Memória sob a ótica analítico comportamental

June 1, 2017 | Autor: Julio de Rose | Categoria: Análise Do Comportamento, Memoria
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Memória sob a ótica analítico comportamental 1

Natalia Maria Aggio 2

Universidade Federal de São Carlos

André Augusto Borges Varella Universidade Federal de São Carlos

Marcelo Vitor Silveira

Universidade Federal de São Carlos

Viviane Verdu Rico

Universidade Federal de Minas Gerais

Julio Cesar Coelho de Rose

Universidade Federal de São Carlos

Classes de estímulos e o comportamento de lembrar Para a Análise do Comportamento, o comportamento é entendido como a relação entre respostas do organismo e os estímulos do seu ambiente. As relações entre estímulos e respostas

1 Financiamento: FAPESP (bolsa de doutorado ao 1º, 2º e 3º autor); CNPq (bolsa de pós-doutorado e de produtividade em pesquisa ao 4º e 5º autor, respectivamente). 2 Contato: Natalia Maria Aggio, Rua Sete de setembro, 2340, apto. 52, Tel: (16) 81552720, [email protected]

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Em linguagem cotidiana, memória se refere à relação entre informações adquiridas no passado e o comportamento atual de um indivíduo. Em alguns casos, o elo entre passado e presente sugere que a memória seria um lugar onde experiências podem ou não ser armazenadas. Por exemplo, uma pessoa que vai ao médico queixando-se de uma grave indisposição gástrica deverá usar as impressões armazenadas na sua memória sobre os alimentos que ingeriu nas últimas horas com o objetivo de auxiliar o médico no processo de diagnóstico. Em outras instâncias, diz-se que o comportamento de uma pessoa é causado por suas memórias. Desajustes comportamentais observados na vida adulta são comumente atribuídos às memórias de experiências traumáticas ocorridas durante a infância. Esse exemplo faz referência aos casos em que a memória é interpretada como algo que o individuo possui. O Behaviorismo Radical propõe que é possível compreender o comportamento dos organismos sem recorrer a constructos internos. Em sua obra, Skinner diversas vezes tratou do assunto, propondo novas maneiras de lidar com questões relativas à cognição (Skinner, 1969, 1974/2003, 1977, 1985, 1989, 1990, 1953). Para ele, os processos cognitivos, dentre eles a memória, são entendidos como o próprio comportamento (Skinner, 1953). O presente texto tem como objetivo explanar, de maneira didática, a compreensão da memória pela proposta da Análise do Comportamento que, por sua vez, é embasada pela filosofia do Behaviorismo Radical.

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podem ser classificados, basicamente em dois tipos: comportamento respondente (ou reflexo) e comportamento operante. No comportamento respondente, um estímulo antecedente (estímulo incondicionado) elicia uma resposta (resposta incondicionada) que é fruto da história evolutiva da espécie. O mecanismo de eliciação de respostas incondicionadas não se restringe à apresentação do estímulo incondicionado, pois quando estímulos inicialmente neutros são regularmente pareados com estímulos incondicionados (condicionamento respondente) podem passar a eliciar respostas semelhantes. O estímulo com função eliciadora adquirida é chamado de estímulo condicionado e a resposta eliciada pela sua apresentação é chamada resposta condicionada (Catania, 1999). O outro tipo de comportamento é chamado de comportamento operante, no qual, ao longo da vida do organismo, uma classe de respostas é selecionada (isto é, é estabelecida ou mantida no repertório comportamental do organismo) em função das suas consequências (estímulos que seguem a emissão da resposta). O analista do comportamento dedica-se, especialmente, ao estudo deste tipo de relação comportamental, o comportamento operante. A relação que caracteriza o comportamento operante é representada pela tríplice contingência, que descreve que se uma determinada classe de respostas ocorrer em um determinado contexto, isto é, diante de uma determinada classe de estímulos, tais respostas geram certas consequências. Estas consequências influenciam a probabilidade de uma resposta da mesma classe ocorrer no futuro, diante de estímulos desta classe. A Figura 1 ilustra a relação entre os três termos da contingência. Desse modo, a consequência fortaleceria ou enfraqueceria a relação entre uma classe de estímulos antecedentes (o contexto diante do qual a resposta ocorre) e uma classe de respostas. Quando uma consequência aumenta a probabilidade de que aquela classe de respostas volte a ocorrer naquele contexto, diz-se que ocorreu um processo de reforçamento (fortalecimento) e a consequência é chamada de reforço ou reforçador. Quando a consequências diminui a probabilidade de ocorrência futura da classe de respostas naquele contexto, diz-se que ocorreu a punição (enfraquecimento) e a consequência é denominada de punidor.

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SD

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R

SR

Figura 1 Esquema de uma tríplice contingência operante. SD é o estímulo antecedente (estímulo discriminativo), R a resposta e SR o estímulo reforçador. Os dois pontos entre o SD e a R indica que o primeiro é condição para o segundo. As setas entre R e SR sinaliza a relação entre resposta e consequência. A seta curva indica a seleção da relação entre a classe de respostas e o contexto (SD) pela consequência reforçadora.

