Memória e juventude: re-descobrindo a África na metrópole lisboeta

July 24, 2017 | Autor: Herbert Rodrigues | Categoria: Anthropology, Youth Studies, African Immigrant Communities In Europe
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HERBERT RODRIGUES

MEMÓRIA E JUVENTUDE: RE-DESCOBRINDO A ÁFRICA NA METRÓPOLE LISBOETA

Relatório final de pesquisa de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP Centro de Estudos Rurais Urbanos - NAP/CERU-USP Orientadora: Profa. Dra. Neusa Maria Mendes de Gusmão

SÃO PAULO 2001

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É nos limites, nos extremos da realidade social que a indagação do cientista se torna fecunda. A explicação sociológica é incompleta e pobre se não passa pela mediação do insignificante. É nessas situações de protagonismo oculto e mutilado do simples, do homem sem qualidade, que a sociedade propõe ao sociólogo suas indagações mais complexas, seu problemas mais ricos, sua diversidade teoricamente mais desafiadora. São os simples que nos libertam dos simplismos. O relevante está também no ínfimo, na vida cotidiana fragmentária e aparentemente sem sentido. José de Souza Martins

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Memória e Juventude: Re-descobrindo a África na Metrópole Lisboeta

Este relatório corresponde aos sete meses de pesquisa que desenvolvemos acerca do tema memória e juventude cujo foco central foram os filhos de imigrantes africanos que vivem nos dias de hoje na cidade de Lisboa. Nossa meta era a de buscar reconstruir notas biográficas desses jovens através de entrevistas realizadas em solo português pela orientadora do presente projeto. Antes de avançarmos na apresentação dos resultados da pesquisa, por se tratar de um relatório único e final, procuraremos retomar algumas informações contidas no projeto original e os desvios que a pesquisa tomou ao longo desses sete meses, de modo a consolidar um texto único de acordo com as premissas do projeto sobretudo abrangendo o universo pesquisado. Deste modo, este relatório divide-se da seguinte forma: -

na primeira parte apresentamos Portugal no contexto das migrações internacionais contemporâneas do ponto de vista dos conflitos de identidade e da socialização dos imigrantes oriundos dos PALOP - Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa1;

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na segunda parte discutimos o jovem negro português, também chamado de lusoafricano, destacando a percepção que a sociedade portuguesa tem desses jovens e a repercussão do tema juventude e imigração nos meios de comunicação e acadêmico;

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na terceira parte discutimos as perspectivas teóricas de diferentes autores dialogando com os sujeitos e seu universo sobretudo no trânsito dos temas memória e juventude;

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na conclusão retomamos os pontos centrais de cada capítulo buscando responder algumas questões que ficaram em aberto.

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Nomeadamente: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

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I. NOSSOS OBJETIVOS INICIAIS Em nosso projeto de pesquisa nos propusemos investigar e analisar os depoimentos e narrativas emitidos por jovens negros luso-africanos que vivem na cidade de Lisboa apreendendo a memória e a busca de sentidos e significados resultantes de um processo imigratório pelo qual os pais desses jovens passaram nos últimos cinqüenta anos. A idéia era a de entender como se constrói e opera a memória e a condição de origem africana, notadamente originários dos PALOP, de jovens negros portugueses que vivem na metrópole lisboeta nos dias de hoje. Originalmente o projeto propunha uma pesquisa cujo foco de análise eram entrevistas realizadas com os jovens obtidas pela orientadora deste projeto. O próprio nome do projeto, a saber, Memória de Jovens: notas biográficas de filhos de imigrantes africanos em Lisboa2, indicava a necessidade de se trabalhar com os depoimentos desses jovens como meio de construir notas biográficas. Porém, muitos problemas de diferentes ordens contribuíram para alguns desvios que a pesquisa tomou nos sete meses de bolsa concedidos pela FAPESP. Nossos objetivos centrais eram: i)

estabelecer e analisar as representações de jovens luso-africanos no interior de uma cultura nacional portuguesa, buscando compreender nesse contexto, a partir de suas trajetórias, o campo da imigração, a vida cotidiana de imigrantes negros, para entender como se constrói e opera uma memória e uma condição de origem africana de indivíduos originários dos PALOP;

ii)

comparar e avaliar as diferenças e as semelhanças entre trajetórias e discursos emitidos por jovens (rapazes e moças) definitivo entre eles aproximações e distâncias;

iii)

comparar e avaliar as diferenças e semelhanças dos discursos presentes nas falas desses jovens, apreendendo as representações subjacentes e buscando-lhes os sentidos e significados que resultam em imagens, atitudes e comportamentos de aceitação, rejeição em termos de senso comum e da linguagem oficial. Nosso plano de trabalho estabelecia um levantamento bibliográfico sobre o

tema, cujo debate se fazia a partir de portugueses avaliando, para além do conhecimento já produzido, o uso de categorias tais como: “africanos”, “estrangeiros”, “imigrantes” e

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“luso-africanos”, além dos conceitos “memória” e “juventude”. Nosso trabalho contaria com o apoio, no Brasil, do Projeto Integrado Biografias de Imigrantes: trajetórias em diferentes contextos3 e, em Portugal, do trabalho da orientadora do projeto, Profa. Dra. Neusa Maria Mendes de Gusmão, que permaneceria durante os meses de junho-julho realizando, entre outras coisas, as entrevistas com os jovens. Portanto, o caminho a ser seguido era justamente lidar com o maior número de informações possíveis, fornecidas por fontes impressas (trabalhos acadêmicos, jornais, periódicos e sites oficiais da Internet), para posteriormente trabalhar com o conjunto de entrevistas visando capturar vozes esparsas na metrópole lisboeta dos diversos portavozes que revelam as contradições de um mundo nada homogêneo. Nosso cronograma indicava uma programação de 12 meses de trabalho divididos em quatro trimestres. No primeiro seria efetuado o levantamento bibliográfico e o estudo da literatura geral. No segundo a seleção e análise do material impresso e a redação do primeiro relatório. No terceiro trimestre trabalharíamos com as entrevistas e o material trazidos de Portugal. Finalmente, no quarto e último trimestre, fecharíamos a análise das entrevistas compondo um quadro de notas biográficas e elaborando o relatório final. Portanto, o projeto inicial propunha o desenvolvimento ideal de uma pesquisa de formação acadêmica se não fossem os problemas encontrados desde o início da pesquisa até meados do seu término. Começaremos enumerando os percalços do caminho percorrido para justificar e apresentar os resultados finais da pesquisa. Em primeiro lugar, o projeto que estava programado para iniciar-se em fevereiro iniciou-se, devido a problemas da assessoria técnica da FAPESP, em maio. O atraso de seu por conta de um recurso quanto ao mérito do parecer técnico que indicava duas reprovações do aluno quando na verdade só havia uma. Mesmo com parecer acadêmico favorável, o trabalho foi adiado por três meses até a pendência ser resolvida. Lamentamos muito os três meses de espera, sem dúvida eles seriam importantes principalmente no momento de elaboração e redação final deste relatório. Com isso o tempo de bolsa foi reduzido para sete meses, já que o projeto, então aprovado, não possibilitava a renovação com a alegação de que o aluno terminaria o curso no final de 2

Os dados do presente projeto constam do Processo FAPESP nº 2000/12669-2. 3 Projeto de Pesquisa Integrado: “Biografias de imigrantes: trajetórias em diferentes contextos” – NAP/CERU-USP – UNICAMP. Sub-projeto: “Biografias de luso-africanos: trajetórias em metrópole lisboense” – período fev. de 2000 / fev. de 2002, desenvolvido com o apoio do CNPq.

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2001, embora a conclusão do curso esteja programada para primeiro semestre de 2002, conforme a seção acadêmica de graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo atesta. Em segundo lugar, o trabalho de campo que seria realizado pela orientadora nos meses de junho e julho em Lisboa só foi realizado nos meses setembro e outubro por conta do atraso na liberação do financiamento de sua viagem pelo CNPq. Muito do material bibliográfico recolhido em Lisboa durante esse período, que certamente possibilitaria uma compreensão melhor da realidade por nós estudada, não pôde ser incorporado ao trabalho com exceção de algum livro e observações feitas pela orientadora. Como o prazo da entrega do relatório final seria um mês após a chegada desse material, o processamento e a análise das entrevistas gravadas, do material de imprensa, das anotações de campo e da literatura produzida recentemente que traz importantes contribuições para o debate sobre a presença de imigrantes e filhos de imigrantes africanos em Portugal foi inviabilizado por conta do tempo. Isto não significa que todo esforço tenha sido em vão, nos comprometemos, mesmo sem auxílio de financiamento, a elaborar um banco de dados com todo esse material que ficará disponível no acervo da biblioteca do CERU para os interessados e para novas propostas de trabalho sobre essa temática a serem desenvolvidos no futuro. Portanto, o que se apresentará ao longo deste relatório é uma discussão acerca dos principais temas norteadores desta pesquisa, a saber, memória e juventude, além de outros temas que se agregam a essas questões como: imigração, cultura, identidade e oralidade. Este trabalho apóia-se, ainda, em dados obtidos através da Internet nos sites dos principais jornais portugueses, como o Expresso (www.expresso.pt), o Diário de Notícias (www.dn.pt) e, principalmente, o Público (www.publico.pt) que preparou e disponibilizou um notável dossiê sobre a situação dos estrangeiros em Portugal. Metodologicamente, optamos por um trabalho essencialmente qualitativo, raro foi o uso de dados quantitativos por acreditarmos que nosso problema não pode ser mensurado por números nem exposto em gráficos e tabelas. Como procedimento de análise partimos do conhecimento sociológico e antropológico já produzido articulando diversas tendências do pensamento, apontando eventuais equívocos e propondo algumas questões. Importante salientar que o conhecimento produzido fora do âmbito acadêmico foi importante para o presente trabalho. O senso comum e os meios de comunicação nos dizem muito sobre a realidade estudada, de modo que todo conhecimento produzido

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acerca do jovens luso-africanos contribui para aquilo que chamamos “uma inversão do olhar”, que consiste justamente em focar a problemática da memória socialmente construída pelos jovens negros filhos de imigrantes africanos em Portugal a partir do seu alicerce cotidiano, a sociedade portuguesa, a metrópole lisboeta concretamente falando. Cabe lembrar, ainda, que este trabalho situa seu campo de análise num espaço delimitado, a cidade de Lisboa, e num tempo histórico sociologicamente datável, a sociedade contemporânea portuguesa na passagem do século XX para o XXI, no limiar da introdução do euro como moeda nacional européia.

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II. ATIVIDADES REALIZADAS As atividades da pesquisa se concentraram essencialmente em: i)

leitura da bibliografia referente aos temas memória e juventude;

ii)

coleta de dados na Internet;

iii)

reuniões e encontros regulares com a orientadora e com o corpo de pesquisadores do CERU;

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Seminário CERU: Litterature Autobiografique com Mihai Dinu Gueorghiu (Maison des Sciences de L´Homme – Paris) dia 28 de agosto de 2001;

iv) -

participação em discussões e simpósios ligados com a pesquisa: 28º Encontro Nacional de Estudos Rurais e Urbanos do CERU (Centro de Estudos Rurais e Urbanos da USP), realizado em maio de 2001 no prédio de Filosofia e Ciências Sociais da USP;

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XXV Encontro anual da ANPOCS (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), realizado na cidade de Caxambu (MG) de 16 a 20 de outubro de 2001.

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apresentação do trabalho no 9º Simpósio Internacional de Iniciação Científica – USP/CNPq, na mesa 10: Cultura e Relações Raciais no Brasil, coordenada por Pedro Luis Punton . Dia 08/11/2001 – FFLCH/USP.

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III. RESULTADOS DA PESQUISA PARTE I 1. Portugal no Contexto das Migrações Contemporâneas O processo migratório é um produto histórico dado por condições objetivas da história, que se produz e reproduz a partir do movimento entre indivíduos e sociedades. Não consiste apenas numa mudança geográfica, mas na transição para uma nova sociedade, com cultura e sistemas de valores diferentes, onde o indivíduo ou toda família se insere e se integra geralmente em meio a conflitos. Entretanto, quem emigra sempre mantém alguma ligação com a cultura de origem, guardando uma identificação étnica, por maiores que sejam as perdas. Mediante esse processo o imigrante apresenta-se como parte significativa das sociedades contemporâneas, uma figura social cuja investigação vem se intensificando ao longo dos anos, conforme aumenta sua visibilidade no seio das sociedades. Os estudos destinam-se à compreensão e conhecimento deste fenômeno, desde os fatores que motivaram os fluxos nos dois extremos do percurso até a maneira como se dá a inserção desses indivíduos na realidade social de determinadas sociedades. Nestas análises a imigração é abordada do ponto de vista quantitativo, por meio de sínteses e comparações. Logo, constam nas pesquisas a evolução e tendência das migrações, o tamanho do fluxo e seu destino, novidades e continuidades com relação a períodos anteriores, situação dos migrantes no país receptor no que tange à regulamentação, ao trabalho, ao nível educacional, à condição sócio-econômica etc., ou seja, são analisados os aspectos internos dos países de origem e os aspectos externos que correspondem à trajetória e vida dos imigrantes fora da terra natal. As migrações atuais vêm sofrendo, ao longo do tempo, diversas transformações no seu conteúdo e na sua forma. Os mais diversos fluxos migratórios realizaram-se a cada momento histórico e em cada época houve contextos distintos que provocaram as migrações. Não se pode dizer que estes sejam parte de um processo único ou que exista apenas um motivo por detrás do processo migratório. De certa maneira, as migrações constróem um sistema complexo de elementos determinados por diversos fatores de ordem econômica, política, social e cultural. Formam-se verdadeiras redes em nível

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internacional, envolvendo as mais diferentes nações. Por conseguinte, as causas que levam indivíduos, famílias e até sociedades inteiras a migrarem são variadas. No entanto, a sua essência, que é a procura de melhores condições de vida (pressuposto básico da existência humana), permanece. As migrações, sobretudo no século XX, estão ligadas à crescente generalização das atividades capitalistas nas cidades. O capitalismo precisou drenar, via emigração rural-urbana, uma parcela da população do campo, exigiu mão-de-obra em abundância para se constituir como o grande sistema social e econômico. A consolidação do sistema capitalista, o crescimento das forças produtivas industriais e a formação dos grandes centros urbanos foram fatores que contribuíram para intensificar a emigração dos países em via de desenvolvimento do Terceiro Mundo e Leste Europeu para os países desenvolvidos da Europa, E.U.A e Japão. Um dos principais fatores dessa nova configuração migratória, sem dúvida, é o processo de globalização em curso na atualidade. Nas últimas décadas, o mundo se encolheu, tudo se tornou simultâneo, on-line. A idéia de globalização está em todos os lugares; a internacionalização, a transnacionalização e a supranacionalização se generalizaram como conceitos de uma nova ordem mundial. Com a consolidação do capitalismo como sistema mundial, a produção e a circulação se acentuam-se. Segundo Ianni (1992, p.55) “a rigor a história do capitalismo pode ser vista como a história da mundialização, da globalização do mundo”. Globalização é o processo de internacionalização do capital. Tem se fundamentado na expansão do sistema produtivo, envolve a reprodução das relações de produção, portanto, as relações sociais, os valores culturais, as instituições políticas. Enfim, refere-se às condições de realização da vida social. Para Bógus (1997, p.165) “é necessário pensar o processo de globalização, entendendo-o como uma nova expansão do capitalismo, que impõe uma racionalidade, padroniza culturas e acaba criando a ilusão de uma totalidade que de fato não existe”. Isso significa que o processo de internacionalização do capitalismo generaliza a migração internacional. Porém, o que estamos presenciando é um fenômeno de recusa e de restrição aos imigrantes provenientes dos países subdesenvolvidos por parte dos países desenvolvidos. Segundo Bógus (1997, p.166) “para uma parcela da ‘sociedade global’, a inserção ocorre apenas de forma marginal, quando não totalmente excludente. A exclusão social, particularmente para os países do Terceiro Mundo, é a fase social

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concreta do processo de globalização. Restaria então aos excluídos buscar novas formas de inserção, numa sociedade onde tais fronteiras do Estado-nação estariam desaparecendo para dar lugar aos blocos regionais, onde os rígidos contornos territoriais precisam ser necessariamente repensados”. O problema da inserção dessa parcela global excluída deve ser discutido a partir de uma conjuntura econômica que produz uma nova desigualdade. Segundo Martins, essa nova desigualdade surge das transformações que o capitalismo sofre atualmente com o processo de globalização, que geram uma “reinclusão” precária na sociedade; os trabalhadores podem e até são reincluídos economicamente, de forma cada vez mais precária, mas em função desta precariedade a reinclusão não ocorre no plano social. “A reintegração não se dá sem deformações no plano moral; a vítima não consegue se reincluir numa moralidade clássica, baseada na família, num certo tipo de ordem”. (Martins, 1997, p.33) Segundo Sayad (1998, p.54), “um imigrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito”. Neste sentido, um imigrante é um trabalhador, portanto, pensar um imigrante desempregado (excluído do trabalho) é um paradoxo. O problema que encontramos hoje é que a exclusão vivida pelos trabalhadores (imigrantes) anteriormente era apenas um momento de passagem para uma nova inclusão em outras condições, isto é, um camponês expulso, ‘excluído’, logo era incluído numa fábrica na cidade, mas hoje esse período de passagem tornou-se uma condição estrutural ao invés de um período transitório. Na verdade, o que denominamos como um processo de exclusão (ou reinclusão precária) é um processo de privação pelo qual passa o indivíduo: privação do emprego, da família, do consumo, dos direitos, das liberdades, da esperança. O mínimo que um trabalhador imigrante precisa é de um alojamento, ele é alojado de acordo com sua condição, ou seja, temporário, provisório. O fato de ter um lugar para ficar determina e facilita as estratégias que inclusão na estrutura de trabalho. A hospedagem “é a condição para se encontrar um emprego, posto que para encontrar um emprego requer a hospedagem” Sayad (1998, p.74). Deste modo, trabalho e habitação (hospedaria, alojamento ou albergue), tem uma relação mútua. A hospedagem e o emprego oficializam a condição do imigrante.

