Memória Social: uma reflexão sobre a minissérie A Casa das Sete Mulheres através da proposição de Jo Gondar

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TURISMO MESTRADO EM TURISMO - PPGTUR/UFF

Disciplina: Aspectos Socioculturais e Socioeconômicos do Turismo Tema/Aula: Quatro Proposições sobre Memória Social – Jo Gondar Docente: Dra. Karla Godoy

Memória Social: uma reflexão sobre a minissérie A Casa das Sete Mulheres através da proposição de Jo Gondar

Thais de Oliveira Lima1

A professora do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Estado do Rio de Janeiro, Jô Gondar, em seu texto referente às “Quatro

Proposições

da Memória

Social”

busca apresentar

uma

perspectiva

transdisciplinar sobre o tema. Segundo a autora: A memória social como objeto de pesquisa possível de ser conceituado, não pertence a nenhuma disciplina tradicionalmente existente, e nenhuma delas goza do privilégio de produzir o seu conceito. Esse conceito se encontra em construção a partir de novos problemas que resultam do atravessamento de disciplinas diversas. (GANDAR, 2005, p. 15).

Para Gandar, o conceito de memória social pode ser considerado polissêmico, transversal ou transdisciplinar. “É produzido no entrecruzamento ou no atravessamento de diferentes campos do saber” (p. 12). De forma didática, a pesquisadora propõe quatro proposições para apresentar as diferentes faces da memória social.

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Turismóloga pela Universidade Federal de Juiz de Fora e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Turismo da Universidade Federal Fluminense.

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Dentro suas quatro perspectivas, Gandar apresenta a transdisciplinaridade do conceito, seu cunho ético e político, a construção processual dessa memória e fina liza explicando que a memória social não se reduz a representação. Neste trabalho, fazemos uma releitura da “segunda proposição” da autora onde ela trata o conceito de memória social como ético e político, a partir da sua relação com o campo dos saberes e dos discursos. Vamos trabalha-la agora na esfera da prática, pois um conceito não deve ser confundido com uma ideia geral ou abstrata; ele expressa um mundo possível, trazendo consequências para a vida que se leva e se pretende levar. É sobre isso que versa nossa segunda proposição: memória social é um conceito eminentemente ético e político. (GANDAR, 2005, p. 16)

Dentro desta seção, a autora apresenta através de posições como as de Halbwaches e Foucault, que a memória social será sempre parcial e terá implicações éticas e políticas. “Recordar, nesse caso, não é somente interpretar, no presente, o já vivido; a escolha do que vale ou não ser recordado funciona como um penhor e, como todo penhor, diz respeito ao futuro” ( p. 17). Essa perspectiva pode ser observada através de artes, como cinema e teledramaturgia, que desde o início do Século XX, surgiram como construção discursiva a serviço do registro social, podendo ser considerados instrumentos privilegiados de transformação social. Capazes de criar, mudar e transformar opiniões; recriar histórias; reforçar sentimentos; garantir visibilidade a fatos, coisas, lugares e pessoas. Entretanto, Gandar ressalta que devemos nos atentar que essas reproduções da memória social não são imparciais. Elas são capazes de alterar a forma de compreensão da realidade ou de um fato histórico, uma vez que são partes de um projeto racional da sociedade contemporânea. Uma lembrança ou um documento jamais é inócuo: eles resultam de uma montagem não só da sociedade que os produziu, como também da sociedade onde continuaram a viver, chegando até a nossa. Essa montagem é intencional e se destina ao porvir. (GANDAR, 2005, p. 17)

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Entre inúmeras reproduções históricas já realizadas pelo cinema e a televisão, utilizamos como exemplo a minissérie brasileira “A Casa das Sete Mulheres” produzida pela Rede Globo, no ano de 2003. Sucesso de audiência na emissora, a estória baseada no romance homônimo da escritora gaúcha Letícia Wierzchowski foi adaptada por Maria Adelaide Amaral e Walter Negrão, para contar a história da Revolução Farroupilha, ocorrida no Sul do Brasil, entre os anos de 1835 a 1845. A história é apresentada pelos escritores através de uma perspectiva romanceada que destaca a atuação de Bento Gonçalves como um grande herói, bem como outros personagens históricos como Giuseppe Garibaldi e Anita Garibaldi. Nesse olhar, fica claro uma dualidade entre vilões

(representantes

da República)

e “mocinhos ”

(revolucionários do Sul do país), ou seja, apresentam de forma clara um ponto de vista único e intencional. Para reconstituição dos fatos históricos foi realizada uma pesquisa rigorosa, envolvendo todas as áreas da produção. Ainda assim, alguns historiadores criticaram a forma pela qual a minissérie retratou a Guerra dos Farrapos, idealizando o líder gaúcho Bento Gonçalves. Segundo ele, a produção da TV Globo mostrava Bento Gonçalves como um homem decidido a acabar com as injustiças sociais, enquanto que os que lutavam ao lado império eram apresentados como vilões. (MEMORIAL GLOBO, 2016)

