Memórias Compartilhadas -O reflexo do vivido.

May 27, 2017 | Autor: Luana Barros | Categoria: Cultural Heritage, Cultural Memory, História e Cultura da Religião
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Memórias compartilhadas: o reflexo do vivido.

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Catalogação

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Escola Municipal Professora Zélia Costa da Cunha Por Luana Barros de Azevedo (elaboração) Coordenação: Mário Fernandes Sobrinho

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Colaboradores VOLUNTÁRIAS: Marianne Shirley Azevedo do Patrocínio; Samara Macedo.

ALUNOS: Alexsandra Teixeira dos Santos – 9° ano. Felipe Douglas de Souza Araújo - 7° ano. Francicleo Baca Silva, - 7° ano. Igo Neves da Silva – 7° ano. Isabelle Kalyne Gomes Dantas – 7° ano. Jaedson Dantas do Nascimento – 8° ano. José Iranyr da Silva Araújo – 8° ano. José Patrocínio Torres Júnior – 9° ano. Lorena Carla de Sousa Lima – 9° ano. Mike Anderson de Sousa Lima - 9° ano. Pâmela Sayonara Gomes da Silva – 9° ano. Pedro Vitor Silva dos Santos – 9° ano. Railson Santos de Azevedo – 9° ano. Raisa de Medeiros Cunha da Silva – 9° ano. Raquel Andrêssa Azevedo de Souza – 7° ano. Stéfany Laiz Costa de Azevedo – 9° ano. Vinícius Azevedo dos Santos – 7° ano. Xarlene Charles Azevedo do Nascimento - 9° ano.

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“Por muito que deva à memória coletiva é o indivíduo que recorda. Ele é o memorizador e das camadas do passado a que tem acesso pode reter objetos que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro comum”. Bosi (1983, p. 333)

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LISTA DE IMAGENS Imagem 1: Jardim do Seridó/RN vista de cima. Imagem 2: Localização de Jardim do Seridó/RN no mapa. Imagem 3: Seu Raimundo Rezador (Raimundo Rodrigues do Nascimento). Imagem 4: Seu Raimundo (Raimundo Rodrigues do Nascimento). Imagem 5: Objetos encontrados por Raimundo Rezador. Imagem 6: Evaristo Rezador em sua residência cedendo entrevista para os alunos da Escola. Imagem 7: Na imagem, D. Marluce, rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os alunos. Imagem 8: Na imagem, D. Inês rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os alunos. Imagem 9: Orações escritas de Raimundo Rezador........................................................ Imagem 10: Imagem que retrata os cuidados após o trabalho de parto. Imagem 11: Posto de Saúde Parteira Regina Rebeca (ESF V), Bairro Bela Vista. Imagem 12: Placa que nomeia a Rua Regina Rebeca, Bairro Bela Vista. Imagem 13: Fotografia de Regina Rebeca situada na sala de espera do Posto de Saúde Parteira Regina Rebeca (ESF V), Bairro Bela Vista, Jardim do Seridó/RN. Imagem 14: D. Maria (Maria de Azevedo Medeiros), em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 15: Hozana Macêdo de Oliveira nos cedendo entrevista em sua casa. Imagem 16: Maria da Luz Oliveira de Medeiros cedendo-nos entrevista em sua residência. Imagem 17: Margarida Silva dos Santos mostrando o quadro de fotos da sua família. Imagem 18: Cícera Maria da Silva, filha de Regina Rebeca, cedendo entrevista em sua residência. Imagem 19: Lavadeiras. Imagem 20: Encontro de matronas, Debret. Imagem 21: Lavadeiras, Rugendas. Imagem 22: À esquerda, Ildete Gomes, cedendo entrevista. Imagem 23: À esquerda, D. Inácia, em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 24: D. Severina, em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 25: D. Anedina, ao centro, em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 26: D. Josefa, ao centro, em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 27: Ciganos. Imagem 28: Ciganos em acampamentos. Imagem 29: Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, ao centro, cedendo entrevista. Imagem 30: Maria Aparecida Araújo de Brito, à direita, em sua residência, nos cedendo entrevista. Imagem 31: D. Severina, em sua residência, cedendo. Imagem 32: Débora Liz Silva de Azevedo, ao centro, cedendo entrevista.