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A questão da exclusão social no que diz respeito aos imigrantes deve ser criticamente analisada. Para Martins (1997, p.14) “não existe exclusão social: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes”. O que muitos tentam fazer é discutir formas de exclusão que podem ser vistas separadamente mas que acabam gerando equívocos quanto a sua análise, um afastamento do que seria central na discussão. O que chamamos de exclusão se trata de um conceito vago, indefinido e ideologicamente esvaziado. Explica tudo sem explicar nada. Este conceito vazio, segundo Martins (1997, p.16) “substitui a idéia sociológica de processos de exclusão” (grifo do autor). A idéia de exclusão lança-nos numa cilada, visto que na sociedade contemporânea o indivíduo busca, de alguma maneira, se “incluir” e é nesta inclusão que está o problema: ela ocorre da pior forma possível, em condições sociais precárias e marginais. Para Martins (1997, p.26) os teóricos “chamam de exclusão aquilo que constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de um inclusão precária, instável e marginal. A inclusão daqueles que estão sendo alcançados pela nova desigualdade social produzida pela grande transformações econômicas e para os quais não há senão, na sociedade, lugares residuais” (grifo do autor). Todo este problema da exclusão reside no seio da sociedade capitalista. Uma “sociedade que tem como lógica própria tudo desenraizar e a todos excluir porque tudo deve ser lançado no mercado; para que tudo e todos sejam submetidos às leis do mercado” (Martins, 1997, p.30). O causador deste “mal”, sem dúvida, é o sistema capitalista, dado que o desenraizar é “uma regra estruturante: todos nós, em vários momentos de nossa vida, e de diferentes modos, dolorosos ou não, fomos desenraizados e excluídos. É próprio dessa lógica de exclusão a inclusão. A sociedade capitalista desenraíza, exclui, para incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria lógica” (Martins, 1997, p.32). O problema está na inclusão que se dá apenas no plano econômico, nunca no plano social. As maiores vítimas deste processo perverso, sem dúvida, são os imigrantes que sofrem deformações morais, são lançados para uma condição de sub-humanidade. A presença de imigrantes em Portugal, provenientes dos países do Terceiro Mundo, ocorre desde meados da década de sessenta e setenta. No entanto, somente a partir dos anos oitenta que esta começa a ser “socialmente visível”. Para Santamaría (1998), países que anteriormente eram marcados pela emigração e por terem menos de

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0,2% da população estrangeira, como Portugal e Espanha, hoje na condição de receptores apresentam legislações duramente restritivas à entrada de imigrantes. Segundo o mesmo autor, os motivos que levam os governos desses países a se preocuparem com esta questão é a incorporação na U.E., que tem como requisito o estabelecimento de uma regulamentação das fronteiras (Santamaría, 1998, p.49-50). Nesta mesma perspectiva, Bógus (1997, p.166) afirma que para os “estrangeiros” edificam-se verdadeiras “muralhas invisíveis” e a entrada de imigrantes clandestinos torna-se cada vez mais um assunto da polícia de fronteira, sendo normalizada e reprimida enquanto tal. No momento em que a Europa, particularmente, busca a unificação econômica com a instituição de uma moeda única4 dentre outras atitudes, as migrações, diz Santamaría (1998) não só atendem às funcionalidades econômicas dos países receptores, mas passam também a atender a uma funcionalidade transnacional. Como conseqüência, as migrações provenientes do Terceiro Mundo configuram-se como uma peça central, mesmo que seja como pólo negativo de referência, na construção sociopolítica da Europa comunitária. Sem dúvida, a globalização é um processo contraditório: ao mesmo tempo em que algumas coisas se globalizam, outras se tornam ainda mais locais. De fato, economicamente, as fronteiras desaparecem, sobretudo, no interior dos blocos econômicos; porém, para os que estão de fora, tais fronteiras se fortalecem ainda mais. Desse modo, o imigrante participa de uma maneira marginal, tangencial, do processo de globalização. Nos estudos clássicos sobre a imigração privilegiou-se a matriz econômica, o chamado processo de repulsão-atração estabelecido no final do século XIX por Ravenstein. Segundo esse modelo, o emigrante faz um cálculo de custos e benefícios entre a sociedade de origem e a de destino, decidindo-se por aquela em que tiver maiores chances de obter sucesso financeiro. Tal leitura tem sofrido diversas críticas, visto apontar a emigração como um ato voluntário, independente. A decisão de migrar, diz Machado (1997, p.20), aparece 4

No dia 1 de janeiro de 2002, entrarão em circulação em 12 Estados-membros da União Europeia as notas e moedas de euros. A transição para o euro, no entanto, significa muito mais do que uma simples mudança de moeda. Envolve indivíduos e empresas não só nos países que aderiram à moeda única, mas também em todo o mundo. Os 12 Estados-membros são: Bélgica, Alemanha, Grécia, Espanha, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria, Portugal e Finlândia. Ver site oficial do Euro em português: http://www.euro.ecb.int/pt.html

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assim equacionada abstratamente, fora dos contextos históricos e sociais em que ela é ou não efetivamente tomada por indivíduos, famílias ou categorias mais alargadas, tendo em conta diversas circunstâncias, recursos e condicionantes próximos. Contudo, esse modelo clássico, contando agora com alguns aperfeiçoamentos, continua a ser utilizado na explicação macro do processo migratório, no que diz respeito às condições sociais, econômicas e políticas que favorecem tais movimentos. Numa outra análise dos fenômenos migratórios, temos os marxistas e teóricos da dependência cuja influência foi exercida na década de 70 e início dos anos 80, que apontam como principal fator migratório as desigualdades econômicas e sociais criadas pelo sistema capitalista de produção. Nesta perspectiva, a escolha é conduzida pelas situações de fome, miséria e guerra pelas quais passa o país. Os indivíduos migram em busca de melhores condições de vida, num movimento que leva a população de países periféricos para os países centrais do sistema capitalista, que determinam e regulam os fluxos de acordo com suas necessidades. Como as sociedades industrialmente mais desenvolvidas têm necessidade de um proletariado externo, elas induzem os movimentos migratórios, cuja mão-de-obra é barata e não-qualificada. Estabelece-se, diz Piselli (1997, p.2), uma correlação entre emigração e miséria, entre emigração e proletarização. Ao contrário da matriz clássica, este modelo não veicula a idéia de que a migração é livre, mas condicionada por necessidades de ordem econômica. Nos anos recentes os paradigmas de ambas as teorias têm sofrido revisão, pelo fato de possuírem explicações insuficientes e/ou inadequadas dos fenômenos migratórios. É o que ocorre com os fluxos realizados durante os anos 80 e 90 que apresentam características diferentes daquelas dos fluxos anteriores, contando com uma nova tendência migratória para países que antes possuíam tradição emigratória, tais como Portugal, Espanha, Itália e com a extensão das migrações temporárias e clandestinas, que não têm explicações satisfatórias se forem restringida às análises neoclássicas. A nova abordagem sustenta que não há um único fator responsável pela emigração, mas um conjunto de fatores - sociais, econômicos e políticos - conduzindo à decisão de migrar. No que tange ao fator de natureza política tem-se, entre outras coisas, a posição que o Estado receptor adota em relação à emigração (principalmente no que se refere

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aos mecanismos de controle adotados pelo país a fim de restringir a entrada dos estrangeiros) os laços existentes entre os países em questão (país de origem e país de destino), etc. O fator econômico corresponde aos incentivos existentes no país receptor em relação ao mercado de trabalho, mais especificamente à demanda de empregos. Nossa perspectiva acerca das migrações internacionais neste momento apoia-se, sobretudo, no trabalho de Santamaría (1998). O fenômeno imigratório sempre foi pensado a partir da condição do próprio migrante e do seu desejo motivado por razões econômicas em emigrar, porém, quando as migrações na Europa atingem um grau elevado de marginalização, clandestinidade etc., é necessário fazer uma crítica do conhecimento acumulado de modo a produzir um conhecimento crítico de outra ordem, mas para isso é preciso inverter o olhar. Ou seja, não mais centrar o olhar no migrante como objeto, mas olhar tudo o que se fala e quem fala sobre ele – desde o conhecimento acadêmico, passando pela imprensa até o senso comum – e que constrói as categorias (como a própria categoria imigrante que é construída socialmente a partir do contato com o outro, a fim de distinguir o que julga-se diferente). Ninguém é imigrante por natureza, as pessoas tornam-se imigrante quando estabelecem-se em um lugar diferente do seu. A leitura do texto do Santamaría (1998) contribui na medida em que não fiquemos presos nele em si, pois suas reduzidas linhas não dão conta de várias questões que se colocam atualmente na análise dessa pesquisa. No entanto, o que devemos valorizar é a discussão que o texto suscita com relação ao tema imigração e a busca de informações que ele instiga no que diz respeito à mudança de olhar sobre o imigrante, no nosso caso, os jovens luso-africanos em Portugal. Deste modo, significa olhar para os imigrantes e seus descendentes não a partir dos fluxos pura e simplesmente (pois não se pretende descrever o perfil do imigrante detendo-se ao mero registro de dados, nem tampouco se restringir a denúncias sobre suas condições de vida, pela ausência de condições de bem-estar etc), mas compreendêlos a partir da sociedade na qual eles estão. Isto é, ver como as abordagens, como as referências no discurso desta sociedade de acolhimento são construídas de alguma forma a levar que se pense sempre o imigrante na sua condição de falta, o que numa postura positiva resulta em denúncias, que levam ao planejamento de políticas públicas que visam sanar os problemas em questão.

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Entretanto, a perspectiva de Santamaría (1998) busca ir além das denúncias, procura apontar mais do que a situação de miserabilidade em que eles vivem. O objetivo é descobrir como se problematiza, como se pensa e como se trata a questão migratória. Logo, pensando na imigração para Portugal, o olhar se dirige para a sociedade portuguesa como um todo e não para o migrante em si. O fato de o autor propor uma mudança de olhar ou uma busca de complementação de olhares diferentes não significa que ele anule a contribuição das teorias clássicas sobre a imigração. A análise deve considerar o quanto os movimentos migratórios são dinâmicos, exigindo uma análise no mesmo sentido. Essa forma de análise para o autor é feita com a construção de um conhecimento a partir de vários olhares possíveis sobre o objeto, inclusive, por vezes, desfocando-o e direcionando o olhar a quem fala sobre ele. De todos os autores aqui discutidos e das diversas posturas podemos observar que a análise da imigração na atualidade deve-se fazer de forma mais complexa. Não basta construirmos um conhecimento crítico procurando entender o imigrante a partir da sociedade na qual ele se encontra, é necessário levantarmos perguntas que nos levem a um questionamento da sociedade como um todo: Por quem eles são vistos? Por que eles são vistos assim? Com quais categorias são definidos? O que essas categorias representam para os imigrantes e para os que falam sobre eles? 1.1. Migrações internacionais: o caso português As migrações da África para a região Ibérica não se iniciaram no presente século, mas durante o século XIV, quando os negros foram levados para a região de Lisboa na condição de escravos, como resultado da política expansionista e dos processos de crescimento econômico. Com isso, já no século XV encontravam-se na cidade-porto de Lisboa, postos de venda de escravos. Apesar do elevado número de negros existentes em Portugal nesse período é difícil fazer uma aproximação quantitativa do total residente, pois todos de pele morena, inclusive mouros e cristãos, eram denominados negros. Mas, no século XVI estima-se que havia entre 140.000 e 150.000 escravos vivendo em Portugal. Esse contingente foi diminuindo ao passo que essa mão-de-obra foi sendo exportada para o Brasil para trabalhar nas minas gerais durante o século XVIII e em seguida, no século XIX, quando escravos foram enviados

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para as colônias africanas, com o objetivo de “se livrar dos excedentes de mão-deobra”5. Neste século as migrações de africanos para Portugal iniciaram-se na década de sessenta com a entrada de cabo-verdianos que vieram para trabalhar na construção civil e em obras públicas. Entretanto, o número de estrangeiros ainda era reduzido nesse período, destacando-se pequenos grupos de origem européia, alguns com atividade econômica como o comércio do vinho do Porto e a exploração de minas. Assim, Portugal ainda era nessa época predominantemente um país de emigração. A imigração que recebia era de caráter temporário, pois funcionava como porta de entrada para outros países da Europa, como ocorreu com muitos cabo-verdianos. O período que vai de 1960 a 1974 é marcado pela adesão de Portugal à EFTA (European Free Trade Association), pela industrialização, pela entrada de profissionais qualificados oriundos da Europa desenvolvida e pela saída de portugueses em direção aos países do centro europeu. Diante deste contexto observa-se a imigração de caboverdianos para Portugal, pelo fato de as ilhas estarem sofrendo com a seca e como resultado da convocação do governo português que vivenciava uma crise de mão-deobra, corolário das imigrações e do alistamento dos jovens para a guerra. Trata-se, então, de uma imigração de substituição. Um segundo período diz respeito aos anos 74 e 75 que marcam a independência das ex-colônias africanas e, em conseqüência, o regresso de milhares de imigrantes africanos que lá viviam. Grande parte desse novo fluxo foi composto por indivíduos e famílias que haviam fugido das guerras de independência, ou seja, eram refugiados. As pessoas que migraram nesse período eram de origem africana com nacionalidade portuguesa que advinha de duas condições: ascendência portuguesa ou exercício de atividade em órgãos administrativos da colônia. “Trata-se, portanto, de retornados nãobrancos, que, num contexto de mudança social e política em larga escala” (Machado, 1997, p.113) optaram pela transferência para Portugal a fim de manter o nível social alcançado no momento anterior. Somente na década de 80 a imigração assume o caráter eminentemente laboral, isto é, dirige-se com vistas ao trabalho sendo a indústria da construção civil a que mais 5

Aqui há uma clara referência à obra de Tinhorão, José Ramos. Os negros em Portugal: uma presença silenciosa. Lisboa: Caminho, 1988. Tinhorão demonstra a presença significativa de negros em Portugal anterior ao século XVI e, revela que, muitos escravos negros serão posteriormente reconhecidos como nascidos em Portugal.

