. CINTRA, Antônio Octávio (orgs.) Sistema Político Brasileiro: uma introdução. Fundação Konrad-Adenauer/Ed. Unesp, 2007, p.403-415. MOREIRA, S. V. Análise documental como método e como técnica. In DUARTE, J. e BARROS, A. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. POLLACK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, v.5 n. 10, 1992, p. 200-212. QUINTÃO, Thales Torres Os media e a construção dos caras-pintadas. Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação. São Paulo/USP, Ano 3, Edição 4, junho-agosto de 2010. Revista VEJA. "O PC é o testa-de-ferro do Fernando". Entrevista com Pedro Collor de Melo, publicada em 27/5/1992. São Paulo (SP). Disponível em veja.abril.com.br/idade/exclusivo/180902/entrevista_pedro_collor.html. Acesso em 6 mai.2015. SILVA, Yuri Victorino Inácio da. A produção da informação audiovisual na televisão: um estudo preliminar sobre os documentos U-Matic do Arquivo da TVE-RS. Monografia de Final de Curso. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Curso de Arquivologia. 2008. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/31680

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STRELOW, Aline. A televisão chega ao Rio Grande do Sul: breve histórico da TV Piratini. Anais do IX Encontro dos Grupos/Núcleos de Pesquisas em Comunicação, GP História do Jornalismo, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Curitiba, 2009. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/strelowaline-a-televisao-chega-ao-rio-grande-do-sul.pdf. Acesso em 30.abr.2014. Sites consultados http://projetores-yuri.blogspot.com.br/#!/2011/10/origem-da-televisao-educativa-canal7.html http://www.tve.com.br/

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