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Sumário

INTRODUÇÃO_______________________________________________________15 Enfoque metodológico

CAPÍTULO I - HISTÓRIA DE JARDIM DO SERIDÓ/RN E SUA HERANÇA CULTURAL__________________________________________________________20 Lugar e cultura CAPÍTULO II - NA FÉ, UMA ORAÇÃO: OS BENZEDEIROS DE JARDIM DO SERIDÓ_____________________________________________________________26 A prática de reza Os benzedeiros de jardim do Seridó/RN Como tudo começou - a aprendizagem A reza milagrosa As rezas, os lugares de reza e os objetos que os acompanham entre outros fatores, o preconceito.

CAPÍTULO III - A LUZ DA VIDA: PARTEIRAS DE JARDIM DO SERIDÓ/RN E O TRABALHO DE PARTO_______________________________________________46 Histórias contadas: o reconhecimento do trabalho de parteira O ritual de parto e as parturientes As parteiras

CAPÍTULO IV - COM ÁGUA, ALMA E MÃOS: HISTÓRIA DAS LAVADEIRAS DE JARDIM DO SERIDÓ______________________________________________69 Do trabalho ao lar: a mulher no espaço social Dentre tantas, as lavadeiras. Como tudo começou O lavadouro Tempos de seca, tempos de medo. Lavar e engomar: como eram praticados esses ofícios e o resultado desses trabalhos.

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CAPÍTULO V - ENTRE PASSOS E ESPAÇOS: OS CIGANOS QUE HABITARAM JARDIM DO SERIDÓ__________________________________________________92 Ciganos, filhos do vento. Os ciganos sob outra ótica: a passagem dos ciganos em Jardim do Seridó. A aparência dos povos ciganos e suas características

LISTA COM NOME DOS GRUPOS, ENTREVISTADOS E ALUNOS DO PROJETO “MAIS CULTURA” NAS ESCOLAS DA ESCOLA MUNICIPAL PROFESSORA ZÉLIA COSTA DA CUNHA___________________________________________ 115 REFERÊNCIAS______________________________________________________118

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PRA COMEÇO DE CONVERSA Hoje, após vivido meio século, sinto uma constante necessidade de revisitar a minha infância, sondar o meu vivido, revisar o inventário de feitos e não feitos que eu e os outros deixamos por lá. Sinto que essa necessidade advém do medo que tenho, vez por outra, me perder entre práticas e representações que me são estranhas. E por esse medo, eu selo um pacto comigo mesmo, para estar sempre avaliando a minha posição no tempo, ligando o meu passado ao meu presente, revendo as práticas sociais que foram sendo suplantadas para entender a minha posição no mundo, no espaço em que habito. Nesse processo, sinto que minha capacidade de surpreender-me com o complexo mundo dos que vivem e dos que morrem nunca se esgota e que não importa o rumo que tomemos, sempre chegaremos a algum lugar. É verdade, também, que tenho percebido que aqueles que seguem um norte definido, conseguem chegar a seu rumo com mais segurança. A esses, o destino parece reservar mais glórias e menos cansaço. No entanto, tenho percebido, ainda, que aqueles que rumam sem norte é porque, na maioria das vezes, não aprenderam ainda a caminhar por caminhos que já foram caminhados, a zarpar de portos que já foram zarpados. Eles ainda parecem desconhecer a importância à nossa vida, das experiências que foram vividas por aqueles que nos precederam e, por ignorância ou negligência, estão sempre a dar saltos no escuro, pegar a estrada sem estar preparado para a caminhada, feito um soldado que vai para a guerra vestido com trajes para piquenique. É verdade que o mundo hoje é fortemente amparado por facilidades trazidas pelo avanço tecnológico e as pessoas findam deixando às tecnologias a função de guardar conhecimentos e atribuições que não deveriam ignorar. No entanto, não devemos creditar às tecnologias a culpa pelas anomalias do funcionamento da sociedade dos homens, afinal, o homem sempre buscou diminuir o peso do seu fardo e a memória parece ser um deles. Por que se preocupar em encher a memória com informações que podem muito bem ser arquivadas em registros escritos? O historiador Le Goff(1996) reporta a Platão, em o Fedro, a acusação ao deus egípcio Thot, inventor dos números e do alfabeto, a possibilidade do homem desenvolver o hábito de guardar suas memórias em sinais estranhos, deixando assim de exercitar a capacidade de suas lembranças. Esse fato não destitui a importância do processo de arquivamento da memória à sociedade dos homens, o que muda, é apenas a forma de conservá-la e, o próprio Le Goff não esquece essa peculiaridade ao usar uma citação da carta de Guy, conde de Neve, para dizer que “Aquilo que queremos reter e aprender de cor fazemos redigir por escrito a fim de que se possa reter perpetuamente na sua memória frágil e falível seja conservado por escrito e por 9