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emprega esse contingente, vindo dos PALOP, sobretudo Cabo Verde, Angola e GuinéBissau, detentores de mão-de-obra barata e não qualificada. No mesmo período registrase a imigração brasileira que apresenta um perfil sócioprofissional mais elevado, aproximando-se com o dos europeus e distinguindo-se com o dos africanos. Com isso, levando-se em consideração os fatores de natureza econômica, social e política no que se refere aos atrativos representados por Portugal neste momento, pode-se concluir: - no que se refere ao mercado de trabalho ocorreu um incentivo ao trabalho em obras públicas ao mesmo tempo que intensificou-se a imigração proveniente dos PALOP. Machado comenta a dependência que este setor criou em relação à mão-de-obra imigrada e que deve perdurar por muitos anos, o que é confirmado pela marcante presença africana neste ramo de atividade; - com respeito ao fator de ordem política, pode-se dizer que durante os anos 80 manteve-se a ausência de mecanismos de controle o que favoreceu a entrada de imigrantes. Porém, ao invés de trazer benefícios para a comunidade imigrante essa omissão do governo português desfavoreceu a politização dos imigrados que ficaram com a discriminação no mercado de trabalho. Entretanto, com a inclusão de Portugal a U.E. esta exigiu que criasse leis de restrição, a fim de que países como Portugal, Espanha e Grécia, não se permanecessem como plataforma para os países europeus de tradição imigratória, como França e Alemanha. Mas, tais medidas resultaram num crescente número de imigrantes clandestinos nestes países; - o fator social tem a ver com as redes migratórias, fundamentais no processo de mudança, devido a intermediação que estabelecem entre o migrante recém-chegado e a sociedade receptora. Como for apresentado anteriormente estas redes contribuem para a (re)construção da identidade dos indivíduos, transformando-se em associações de cunho étnico e político, visto o trabalho que fazem junto aos órgãos públicos. Em Portugal a rede migratória que já se consolidou foi a dos cabo-verdianos, que compuseram os primeiros fluxos migratórios e se apresentam em maior número atualmente.

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Por meio do quadro geral das imigrações para Portugal, elaborado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, correspondente ao período 1986-19966, pode-se retirar algumas informações sobre os fluxos migratórios para Portugal, vejamos: - o total de estrangeiros residentes em Portugal quase duplicou neste período, passando de 86.982 para 170.962. Deste total sabe-se que o número de africanos oriundos dos PALOP aumentou o contingente em 113%, passando de 37.829 para 80.509, o que corresponde a 47,1% do total. Os asiáticos e sul-americanos sofreram uma variação de 136 e 105% respectivamente, não alcançando em número efetivo a quantidade de europeus, que é de 46.033 imigrantes. De um modo geral, a variação de imigrantes no presente período ficou na casa dos 97%. A imigração recente em Portugal deve ser vista no quadro das dinâmicas internacionais de migração em curso no espaço europeu. Portugal, além da fixação, funciona como plataforma de passagem para outros destinos. Esse processo ocorre desde os anos 50, com a entrada de cabo-verdianos que se dirigiam a países europeus mais desenvolvimentos, antes de começarem a se fixar em Portugal. No entanto, segundo Machado (1997, p.14) observando diretamente a imigração portuguesa, devese destacar, que ela surge num quadro que se reveste de acentuada especificidade no contexto europeu. Nas duas últimas décadas, a imigração é um entre quatro fluxos externos, sendo os outros três a emigração, o regresso de emigrantes e o retorno das excolônias. Portugal reconhecidamente sempre foi um pais de emigrantes, embora a imigração possa já ser um fato consolidado, não se pode dizer que Portugal deixou de ser um país de emigração para se tornar um país de imigração, ou seja, embora em termos de tendência pode-se esperar que a imigração venha suplantar a emigração, o número atual de saídas e ainda superior ao das entradas. (Machado, 1997, p.16) No que diz respeito a dialética emigração/imigração portuguesa, as discussões que surgem é saber se a imigração recente em Portugal corresponde a uma substituição de profissionais portugueses que deixaram o país e foram viver em países desenvolvidos da Europa e nos EUA. De fato, as migrações assumem atualmente um caráter laboral, ou seja, cidadãos que emigram em busca de melhores oportunidades de emprego e, embora Portugal tenha uma posição periférica no contexto da economia 6

Esta data foi escolhida em favor do aumento das imigrações e do processo de regularização dos ilegais, aproximando o número oficial do real. Esse números encontram-se disponíveis no site oficial do Serviço

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mundial está inserido no quadro das migrações internacionais. Entretanto, como afirma Machado (1997, p.19) a tese de que emigração e imigração incidem sobre segmentos diferentes do mercado de trabalho, o que se deveria, entre outras razões, também à diferença de qualificação entre emigrantes e imigrantes, não encontra, como se vê, suficientes elementos de prova. Pode-se dizer, portanto, que o fluxo imigratório em Portugal da década de 80 em diante não caracteriza uma substituição de emigrantes por imigrantes, são fenômenos que apesar de realizarem-se simultaneamente no quadro das migrações atuais em curso são portadores de perfis distintos. 1.2. Contexto histórico e social da comunidade luso-africana De acordo com as abordagens citadas ao longo desse texto, percebe-se que há diversos fatores que interferem na decisão de migrar. A África, devido às condições de pobreza, carência, falta de perspectiva de futuro, guerra, etc., pelas quais já passou e que no presente continua a viver, leva muitos de seus filhos a se dirigirem para outras terras em busca, entre outras coisas, de melhores condições de vida. Todavia, a realidade com a qual se defrontam faz com que os imigrantes criem, em alguns casos, o sonho do regresso, que muitas vezes é alimentado com uma visão utópica que se constrói da terra natal. Numa pesquisa desenvolvida pelo CERU entre os anos de 1997-20007 foram realizadas uma série de entrevistas com imigrantes oriundo dos PALOP pela Profa. Dra. Neusa Maria Mendes de Gusmão quando esteve numa primeira passagem em Lisboa no ano de 1998. Entre as entrevistas selecionamos o depoimento de António Dafá, um guineense que migrou para Portugal na condição de estudante, mas que lá se efetivou, em que comenta o drama do processo migratório por ele experimentado, motivado pela guerra que assolava seu país: ... a amargura da imigração, da imigração que sofri não espero que nem o animal, o gato, o cão da minha casa venha cá sentir isso. Portanto, não quero que a minha família experimente o que eu experimentei com a imigração.

de Estrangeiros e Fronteiras (www.sef.pt). Famílias Luso-Africanas em Portugal, coordenado pela Profa. Dra. Neusa Maria Mendes de Gusmão junto ao NAP/CERU/USP como sub-projeto do Projeto Integrado Portugueses em São Paulo, Africanos em Portugal: representações e vivências familiares (século XX) com o apoio do CNPq.

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E em relação ao retorno a Guiné diz: ...E nesse momento estou a espera é... da minha noiva e que deve vir cá, casamos cá e depois os dois arruma, fazemos, definimos nossas coisas e voltamos. Essa é minha intenção. O caso da imigração de africanos dos PALOP para Portugal se apresenta de maneira específica no quadro das imigrações internacionais, pelo fato de se ter como pressuposto que as migrações têm um caráter doméstico, se dão entre países irmãos PALOP e Portugal - por compartilharem costumes e valores comuns, além da mesma língua. Neste sentido, quando se pensa em emigrar, principalmente os que possuem nacionalidade portuguesa, por terem nascido num período em que a esses países africanos eram colônias portuguesa, os imigrantes se vêem e se pensam filhos de Portugal, fazendo parte da família portuguesa ultramarina. Entretanto, quando se defrontam com a realidade em solo português a utopia com a terra de destino se esvai, emergindo em seu lugar uma realidade cruel, envolvida em discriminação, racismo e exploração. A sociedade que se diz no discurso multicultural, se apresenta na prática hostil à figura do imigrante, que por ser luso (devido à nacionalidade portuguesa), isto é, luso-africano não aceita ser enquadrado numa categoria geral de imigrante. Por isso estabelece uma categoria específica - lusoafricano8 - para designar os africanos de nacionalidade portuguesa, de condição social média, que vieram com a independência das colônias e também os filhos desses imigrantes nascidos em solo português. Entre os luso-africanos naturais e nacionais há uma diferença quanto ao grau de escolaridade e nível social: os primeiros possuem um nível de escolaridade mais elevado ao passo que os últimos são marcados pelo analfabetismo e baixo grau de capacitação, recorrendo deste modo ao trabalho na construção civil. Pelo fato de diferenciarem-se quanto à classe social, tais imigrantes não formam um grupo étnico conciso, pois possuem interesses divergentes que sobrepõem-se à origem comum. Contudo, a inserção de ambos os grupos na sociedade portuguesa é marcada de dificuldades, que se acentuam conforme a perceptividade da diferença. Isto é, quanto mais a população imigrante se destaca da sociedade envolvente devido a cor

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Categoria questionada por António Concorda Contador (2001) quando se refere aos jovens descendentes de imigrantes.

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da pele, língua, religião, costumes específicos, mais freqüente são os conflitos, a rejeição. Essa hostilidade que se manifesta no processo de inserção na sociedade receptora, torna-se visível no acesso dos imigrantes ao mercado de trabalho, à educação, à habitação, ao serviços públicos em geral. Em relação ao mercado de trabalho pode-se dizer que grande parte do contingente africano que vive em Portugal exerce atividade na construção civil, que durante um período foi o que motivou os fluxos migratórios e ainda continua a motivar. Portanto, a imigração, como um processo histórico de deslocamentos de populações no espaço, não apenas no espaço físico mas também no “espaço qualificado em muitos sentidos, socialmente, economicamente, politicamente e culturalmente” (Sayad, 1998, p.15), é um fenômeno que dissimula a si mesmo, o que significa dizer que é um estado durável que se pensa provisório. Todos os envolvidos no processo imigratório: imigrantes e sociedade receptora, vivem esta contradição (provisórioeterno). Esta contradição está embutida na própria condição do imigrante que, “impõe a todos a manutenção da ilusão coletiva de um estado que não é nem provisório nem permanente”. (Sayad, 1998, p.46) O imigrante, como ser portador de um duplo referencial no tempo e no espaço, vive no cotidiano, juntamente com a sociedade receptora, os “paradoxo colocados pela imigração” (Sayad, 1998, p.20). Neste sentido, temos que pensar a imigração como um “fato social total”. Deste modo, o que está em jogo na sociedade portuguesa neste momento não é apenas a imigração, pois na outra ponta da imigração está a emigração, “como duas faces de uma mesma realidade, a emigração fica como a outra vertente da imigração, na qual se prolonga e sobrevive, e que continuará acompanhando enquanto o imigrante, como duplo do emigrante, não desaparecer ou não tiver sido definitivamente esquecido como tal” (Sayad, 1998, p.14). Deste modo, o imigrante é portador de uma experiência social que deve ser pensada na sua totalidade e na sua temporalidade, isto é, como emigração/imigração. Segundo Sayad (1996) “para que haja imigração é preciso haver fronteiras e territórios nacionais, é preciso haver ‘estrangeiros’”. Diz ainda, “é interessante refletir sobre as conseqüências do fato de não existir uma definição positiva de ‘estrangeiro’. Em termos jurídicos, na linguagem do direito, o estrangeiro é definido sempre negativamente como não sendo do lugar, como sendo não-nacional. Em boa medida, é

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devido à confusão entre a definição jurídica do estrangeiro e a condição social do imigrado que se termina por definir o imigrado como não-nacional. A mesma confusão acontece com a definição jurídica dos filhos de imigrantes nascidos em Portugal. Especialmente nos antigos Estados nacionais europeus, o fato de as palavras imigrado e estrangeiro designarem a mesma coisa, termina por colocar o paradoxo da presença de imigrantes que não são estrangeiros do ponto de vista estritamente nacional” (Sayad, 1996, p.168). É o que acontece com os imigrantes vindos dos PALOP em Portugal: em maioria são imigrantes de nacionalidade portuguesa. A presença de imigrantes oriundos dos PALOP em solo português atualmente é a conseqüência da ideológica extensão de domínio político português na África. Antes dos anos 70, ocorreu uma entrada maciça de imigrantes em Portugal, que utilizando-a como porta de acesso à Europa, até então, pujante, suprindo a mão–de-obra não qualificada escassa nesse período. A partir dos anos setenta, o fluxo imigratório para Portugal permanece no mesmo ritmo no início, pois esse país, por seu “bom” relacionamento com os países dos PALOP, torna-se a única opção de entrada, depois que Comunidade Comum Européia começa a fazer restrições à entrada dos imigrantes em geral. Assim, à medida em que o desemprego começa a se agravar em toda Europa, o fluxo imigratório começa a sofrer queda e as entradas, ocorrem, em maior número, clandestinamente. Cabe ver que, muito além do fator econômico contemporâneo, a presença de imigrantes africanos em Portugal é fruto da relação histórica e do trânsito intenso entre Portugal e África. Tinhorão (1988) em seu livro Os negros em Portugal, demonstra que a presença significativa de negros em Portugal é anterior ao século XVI revelando que muitos escravos negros serão posteriormente reconhecidos como nascidos em Portugal. Na verdade, para o povo português, o outro que lhe dava grandeza estava fora de seu ângulo imediato de visão, não tanto porque não estivesse ali, no interior mesmo da sociedade portuguesa, mas estava invisível. A “presença invisível” que Tinhorão (1988) discute está ligada com o princípio do que Simmel define por “estrangeiro”, ou seja, uma forma de relação presente em todas as formas de relação e que supõe aproximação e distância. É assim que os lusoafricanos sempre estiveram presentes e ausentes, próximos e distantes na sociedade portuguesa.

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Simmel (1983, p.183) discute o estrangeiro não apenas como aquele que chega hoje e parte amanhã mas no sentido daquele que chega e amanhã fica. Ser estrangeiro, para Simmel (1983, p.186) “é uma forma específica de interação”. Significa dizer que o estrangeiro está próximo e está distante. Assim, “o estrangeiro está próximo na medida em que sentimos traços comuns de natureza social, nacional, ocupacional, ou genericamente humana, entre ele é nós. Está distante na medida em que estes traços comuns se estendem para além dele ou para além de nós, e nos ligam apenas porque ligam muitíssimas pessoas”. Porém, a idéia de que o estrangeiro está distante é falsa. Na verdade o estrangeiro está próximo, pois “assim como o indigente e as variadas espécies de ‘inimigos internos’, o estrangeiro é um elemento do próprio grupo (grifo nosso). São elementos que se, de um lado, são imanentes e têm uma posição de membros, por outro lado estão fora dele e o confrontam” (Simmel, p.183). Além disso, “a proporção de proximidade e distância que dá ao estrangeiro o caráter de objetividade, também encontra expressão prática na natureza mais abstrata da relação com ele, isto é, com o estrangeiro têm-se em comum apenas certas qualidades gerais, enquanto que a relação com pessoas mais organicamente ligadas baseia-se em diferenças específicas, originadas nos traços simplesmente genéricos que se têm em comum”. (Simmel, p.185) Os luso-africanos, neste sentido, surgem como uma categoria de identidade híbrida. Eles são, ao mesmo tempo, um elemento interno e externo da sociedade portuguesa – são portugueses e africanos ao mesmo tempo. Estão próximo na medida em que se reconhece neles um pertencimento no conjunto da nação portuguesa como afirmação de sua condição histórica além-mar; e está distante na medida em que Portugal necessita se afirmar como nação européia, negando, assim, o seu passado colonial. Há, porém, um problema: muitos desses africanos não se consideram imigrantes, a expressão ‘luso-africanos’ faz deles sujeitos de dupla nacionalidade. (Machado, 1994) Sabe-se que para se ter espaço na União Européia é necessário restringir a entrada de imigrantes, principalmente imigrantes do Terceiro Mundo. Portugal luta para integrar a U.E e para isso aplica sobre os luso-africanos a condição política de imigrantes, transforma-os em sujeitos externos de Portugal, isto é, fora de uma condição européia.