A noção de classe de respostas e de estímulos é muito importante para a compreensão do comportamento operante. A consequência de uma resposta específica emitida no presente não pode afetar a probabilidade de ocorrência dessa mesma resposta, pois não é possível que um evento (consequência) altere outro que ocorreu antes dele (resposta). O efeito da consequência se dá sobre a ocorrência futura de uma nova resposta, semelhante àquela que produziu a consequência no passado. Desse modo, dizemos que as respostas de uma classe apresentam uma mesma função, pois todas elas produzem consequências da mesma classe (Catania, 1998/1999; Skinner, 1953). Todas as respostas usadas para abrir uma porta (p. ex., com a mão esquerda, direita, com o cotovelo, empurrando

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compartilham características físicas e, por isso, fazem parte da mesma classe de estímulos – classe de estímulos por similaridade física. Do mesmo modo, apesar de as duas respostas dos alunos terem sido topograficamente idênticas, não se trata da mesma resposta, mas sim de duas respostas da mesma classe de respostas. Nesta situação poderíamos dizer que os alunos “se lembraram” da resposta correta. A professora poderia ainda passar a usar objetos diferentes, como uma bola, um carrinho ou uma camiseta vermelha. Nesse caso, apesar de serem objetos diferentes, os estímulos (cor vermelha) para a resposta (dizer “Vermelho!”) continuam compartilhando similaridade física e, portanto, formam uma classe de estímulos por similaridade física. No exemplo das cores, é fácil compreender que diante de estímulos fisicamente iguais – cor – respondemos de maneira semelhante, sem necessidade de treino adicional. Mas os estímulos no mundo nem sempre compartilham similaridade física e nem por isso é necessário uma nova aprendizagem diante de cada estímulo. Quando uma pessoa deseja falar com outra que está distante ela pode fazer uma ligação telefônica. Se estiver em casa pode utilizar um telefone com fio, se estiver na rua, um orelhão, se estiver no carro, um aparelho específico para essas situações, ou, ainda, pode utilizar um celular em qualquer lugar que esteja. Todos esses aparelhos são diferentes fisicamente. Um celular moderno, touchscreen, em nada se assemelha com um orelhão ou com um telefone com fio; um aparelho especialmente utilizado para fazer ligações quando se está dirigindo é ativado por comando de voz e não tem um teclado. Nenhum desses aparelhos compartilha semelhança física, porém, todos eles são utilizados para se fazer uma ligação telefônica. Esses aparelhos são, portanto, estímulos que fazem parte de uma mesma classe funcional. Se uma criança está vendo pela primeira vez um orelhão e lhe dizem que aquilo é um telefone, ela automaticamente saberá qual a função daquele aparelho, de modo que, para ela, o orelhão passa a fazer parte da classe de estímulos “telefone”. Em termos analíticos-comportamentais, diz-se que esses aparelhos compartilham a mesma função, ou seja, são estímulos discriminativos para a emissão da classe de respostas de “fazer uma ligação”. Além da característica de compartilhar função, a modificação da função de um dos estímulos de uma classe funcional sempre se transfere aos demais estímulos (Goldiamond, 1966). Por exemplo, digamos que uma pessoa tente fazer uma ligação de um dos telefones de sua residência e constate que a linha telefônica está com defeito. Podese dizer, então, que aquele telefone perdeu, momentaneamente, a função de fazer ligações. Essa pessoa não precisa utilizar todos os telefones da casa para verificar que cada um deles não faz ligações. Basta constatar o problema com um dos telefones, sem que seja preciso usar os demais aparelhos. Nesse

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com o pé etc.) formam a classe de respostas “abrir a porta”. Quando falamos que uma resposta é reforçada, portanto, estamos falando na verdade do aumento da probabilidade futura de respostas de uma mesma classe. A mesma noção se aplica quando falamos de estímulos, pois os eventos que o organismo encontrará em diversas ocasiões não serão exatamente os mesmos eventos presentes no momento da seleção daquela classe de respostas. A classe de respostas de “abrir a porta”, por exemplo, poderá ocorrer diante de qualquer porta fechada (classe de estímulos discriminativos “porta”) e não só diante da porta na presença da qual a primeira resposta foi seguida de reforço. Do mesmo modo, o estímulo reforçador que segue a classe de respostas nunca é o mesmo estímulo, mas sim o membro de uma classe. Todos os estímulos que indiquem a ocasião na qual uma classe de respostas será seguida pela consequência fazem parte de uma mesma classe de estímulos discriminativos. Pensemos em outro exemplo: Uma professora de educação infantil está ensinando seus alunos a nomearem corretamente as cores. Ela inicia a atividade mostrando um cartão vermelho e dizendo “O nome desta cor é vermelho. Repitam comigo: ver-me-lho.” e, então, os alunos repetem “Vermelho!”. Em seguida ela mostra o mesmo cartão para os alunos e pergunta “Que cor é essa?” e os alunos respondem “Vermelho!”. Embora a professora apresente o mesmo cartão nas duas ocasiões, isso não significa que seja o mesmo estímulo da primeira apresentação. Apesar de ser o mesmo objeto, são estímulos diferentes, pois são apresentados em momentos diferentes. Neste caso, os dois estímulos