meio de letras que duram sempre”, Le Goff (1996 p. 450). Seguindo essa mesma lógica, Pico Della Miràndola em sua obra “A dignidade humana” faz referência ao esforço do sacerdote, Esdras, logo após o cativeiro babilônico dos hebreus, por volta de 538 ac. quando o rei persa Ciro, autorizou o regresso desse povo a Jerusalém para juntar os mestres da lei divina e registrar aquilo que eles detinham na memória, evitando assim que essas informações não chegasse às futuras gerações, visto que os hebreus viviam em constantes conflitos com os vizinhos que encontraram em suas terras. Esse esforço de Esdras foi decisivo para o surgimento dos livros cabalísticos, livros esses, que trazem conhecimentos que eram passados oralmente e que não se encontravam nos livros. Sabemos que cada um guarda as suas memórias de forma natural e, a menos que seja atingido por algum problema de natureza física ou biológica, ele continuará a fazê-lo sem muito esforço, uma vez que as memórias são registros de nossas experiências que vão sendo arquivadas ordenadamente, de acordo com o significado e relevância que tenha para nós. À medida que o conhecimento que faz parte de determinada memória perde relevância no contexto social em que habitamos, e a sociedade capitalista é altamente negligente nesse aspecto, a tendência é nos descartarmos dela. A lógica capitalista parece justificar essa atitude e para isso não faltam argumentos, afinal, a sociedade não pode ficar encalhada em práticas que retardem o seu desenvolvimento. Esse é um dos pontos, é verdade, mas, há outros tantos contrapontos que devem ser enumerados. Sabemos que seguido a lógica de Halbwachs, as memórias individuais dão origem às memórias coletivas e, essas, à memória histórica. Dominar na memória o conhecimento da memória histórica é um processo complicado e porque não dizer impossível dada a larga produção de conhecimentos que marca a sociedade tecnológica, daí a necessidade de eternizar as memórias vividas pelos grupos, dai a necessidade de resgatá-las, registrá-las e devolvê-las à sociedade em forma de registros, afinal as lembranças do vivido e do feito de alguém estará sempre em algum lugar, presa entre o vivido e o lembrado, prontas para serem relembradas e resgatadas. A memória é, no sentido aqui adotado, a partir de Halbwachs (2003) e Bosi (1983), o reserva de nossas lembranças que cresce “a cada instante e que dispõe da totalidade da nossa experiência adquirida”, Bosi (1983 p. 10). Cada memória individual é um fragmento da memória coletiva e são as memórias individuais que dão solidez a memória do grupo. As memórias do grupo formam a sua identidade cultural. Através da memória do grupo podemos conhecer a sua cultura. Entendemos aqui a cultura como Chartier, como “um padrão transmitido historicamente, de significados corporizados em símbolos, um sistema de 10