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Neste caso a palavra ‘imigrante’ se faz necessária porque, deste modo, serão tratados e considerados como tal: como mão de obra provisória e sem direitos constitucionais. Em pleno século XXI o imigrante ainda se apresenta essencialmente como “uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória, temporária, em trânsito” (Sayad, 1998, p.54). Neste sentido, “um trabalhador imigrante, mesmo se nasce para a vida (e para a imigração) na imigração, mesmo se é chamado a trabalhar (como imigrante) durante toda a sua vida no país, mesmo se está destinado a morrer (na imigração), como imigrante, continua sendo um trabalhador definido e tratado como provisório, ou seja, revogável a qualquer momento” (Sayad, 1998, p.55). O trabalho faz “nascer” e “morrer” o imigrante, portanto, um imigrante reuni em si as contradições da sociedade capitalista contemporânea. 1.3. (Re)construção das identidades A condição social dos luso-africanos em Portugal, em especial na cidade de Lisboa, revela um duplo referencial identitário de que são portadores. É assim que entram em jogo processos de (re)construção das identidades que se expressam através de práticas e representações do cotidiano. Em meio a condição de serem africanos, portugueses, imigrantes e estrangeiros, coloca-se ainda a condição de classe e a condição étnica. Os africanos e os luso-africanos, como já dissemos, formam um setor importante e controverso nos processos de modernização da sociedade portuguesa. A presença deles é essencial na construção/reconstrução da nação portuguesa. Eles constituem uma parcela ativa da força de trabalho, erguem e alçam o país à sua tão sonhada condição européia. Constróem pontes, abrem estrada, recuperam edifícios e transitam pelo espaço português, tornando-se visíveis e disponíveis para a compreensão geral, queira-se ou não. A verdade é que, se os africanos buscam Portugal, porque dele necessitam em razão das dificuldades vividas em seus países de origem, Portugal não lhes necessita menos. Segundo Gusmão et al. (1999, p.24) “a inserção dos luso-africanos na sociedade portuguesa mostra que existem, ainda hoje, inúmeros problemas relacionados à questão da constituição de suas identidades. Afinal, quem são? Imigrantes, estrangeiros,

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portugueses? A falta de uma melhor definição de suas identidades sociais e étnicas, muitas vezes os transforma em ‘prisioneiros da passagem’”. Este é o trânsito no qual os luso-africanos (re)constróem suas identidades. O dimensionar das categorias e dos fatos que as colocam em contexto e em função de relações sociais concretas, exige como ponto de partida entender que “africano” é todo e qualquer cidadão de origem africana, seja ou não nascido em Portugal, tenha ou não nacionalidade portuguesa, seja ele “preto” ou “mestiço” e que, independente da situação legal que possua, seja ela portuguesa, estrangeira ou “clandestina”. “Africano” é, assim, uma categoria operacional, mais que de origem, esta sim, diversa e múltipla. Por outro lado, “africano” é, antes de mais nada, categoria referencial que opera o senso comum no cotidiano entre imigrantes negros e portugueses de modo a definir qualquer pessoa de pele negra e, com isso, atribuir-lhe logo a condição “estrangeira”. Portanto, a questão da identidade está em jogo na realidade social portuguesa. As fronteiras que separam os luso africanos de uma categoria a outra é rompida e reconstruída a todo instante. Os luso-africanos, de acordo com as circunstâncias, se posicionam ora como portugueses, ora como imigrantes africanos, ora como caboverdianos, angolanos, guieeneses, moçambicanos ou santomeneses, lembrando que não se pode ignorar a multiplicidades de origens étnicas presentes na metrópole lisboeta. Os luso-africanos são, portanto, sujeitos múltiplos de uma realidade multiplamente determinada. A multiplicidade de referências e pertenças ocorre em acordo com os grupos nos quais eles atuam, se encontram e se inserem. Tudo isso serve como mecanismos de defesa face a hostilidade da sociedade portuguesa. A presença de imigrantes de origem africana em solo português é, portanto, conflitiva e contraditória. Tais conflitos e contradições são gerados, sobretudo no campo identitário, a partir da relação entre sujeitos portadores de interesses e poderes antagônicos. O embate se dá em espaços definidos como no bairro, na escola, no trabalho, na rua, no trânsito, no meio de transporte etc. Deste modo, a identidade é algo forjada profundamente no campo da luta, no campo do conflito. Os processos de (re)construção das identidades são dinâmicos e estão em constante redefinição. Os indivíduos que passam por esses processos, na impossibilidade de adquirir recursos sociais e culturais, fecham-se na preservação de práticas do sistema cultural de origem, o que gera a “cultura da pobreza” que tende a se

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agravar nas gerações seguintes. Poderia-se supor que no processo de (re)construção de identidades, com o percurso vivido por essa população, a tendência seria a de se caminhar não apenas para identidades sincréticas, mas para uma ausência de identidade. Porém, é justamente no contexto de (re)construção de identidades que uma parcela mais informada, justamente aquela que tem peso na pressão política, quer discutir e definir essa cultura negra “reconstruída”. Os luso-africanos, com maior acesso a bens culturais ou sociais, procuram pôr na mesa das discussões políticas, a questão de não terem sua cidadania reconhecida, pois embora tenham nascido nesse país, são considerados imigrantes e é claro que a origem e a cor da pele pesam na postura da sociedade nacional, necessitam assim o reconhecimento legal que os façam adquirir direitos e cidadania. Ao mesmo tempo, a tendência observada entre tais sujeitos é a da reivindicação e resgate de uma identidade étnica negra não originariamente africana, mas reconstruída pelo processo histórico e (re)construção de identidades vividas. Através destes mecanismos, ocorre inserção da questão étnica no campo político e com isso seria possível chegar-se ao reconhecimento de uma identidade luso-africana. Assim, a identidade que é construída no espaço social português através do confronto, das trocas simbólicas e das práticas cotidianas, pressupõe a condição de português, imigrante, africano e estrangeiro moldando a identidade multicultural e pluriética sobretudo do jovem luso-africano que, por sua vez, não está ausente da identidade da sociedade portuguesa atual.

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PARTE II 2. Os Jovens Luso-Africanos: Contradições e Conflitos na Cidade Com a globalização houve uma redefinição dos espaços, as dimensões mudaram. O espaço ficou fragmentado, sua apropriação é parcelada no trabalho, no lazer, na moradia, no consumo e na vida cotidiana. O espaço aparece como mercadoria, produzido e vendido como um objeto no mercado consumidor, tendo valores de uso e de troca. O valor de uso é baseado na qualidade própria da mercadoria, o valor de troca no seu valor propriamente dito, ou seja, o trabalho humano necessário para se produzir tal mercadoria. A troca se torna autônoma em relação ao uso num processo de apropriação privada dos mais diferentes espaços da sociedade. A conseqüência dessa apropriaçãofragmentação é o movimento de população do centro para a periferia e vice-versa. Neste sentido, as migrações internacionais são conduzidas pelo movimento global sobre a lógica da apropriação-fragmentação do espaço. As cidades adquirem outros papeis. As metrópoles tornaram-se o locus por excelência desse redirecionamento do espaço. A metrópole aparece como a manifestação espacial concreta do fenômeno da globalização que está posto de forma clara no mundo moderno. A redefinição do espaço é produzida a partir do processo de constituição da sociedade urbana que se apóia na eliminação das fronteiras entre nações e na generalização do mercado mundial. Uma nova identidade nacional acaba sendo criada através dessas profundas mudanças, o mundial é apontado como tendência. As coisas parecem não pertencer mais a um lugar ou uma nação, mas a realidades transnacionais. Na sociedade moderna a cidade constitui-se em espaço de realização do sistema produtivo (produção e realização de mais-valia). A industrialização (motor das transformações sociais contemporâneas) caracteriza a sociedade moderna, ou seja, a presença da industria identifica aquilo que conhecemos por sociedade moderna. Esta industrialização provoca o grande crescimento da cidade. Neste processo, ocorre a implosão-explosão da cidade, generalizando as trocas dos valores de troca, o solo se converte em mercadorias, a cidade explode em pedaços (Lefebvre, 1991). A cidade no final do século XX é palco de dois movimentos que se opõem e se complementam. Por um lado, assistimos a homogeneização de um modo de vida, sem

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estilo. Por outro lado, encontramos a diversidade dos estilos, as possibilidades de expressões culturais. Tais expressões é o princípio que distingue o modo de vida na cidade, melhor dizendo, o modo de vida urbano. Diversos são os modos como a cidade foi abordada teoricamente. Vários autores viam o modo de vida urbano como fator de desintegração dos valores tradicionais; outros viam esse modo de vida como gerador de um novo padrão cultural. Em contrapartida, quase todos viam na cidade uma tendência em direção ao racional e o secular, cujas relações se baseiam em interesses práticos do cotidiano, principalmente depois que o capitalismo impregnou na população a racionalidade do tempo. Segundo Alessandri Carlos (1994, p.188) “a cidade é analisada, na quase totalidade dos trabalhos, sob a égide do capitalismo, no que se refere ao processo de construção-produção ligados à acumulação do capital na cidade e comandado por sujeitos sociais”. É necessário se afastar de tais perspectivas e analisar criticamente a cidade e o modo como o espaço desta é apropriado. O espaço urbano não é apenas um espaço homogêneo desprovido de conteúdo, mas um espaço que é apropriado criativamente sobretudo pelos jovens. 2.1. Socialização em conflito no campo das identidades possíveis A questão da identidade étnica está ligada ao fato de se pertencer a um determinado grupo étnico e isso significa considerar as desigualdades sociais, as identidades culturais e as formas de ação coletiva. Machado (1992, p.124) analisa “dois aspectos centrais da problemática da etnicidade em Portugal: uma é a que remete para a amplitude dos contrastes das minorias com a população portuguesa; outra é a que tem a ver com o processo de politização da etnicidade”. Na concepção de Machado, a etnicidade, com tudo que implica, torna-se mais aparente de acordo com o grau de contrastes de uma minoria com relação à sociedade em que está fixada. Quanto maior a diferença entre o grupo minoritário e a sociedade onde vive, maior a relevância da questão étnica. O problema da análise de Machado (1992) é que não fica claro se a etnicidade pode ser observada meramente pela existência de minorias étnicas, mesmo que assimiladas, ou se ela vem à tona a partir do momento em que começa a haver uma politização da questão étnica. O que se percebe, para esse autor, é a existência de uma etnicidade forte ou fraca, mas uma etnicidade presente. Apesar do aumento e da

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diversificação das minorias étnicas, a relevância social do fenômeno da etnicidade na sociedade portuguesa é, até o momento, pouco expressiva” (Machado, 1992). Há minorias étnicas mas não há um problema social e político de etnicidade. Porém, considerando-se a intensidade do fluxo imigratório em Portugal juntamente com seus sérios problemas sociais, a análise das diferentes etnias existentes nesse país nos conduz a pensar em impactos sociais e culturais futuros. Embora haja uma diversidade de traços, nenhuma minoria étnica em Portugal apresenta uma condição de “etnicidade forte”, “entendida como uma convergência, numa ou mais minorias, de múltiplas dimensões de contraste cultural e social com a sociedade receptora”. Isso, segundo Machado (1992, p.128) explica a menor relevância da questão de etnicidade em Portugal, o qual diferentemente de outros países da Europa, ignora a existência da imigração e não reconhece as associações de imigrantes, mantendo a questão da etnicidade praticamente despolitizada. Mas, se a etnicidade é a construção de uma diferença identitária num campo político, portanto, ela envolve uma situação étnica, mas não é um simples encontro do Eu e do Outro em termos das diferenças que caracterizam os dois grupos, e sim frente à questão da alteridade, tal como é pensada na Antropologia, que são campos de força e, portanto, de poder. É o confronto de desiguais, de luta, que na análise de Machado não se faz presente. Afirmamos, portanto, que existe uma situação étnica em Portugal, mas não a manifestação de uma etnicidade, embora essa afirmação possa ser discutida, já que, como vimos, sempre esteve presente um conflito entre os imigrantes africanos e a sociedade portuguesa, não levado com força ao cenário político, mas em fecundação. Numa outra perspectiva, a de Seyferth (1983), o termo etnicidade reflete as tendências positivas de identificação e inclusão num grupo étnico. Isso em vista, podemos entender que a etnicidade é caracterizada pela identidade étnica positiva, quando o reconhecimento Nós e Eles é uma percepção interna, formulada pelo próprio indivíduo sobre ele mesmo. No entanto, a autora entende que pode haver também uma identidade negativa, quando o reconhecimento da diferença se expressa externamente e a percepção que o indivíduo elabora dele mesmo se faz sob o ponto de vista do outro. Na concepção de Seyferth, a identidade negativa se apresenta onde os grupos étnicos estão posicionados marginalmente na hierarquia social. No caso de Portugal, a pessoa originária dos PALOP, sobretudo o jovem, se coloca frente à questão negativa de identidade e é identificado externamente como

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pertencendo ao Terceiro Mundo, isto é, inferiorizado, mas pretende se introduzir no Primeiro Mundo, sofrendo, assim, todas as conseqüências que isso representa. Machado reconhece a presença da etnicidade em Portugal, mas a considera despolitizada, o que segundo Seyferth (1983) não seria a presença da etnicidade, mas de uma identidade étnica, no caso e segundo este último, de natureza negativa. Num primeiro momento, percebemos uma tentativa de se resolver um iminente conflito entre imigrantes e sociedade acolhedora, num sentido normatizador. Há uma motivação a se caminhar para a assimilação, onde a identidade étnica é assumida mas manipulada pelo grupo hegemônico, sendo inevitável a exclusão social, econômica e política do grupo minoritário. Porém, num segundo momento, o conflito aparece e, de um lado, os grupos minoritários reivindicam participação e inclusão na sociedade de ingresso, sem perderem suas raízes étnicas e, de outro, em muitos países, há pressões segregacionistas por parte dos nacionais. É no segundo momento que a etnicidade se manifesta, na tomada de posição dos grupos étnicos com relação à sua condição marginalizada e desprivilegiada, pressionando governos, exigindo maior espaço de manifestação cultural e expressão. Isto é, a natureza da identidade étnica antes manipulada para organizar as relações sociais por interesse dos grupos majoritários sofre mudanças e toma forma através da etnicidade, imbuída de identidade positiva, seu verdadeiro conteúdo. É o que, segundo Seyferth (1983) faz com que a etnicidade apareça como idéia política. Devido às diferenças biológicas inegáveis, há uma tentativa de se justificar as diferenças sociais vividas pela minoria étnica com relação à sociedade acolhedora, estando sempre a primeira em condição desprivilegiada com relação à segunda. A etnicidade aparece, então, não apenas na forma de manifestação cultural dos grupos étnicos, mas, principalmente gerando reivindicações políticas e econômicas. Nesse sentido, podemos dizer que a organização das minorias étnicas em associações de caráter meramente cultural já se constitui um embrião de uma reivindicação política. Já se caracteriza, inicialmente, como uma recusa à assimilação da cultura hegemônica, demonstrando não haver uma passividade total. Quando há a conquista de um espaço de manifestação cultural, onde a identidade étnica é produto de uma concepção interna do “nós” e “eles” e se assume o “nós” e não se deixa dominar pelo “eles”, é possível, então, ter a medida exata da desigualdade e exclusão vividas