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caso, pode-se dizer que, momentaneamente, os aparelhos telefônicos perderam a função de fazer ligações. Em termos mais técnicos, os organismos respondem de maneira semelhante a estímulos que, apesar de não compartilharem semelhança física, fazem parte da mesma classe funcional, de modo que a modificação da função de um dos estímulos se transfere para os demais membros da classe. Falando em termos de memória, pode-se dizer, por exemplo, que a criança que está diante do orelhão lembrará que telefones servem para fazer ligações e, portanto, poderá utilizar um desses aparelhos quando quiser falar com alguém. Nos exemplos acima, o comportamento de “lembrar” ocorreu diante de estímulos fisicamente ou funcionalmente semelhantes, mas existem ainda situações em que nos lembramos de coisas diante de estímulos que aparentemente não apresentam relação entre si. Como vimos até o momento, se o lembrar é entendido como comportamento, ele só pode ocorrer quando existe uma resposta sob controle de um estímulo discriminativo no presente que faça parte da mesma classe de estímulos de um estímulo do passado. Em alguns casos, porém, a resposta presente pode não ter sido reforçada na presença de nenhum dos estímulos discriminativos presentes, porém foi reforçada na presença de estímulos que se relacionam indiretamente com os estímulos presentes. Estamos falando de tipos especiais de classes de estímulos, denominadas “classes de equivalência”. As classes de equivalência, assim como as classes funcionais, são constituídas por estímulos que não compartilham semelhança

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física (a relação entre esses estímulos é arbitrária), mas que compartilham a mesma função. Entretanto, para que seja considerada uma classe de equivalência, a classe de estímulos deve atender a critérios adicionais (Sidman, 1994; 2000). Em uma classe funcional, é preciso que ocorra o treino de terminada resposta diante dos estímulos da classe. Para que aquela criança do exemplo anterior forme a classe funcional “telefones” com aparelhos tão diversos, foi preciso aprender a fazer ligações ou, ao menos, “falar ao telefone” nos diferentes aparelhos. Em uma classe de equivalência, entretanto, relações entre estímulos podem emergir sem treino direto. Vamos a um exemplo para clarificar essa definição: Uma criança está aprendendo a escrever a palavra “bolo”3. Essa criança já sabe que o som /bolo/4 (estímulo auditivo) é o nome de um determinado doce que ela come (“objeto” ao qual o nome se refere), ou seja, ela já conhece a relação entre a palavra falada /bolo/ e o bolo em si. Essa criança também diz /bolo/ na presença do desenho de um bolo (representação do objeto). Portanto, a criança aprendeu duas relações distintas: relação nome-objeto e relação nome-figura. Quando ela é ensinada que a palavra / bolo/ se escreve “bolo” (relação entre nome e palavra escrita), também passa a escrever “bolo” diante do desenho de um bolo ou do bolo em si, sem que seja necessário o ensino direto dessas relações (figura-palavra escrita e objeto-palavra escrita, respectivamente). Ou seja, se a criança já aprendeu que existe uma relação entre /bolo/ e um bolo de verdade, /bolo/ e o desenho de um bolo e aprende a relação entre /bolo/ e a palavra escrita “bolo”, as relações entre o bolo em si e o desenho do bolo com a palavra escrita “bolo” emergem sem treino direto (ver Figura 2). Podemos observar neste exemplo as características das classes de equivalência que foram descritas anteriormente: Os estímulos /bolo/, “bolo”, o desenho de um bolo e o bolo em si passam a ser substituíveis em determinados contextos. A criança escreverá “bolo” diante da palavra falada /bolo/, do bolo ou do desenho e não diante de outras palavras e objetos (p. ex., uma maçã). Apesar desta substitutabilidade, os estímulos conservam suas características próprias, isto é, a criança não irá comer o desenho do bolo, por exemplo. Desse modo, estímulos diferentes passam a ser tratados da mesma maneira em algumas situações5.

3 A palavra apresentada entre aspas indica a palavra apresentada sob a forma escrita. 4 A palavra apresentada entre barras indica a palavra falada (palavra ditada). 5 A formação de classes de equivalência é aferida por meio de testes de suas propriedades definidoras (conferir Sidman, 1994 e 2000). Trata-se, porém, de um tema complexo, cuja descrição foge ao objetivo do presente trabalho.