concepções herdadas, expressas em formas simbólicas, por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem o seu conhecimento e as atitudes perante a vida” Chartier (2002 p. 67). Ao resgatarmos a memória de um grupo, tomamos posse de seu legado, compreendemos as especificidades que caracterizam o viver e o morrer desse grupo, daí a importância de nos apropriarmos do universo simbólico que se esconde na memória dos que não foram ouvidos à construção da história oficial. Sabemos que a tradição histórica evidenciou em suas narrativas os feitos dos heróis, reservando o lugar de heróis a reis, imperadores ou na falta destes, aqueles que detinham o poder. Aos que serviam foi dado como herança o esquecimento ou no máximo, uma memória perdida entre números. O general Herculano que avançou rumo norte com dez mil soldados e, graças às suas estratégias inovadoras, conseguiu vencer o exército inimigo e trazer um grande espólio ao seu país. Hoje a história busca novos enfoques, procura novas personagens, sonda novas fontes em busca de respostas para questões não ditas. Para que aproximemos a história do real, não basta saber o que fez o general. Precisamos saber o que ouviram os soldados de seus generais, os súditos de seus reis, os servos de seus vassalos, os vassalos de seus suseranos. Precisamos saber que segredos guardavam os subordinados à revelia de suas vontades, verdades que certamente podiam salvar ou ceifar vidas e, que muitas vezes, ditas às pessoas certas, podia livrá-los da condição de servos. Por que então silenciavam? Certamente porque o ato de calar era o passaporte para conservar a vida, a sua e a dos seus. O que poderemos saber de verdades com o resgate da memória desses sujeitos? Que contribuições podemos trazer para a história a partir do ressuscitar do discurso do morto? Com certeza poderemos compor uma história com fragmentos ajuntados por mãos hábeis de historiadores, investidos por técnicas e métodos inovadores que podem dar aos fatos narrados o mesmo sabor das aventuras vivenciadas por seus atores. Podemos através do resgate da memória recriar cenários extintos, ressuscitar lembranças mortas e retratar o estilo de vida de pessoas e grupos que nos precederam. Certeau ao evidenciar a importância da memória à história, diz que na memória os fatos e os lugares vividos são como presenças de ausência “o que se mostra designa aquilo que não é mais”, Certeau (2014 p. 175). Na memória dorme um passado, como nos gestos cotidianos de caminhar, correr, e deitar-se, que retrata práticas antigas. A lembrança é somente um mecanismo de passagem, que desperta a memória, assim fatos que retemos em nossa memória como as conversas ouvidas a meias paredes das casas populares, a imagem da casa materna,

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os objetos biográficos, aqueles objetos que envelhecem com a pessoa e que no uso, vai se amoldando ao possuidor, representam experiências vividas dos que tiveram contato com ele. Esses objetos, no contato constante com as mãos dos que o manuseiam, vão perdendo as arestas e se abrandando e ao ser tocado novamente por aquelas mãos, eles têm o poder de ativar as lembranças compartilhadas em situações compartilhadas por objeto e usuário. Na concepção de Bosi, “as pedras da cidade, enquanto permanecem sustentam a memória”, Bosi (1983 p. 363). O som dos objetos contra elas, a sua irregularidade sentida no sapato e no pisar, o som da vassoura, da lenha crepitando, da colher no tacho, da roupa se debatendo contra o vento do varal, do sino da igreja, do roçar dos galhos nas árvores e do buzinar dos carros nas ruas, tudo isso desperta a lembranças e, é nesse sentido, um condicionante ao resgate do passado. Ao resgatarmos o passado podemos entender como as pessoas viviam em um dado tempo e contexto e, dar significado a essas práticas a partir do contexto que vivemos. Na análise historiográfica diz Certeau, “o morto ressurge do trabalho que postulava seu desaparecimento possibilitando sua análise como objeto de estudo” Certeau (2013 p. 28). O ressurgir do morto e de suas representações tem um papel fundante ao futuro das novas gerações, pois oferece o inventário de práticas que possibilitarão o entendimento de como eles viveram e as lições que elas poderão tirar desse viver. O trabalho desenvolvido ao longo deste livro por Luana Barros e seus colaboradores é, antes de tudo, um desafio com sabor de tempo e de saudades. A saudade dos que se foram e, suas lembranças, rememorados no discurso dos que ficaram, presos entre a saudade e o desejo de não esquecê-los. É um trabalho com gosto de tempo passado, onde a vida foi vivida por personagens populares que deixaram por seu viver e seu lidar um exemplo de vida, o legado cultural de seu trabalho. É um trabalho com sabor de tempo presente onde ela e seus colaboradores a exemplo de arqueólogo, vão com suas espátulas escavado o tempo passado, peneirando com suas peneiras o confiável do duvidoso, confrontando discursos, para no final da jornada, apresentar ao tempo presente as malhas de que ele foi tecido. O esboço real de um mundo presente que não pode esquecer o seu passado, porque disto depende o seu futuro. Nesse passado que Luana Barros escava, eu me vejo e me espelho em seu esforço, preso entre as minhas próprias lembranças, vencido pela minha memória que já precisa se amparar em velhas muletas para caminhar ao passado e lá rever as histórias por ela contada. Relembro entre benzedores, as velhas rezadeiras de São José do Seridó, hoje já quase extintas, que rezavam para encontrar animais e objetos perdidos, para curar bicheira e para tirar mauolhado e espinha de peixe da goela. 12