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com relação a “eles” e partir à procura de um veículo possível de participação não apenas na vida cultural, mas também social, econômica e política. Carita & Rosendo (1993) explicam que o conceito de etnicidade surgiu no contexto antropológico tendo como objetivo dar uma melhor resposta às questões da identidade e categorização do Outro, dos diferentes, e, posteriormente, foi incorporado na teoria das restantes ciências sociais como forma de resposta às exigências de melhor compreensão de contextos multiculturais (multi-étnicos), nas suas interrelações sociais. A etnicidade surge, então, definida como o conjunto de fatos sócio-culturais que diferenciam um grupo do outro. No estudo de Carita & Rosendo (1993) verificamos que, em primeiro lugar, temse a busca da integração dos imigrantes na sociedade de acolhimento e, em segundo, a necessidade de preservação de uma identidade social e cultural, tendo como referência o país de origem, procura ser conciliada pela organização associativa. Dessa forma, as formas de associativismo por parte dos grupos minoritários funcionam como meio de se conciliar essas duas facetas. Consideram uma associação um grupo voluntário e organizado de indivíduos, formado para atingir e defender determinados interesses comuns. Seguem, de certo modo, um padrão relativamente constante, tendendo seus objetivos não só para aspectos solidários, recreativos ou culturais, como também para reivindicação e pressão política junto ao poder administrativo, legal, político ou econômico de uma dada sociedade. Uma associação tende a ser, portanto, a mediação entre o indivíduo e a sociedade, entre o indivíduo e o Estado e entre as necessidades dos indivíduos e as exigências da sociedade. Entra em cena o associativismo, procurando resolver ou minimizar os efeitos de ambigüidades, servindo como intermediária entre a necessidade de integração e a de preservação da identidade étnica. Em 1970 é criada em Portugal, formalmente, depois de algumas tentativas fracassadas, a Casa de Cabo Verde. É apresentada como uma instituição sócio-cultural de características regionalistas porque Cabo Verde ainda é uma colônia portuguesa, portanto, uma região do Império. Essa associação tem o objetivo de preservar uma identidade cultural cabo-verdiana e reforçar os laços de solidariedade e convívio entre todos os cabo-verdianos imigrados, bem como defender os interesses dessa comunidade. Com o tempo, um grupo jovem, essencialmente estudantes, e também indivíduos ligados ao movimento sindical e outros elementos originários de outras colônias

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portuguesas, que não faziam parte da atual Casa de Cabo Verde, toma nas suas mãos a direção dessa associação. Acusavam-na de não representar seus interesses, de ser muito tolerante com relação ao colonialismo e de ter uma excessiva elitização. A partir de 1978, começa-se a sentir uma diminuição na adesão e participação dos associados que se acentuará na década de 80, não só devido ao reagrupamento familiar, mas também à proliferação de associações de bairro, aumentando a oferta de recreação, cultura e meio de participação política com Cabo Verde. Assim, o estatuto da Associação de Cabo-verdianos e Guineenses começa a ser alterado. Com isso, em 1981 é criada a Associação Cabo-verdiana. Essa associação inova no caráter, além de recreativo e cultural, também de intervenção comunitária e política, nos esclarecimentos dos problemas da comunidade, na defesa de soluções através de candidaturas em torno da causa negra. É perceptível um primeiro momento de organização com o intuito de conservar a cultura cabo-verdiana, isto é, a identidade étnica, mas quando as diferenças entre essa minoria e a sociedade nacional se expressam em desigualdades sociais e criam uma identidade étnica negativa, a politização da questão étnica, como reação à tentativa de assimilacionismo, torna-se urgente. A etnicidade, portanto, se manifesta como uma base identitária de defesa de interesses de um grupo numa sociedade caracterizada por relações de dominação de uma maioria sobre uma minoria. Os conflitos étnicos não são mais do que conflitos de interesses, assumindo-se como estratégia eficaz de ação e pressão política, manifestando-se como resposta a uma política discriminatória que se exprime na ausência de acesso das minorias étnicas aos benefícios do Estado relativos à educação, saúde, habitação, segurança social, emprego, mobilidade social, igualdade de oportunidades, entre outros (Carita & Rosendo, 1993, p.136-138). Aqui está explícita a idéia de conflito e, portanto, de poder, caracterizando a etnicidade como de caráter político. Se as condições de marginalidade e inferioridade vividas por uma minoria étnica é conseqüência de uma política econômica e social que a exclui, a reação a tal situação seria “trazer a ordem política e econômica para o campo étnico”. (Carvalho, 1985, p.21) Sendo assim, a politização da questão étnica não pode ignorar os processos de (re)construção de identidades culturais. Para Madureira Pinto, apud Gonçalves, H. S. (1994, p.137), o conceito identidade é “eminentemente relacional”, já que resulta do

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relacionamento dos indivíduos em sociedade e de toda multiplicidade de referências identitárias com que estes se deparam e através dos quais são gerados processos de “identificação/integração” ou de “identização/diferenciação” relativamente aos grupos sociais aos quais pertencem ou dos quais se distinguem. No estudo de Gonçalves (1994), num bairro onde conviviam migrantes portugueses e imigrantes dos PALOP, a mobilidade vivida por essa população fragilizava suas identidades culturais, de forma que todas as trajetórias sociais, residenciais e profissionais, percorridas ao longo da vida, foram modificando e redefinindo as identidades. Na pesquisa feita pela autora, foi verificado que a população considerava negativos os percursos que fez e sentia-se insatisfeita com a situação social atual, o que comprometia ainda mais a identidade cultural entre os diferentes, acarretando uma valorização da cultura dos modelos bem sucedidos. Nesse caso, os imigrantes africanos foram mal sucedidos na inserção nesse novo espaço, no mercado de trabalho e nas redes de solidariedades. Essa população com escassez de recursos sociais, culturais e relacionais não consegue interiorizar as normas e hábitos necessários a uma integração satisfatória, caindo numa situação de “bloqueamento cultural”, ou seja, numa situação de “tradicionalismo exacerbado, descontextualizado, retorno a si mesmo, numa associação vivida como ameaçadora a sua própria identidade”. (Gonçalves, 1994, p.145-146) Os processos de (re)construção das identidades são dinâmicos e estão em constantes redefinições, o que Madureira Pinto (apud Gonçalves, 1994, p.148), conduz a uma “lógica de espelhos, a identidades impuras, sincréticas e ambivalentes”. A população negra em Portugal, com maior acesso a bens culturais ou sociais, procura pôr na mesa de discussões políticas a questão de não terem sua cidadania reconhecida, pois embora tenha nascido nesse país, é considerada imigrante e é claro que a origem e a cor da pele pesam na postura da sociedade nacional. A tendência observada é a reivindicação para o resgate de uma identidade étnica negra não originariamente africana, mas reconstruída pelo processo histórico e (re)construção de identidades vividos em solo português. Através da inserção da questão étnica no campo político, seria possível chegar-se ao reconhecimento de uma identidade luso-africana por parte dos jovens.

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A categoria “africano” é usada como referência para o imigrante negro e para seus filhos, de forma a estigmatizá-los diante do senso comum e do cotidiano de suas vivências, fazendo deles “estrangeiros”, e acaba por desencadear, em concomitância, uma outra face: aquela que permite aos jovens de segunda geração recuperar o patrimônio cultural de seus ascendentes, de modo a dizer de si, de uma africanidade possível que lhes restitui um lugar e uma identidade que a condição imigrante-pobrenegro lhes nega no interior da sociedade branca portuguesa. No seu modo de ser, agir e viver, os jovens demarcam espaços e fazem conquistas que seus pais e avós não conseguiram. Mediadores da realidade familiar e grupal com o universo português, tornam-se alvo de admiração do próprio português que os renega. É assim, diz Marc Augé ” (1994, p.123) que “os imigrantes provocam nas

pessoas

instaladas,

uma

inquietação

forte

(e

freqüentemente

abstrata)

provavelmente, e em primeiro lugar, porque lhes demonstram a relatividade das certezas inscritas no solo: é o imigrante que, na personagem do imigrado os inquieta e fascina ao mesmo tempo. 2.2. Problemas acerca dos jovens negros em Portugal Tomaremos como pressuposto, para falar de jovens, o fato de que o conceito juventude é extremamente vago e vazio: diz tudo e, ao mesmo tempo, não diz nada acerca dessa massa de gente que não é mais criança mas ainda não é adulto. Deste modo, não podemos falar de juventude genericamente porque não há uma unidade que marca a juventude, não há um comportamento de classe, não há o mínimo de organização, nem de sentimento universal. Portanto, devemos falar de juventudes no plural e não olhar para a juventude como uma entidade homogênea (Pais, 1993, p.43). Mas que juventudes são essas? O que as distingui? O que as caracterizam? Trata-se apenas de uma questão cronológica marcada pela transição de dois períodos distintos da vida de um indivíduo? Há juventudes em todos os lugares? Elas são iguais? O que significa para o Estado e para a sociedade a noção de jovem? Parafraseando Pais (1993), são das interrogações que originam problemas de natureza teórica. Com essas e outras interrogações expostas acima discutiremos a categoria juventude e o modo como ela é pensada sociologicamente. A universalidade do conceito já de partida será afastada por acreditarmos que não há (embora haja) uma

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juventude universal. A universalidade da categoria juventude está no fato dos problemas de ordem sociológica estarem num plano global de discussão, ou seja, a juventude em todo mundo é fruto de um desenraizamento, perdeu-se as referências, de modo que questionar o conceito juventude é, sobretudo, questionar a própria sociedade contemporânea. Se a pessoa que se encontra no limiar da vida adulta por para uma crise (pessoal, profissional, familiar e econômica) é porque algo está errado com a sociedade em que ela como um todo. As transformações pelas quais nossa sociedade passou (e ainda passa) desde a segunda metade do século XX afeta sensivelmente a população jovem. Uma investigação sociológica, segundo Pais (1993) é problematizada por dois tipos de problemas: problema social e problema sociológico. Os problemas sociais emergem da realidade social que é contraditória e os problemas sociológicos dirigem-se a questionar esta realidade. No estudo sobre juventude estes dois tipos de problemas estão presente. A juventude, como sabemos, vivem problemas sociais (drogas, delinqüencia, desemprego, violência, etc.) que suscitam problemas sociológicos. No trabalho de Pais (1993, p.22) acerca das Culturas juvenis, há uma alerta para a questão de que “nas representações correntes da juventude, os jovens são tomados como fazendo parte de uma cultura juvenil «unitária». No entanto, questões que se coloca à sociologia da juventude é a de explorar não apenas as possíveis ou relativas similaridades entre jovens ou grupos de jovens (em termos de situações, expectativas, aspirações, consumos culturais, por exemplo) mas também – e principalmente - as diferenças sociais que entre eles existem”. Diante desse quadro, situamos os jovens negros portugueses. Em Portugal esses jovens são vítimas de um processo de discriminação e racismo (problemas sociais), um campo tenso de relações que se impõe no seio da sociedade portuguesa, ao mesmo tempo são elementos mediadores da estrutura social portuguesa e mais do que isso, ele pode através de elementos de origem africana de seus pais e avós afirmar uma diferença que dá a ele uma identidade possível (problemas sociológicos), negociada no eixo da sociedade portuguesa. Em outras palavras, ao utilizar-se de um referencial de origem, o faz muito mais por afirmação daquele que é o lugar onde está – Portugal – para além do que realmente afirmam – a África – emprestando uma singular conotação a forma pela qual expressa sua africanidade na metrópole lisboeta.

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O jovem negro na cidade de Lisboa, segundo o relato da Profa. Neusa Gusmão, convive muito com o branco, namora moças brancas ou as moças negras namoram rapazes brancos, muitos já têm filhos mestiços e mais do que isso, querem se afirmar no lugar em que estão e vivem. Para eles a África e os países de origem dos pais fica tão distante quanto qualquer outro país ou continente, não é um lugar possível de retorno, além de não existir como projeto. O que querem é estar ali mesmo, onde estão, mas voltados para um mundo maior. Querem se afirmar, mas isso não quer dizer que neguem a negritude, mesmo porque a trazem como marca no corpo, nos costumes e nos comportamentos. A condição de ambigüidade de que são portadores está em não negarem a negritude para serem portugueses. A falta de uma melhor definição dos conceitos nos levam a falar ora de jovens luso-africanos, ora de jovens negros portugueses. Porém, já há no espaço acadêmico português uma discussão acerca dos conceitos, sobretudo quanto ao termo luso-africano. O termo “novos luso-africanos”, utilizado sobretudo por Machado (1992, 1994, 1997) além de servir para distingui-los dos primeiros luso-africanos, ganha novo sentido ao ser utilizado como alternativa ao de “imigrante de segunda geração”, uma vez que supõe que os descendentes dos imigrantes não são portadores de uma espécie de continuidade cultural automática entre as gerações mas, pelo contrário, de visíveis contrastes nas suas condições sociais, nos seus estilos de vida, valores, etc. O caráter mutável da cultura do imigrante expressa-se dentro do país de acolhimento e as diferenciações ocorridas ocorrem entre as gerações. Machado (1994, p.121) diz que “(...) os jovens e crianças descendentes de imigrantes não são imigrantes eles mesmos. Não têm um trajecto imigrante e a maior parte nem sequer conhece o país de origem dos pais. Nasceram e/ou foram socializados no quadro da sociedade de acolhimento, onde sofreram a influência poderosa de contextos como a escola, mas também dos media, da cidade ou das suas redes de sociabilidade juvenis. A sua cultura é, inevitavelmente, produto disso mesmo, por maior que seja a importância da família e por mais que ela constitua um espaço fechado de reprodução da cultura de origem”. É importante lembrar, ainda, que este problema de definição de identidade étnico cultural dos jovens luso-africanos também ocorre com os imigrantes de primeira geração, dado que eles tiveram desde sua chegada a Portugal as mesmas influências da cultura local que seus filhos têm desde o nascimento. Portanto, não podemos remeter unicamente ao país de

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origem, quer de próprio nascimento ou da família, o único e/ou principal definidor da identidade cultural deste segmento da população. Em contrapartida, o trabalho Cultura juvenil negra em Portugal de Contador (2001) traz uma discussão interessante acerca da cultura juvenil negra em Portugal. O livro faz críticas ao termo “luso-africanos” que é impróprio na medida em que a realidade desses jovens em Portugal não se reduz a uma condição bipolarizada, dado que a realidade é marcada pela multiplicidade. Por outro lado, o foco específico de análise é a cultura negra, sobretudo a música africana. Ora, utilizar a música como único campo de significação para tratar da realidade juvenil negra em Portugal é igualmente limitativa para desvendar as contradições da realidade apresentada em solo português. Além disso, Contador (2001) toma como ponto de partida um arsenal conceitual para entender a realidade quando na verdade devemos fazer o contrário: analisar criticamente os conceitos através das contradições que a realidade apresenta. Só o processo de desmontar os conceitos, cristalizados e reificados, pode propiciar uma teoria que de conta da realidade como um todo. Não cabe uma argumentação teórica cujo objetivo seja desmontar simplesmente outra argumentação teórica, devemos ir a fundo nos conceitos para descobrir o que está escondido sobre a superfície da sociedade. Não acreditamos na possibilidade de uma engenharia sociológica para explicar os problemas de ordem social. As formas de validação de uma cultura juvenil negra portuguesa está para além do consumo de música africana por ela mesma. O consumo não deve ser explicador de uma apropriação cultural. A apropriação da música africana por parte dos jovens é um elemento de mediação entre o mundo de origem africana e a sociedade portuguesa, que por sua vez também a consome. De fato, concordamos com Contador (2001, p.18) quanto a afirmação de que “o espaço cultural transnacional, materializado pelo hífem, contido entre os pólos ´luso´ e ´africano´ na expressão ´novos luso-africanos´, distende-se, dilata-se e dilui-se para fora dos limites da identificação por pertença etnicizada e luso-africana”. A noção de jovens negros portugueses utilizada pelo autor é perfeita porque não se trata somente de uma condição bipolarizada como nos leva a pensar a noção de luso-africano. Ao falar de jovens negros portugueses o campo de possibilidades e questionamento se alarga imensamente. Porém, o trabalho de Contador (2001, p.37) estreita-se quando privilegia o consumo cultural, em especial a música africana, como centrais na apropriação de