BOLO BOLO

BOLO BOLO

Figura 2 Exemplo da formação de classe de equivalência envolvendo palavra escrita, falada e figura. As setas cheias indicam as relações treinadas e as setas tracejadas indicam as relações emergentes (sem treino direto) entre estímulos. As relações emergentes são constatadas a partir de testes específicos realizados após o procedimento de ensino. Independente do tipo de classe de estímulos envolvido em um determinado comportamento, a possibilidade de ocorrerem relações entre estímulos é o que permite que novas respostas sejam controladas por novos estímulos, no presente. Assim sendo, não existe resposta sem a presença de um estímulo discriminativo, no presente, e essa relação entre estímulo e resposta é fruto de uma história de aprendizagem envolvendo classes de estímulos e classes de respostas. O comportamento de lembrar não é diferente nesse sentido. Lembramos (emitimos determinada resposta) diante de um estímulo que mantém alguma relação (ou seja, que é da mesma classe de estímulos) com o estímulo anteriormente relacionado às respostas da mesma classe. Dito de outra forma, uma determinada resposta é controlada por estímulos diferentes desde que eles participem da mesma classe. Tabela 1 Tipos de classes de estímulos Propriedades

Similaridade Física

Mesma propriedade física

Classe Funcional

Mesma função estabelecida por reforço; Transferência de funções entre estímulos.

Classe de Equivalência

Totalmente arbitrária; Mesma função estabelecida por reforço; Emergência de relações sem treino direto.

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Tipo de Classe

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Estímulos

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A criança se “lembra” do nome da cor “vermelha” diante de qualquer objeto vermelho. Ela também pode “lembrar” como se escreve “bolo” ao ouvir a palavra, que não tem qualquer propriedade física em comum com a palavra escrita. Lembrar de algo é, portanto, emitir a resposta de uma classe reforçada anteriormente, diante de estímulos da mesma classe do estímulo presente no momento do reforçamento. Lembrar é comportamento sob controle de estímulos. A Tabela 1 mostra os exemplos apresentados até o momento para definir os tipos de classes de estímulos.

Memória como resolução de problemas

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Até aqui, foram descritas situações nas quais o comportamento de lembrar envolvia a emissão de respostas de uma classe, previamente reforçada, diante de um estímulo novo, pertencente à mesma classe do estímulo discriminativo original. Mas e quando se está diante de uma situação em que a resposta necessária para produção da consequência não ocorreu na história do sujeito, diante do estímulo que está presente? Por exemplo, quando alguém pergunta “O que você comeu no café da manhã hoje?”, é provável que ninguém tenha feito esta pergunta ainda, porém, pode-se facilmente responder adequadamente, dizendo, por exemplo, “Pão com manteiga e leite.”. Donahoe e Palmer (1994) sugerem que, neste caso, deve-se tratar o lembrar como uma solução de problemas.

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A pergunta pode não evocar diretamente a resposta sobre os itens do café da manhã deste dia, uma vez que esta exata pergunta nunca foi ocasião para a resposta que se refere ao que foi comido no café da manhã deste dia específico. Esta pergunta, porém, altera a probabilidade de várias respostas que podem se tornar estímulos para outras respostas até que, eventualmente, a resposta sobre o que se comeu no café da manhã deste dia se torna a mais provável. Esses comportamentos que produzem estímulos que aumentam a probabilidade da resposta adequada à pergunta feita, são chamados de precorrentes. Desse modo, a pergunta “O que você comeu no café da manhã hoje?” seria um problema, a resposta “Pão com manteiga e leite.”, seria a resposta alvo que soluciona o problema e todas as respostas que ocorrem entre esta pergunta e a resposta alvo, respostas estas que produzem estímulos que aumentam a probabilidade de ocorrência da resposta alvo, são chamadas de precorrentes. O estímulo discriminativo final, que evocou a resposta alvo, poderia ser a visão dos itens, ou o gosto, ou ainda o cheiro do que se comeu no café da manhã, sendo que todas essas respostas preceptivas entrariam, neste exemplo, na classificação de precorrentes. Como a resposta de descrever os itens que se está vendo/cheirando/degustando é uma resposta que faz parte do repertório do indivíduo, a resposta àquela pergunta específica sobre o café da manhã se torna possível. É a capacidade de responder perceptualmente na ausência do estímulo original ao qual essas respostas se referem que possibilita que este “problema” seja resolvido. É possível ver/cheirar/degustar o café da manhã, mesmo na ausência deste, pois uma pessoa pode se comportar da mesma forma tanto diante do evento em si (quando tomamos o café da manhã) quanto diante de outros estímulos relacionados ao evento (como as palavras “pão” e “leite”). Skinner (1974/2003) apresenta este processo quando fala sobre o “ver na ausência da coisa vista”, que pode ser estendido para todas as respostas perceptuais. É preciso entender que a evocação de uma resposta por um dado estímulo nem sempre é consciente. No caso da resposta sobre o café da manhã, em geral não é preciso um esforço deliberado para lembrar-se dos itens. Diante da pergunta “O que você comeu no café da manhã hoje?”, pode-se imediatamente responder “Pão com manteiga e leite.”, mesmo que, para que essa resposta ocorra, seja necessária a produção de precorrentes. A ocorrência desses precorrentes não é consciente, ou seja, o individuo não é capaz de descrever seu comportamento neste momento. Em outra situação, o problema pode ser achar as chaves do carro para que se possa sair. Neste caso, a produção dos precorrentes ocorre de maneira consciente , pois o indivíduo precisa ser capaz de descrever seu comportamento para procurar a chave nos locais por onde esteve antes. Isto pode ser feito tanto indo a esses lugares como visualizando o próprio comportamento que esteve envolvido em guardar