Segundo a própria emissora, a minissérie destaca o papel das mulheres na Guerra dos Farrapos, apresentando suas forças, dores, amores, angústias e fé durante as lutas que assolou o Sul do país no início do Século XIX. Essa justificativa é defendida pelo cineasta e escritor de dois romances sobre a Guerra dos Farrapos (“Os Varões Assinalados” e “Netto Perde a Sua Alma”), Tabajara Ruas, que afirma que “a minissérie se propôs a contar a mitologia e a não a história do Rio Grande do Sul”. (FOLHA DE SÃO PAULO, 20 jan. 2003). Gandar, destaca que ao nos posicionarmos em relação à memória social, é importante nos questionarmos: “em que direção essa concepção de memória nos lança, o que podemos esperar e como nos engajamos nessa espera?” (p. 16). Sobre esse posicionamento intencional, a autora continua sua reflexão: Se levarmos isso em conta ao interrogar as lembranças/documentos, a questão essencial será: sob que 3

circunstância e a partir de que vontade eles puderam chegar até nós? Por que motivo eles puderam ser encontrados num fundo de um arquivo, em uma biblioteca, nas práticas e discursos de um grupo, a ponto de poderem,ser reconhecidos como testemunhos de uma época? E, fundamentalmente, por que nós os escolhemos? Ao desmontar essa montagem que é a lembrança/docume nto, não revelaremos nenhuma verdade escondida sob uma aparência enganadora, mas sim a perspectiva, a vontade e a aposta a partir da qual nós a conservamos, escolhemos e interrogamos. (GANDAR, 2005, p. 17).

A Casa das Sete Mulheres é uma obra de ficção que busca apresentar um fato histórico por meio de romances tradicionais, onde estão claros os heróis e os vilões, bem como o lado que se pretende defender. Apesar dos inúmeros deslizes quanto a fidedignidade dos fatos, a minissérie trouxe ao grande público um importante momento histórico vivenciado pelo país e valorizou de forma substancial o Sul do Brasil, principalmente, a história, cultura e belezas naturais do Estado do Rio Grande do Sul. Dessa forma, além de despertar uma curiosidade dos brasileiros a respeito da sua memória social, tais produções são capazes de incentivar o turismo e aumentar a autoestima de um povo. A historiadora da Universidade de São Paulo - USP, Maria Aparecida de Aquino, acredita que, apesar do ensino do Brasil ser deficiente, não pode ser considerado preocupante que A Casa das Sete Mulheres não seja fiel aos fatos. “As pessoas entenderão por que há uma cidade chamada Bento Gonçalves e podem se interessar mais por história. Verossimilhança não é função de minissérie ”. Sobre as críticas dos gaúchos quanto as distorções de fatos e lugares, a professora destaca que “É direito deles, mas é um aspecto insignificante perto do que representa a divulgação e difusão de um momento histórico.”. (FOLHA DE SÃO PAULO, 20 jan. 2003). Dentro dessa perspectiva sobre o posicionamento parcial e fictício dos autores referente ao conto da Revolução Farroupilha na minissérie “A Casa das Sete Mulheres”, podemos concluir por meio do desfecho da segunda proposição de Jô Gandar, que afirma que discursos imparciais “costumam ocultar o olhar, a posição e a vontade de quem os emite. Pretendem, assim, julgar sem correm o risco de serem também julgados.”. A autora finaliza afirmando que “em um campo múltiplo e móvel como o da memória social, toda perspectiva envolve a escolha de um passado e a aposta em um futuro ”. No caso, as escolhas dos autores ultrapassaram o rigor da história e utilizaram-se da transversalidade 4

da memória social, a fim de romantizar e atrair o interesse do grande público para essa “produção global”.

Niterói, 27 de setembro de 2016.

REFERÊNCIAS: FOLHA

DE

SÃO

PAULO.

Juntando

os

Farrapos.

Disponível

em:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2001200306.htm. Acesso em: 19 set. 2016. GONDAR, Jô. Quatro Proposições sobre Memória Social. In: GONDAR, Jô; DODEBEI, Vera. O que é memória social. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2005. MAXWELL. Cinema e Memória Social. Disponível em: http://www.maxwell.vrac.p ucrio.br/18792/18792_4.PDF. Acesso em: 19 set. 2016. MEMORIAL

GLOBO.

A

Casa

das

Sete

Mulheres.

Disponível

em:

http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/minisseries/a-casa-das-setemulheres/curiosidades.htm. Acesso em: 19 set. 2016. WIKIPEDIA.

A

Casa

das

Sete

Mulheres.

Disponível

em:

https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Casa_das_Sete_Mulheres. Acesso em: 19 set. 2016.

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