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uma identidade étnica, segundo ele mesmo afirma: “podemos dizer que a ficção da identidade dos jovens negros é um agenciamento contínuo de referência desterritorializadas, reapresentada através da partilha – do consumo – de uma transestética negra, onde se articulam: estilos, corpo, passado-presente e música num jogo tenso – metafórico – entre ´o que se é´ e ´o que se quer ser´. Os jovens negros se identificam e são identificados filiados ao campo da negritude, que vem sobretudo do hip hop9, um movimento cultural cujo questionamento é global. Há várias frentes de afirmação e como tal este movimento também não é um processo homogêneo. Frente à sociedade portuguesa o jovem joga ambiguamente com a sua africanidade e com a sua negritude, porque uma coisa não é necessariamente sinônimo da outra: elas estão juntas, mas a africanidade é a coisa do pertencimento a um bairro africano, de falar uma língua africana, nomeadamente, o crioulo, falando assim de origens, de espaço, etc. O caminho de pertencimento a uma negritude, como movimento de afirmação da condição negra vem através da influência dos movimentos mais globalizantes, o estilo de vida hip hop constitui um universo simbólico em torno de uma condição de negritude. Como diz Martins (1997, p.23-5), citando Giroy, a cultura dos jovens experimenta os dilemas culturais postos pela condição de origens dos pais, mas transita como experiência única e diferente das gerações anteriores. A juventude, o ser jovem resulta então, da “tensão dialética entre raízes culturais e seus novos caminhos culturais”. Para Martins, é assim que o jovem negro celebra sua especificidade e alteridade. Constrói sua pertença grupal e uma linguagem ao mesmo tempo portuguesa, africanizada, acrioulada e global. No entanto, segundo o mesmo autor, é preciso ver que não se pode falar de uma cultura juvenil negra luso-africana, posto que é diversa e múltipla para cada “bairro africano”. Mais inclusiva, mais fechada ou mais aberta, mas sempre demarcada pela etnicidade de seus sujeitos e pela posição que ocupam numa sociedade branca, cristã e européia, com processos de integração-exclusão permanentes. Portanto, as culturas de crianças e jovens negros revelam-se em especificidades e complexidades dinâmicas e multifacetadas. A cultura dos jovens negros em Portugal se faz por fluxos e refluxos,

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Movimento juvenil, cultural e urbano que corresponde a uma multiplicidade de expressões tais como o graffiti (gráfico/visual), o break (dança performativa e acrobática) e rap (estilo musical composta de ritmo e palavra verbalizadas em rimas).

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por avanços e recuos que permitem pensá-la como um verdadeiro símbolo da sociedade globalizada em que vivemos. A cultura ou culturas do jovens, filhos de imigrantes africanos, permitem ainda pensar que as raízes culturais de que são portadores descongelam-se na experiência de suas vidas, compondo e recompondo seus elementos de modo a afirmar o espaço concreto da cidade em que vivem, ou então, negá-lo como meio de superação da segregação social e política que lhe é imposta pela sociedade portuguesa. Abrem-se, assim, outros círculos de conviviabilidade e sociabilidade, impondo sua presença e exigindo o reconhecimento da diferença como direito que dê a cada um a condição de serem o que são, “não o que parecem ser”; que lhes dê a condição de não serem desiguais.

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PARTE III 3. Memória e Juventude: Dois Temas, Uma Questão O objetivo dessa seção é dialogar com perspectivas teóricas de diferentes autores compreendendo como os sujeitos em debate – o jovem luso-africano – constrói e articula a memória vivida do presente e a memória não vivida do passado, de memórias que ecoam de outros continentes como vozes esparsas no universo em questão – a metrópole lisboeta. O estudo sobre memória exige uma revisão do que foi escrito e discutido ao longo do tempo. É possível detectar historicamente o desenvolvimento do conceito de memória nas ciências humanas. Na história, na antropologia, na sociologia e na psicologia social este conceito foi crucial para o entendimento de fatos e fenômenos, bem como para o desenvolvimento de teorias acerca da sociedade, notadamente a sociedade moderna. Há um certo consenso nas ciências humanas acerca do caráter social da memória. O clássico trabalho de Maurice Halbwachs (1990) Memória Coletiva, aponta para confronto entre a memória individual e a coletiva. A todo instante as pessoas fazem apelo aos testemunhos para fortalecer ou debilitar, mas também para completar, o que sabemos de um evento do qual já estávamos informados de alguma forma, embora muitas circunstâncias nos permaneçam obscuras. Segundo Halbwachs (1990, p.25) a primeira testemunha, à qual podemos sempre apelar, é a nós próprios. Muito do que as pessoas dizem apóia-se nos depoimentos dos outros. “Se o que vemos hoje tivesse que tomar lugar dentro do quadro de nossas lembranças antigas, inversamente essas lembranças se adaptariam ao conjunto de nossas percepções atuais. Tudo se passa como se confrontássemos vários depoimentos. É porque concordam no essencial, apesar de algumas divergências, que podemos reconstruir um conjunto de lembranças de modo a reconhecê-lo”. Os outros depoentes germinam em nós a rememoração para se tornar uma lembrança; do contrário, se não há traço nenhum deixado por outrem ocorre o esquecimento total, o quadro vivo feito pelos testemunhos não será jamais lembrança. Aliás, um fato só não deixa traço na memória quando o grupo no qual o indivíduo participou teve uma duração efêmera (Halbwachs, 1990, p.29). As lembranças não estão

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alicerçadas de maneira objetiva e cristalizada pelo fato dos acontecimentos serão marcados por descontinuidades. Não basta assistir ou participar de uma cena para que a imagem se reconstrua e torne viva, transformando-se em lembrança. “Pode ser que essas imagens reproduzam mal o passado, e que o elemento ou a parcela de lembrança que se achava primeiramente em nosso espírito, seja sua expressão mais exata: para algumas lembranças reais junta-se assim um massa compacta de lembranças fictícias ” (Halbwachs, 1990, p.28). Memória não é lembrar daquilo que foi da maneira como ocorreu, mas é o resultado daquilo que foi lembrado. Podemos distinguir em Halbwachs (1990, p.55) dois tipo de memórias: uma interior ou interna, e outra exterior; memória pessoal e memória social, memória autobiográfica e memória histórica. “A primeira se apoiava na segunda pois toda história de nossa vida faz parte de história em geral. Mas a segunda seria, naturalmente, bem mais ampla do que a primeira. Por outra parte, ela não nos representaria o passado senão sob uma forma resumida e esquemática, enquanto que a memória de nossa vida nos apresentaria um quadro bem mais contínuo e mais denso”. A memória individual não está fechada em si mesma, as pessoas evocam suas lembranças nas lembranças dos outros. Em contato com o passado mais ou menos distante os sujeitos constróem o presente que é a história vivida, deste modo que não há uma memória que não seja histórica, ou seja, não há separação entre a história da pessoa e a história geral. Segundo Halbwachs (1990, p.84) na memória coletiva, na realidade, “não há linhas de separação nitidamente traçadas, como na história, mas somente limites irregulares e incertos. O presente (entendido como estendendo-se por uma certa duração, aquela que interessa à sociedade de hoje) não se opõe ao passado, configurando-se dois períodos históricos vizinhos. Porque o passado não mais existe, enquanto que, para o historiador, os dois períodos têm realidade, tanto um quanto o outro. A memória de uma sociedade estendese até onde pode, quer dizer, até onde atinge a memória dos grupos dos quais ela é composta ”. Neste sentido a contribuição do historiador francês Jacques Le Goff (1996) com o seu trabalho História e memória é fundamental. Ele estuda essencialmente a memória como um conceito histórico e antropológico e os desdobramentos que esta noção adquiriu ao longo dos séculos. Como historiador, vai buscar a origem do conceito lá nos

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gregos e nos traz até o século XX. Não será necessário aqui um mergulho a obra toda, faremos uma confrontação com outras perspectivas para voltarmos à superfície do nosso problema. Segundo Le Goff (1996, p.423) o aspecto desenvolvido pela psicologia diz que “a memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”. Este aspecto psicológico nos conduzem a uma idéia de que a memória se inscreve no cérebro a partir da atividade mnemônica e das atividades perceptivo-cognitivas visando unicamente organizar e adaptar a natureza humanas à situações novas. Porém, nas ciências sociais a ênfase é dada ao comportamento narrativo como sendo o primeiro ato da memória. Pierre Janet, citado por Le Goff (1996, p.424-5)) considera o ato mnemômico fundamentalmente como um “‘comportamento narrativo’ que se caracteriza antes de mais nada pela sua função social, pois que é comunicação a outrem de uma informação, na ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu motivo”. O eixo central da narração é a linguagem, sobretudo a linguagem falada. A narração transmitida oralmente possibilita a inscrição do conhecimento na memória de maneira a possibilitar a transferencia deste conhecimento para as futuras gerações. Ilustrativo neste sentido são as sociedades tradicionais míticas. O mito é relato transmitido de forma oral, se realiza desta maneira e só tem razão de ser se for narrado, se houver uma relação entre narrador e ouvinte. O mito, ao contrário do que se pensa, deixa de existir quando transposto para o texto literário, passa a ser outra coisa, ganha status de ficção, idéia que é completamente contrária a de mito. O mito só existe se for falado. J. P. Vernant (1999), em seu texto sobre a origem dos mitos gregos, critica a idéia de uma mitologia grega. Para ele, nunca houve propriamente uma mitologia grega, tratava-se de diversos gêneros literários como a epopéia, a poesia, a tragédia, a história e a filosofia. Aliás, segundo ele mesmo aponta, esses gêneros ganharam uma forma unitária e um corpo mitológico muito tempo depois da sua época. Deste modo pode-se dizer não existe uma mitologia grega, mas um conjunto de lendas e histórias transmitidas de maneira escrita para um público restrito de leitores. Deixa claro quais são as condições de existência de um mito: memória, oralidade e tradição. De modo

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que, em sociedades tradicionais e sem escrita todo o saber é transmitido em forma de mito pela oralidade. O declínio desta experiência narrativa nas sociedades tradicionais indica o declínio da sociedade como um todo, por uma razão muito simples: o saber transmitido oralmente não se sustenta no escrito. Para ela, da palavra ao texto escrito, a passagem é bastante difícil porque não há como fixar no papel algo completamente fluido e mutante como a narração. Neste sentido Detienne (1998, p.218-9) concorda com Vernant (1999) “A grafia altera o brilho da oratória, deforma a voz do mito, desfigura a revelação mitológica”. Portanto, mito é narração e torna-se inacessível na Grécia ao chegar pela via escrita, trabalho erudito. É na relação entre o narrador e o ouvinte ou “voz fugidia e palavra viva” que aparece a mitologia, como algo sempre renovado pelo palavra sem lugar ou data de criação e principalmente sem autoria, o contrário do sentido grego que é construído pela escrita. Para Detienne (1998) a mitologia é sempre provisória, aberta e nômade. A cada história contada o mito se metamorfoseia, as imagens são inventadas. Portanto, não há uma forma definitiva de mito por um motivo simples: não há um pensamento cognitivo mítico mas um saber concreto e uma realidade completa que é herdada e transmitida de geração em geração através da oralidade. Segundo Detienne (1998, p.227 e 232) o mito conta uma história, “é na história contada que reside o essencial” e completa, “tanto isso é verdade que para nós uma mitologia sem histórias é impensável”. Afastando por completo a proposição individual da memória, forjada pela psicologia, afirmamos que a memória é social assim como sua perda, a amnésia que se trata de “perturbações graves da identidade coletiva” (Le Goff, 1996, p.425 e 426). Estudar a memória social “é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da história, relativamente aos quais a memória está ora em retraimento, ora em transbordamento”. Deste modo, Le Goff (1996, p.428 e 429) descreve os momentos da memória no conhecimento historiográfico. Em primeiro lugar aparece a memória étnica (a partir de Lerói-Gourhan) que é justamente a memória coletiva dos povos sem escrita. “O primeiro domínio onde se cristaliza a memória coletiva dos povos sem escrita é aquele que dá um fundamento – aparentemente histórico – à existência das etnias ou das famílias, isto é, dos muitos de origem”.

Esta memória coletiva das sociedades

tradicionais registra-se no conhecimento prático, técnicos, de saber profissional. “Nestas

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sociedades sem escrita há especialistas da memória, homens-memória: ‘genealogia’, guardiões dos códigos reais, historiadores da corte”. O desenvolvimento da memória, segundo Le Goff (1996, p. 431) se dá na passagem da oralidade à escrita – período datado entre a pré-história à Antigüidade. Para o historiador, “nas sociedades sem escrita a memória coletiva parece ordenar-se em torno de três grandes interesses: a idade coletiva do grupo que se funda em certos mitos, mais precisamente nos mitos de origem, o prestígio das famílias dominantes que se exprime pelas genealogias, e o saber técnico que se exprime pelas genealogias, e o poder técnico que se transmite por fórmulas práticas fortemente ligadas à magia religiosa”. E conclui, “o aparecimento da escrita está ligado a uma profunda transformação da memória coletiva um duplo progresso, o desenvolvimento de duas formas de memória. A primeira é a comemoração, a celebração através de um monumento comemorativo de um acontecimento memorável. A memória assume então a forma de inscrição e suscitou na época moderna uma ciência auxiliar da história, a epigrafia”. Um segundo salto da passagem da memória oral para a memória escrita situa-se, ainda segundo Le Goff (1996) entre a Idade Média no ocidente, essencialmente com a difusão do cristianismo como religião dominante, e a figurada Renascença. A memória social tradicional ou ‘popular’ esvai-se quase inteiramente com as profundas transformações sofridas por diferentes estratos sociais na Idade Média, “quase-monopólio que a Igreja conquista no domínio intelectual” altera as bases memória coletiva formada (Le Goff, p.442 e 466). Os processos da memória escrita e figurada de Renascença revoluciona, embora lentamente, a memória ocidental, num primeiro momento o advento da imprensa. O segundo momento é a fotografia, que revoluciona a memória: “multiplica-a e democratiza-a, dá-lhe uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo assim guardar a memória do tempo e da evolução cronológica”. O momento de maior ruptura, sociologicamente falando, é a passagem do relato oral para o escrito, marcado pelo declínio da experiência. Singular nesta discussão são os textos de W. Benjamin (1985) em especial “O narrador”. Historicamente o narrador é aquele que sabe dar conselhos. Assim como um provérbio ou um conto de fadas ele é detentor de uma sabedoria adquirida com a experiência própria e alheia. O senso prático é uma das características de muitos narradores natos e das histórias por eles contadas.