a chave anteriormente. Neste caso o comportamento de ver na ausência da coisa vista, descrito por Skinner (1974/2003), é entendido como o relembrar os passos que foram dados. Uma vez que um estímulo pode ser discriminativo para várias respostas e que este processo nem sempre é consciente, é possível entender como ocorrem certas lembranças que parecem não se relacionar em nada com a situação presente. Por exemplo, uma pessoa está passeando em um museu e se depara com o quadro da Mona Lisa. Enquanto está observando o quadro, observando as características de luz, de expressão da figura pintada e até de detalhes da moldura, o sujeito se lembra que tem uma consulta de dentista marcada para o dia seguinte. É muito pouco provável que o quadro da Mona Lisa e a consulta do dentista do dia seguinte façam parte, em algum contexto, da mesma classe de estímulos. Neste caso, de fato não fazem. Quando o sujeito do nosso exemplo olha para o quadro, ele sabe que este quadro foi pintado por Leonardo da Vince. Olhar para o quadro pode, de maneira inconsciente, evocar a resposta de lembrar de seu autor. No caso de nosso exemplo, Leonardo é também o nome do primo de nosso sujeito, portanto, para ele, as duas pessoas fazem parte de uma mesma classe de estímulos (pessoas chamadas Leonardo). Lembrar do primo leva o sujeito a lembrar que nesta manhã seu primo telefonou. Quem também ligou nesta manhã foi a secretária do dentista, para confirmar a consulta do dia seguinte. Nesta situação podemos observar a ocorrência de várias respostas que vão se tornando estímulos para outras respostas, assim como nas situações de resolução de problemas, descritas anteriormente. Neste momento a resposta pode se tornar consciente e, assim, o que fica para a pessoa é que, ao olhar o quadro da Mona Lisa, lembrouse da consulta do dentista no dia seguinte. A Figura 3 apresenta, de maneira visual, como se dá o lembrar no caso do exemplo citado.

Ver Monalisa

Lembrar de Leonardo da Vinci

Lembrar da consulta com dentista

Figura 3 Esquema demonstra como ocorre o processo de lembrar no exemplo do Quadro da Mona Lisa e a consulta do dentista

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Lembrar de ligação de Leonardo e da secretária do dentista

Aggio . Varella . Silveira . Rico . Rose

Lembrar do primo Leonardo

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O lembrar e o organismo modificado

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Ao entender a memória como um comportamento - ou o lembrar, como sugere Skinner -, a Análise do Comportamento propõe que a memória não acessa ou recupera as respostas passadas. Trata-se de respostas que ocorrem no presente sob controle de estímulos do presente e esta relação é fruto de uma história de reforçamento. Para Skinner (1974/2003, p.97) “(lembrar) significa nos comportar como, numa situação anterior, nos comportamos na presença de um determinado estímulo”. Skinner (1974/2003, p.96) afirma ainda que “As contingências que afetam um organismo não são armazenadas por ele. Elas nunca estão dentro dele; simplesmente o modificam.” Aquilo que ocorre quando algo é aprendido ou quando o organismo passa por uma experiência, segundo Skinner (1985), pode ser compreendido usando a metáfora de uma bateria que é carregada e posteriormente, sob as condições adequadas, produz energia. Ao ser carregada, a bateria não passa a armazenar energia em algum compartimento interno. O que ocorre são modificações químicas que farão com que seja possível a produção de energia. Da mesma maneira ocorreriam as lembranças. Em uma situação aprende-se algo novo, ou seja, certas respostas são colocadas sob o controle de certos estímulos. Esta nova aprendizagem modifica o organismo e futuramente, diante da situação adequada, a resposta aprendida pode ser ocasionada. Em termos de comportamento, a psicologia deveria se preocupar em compreender essas modificações no modo de responder do organismo, enquanto a fisiologia deveria se preocupar em como ocorrem as modificações físico-químicas internas do organismo (Skinner, 1985). Entender o lembrar como um comportamento, ou seja, fruto de seleções passadas sobre o comportamento presente, significa que não se trata de um campo diferente e, portanto, seu entendimento não requer princípios diferentes (Donahoe e Palmer, 1994). Estudar o lembrar significa estudar as variáveis que influenciam a estabilidade da relação entre estímulos e respostas. As pesquisas sobre controle de estímulos são muitas na Análise do Comportamento e os dados provenientes destas investigações permitem a identificação de algumas variáveis que afetam a estabilidade do controle de um estímulo sobre uma resposta. Compreender essas variáveis contribui para o entendimento de como ocorre o lembrar. Apesar da vasta produção neste campo chamado de “controle de estímulos”, a sistematização deste conhecimento, em relação à estabilidade dessas relações, ainda é necessária. Neste capítulo serão apresentadas algumas dessas variáveis que podem ser observadas em situações aplicadas. O objetivo não é a sistematização completa deste conhecimento e sim, a apresentação de algumas variáveis para contribuir com o entendimento dessa questão. Uma vez reconhecidas as variáveis ambientais das quais um determinado comportamento é função, o Behaviorista se verá em condições de reavaliar interpretações comumente feitas sobre o processo de lembrar e oferecer uma explicação alternativa sem recorrer a supostos agentes causais internos, como por exemplo, a Memória. É importante ressaltar que o Behaviorista Radical não nega a existência da Memória. Ele simplesmente estará pronto a rejeitar formulações semelhantes às de Tolman e Hoznik (1930) e de Bouton e Moody (2004) nas quais a Memória ou ganha status de agente causador ou é descrita em termos não comportamentais. Uma análise operante dos fenômenos relacionados ao que comumente chamamos de memória, aqui entendidos como comportamentos selecionados por suas consequências, permite ao analista do comportamento a identificação e manipulação das variáveis relevantes para que o estabelecimento de repertórios novos e mudanças comportamentais socialmente relevantes sejam resistentes à passagem do tempo.