Lembro de Maria Bode e de Francisca enfermeira que se doaram a trazer esperança num mundo de poucos recursos e muita dor, levando esperança às mães que se entregavam à natureza na hora do parir, porque as dificuldades eram de ordens diversas e não havia ainda hospitais para socorrer as mulheres em trabalho de parto. Com mais saudade, lembro de Maria Preta e tantas outras pretas e brancas, que madrugavam no açude público de São José do Seridó para tirar de suas mãos cansadas, embranquecidas pelo sabão de pedra, de pedra chamado porque feito em casa com soda cáustica e gorduras de porco, tinha a forma de uma pedra redonda das que a gente pegava nas ruas para jogar tila. Muitos filhos, muito aperreio de vida e muitas dificuldades que elas superavam com muito trabalho e poucas queixas. É impossível não lembrar os ciganos, que vindos por entre o juremal preto e seco, com suas tropas de jegues cansados, carregados de apetrechos, panelas encardidas pela fumaça da lenha que queimava em trempes improvisadas à sombra de oiticicas, juazeiros e pereiros frondosos, cabaças e miçangas com água, redes e roupas, arrumados em velhos caçuás presos aos cabeçotes das cangalhas, entre os quais as crianças ciganas dormiam profundo sono como se estivessem na melhor das camas. Encompridando o cortejo, burras admiráveis, raros cavalos, chegavam ao nosso pacato “seridozinho”, trazendo mulheres misteriosas, velhas enrugadas, moças bonitas e, muitos ciganos jovens, que se exibiam para as moças não ciganas, com seus violões afinados, cabelos compridos, pretos e lisos e pele queimada pelo sol da estrada, estrada que para eles parecia nunca ter fim. Como esquecer que em cada pedaço do Seridó, em cada cidade perdida nessa toalha de chão pobre e mata rala a vida tinha dinâmica similar. Como diz Bosi, “Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas, refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado”, Bosi, (1983 p. 17). E é nesse refazer que reside a importância do trabalho aqui apresentado por Luana Barros e seus colaboradores, dentre eles, os alunos da Escola Municipal Professora Zélia Costa da Cunha. As lembranças resgatadas por eles através dos memorizadores que se dispuseram a colaborar com a pesquisa hora esboçada nas páginas precedentes traz ao povo jardinense, ao povo seridoense e porque não generalizar, ao povo brasileiro, pinceladas de um modo de vida lançadas sobre a tela do tempo, em cujo fundo Jardim do Seridó desponta como um espaço para viver, morrer e lembrar. Relembrar essas personagens e suas práticas em Jardim do Seridó é resgatar um acervo de conhecimentos recheado de práticas e crendices populares de valor inestimável aos que continuaram a jornada humana, conhecimentos cujo resgate exige o relato de um estilo de vida de pessoas comuns, um modus operandi muito peculiar que só os que viveram com os 13

mortos e que insistem em não enterrar as lembranças com eles compartilhadas conseguem ressuscitá-las. Exige o relato de vida de pessoas que vivos e praticantes do mesmo ofício, enriquece o discurso com suas memórias e seu fazer, revitalizando a história real de Jardim do Seridó, com passagens e cenas que se perderam no tempo à vista do observador Dos ciganos, deixa um registro da convivência deles com os moradores do bairro Bela Vista no decorrer de períodos curtos e contraditórios, onde a cultura dos ciganos e a dos moradores do bairro é permeada por estranhezas, tolerância e intolerância, algo comum quando culturas diversas são levadas pelas circunstâncias a se espremerem no mesmo espaço físico, compartilhar os mesmos homens e os mesmos deuses. Por último é bom não se iludir, fica também, entre o dito e o lembrado, rastros indefinidos na areia, pegadas que não foram fotografadas com precisão, ausência de palavras que se ditas, não foram ouvidas e, que, portanto, morreram com aqueles que as pronunciaram. Mas isso não deve perturbar o sonho do historiador pois como diz Certeau, existe na obra escrita “estranhas e vastas regiões de silêncio” [que] “desenham uma geografia do esquecido”, Certeau, (2005 p.73). [Grifo nosso].