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Não é pragmatismo, mas sim o mundo concreto com uma dimensão utilitária e não utilitarista. Em que consiste esta utilidade? Ensinamento moral, sugestão prática, provérbio, conto de fadas (primeiros conselhos das crianças) e normas de vida, em suma, o conselho. Assim, para Benjamin (1985, p.200) “aconselhar é menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada [agora]” e continua, “o conselho tecido na [trama] substância viva da existência tem um nome: sabedoria”. O processo que expulsa a narrativa do discurso vivo anuncia o declínio de uma sociedade tradicional. Presenciou este momento na sua própria sociedade com o crescimento das forças produtivas. Para Benjamin (1985, p.200) se “‘dar conselhos’ parece hoje algo de antiquado, é porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis”. Neste momento “a arte de contar torna-se cada vez mais rara porque ela parte, fundamentalmente, da transmissão de uma experiência no sentido pleno, cujas condições de realização já não existem na sociedade capitalista moderna”. (Gagnebin, 1999, p.10) Os narradores recorrem à uma mesma fonte: a experiência que passa de pessoa a pessoa marcada pelo traço da oralidade. Narrativa é palavra verbalizada e escutada. Os narradores são sujeitos anônimos e as histórias narradas dão ênfase ao caráter coletivo. Narração está sempre ligada ao coletivo, quem narra não se preocupa com as vicissitudes individuais, mas com a continuação da história que foi contada. “A relação ingênua entre o ouvinte e o narrador é dominada pelo interesse em conservar o que foi narrado” (Gagnebin, 1999, p.210). O importante é assegurar a reprodução. Para tanto é preciso que a narrativa seja de fácil memorização. Narração e memória partilham de um mesmo conteúdo, a experiência. No entanto, a modernidade faz desaparecer a possibilidade de transmissão tradicional do saber. O saber que vinha de longe no tempo e no espaço dispunha de uma autoridade que era válida mesmo que não fosse controlável pela experiência. Com a informação o saber que vem de longe tem menos sentido que as informações próximas: devem ter uma verificação imediata, ser compreensível e plausível. A informação surge como uma nova narrativa sem história, sem memória, descontextualizada no tempo e no espaço. A narrativa tem sentidos enigmáticos a serem decifrados pela interpretação, ao contrário da informação que só tem valor quando é nova e só vive durante o seu momento e tem que ser explicada nele. Por outro lado, a narrativa conserva suas forças e depois de muito tempo ainda é capaz de se desenvolver. A modernidade apresenta-se

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como o tempo da destruição da narração e da memória. A inscrição das coisas vividas na memória implica numa construção da experiência, um processo que “exige um estado de distensão que se torna cada vez mais raro” (Benjamin, 1985, p.204). Este estado de distensão nas pessoas marcou as sociedades tradicionais (ou artesanais) porque ali o tempo era vivido lentamente, permitindo que a experiência se formasse como uma lenta sedimentação de finas camadas sobre o palco da memória10. A memória é constitutiva da narrativa tradicional, ela tece a trama do texto e da própria vida. A trama do texto é tecida tal como a vida é tecida na história. Narrativa portanto é vida. Assim como a narrativa tradicional a memória entra em declínio com o desenvolvimento do progresso técnico e do processo de individualização do autor no romance. Significativo neste sentido é o texto “Infância em Berlim por volta de 1900” (Benjamin, 1997) que tem um caráter autobiográfico. Benjamin fez como Baudelaire, transformou sua vivência como criança em experiência. No próprio texto ele articula, na escrita, memória, autobiografia e história. A memória faz irromper imagens que são esquecidas mas que estão inscritas na memória, sempre vista na dimensão do coletivo, ligada a uma experiência coletiva. Benjamin (1997) narra sua infância tal como a vida se punha naquele momento histórico, não através meramente da memória hábito (voluntária), percepção cotidiana do dia-a-dia, mas como memória pura (involuntária), imagem-lembrança no sentido de Proust, para trazer aquilo que é único, singular e irreversível na vida, os segredos mais íntimos da infância. Os quadros, por sua vez, trazem a visualização de imagens que se dão de repente, ao acaso e na velocidade de um relâmpago, vêm e vão embora rapidamente se não forem fixadas. A vida lembrada da infância possibilitou a Benjamin (1997) constituir uma imagem de si. Segundo W. Bolle (1994, p.316) o texto “Infância em Berlim” “não é um trabalho confortável de memorialista reclinado na poltrona, mas um retrospecto tal como ele se dá no momento de maior perigo”. Os quadros são imagens que não se esgotam com o vivido da vida individual, não se trata de uma autobiografia clássica. São questões que aparecem na rememoração tal como elas foram lembradas. Trata-se de um registro associativo de lembranças da infância, permeado de reflexões e dúvida à 10 “A memória é o meio daquilo que vivemos, assim como a terra é o meio dentro do qual jazem, soterradas, as cidade mortas. Quem pretende se aproximar do próprio passado soterrado tem de proceder

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respeito do seu tempo. As imagens que Benjamin (1997) traz de sua infância são paradigmáticas na construção de uma história crítica do presente. O período em que Benjamin (1997) escreve “Infância em Berlim” coincide com o fim da República de Weimar (1918-1933) e a ditadura de Hitler na Alemanha. A primeira versão do texto é de 1932-1934 e a segunda de 1938 em plena ditadura nazista. A emoção do texto está ligada com a idéia de despedida, escreve o texto exatamente no momento do exílio em Paris. Essa era a maneira que Benjamin (1997) tinha de fixar as imagens da sua cidade de origem antes que ela fosse destruída. A infância de Benjamin é reconstruída a partir do adulto apegado ao presente histórico. Ao escrever “Infância em Berlim” e dedicar ao seu filho, Benjamin ( 1997) estabeleceu uma transmissão de um patrimônio de pai para filho. “Um homem de quarenta anos mergulha na memória da sua infância, reencontrando ali o mundo cultural de seus pais, os valores que eles lhe ensinaram; nessa volta no tempo, recupera também algo da maneira de ver da criança, seu modo próprio de perceber e sentir, sua sensibilidade e seus valores”. (Bolle, 1994, p.318-319) Há momentos da narrativa em que a história individual e coletiva fundem-se numa mesma imagem. Benjamin procedeu como Proust que “não descreveu em sua obra uma vida como ela de fato foi, e sim uma vida lembrada por quem a viveu” (Benjamin, 1985, p.37). Emblemático neste sentido é o quadro do telefone, nele Benjamin (1985) procura captar e fixar imagens exemplares, de uma experiência maior vivida por ele e pela sua família. Na primeira parte trata-se da imagem do aparelho e sua introdução nas casas, em relação com a história. Diz Benjamin (1997, p.70-80) “a causa pode estar na construção do aparelho ou de minhas recordações – o certo é que, em seu eco, as ruínas das primeiras conversas telefônicas permanecem em meus ouvidos muito distintas dos de hoje”... Num segundo momento a imagem do telefone interfere na dinâmica da vida familiar e interferência no ritmo da história. “Não muitos do que hoje dele se utilizam sabem dos estragos que, outrora, seu aparecimento causou no seio das famílias. O barulho com que soava entre as duas e as quatro da tarde, quando um colega de classe ainda queria falar comigo, era um sinal de alarme que perturbava não só a sesta de meus pais, mas também a época da história universal, no curso da qual adormeceram”. como um homem que cava”. Imagens do Pensamento (Benjamin, 1997, p.239).

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A cidade, a escola, a rua e a casa (lugares familiares) se apresentavam para a criança Walter Benjamin (1997, p.85) em registros associativos que formavam imagens. É assim nos quadros Chegando atrasado, Manhã de inverno (que o unia aos objetos do seu quarto e o odor de uma maçã que surgia diante de si como algo familiar, a maçã sendo o próprio mundo) e Rua Steglitz esquina com Genthin, continuam na linha do familiar. “Na infância daquela época ainda dominavam as tias; que já não saíam de casa, que, toda vez aparecíamos com minha mãe para um visita, nos aguardavam sempre com a mesma coifa preta e com o mesmo vestido de seda, que nos davam as boas-vindas sentadas nas poltronas de sempre, junto da mesma janela de sacada”. Benjamin se refere a uma casa e uma esquina que não sofrera qualquer alteração. Porém, Benjamin fala das profundas transformações pela qual a sociedade passou. Essas transformações aparecem refletidas na própria família de parentes que oriundos de lugares distantes e afastados, antigos comerciantes de gado, hoje viviam numa realidade urbana cujas ruas levam os nomes dos generais da guerra franco-prussiana e até dos lugares onde viveram. Em cada uma dessas imagens presentes nos quadros de “Infância em Berlim”, Benjamin (1997) constrói imagens exemplares: uma mônada, aquilo que concentra e condensa temporalmente uma imagem na velocidade de um relâmpago. Benjamin (1985, p.231) consegue nesta obra “extrair uma época determinada do curso homogêneo da história”. Para o materialista Walter Benjamin o passado e o futuro são arrancados do fluxo homogêneo, infinito e vazio, é possível entender cada ponto da história numa linha contínua. A idéia de causalidade histórica funde-se com a idéia de causalidade cronológica, idéia de cronologia fundando na idéia de causalidade histórica. Um passado lembrado a partir do presente. Tais imagens exemplares no próprio movimento do lembrar cedem lugar para algo novo. Benjamin procura captar e fixar imagens exemplares, experiência maior do que o consciente individual do narrador, a experiência de uma criança burguesa na cidade grande, Berlim. A percepção do infantil se dá a partir de mediações pelas quais passam as percepções da infância fundamental para Benjamin construir os objetos que estão fora de um mundo habitual no qual ele vive. Há um jogo reciproco entre o olhar cheio de expectativa da criança (ingênuo) e o olhar do adulto (tenso). Não tem mais a percepção infantil, mas lembrança, cenas, situações, imagens do infantil inscritas na memória do adulto.

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A modernidade dificulta, para não dizer que impossibilita, a constituição desta memória, pois ao se caracterizar como o tempo da velocidade traz a necessidade do esquecimento como condição da própria sobrevivência do homem, substitui a memória involuntária nos homens – aquela capaz de captar o tempo e construir com ele uma experiência – por uma memória voluntária, que não consegue captar a essência do passado. O termo “esquecimento” tem porém uma especificidade, pois só o que está esquecido é passível de ser rememorado, pois está no plano do inconsciente, mas o esquecimento produzido pela vivência de choque não é feito de experiências esquecidas, adormecidas no chão da memória, mas de acontecimentos estanques, rapidamente apreendidos pela consciência e descartados por ela. “Como é que o trabalho da memória consegue trazer à tona ‘o saber ainda não consciente do passado’? E como a ‘rememoração’ benjaminiana se situa diante da memória ‘involuntária’ de Proust?” indaga W. Bolle (1994, p.326). Para Benjamin, o valor da reminiscência não está exclusivamente na “memória involuntária”. “Pois o importante para o autor que rememora, não é o que ele viveu, mas o tecido de sua rememoração” (Benjamin, 1985, p.37). “Segundo Proust, fica por conta do acaso, se indivíduo adquire ou não uma imagem de si, se consegue ou não se apossar de sua experiência” (Bolle, 1994, p.327; Benjamin, 1989, p.106). Justamente nesta passagem Benjamin se distancia da idéia proustiana de memória involuntária, para ele o modelo de rememoração também envolve o elemento voluntário. (Bolle, 1994, p.327) A apropriação da própria experiência é uma tarefa para cuja realização o indivíduo necessita do auxílio da memória, pois tal apropriação é também uma apropriação do passado. Passado que nunca poderá ser recuperado tal como ele foi, mas tal como ficou inscrito na memória. Trata-se de captar uma imagem do passado no presente num momento de perigo. A apropriação do próprio passado como experiência possibilita a construção de uma imagem de si e a construção de um patrimônio comunicável, não é impossível, nem depende do acaso. É trabalho da rememoração, “da recapitulação atenta” do passado (Gagnebin, 1999, p.80), atenção que se faz necessária porque “a verdadeira imagem do passado perpassa veloz” (Benjamin, 1985, p.224). Rememorar torna-se portanto um compromisso que pode e deve ser firmado, que depende de um desafiar seu próprio tempo, criando um novo tempo, tempo de “despertar”, momento que se desvincula do fluir infinito do tempo cronológico, vazio e homogêneo mobilizando o presente, pois o

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passado neste momento não é mais irrecuperável, já que irrecuperável é “cada imagem do passado que se dirige ao presente, sem que este presente se sinta visado por ela” (Benjamin, 1985, p.224), mas o novo presente, reconstruído, se sente sim visado por ela e revida este olhar, investindo o passado e a si mesmo de aura. Por tudo isso a busca de compreender a memória de jovens luso-africanos é uma tentativa de romper com a idéia positivista de que só pessoas idosas tem memória, ou que só os depoimentos delas validam ou legitimam os trabalhos dos investigadores cujo “objeto” com o qual se preocupam é a memória. Muitos trabalhos nas mais diferentes áreas das ciências humanas contribuíram para o que chamamos de equívoco, sejam eles da sociologia, da historiografia, da antropologia, da educação e da psicologia social. Como tema clássico das ciências humanas muito se falou sobre a memória, como podemos perceber. A idéia é dizer, através deste trabalho, que o jovem é portador de uma memória que o situa no mundo, mesmo que sejam fragmentárias lembranças. Não pretendemos fazer generalizações nem dizer que todo jovem age desta ou daquela maneira de igual modo em todos os lugares do mundo porque são influenciados por uma “cultura juvenil globalizada”. Nosso campo de discussão, como já foi exposto anteriormente, limita-se a um grupo específico de jovem, a saber, o jovem negro luso-africano que vive na metrópole lisboeta nos dias de hoje e que são, na sua maioria, filhos de imigrantes africanos oriundo dos PALOP. Este jovem possui uma referência identitária que, sem dúvida nenhuma, não é a mesma referência de um jovem negro da periferia de São Paulo ou de um jovem branco da classe média de qualquer outra parte do mundo. Em contrapartida, apesar deste jovem ser marcado por uma especificidade, é inevitável que ele receberá a tal “cultura globalizada” que chega até ele através dos signos da contemporaneidade. Usam tênis e roupas como qualquer outro jovem no mundo cujo referencial é ocidental – mais especificamente norte-americano. O jovem aqui em questão reúne as contradições da sociedade contemporânea, esta é a sua especificidade em relação às outras juventudes. A memória da África se torna auto-afirmativa diante do mundo português, ocidental e discriminatório. Não há uma definição única sobre estes jovens, que jogam com todas as identidades possíveis: negro, português, europeu, ocidental, filho de imigrantes. São, sobretudo, jovens urbanos marcados por uma cultura metropolitana globalizada. Dizer isso é lugar comum, não temos dúvidas, porém o que significa ser um jovem negro em Portugal? Eis

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a questão a ser discutida. Qualquer definição acerca da situação dos jovens negros filhos de imigrantes africanos em Portugal é limitada, cabe uma análise crítica do discurso e da imagem deles na sociedade portuguesa, da possibilidade de um tempo histórico não burguês, um tempo de exceção. A juventude é parte deste tempo porque tem em si a memória do passado, compreendida como a própria infância, da vida vivida até alcançar a condição de adulto. Não se trata de pensar tão somente o indivíduo – no caso o jovem – senão o tempo passado e presente que é coletivo e envolve outras histórias e outras narrativas diversas, as próprias e a dos outros, as vividas e as não vividas. O notável trabalho de Ecléa Bosi (1987) acerca das lembranças de velhos revela a possibilidade de buscar na memória pessoal a memória social, familiar e grupal de modo não positivista. Para se fazer um trabalho sobre memória não é necessário, segundo Bosi, proceder de maneira cientificista, entendendo o relato como um material documental da história. O trabalho dela não contou com “nenhum documento de confronto dos fatos relatados que pudesse servir de modelo, a partir do qual se analisassem distorções e lacunas... A veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza seus erros e lapsos são menos graves em suas conseqüências que as omissões da História oficial. Nosso interesse está no que foi lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-se na história de sua vida” (Bosi, 1987, p.1). Há, na memória, uma liberdade e uma espontaneidade radicalmente contrária aos esquemas mecanicistas de abordagens psicossociais, quantitativos, cientificistas e positivistas. Convencionou-se dizer que memória é passado. Porém, percebemos que memória não é só passado, mas um instrumento de socialização e de transmissão de saberes e conhecimentos que aproxima espaços e lugares da história vivida e, principalmente, da história não vivida por crianças e jovens cujo mergulho nas raízes da tradição, da

identidade, do imaginário se dá no interior da lembrança de tempos

desencontrados. Os tempos misturam-se para compor a memória, que é extremamente mutável, fluida, mas que mantém traços estáveis. A memória não tem uma forma acabada, ela possibilita a recriação, a reconstrução. A memória tem mais a ver com o presente com que com o passado. Ela é o resíduo de um passado incompleto, inconcluso. A memória que sobrevive constitui-se o devir, o possível, um projeto cujo alcance se dará por vias não convencionais de transformação, pela recuperação das conexões entre o sonho e a vida tornando o possível.