O lembrar no contexto da aplicação A produção de mudanças comportamentais duradouras é um dos objetivos almejados pelos analistas do comportamento em contextos aplicados. Suponhamos que um terapeuta tenha identificado

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de contextos/situações e à generalização de respostas. O terceiro e mais importante aspecto para esta discussão é a manutenção das respostas. Há, portanto, uma relação direta entre promover a manutenção do responder ao longo do tempo e a prática analítico-comportamental, uma vez que a generalidade das mudanças comportamentais é uma das características definidoras da ABA. A manutenção das respostas é um aspecto essencial das intervenções baseadas na ABA e tem um papel importante para o entendimento de algumas situações em que o comportamento de lembrar pode estar envolvido. O analista do comportamento, ao investigar as variáveis que interferem na manutenção das respostas, deve considerar a função desse repertório na vida do indivíduo. Os comportamentos-alvo da intervenção são relevantes para ele? Comportamentos são relevantes por cumprirem importantes funções na vida do indivíduo. Se as contingências naturais às quais o indivíduo está submetido não requerem a emissão dos comportamentos-alvo, a manutenção das respostas poderá não ocorrer em razão do baixo número de oportunidades para responder e/ou de lacunas de tempo entre os momentos em que o comportamento em questão é emitido. A relação entre manutenção das respostas e o número de oportunidades para responder pode ser ilustrado pelo exemplo dado anteriormente sobre o ensino de cores. A discriminação entre os nomes das diferentes cores é um repertório socialmente relevante para o individuo e nossa cultura frequentemente ensina as crianças, ainda pequenas, a nomear as cores. “Onde está seu carrinho vermelho?”, “Pegue o livro azul.”, “Empresta o lápis amarelo?” são exemplos de frases que fazem parte do cotidiano de uma criança. Estas contingências (1) requerem que a criança responda sob controle destes SDs e (2) programam as consequências que mantém as respostas ocorrendo ao longo do tempo. Um aspecto importante destas contingências naturais é que as respostas nem sempre são seguidas de consequências reforçadoras. Por exemplo, ao pedir que a criança pegue o casaco que está ao lado da bermuda verde, é necessário que haja uma resposta discriminada em relação ao estímulo verde, porém, essa resposta não será necessariamente reforçada. Grande parte das respostas que ocorrem corriqueiramente não está sob um esquema de reforçamento contínuo, mas sim sob um esquema de reforçamento intermitente. Por esse motivo, elas se mantêm ainda mais estáveis, já que este tipo de esquema de reforçamento produz esta estabilidade (Fester & Skinner, 1957). Além do fortalecimento do repertório ensinado, outro resultado da prática constante do mesmo é a diminuição das lacunas de tempo entre a apresentação dos SDs e a emissão das respostas. Por exemplo, uma pessoa que aprendeu a contar de 1 a 10 em japonês pode deixar de fazê-lo caso passe

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déficits importantes de determinadas habilidades sociais em seu cliente. Alguns repertórios sociais, como, por exemplo, aceitar críticas, estariam relacionados com problemas que o cliente enfrenta em seu ambiente de trabalho. O terapeuta inicia uma intervenção com objetivo de ensinar o cliente a aceitar críticas de forma adequada e consegue com sucesso produzir as mudanças comportamentais desejadas. Porém, após algumas semanas, o cliente volta a relatar problemas no trabalho relacionados com a aceitação de críticas, o que faz o terapeuta pensar: “Pelo visto ele esqueceu o que deve fazer nestas ocasiões”. Intervenções que resultem no estabelecimento de repertórios novos ou em mudanças comportamentais, mas que requerem a reintrodução constante de intervenções ou de novas etapas de treino/ensino apresentam pouca utilidade prática. A manutenção do que foi aprendido ao longo do tempo é um importante aspecto da aprendizagem que é frequentemente relacionado à memória, mas que pode ser abordado do ponto de vista operante. A generalidade das mudanças comportamentais é uma das dimensões que caracterizam a ABA Análise do Comportamento Aplicada (Baer, Wolf, & Risley, 1968). Dizemos que uma mudança de comportamento apresenta generalidade quando esta (1) ocorre em outros contextos relevantes, não se restringindo à situação em que a intervenção foi conduzida, (2) quando se generaliza para outros comportamentos relacionados ao comportamento alvo, ou (3) quando é durável e se mantém após o término da intervenção. Os dois primeiros aspectos se referem, respectivamente, à generalização