Jardim do Seridó – RN, 20 de fevereiro de 2015 Mário Fernandes Sobrinho ______________________________________________________________

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INTRODUÇÃO “A memória de uma sociedade estende-se até aonde pode, quer dizer, até aonde atinge a memória dos grupos dos quais ela é composta. Não é por má vontade, antipatia, repulsa ou indiferença que ela esquece uma quantidade tão grande de acontecimentos e de antigas figuras” (HALBWACHS, 1990, p. 84). Por sermos feitos de lembranças e esquecimentos, nossa memória é limitada a guardar o que acha de mais importante, ou o que mais marcou na vida. Ao forçarmos uma lembrança, a memória pode voltar à mente, mas não por completo. Nesse viés, Halbwachs nos fala de até aonde a memória se estende, ou melhor, o que seria importante para nossa memória gravar e o que poderia ser descartável, isto é, baseando-se nos fatores sociais que influenciam o ser humano. A história, por muito tempo, foi transmitida por gerações através da oralidade, que se encarregava de gravar um acontecimento e passar de pai para filho. Muitas histórias e acontecimentos não foram escritos, mas ainda se mantêm vivas nas memórias de pessoas mais velhas que se encarregam de continuar transmitindo por gerações parte da composição de um todo. As histórias orais, em sua grande maioria, contam acontecimentos que, para muitos, não fazem parte da História, pois acreditam que se tratam de lendas folclóricas, dessa forma, poucos são aqueles que se encarregam de trabalhar se baseando em memórias, ou seja, histórias contadas. Escrever histórias partindo de memórias passadas por gerações é de suma importância, pois isso imortaliza acontecimentos que, para alguns, não tem valor histórico ou que antes não eram tidos como importantes, uma vez que a história só era escrita com base em documentos oficiais. No livro Memórias compartilhada, o reflexo do vivido, falamos sobre a história de benzedeiros de Jardim do Seridó, assim como parteiras, lavadeiras e pessoas que conviveram com os ciganos que habitaram o bairro Bela Vista. Todas nossas histórias serão escritas com base em depoimento de entrevistados que falaram sobre suas experiências e um pouco de suas heranças culturais. Em nosso primeiro capítulo, trataremos um pouco da história de Jardim do Seridó, assim como suas transformações que ocorreram durante o tempo. Tratamos das modificações espaciais, pois acreditamos que para falar dos personagens de uma região, é de fundamental importância conhecer a história daquele local, pois esta reflete bastante na construção de uma pessoa. 15

Neste livro discutiremos também o conhecimento cultural de Jardim do Seridó e suas heranças, porque estas também falam e modificam as pessoas, assim como são a base da construção de uma personalidade local. Em nossos capítulos decorrentes, encarregamo-nos de falar sobre os personagens. Dividimos o livro em cinco capítulos, sendo o primeiro, como mencionamos, um resumo do conhecimento regional de Jardim do Seridó; o segundo falaremos sobre a cultura e religião, apresentando os Benzedeiros suas heranças de conhecimento e uma história de fé e cura contadas partindo do olhar daqueles que praticam a reza como dom advindo de Deus. No terceiro capítulo, resgataremos a memória de parturientes, que puderam falar de grandes parteiras de Jardim do Seridó, pois essas parteiras eram grandes mulheres que ficaram conhecidas pelos seus atos de bondade para com a população, assim como a crença no dom que seguia elas e aquelas que tinham seus partos feitos pelas mãos das parteiras. Escutaremos essas histórias vindas de mães que tiveram seus filhos por parteiras de Jardim do Seridó. O quarto capítulo ficará encarregado de falar das lavadeiras de Jardim do Seridó, assim como seus trabalhos e práticas que eram do lavar roupas. Nesse viés, trataremos da discussão de gêneros e trabalhos, assim como a visão que a população tinha com relação à mulher e seus trabalhos, as práticas de lavagem de roupa, como elas faziam para lavar roupa em períodos sofridos decorrentes da seca, onde eram os locais de lavagem e como eram ocupado pelas lavadeiras. Essas mulheres nos contaram cada passo do seu trabalho, as modificações que ocorreram durante o tempo e como elas faziam para acompanhar essas mudanças. A convivência com os ciganos que habitaram o bairro Bela Vista será o nosso último capítulo e tratará de falar um pouco sobre a cultura cigana, assim como o conhecimento de sua história, partindo de vivências entre esses grupos de ciganos e alguns moradores do bairro. Procuramos saber como é formada a visão da população jardinense sobre uma cultura diferenciada das demais. Encarregamo-nos de investigar cada ponto de vista das poucas pessoas que conviveram com esses ciganos, assim como a visão que os demais tinham sobre eles. Os temas abordados foram das mais variadas vertentes que nos fizeram colher informações que variavam desde como se deu a chegada dos ciganos e sua permanência, como esses se vestiam e tratavam uns aos outros, até saber como era composto o olhar dos demais sobre eles. Nesse capítulo