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PARTE IV Conclusão Para colocar o ponto final neste trabalho, por tudo que foi possível desenvolver até aqui, podemos dizer que trata-se mais de uma inconclusão do que uma conclusão propriamente dita. O caminho percorrido esteve repleto de obstáculos principalmente em relação ao tema central do trabalho: a juventude e sua memória. Não temos a nossa disposição elementos concretos para uma conclusão dado que este trabalho não contou com o que há de mais rico numa pesquisa socioantropológica: o trabalho de campo e a observação in locus. Não adentrar no universo dos jovens impediu a possibilidade de mapear e verificar como a memória de um passado não vivido opera na vida desses sujeitos. Por isso, a dificuldade em falar de um realidade distante, labiríntica e ainda por ser investigada e questionada. Porém, para não sermos inconclusos, faremos uma breve exposição sobre as novas leis imigratórias em Portugal e sua repercussão na imprensa portuguesas, sobretudo no diário Público. A última lei acerca da imigração em Portugal diz expressamente nos seus parágrafos iniciais: “O presente diploma legal visa alterar o Decreto-Lei N.º 244/1998, de 8 de Agosto, com as alterações decorrentes da Lei N.º 97/1999, de 26 de Julho, que aprova as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.” “Com a presente alteração procura-se acautelar, por um lado, o interesse público e, por outro, garantir os direitos e interesses que se pretenderam salvaguardar aquando da elaboração dos referidos diplomas legais, tendo em vista a evolução do fenómeno migratório verificado em Portugal nos últimos anos.”11 (grifo nosso). Este é o já famoso Decreto-Lei nº 4 que entrou em vigor no dia 10 de janeiro de 2001. Tal decreto revê os cento e sessenta e três artigos do artigo 198º. da Constituição Federal Portuguesa voltados exclusivamente para a questão da presença de estrangeiros em solo português. Houve uma grande repercussão desta nova lei de imigração na imprensa portuguesa, e muitas críticas também, sobretudo quanto a necessidade de um contrato de 11

O texto completo da Legislação Portuguesa acerca da regulação de entrada de estrangeiros pode ser obtido no site do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF): http://www.sef.pt/legislacao/DL4-01.htm

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trabalho como condição para se obter o visto de um ano com a possibilidade de renovação por mais cinco conforme Artigos 36º e 52º da Lei nº 4/2001. Uma relação de formalização da relação de trabalho é essencial para poder permanecer em Portugal. Como conseqüência temos a submissão a empregadores inescrupulosos que contratam a mão-de-obra e fazem dos empregados verdadeiros escravos porque para se conseguir autorização de permanência é necessário o contrato de trabalho formal. Segundo o Público há denúncias de venda de contrato de trabalho em pleno centro de Lisboa. É importante salientar que até início dos anos 90 não havia em Portugal qualquer lei com esta finalidade, muito menos uma preocupação de controle de entrada de imigrantes, já que o país necessitava de mão-de-obra por conta da emigração como afirma o próprio diretor do SEF, Júlio Pereira, em entrevista dada ao Público12 no dia 24 de maio de 2001 dias antes de encerrar o processo de regulação de imigrantes ilegais no país. Segundo Júlio Pereira, as políticas de imigração em curso é um processo que prevê uma "importação de mão-de-obra de acordo com as necessidades de trabalho que não possam ser satisfeitas nem pelos trabalhadores nacionais, nem pelos trabalhadores comunitários, nem pelos trabalhadores estrangeiros residentes. Será a política que irá vigorar para o futuro, que aliás é a política que se está a seguir nos outros países da União".

Uma entrevista é sempre interessante porque revela, no sentido que Bourdieu (1983, p.101) aponta, os espaço de interação entre sujeitos, “um lugar onde se atualizam as relações de força lingüisticas e culturais, a dominação cultural”. Essas relações de força são sobretudo relações de poder. A fala do diretor do SEF na entrevista revela o conteúdo do discurso oficial europeu que está para além das preocupações de Portugal como nação. Neste momento pensa-se em Europa como um continente que busca a unificação econômica e, obviamente, busca restringir o acesso as frágeis fronteiras portuguesas. Deste modo, Portugal alinha-se de pensamento da U.E cuja sofisticação das leis de controle de entradas é visível. É evidente as pressões da U.E em relação ao aperto da legislação portuguesa aos estrangeiros. A “importação de mão-de-obra” em Portugal, como dizem, era mais do que uma necessidade pelo fato de grande parte da população ter emigrado para outros países da

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Todas as falas e excertos de notícias que se seguirão foram obtidas no Dossiêr intitulado Estrangeiros elaborado pelo diário português Público e encontra-se disponível no site: http://dossiers.publico.pt/estrangeiros/

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Europa em busca de melhores salários, deixando em Portugal uma população envelhecida e uma mão-de-obra escassa, sobretudo de trabalhos braçais. A seguir, apresentamos uma série de reportagens realizada pelo Público ao longo de um mês em que acompanhou-se a evolução da espera de imigrantes em busca de regularização nas filas em frente ao SEF. De um mês de acompanhamento publicado, recortamos apenas duas semanas para não ficar repetitivo, embora o drama se repita todos os dias, segundo o jornal. Vejamos: 27 de Abril de 2001 - 09h05 Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Lisboa - Rua S. Sebastião da Pedreira Carlos*, natural da Guiné-Bissau, trabalha na construção civil e está em Portugal há oito anos. Está à porta do SEF desde as 19h30 de ontem. É a segunda vez que tenta renovar a autorização de residência. António, cozinheiro, natural de S. Tomé, está no país há dez anos. Chegou ontem à Rua S. Sebastião por volta das oito da noite. Dormiu na rua e contenta-se pelo facto de ocupar um lugar privilegiado na bicha: muito perto da porta. O são-tomense Mário está em Portugal vai para mais de dez anos. Não está ali para se legalizar. Com os seus papéis não há problemas. Chegou ontem às 21h00 para tratar dos papéis do agrupamento familiar e legalizar o filho menor. *os nomes utilizados são fictícios 2 de Maio de 2001 - 08h50 O cabo-verdiano António* é o primeiro da fila. Há um ano em Portugal, chegou à porta da delegação do SEF ontem às dez da manhã. Viajou do Alentejo, onde trabalha na construção civil, para Lisboa com o objectivo de requisitar uma autorização de permanência. Manuel, também cabo-verdiano, reside em Portugal há 30 anos. É reformado e está na fila desde as 14h00 de ontem para pedir a renovação da autorização de residência da filha. João é brasileiro e trabalha num restaurante. Chegou a Portugal há dois anos com visto de trabalho, mas deixou o papel caducar. Chegou ontem às 22h00 para requisitar uma nova autorização de residência. *os nomes utilizados são fictícios 3 de Maio de 2001 - 08h55 Depois de ter dormido duas vezes à porta daquela delegação do SEF, Gertrudes, cabo-verdiana, conseguiu o primeiro lugar da fila. Para isso chegou às 15h30 de ontem. Há dez anos em Portugal, a empregada de limpeza veio para levantar a autorização de residência. Salomé, guineense, chegou às três da tarde de ontem. Depois de mais de uma semana à espera na fila, hoje conseguiu o segundo lugar. Há ano e meio no país, vai tratar hoje dos papéis da Junta Médica para resolver a sua situação, já que sem documentos não consegue emprego.

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Adelaide, cabo-verdiana, está em Portugal há sete meses e na fila desde as 17h00 de ontem. Empregada de limpeza, esta é a primeira vez que se dirige a estes serviços do SEF com o objectivo de requisitar a autorização de residência. 4 de Maio de 2001 - 09h00 Marco António, brasileiro, chegou ontem às 15h00 à porta do SEF. Está em Portugal há ano e meio e trabalha em jardinagem. Dirige-se àqueles serviços para requisitar a autorização de permanência. A segunda na fila chegou já depois do jantar, às 22h00. Maria Afonso é caboverdiana e chegou ao país há quase um ano. É ajudante de cozinha e vem pedir para lhe "carimbarem o passaporte" (autorização de permanência). Esta é a terceira vez que André João tenta levantar a autorização de residência. Recebeu o aviso em casa em Março, mas até hoje ainda não conseguiu ser atendido. Chegou ontem às 16h30. Trabalha como serralheiro e está há dez anos em Portugal. É o quarto na fila. 7 de Maio de 2001 - 09h02 Lay é a terceira da fila e chegou ontem às 13h00. A enfermeira guineense, há oito anos a trabalhar nas limpezas em Portugal, e o marido andam a dormir há duas semanas à porta do SEF para obterem a renovação da autorização de residência. Mané, senegalês, chegou a Portugal em 1991 para "trabalhar nas obras". Chegou ontem àquela rua era uma da tarde. É o sétimo da fila e está "sem almoço e sem jantar". Maria (o nome é fictício) chegou à mesma hora e ainda não dormiu. A caboverdiana era a sexta da fila, mas foi mandada embora quando chegou a sua altura de entrar. É que o serviço que pretendia (a renovação do visto da filha) passou a ser tratado, a partir de hoje, na Matinha, Poço do Bispo. 8 de Maio de 2001 - 09h00 António* chegou à Rua São Sebastião da Pedreira às 05h00. Está em Portugal há cinco anos e dirigiu-se àqueles serviços para renovar a autorização de residência. Paula, cabo-verdiana, é auxiliar de cozinha e está em Portugal há onze anos. Chegou às 03h00 para renovar a autorização de residência e conseguiu ser a 91ª da lista que o SEF disponibiliza para que as pessoas que chegam possam deixar o nome e que "no fim não serve para nada, porque as pessoas que chegam mais tarde são as primeiras a entrar". Li, de nacionalidade chinesa, veio do Porto, onde reside e onde lhe foi dito que teria de se dirigir aos serviços da capital para tratar da autorização de residência. Teve de voltar para trás. O funcionário do SEF que controla as entradas não o deixou subir, dizendo-lhe que, se morava no Norte, é aí que terá de tratar do assunto. *Os nomes utilizados são fictícios. 9 de Maio de 2001 - 08h57 Marta chegou à delegação do SEF na Matinha, no Poço do Bispo (onde se concentram desde o início da semana os serviços de revonação de visto de trabalho, estudo e estadas temporárias) "nem há um quarto de hora" e conseguiu ficar em quarto lugar. Munida com uma notificação daquele organismo, foi para levantar o visto de trabalho. Esta é a terceira vez que a brasileira, em Portugal há

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dez meses, procurou o SEF: "Já passei cá dois dias na bicha para tratar das coisas". Sebastião* foi para tratar dos papéis da autorização de permanência. Chegou um pouco antes das 08h00, mas só quando o posto abriu (às 09h00) é que ficou a saber que o serviço que procurava mudou para outras instalações (na Avenida Marechal Gomes da Costa, 37). Recebeu, juntamente com mais de uma dezena de pessoas que reclamava a ausência de informação, um mapa com a localização do novo posto e indicações de como chegar até lá. *o nome é fictício. 10 de Maio de 2001 - 08h57 José* é o primeiro da fila e está prestes a ser atendido. Vem buscar o seu passaporte e está na fila desde o dia anterior. Chegou às 21h00 e passou a noite em claro, embora o seu pior inimigo durante a noite não tenha sido o sono mas sim o frio. Albino, natural de Cabo Verde, vem renovar o seu cartão de residência e está em terceiro na fila. Queixa-se que está à espera há exactamente onze horas, desde as dez da noite e está "farto". "Tenho que faltar ao emprego, passar a noite sem dormir...". *o nome é fictício. 11 de Maio de 2001 - 08h57 António*, pedreiro, chegou àqueles serviços do SEF às 04h00. Em Portugal desde 1996, o imigrante guineense pretende levantar a sua autorização de residência, tal como João, do Togo, que se encontra a residir no país há sete anos e meio. O imigrante trabalha como servente. Sang, chinesa, chegou há menos de meia hora e, apesar das dezenas de pessoas à espera, conseguiu aproximar-se o suficiente da porta para estar quase a entrar. Veio para levantar a autorização de residência. A imigrante vive em território português há cinco anos e trabalha num restaurante. *o nome é fictício. Essa série de reportagens do Público demonstra, quase de maneira etnográfica, passo a passo, repetitivamente, o drama de centenas de pessoas na busca pela regularização da situação em Portugal, onde residem e trabalham há anos. A situação precária de imigrantes na busca pela autorização de permanência, que é a forma legal de estadia em Portugal, demonstra as inúmeras contradições existentes no trato com os imigrantes pelas autoridades portuguesas. De um lado, temos uma legislação sofisticada para restringir e impedir a entrada de imigrantes provenientes de países pobres, como dos PALOP, Leste Europeu e Brasil, por outro lado presenciamos o fenômeno da referida “importação de mão-de-obra” para a realização de obras como as

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que ocorreram durante a construção da Expo`9813 e ocorrem neste momento devido a construção e reformas dos estádios de futebol para o Campeonato Euro 200414. Portanto, a maior preocupação de Portugal neste momento é, sem dúvida, os filhos desses imigrantes, sobretudo quanto aos direitos que estes jovens terão como portugueses, já que nasceram em Portugal. Para o direto do SEF, Júlio Pereira, a imigração é um problema, designadamente nas segunda gerações, mas só se soubemos das ao imigrante aquilo que ele tem direito, que são condições mínimas de integração na sociedade onde ele está inserido. Isso poderá ser um problema a médio e longo prazo. Está claro a preocupação em relação aos filhos de imigrantes nascidos em solo português e a incapacidade de lidar com problemas derivados da imigração. Fica evidente, parafraseando com o título de um artigo de Hans Magnus Enzensberger publicado no Público no dia 22 de abril de 2001, a idéia de que “os estrangeiros são tanto mais estrangeiros quanto mais pobres forem”. A pobreza tem a função de espelho no qual a imagem de toda sociedade encontra-se refletida. A par da pobreza, temas como raça, cor da pele, gênero e juventude agregam-se num movimento que questiona a organização social e os muitos conflitos e dramas da humanidade.

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Para saber mais sobre o Expo`98 visite o site: http://www.parquedasnacoes.pt/pt/expo98/ No site da Federação Portuguesa de Futebol há um link dedicado exclusivamente ao Euro 2004: www.fpf.pt

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IV. DIFICULDADES DA PESQUISA De um modo geral, podemos dizer que as dificuldades que encontramos ao longo da pesquisa concentraram-se em torno do tempo e dos problemas apontados na introdução deste relatório. Ao longo dos sete meses de trabalho preparamos um mapeamento teórico da realidade luso-africana no contexto da sociedade portuguesa que serviu como suporte para as discussões e análises que se seguiram. O desenvolvimento do projeto Memória de Jovens foi de suma importância para perceber que a realidade luso-africana dos negros em Lisboa confunde-se com a realidade dos negros brasileiros, de modo a trazer futuras contribuição para trabalhos comparativos. Acredito que, pessoalmente, acrescentou, e muito, na minha formação acadêmica. Não encontrei grandes dificuldades em integrar-me aos temas discutidos aqui por já fazer parte da equipe de pesquisadores do CERU e pelo apoio da minha orientadora, a quem agradeço muito. Gostaria de agradecer a FAPESP pela oportunidade de me inserir no campo da pesquisa científica, que foi muito proveitoso e prazeroso.

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