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anos sem emitir esse comportamento, isto é, sem ser exposta novamente a estas contingências. O SD “Conte até 10 em japonês.” pode não mais controlar a resposta em razão da grande lacuna de tempo entre o momento presente e a última vez em que este SD foi apresentado, independente de ter sido ou não reforçado. Isto é diferente da extinção, que é a diminuição da frequência das respostas diante dos SDs pelo fato de elas não mais produzirem consequências. Quando a lacuna entre a apresentação do SD e a emissão da resposta aumenta, pode ocorrer a aprendizagem de outros repertórios durante esse tempo. A aprendizagem de novos repertórios pode influenciar na estabilidade de repertórios aprendidos previamente (Donahoe & Palmer, 1994). O treino constante faz com que esta variável seja melhor controlada, de modo que a pessoa responde prontamente diante da apresentação do SD. Não é apenas a força da relação entre um estímulo e uma resposta que influencia na probabilidade de que uma determinada resposta ocorra no futuro. O número de estímulos que evocam uma dada resposta e o número de respostas que estão sob controle de um determinado número de estímulos também influencia o lembrar (Donahoe & Palmer, 1994). Em uma situação de sala de aula (disciplina A), um professor pode optar por apresentar o conteúdo por meio de uma aula expositiva. O professor fala a matéria selecionada e os alunos ouvem o que está sendo dito. Apresenta-se aqui uma situação em que existe um estímulo auditivo (fala do professor) e uma resposta do aluno (ouvir). Em outra situação (disciplina B), outro professor, ao invés de apenas falar o conteúdo, opta por apresentar

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slides com as informações mais importantes, orientar os alunos a copiarem o que está nos slides e também a fazerem suas próprias anotações. Apresenta-se aqui uma situação em que existe um estímulo auditivo (estímulo antecedente 1 - o que o professor fala) que controla a resposta de ouvir (resposta 1) e de fazer anotações sobre os pontos importantes (resposta 2) e um estímulo visual (estímulo antecedente 2) que controla a resposta de ver (resposta 3), de copiar (resposta 4) e de anotar os pontos importantes (resposta 2 – sob controle de ambos os estímulos antecedentes). No futuro esta turma deverá fazer uma prova na disciplina A e outra prova na disciplina B. Na disciplina B, existe um número maior de respostas sob controle dos estímulos visuais e auditivos, comparada à disciplina A. Uma vez que existe um número maior de respostas sob controle de um dado estímulo aumenta-se a probabilidade de pelo menos uma dessas respostas ocorrer. Essa resposta pode ainda tornar-se estímulo discriminativo para a ocorrência das outras respostas. O resultado final é que o desempenho na prova da disciplina B é superior ao desempenho na prova da disciplina A. Desse modo, programar uma aula em que alunos emitam um número maior de respostas aumenta a probabilidade de que o conteúdo da aula seja lembrado no futuro. Assim como um número maior de respostas sob controle de um determinado estímulo aumenta a probabilidade do lembrar, um número maior de estímulos controlando uma resposta também aumenta a probabilidade do lembrar (Saunders, Wachter, & Spradlin, 1988; Spradlin, Saunders, & Saunders, 1992; Aggio & Domeniconi, 2008). Quando se procura lembrar o nome de uma pessoa, é mais provável que isso ocorra quando se sabe outras informações sobre ela. Por exemplo, quando alguém pergunta “Você se lembra da Ana?”, torna-se mais provável que a lembrança ocorra se forem fornecidas outras informações sobre a pessoa em questão: “A Ana, que é mãe da Maria, vizinha da tia Roseli, que viajou conosco no natal.”. Todas essas informações adicionais aumentam a probabilidade da lembrança ocorrer. O controle de cada estímulo sobre uma resposta é aditivo e, assim, a probabilidade da resposta ocorrer torna-se cada vez maior. Algumas vezes, a aquisição de um determinado repertório em um contexto específico não resulta na ocorrência do comportamento quando este indivíduo se encontra em contextos diferentes. Neste caso, estamos falando de problemas na generalização entre contextos (Cooper et al., 2007; Stokes & Baer, 1977). Por exemplo, uma professora que ensinou seu aluno com deficiência intelectual a se banhar pode constatar que este o faz adequadamente e de forma independente na escola, porém, não o faz adequadamente em casa (contexto diferente). A não ocorrência de um determinado comportamento ensinado deve ser analisada em termos das variáveis que o controlam: o contexto

em que o treino/ensino foi conduzido apresenta diversos estímulos que funcionam como estímulos discriminativos para a emissão das respostas estabelecidas em uma intervenção. Se o contexto varia radicalmente, nem todas as classes de estímulos presentes no contexto A (em que o ensino ocorreu) estarão presentes no contexto B (novo contexto), o que resulta na falta de controle de estímulos. Neste caso, as diversas respostas que compõem a habilidade de banhar-se, ficam sob controle de um número restrito de classes de estímulos o que torna esse ensino pouco vantajoso para o indivíduo. No caso de banhar-se, portanto, a professora poderia sugerir que a mãe utilizasse o mesmo sabonete e xampu usado na escola, ou cantasse a mesma canção que a professora canta enquanto o aluno se banha, etc. Ocasiões desta natureza exemplificam a ausência de generalização entre contextos, e não necessariamente ausência de manutenção do comportamento (Haring, Kennedy, Adams, & Pitts-Conway, 1987). Dificuldades em generalizar a aprendizagem são especialmente comuns em indivíduos com autismo e atraso no desenvolvimento. A generalização entre contextos ocorre quando, ao aprendermos um determinado comportamento em um contexto A, também emitimos este comportamento em outros contextos, como B, C ou D. O ensino de repertórios em contextos diferentes, por pessoas diferentes e com uma variedade de objetos e materiais, favorece a generalização da aprendizagem. Estas práticas são importantes, pois aumentam a probabilidade de que o comportamento fique sob controle apenas de aspectos relevantes para sua emissão. No exemplo anterior sobre o banho, a criança poderia ser ensinada a banhar-se também em casa, pela mãe e pelo pai, de modo que ela emita o comportamento independentemente da pessoa e do banheiro específico. Além disso, poderiam ser variados os itens utilizados no banho (marcas de sabonetes, esponjas de cores e formas diferentes, shampoos com frascos diferentes, etc.). Com o passar do tempo, o comportamento de banhar-se teria maior probabilidade de generalizar-se para quaisquer contextos que possuam um chuveiro e um sabonete de qualquer tipo, ao invés de ocorrer apenas em um banheiro específico ou com um sabonete específico. Em outras situações, estímulos presentes no momento da recordação podem ter a função de evocar respostas concorrentes com o que se quer lembrar. Neste caso, diferente da situação anterior em que o ambiente presente não é composto por estímulos que evoquem as respostas desejadas, o ambiente é composto por estímulos que evocam respostas concorrentes, o que impede ou prejudica a ocorrência do que se quer lembrar (Skinner, 1974/2003). É muito difícil, por exemplo, lembrar-se de uma música enquanto se escuta outra. Nestas situações apenas quando esses estímulos para respostas concorrentes são eliminados é que a resposta alvo ocorre. É necessário então desligar o rádio ou tapar os ouvidos para se lembrar daquela música. É por essa razão também que, ao tentar lembrar o rosto de alguém, costuma-se olhar para o teto, para o chão ou para “o nada”. Esta é uma tentativa de eliminar estímulos discriminativos do ambiente e, assim, a ocorrência de respostas concorrentes.

Comportamento em Foco 3 | 2014

As descrições apresentadas no texto buscaram esclarecer a interpretação analítico-comportamental sobre o que seria a chamada memória. Diferentemente de muitas abordagens psicológicas que recorrem à memória como explicação para a manutenção de comportamentos ao longo do tempo, a Análise do Comportamento trata dos comportamentos de lembrar e esquecer como sendo controlados por variáveis ambientais que podem ser observadas e manipuladas. Assim, a Análise do Comportamento retira o status causal da memória como explicação do comportamento para colocala no lugar de comportamento passível de análise que, portanto, deve ser explicado. Recorrendo a seus instrumentos conceituais e metodológicos, apresentados nesse texto, a Análise do Comportamento operacionaliza os processos comportamentais envolvidos no que tem sido tradicionalmente chamado de memória, possibilitando a identificação e manipulação das variáveis relevantes para que o lembrar e o esquecer ocorram.

Aggio . Varella . Silveira . Rico . Rose

Considerações finais

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Quando falamos de memória, falamos de comportamentos, de lembrar e esquecer e, desse modo, falamos de eventos cujas variáveis de controle podem ser observadas e manipuladas. Entender as variáveis de controle das quais o comportamento de lembrar é função é de extrema importância para o analista do comportamento, uma vez que o campo aplicado da Análise do Comportamento preocupa-se, dentre outras coisas, com o favorecimento do aprendizado duradouro das mais diversas habilidades. Há muito a ser investigado nessa área e a aplicação desse conhecimento para os problemas de aprendizagem é inquestionável.

Comportamento em Foco 3 | 2014 Aggio . Varella . Silveira . Rico . Rose

Referências

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