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também tentaremos justificar alguns feitos contados pelas pessoas sobre os ciganos, e como é composta essa cultura, para explicar esses comportamentos. ENFOQUE METODOLÓGICO

O presente livro é o resultado de um trabalho de pesquisa realizado por mim no período de agosto de 2014 a fevereiro de 2015 com alunos do 7º, 8º e 9º ano da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha em parceria com o Projeto Mais Cultura nas Escolas, que teve como intuito o resgate da memória popular de quatro grupos da cultura popular da comunidade jardinense visando colaborar com a historiografia de Jardim do Seridó/RN. No livro está presente história e conhecimento de benzedeiros, parteiras, lavadeiras e pessoas do bairro Bela Vista que conviveram com os ciganos que habitaram Jardim do Seridó. A Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha se encontra localizada no Bairro Bela Vista, em Jardim do Seridó. Em 2014 a escola fez adesão ao Programa Mais Cultura nas Escolas, O Mais Cultura é um programa do Governo Federal que tem como objetivo reconhecer e promover a escola como espaço de circulação e produção da diversidade cultural brasileira, desenvolver atividades que promovam a interlocução entre experiências culturais e artísticas e o projeto pedagógico de escolas públicas de Educação Integral, assim como proporcionar encontro entre vivências escolares e manifestações artísticas e culturais fora do contexto escolar. Por acordo entre a Instituição Cultural Parceira, na pessoa de Luana Barros de Azevedo e pela Escola Municipal Zélia Costa da Cunha representada pelo seu diretor o professor Mário Fernandes Sobrinho optou-se pela elaboração de uma pesquisa de cunho histórico sobre a memória dos grupos anteriormente mencionados. A opção por esta abordagem historiográfica deveu-se às facilidades que ela oferece ao possibilitar parte de um conhecimento da cultura local, em processo de fossilização na memória de personagens anônimos esquecidos pela história oficial seja resgatado e inserido na História cultural desses povos. Dentro desta perspectiva, procuramos trabalhar com o conhecimento de personagens regionais não estudados, como benzedeiros, parteiras, lavadeiras e ciganos. Inicialmente foi desenvolvido um trabalho para preparar os 20 alunos que iriam participar do projeto. Foram realizadas 05 oficinas buscando mostrar aos alunos que

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toda e qualquer região tem a sua construção histórica que não parte apenas de líderes políticos ou pessoas de grande porte financeiro. Várias aulas foram elaboradas e trabalhadas em sala com os mesmos. Nas aulas foram usados recursos didáticos pedagógicos diversificados, como projeção de slides, exposição de filmes, uso do celular e da máquina fotográfica para fotos, gravações e filmagens, análises de músicas e de textos que visavam fornecer ao aluno o conhecimento da pesquisa, seus dilemas e instrumentos. Buscou-se também com as atividades desenvolvidas, trabalhar o senso crítico dos alunos, o aguçamento da criatividade e a elaboração de perguntas que seriam usadas nas entrevistas, à coleta de informações para elaboração do livro. Após as oficinas e produção do material de pesquisa partimos para as entrevistas com o pessoal que havíamos definido a priori como referencias básicas ao levantamento dos informes que a pesquisa exigia para dar conta dos objetivos pleiteados. Apesar de inicialmente acharmos que as fontes para o trabalho que tínhamos em mente eram abundantes, logo começamos a enfrentar dificuldades com os guardadores de memória, pois constatamos que quanto mais longo o período de morte da memória mais difícil é o seu processo de ressuscitamento, pois a quase totalidade dos membros que fizeram parte daquele grupo vão sendo também sepultadas pelo tempo e os que vão ficando encontram muitas dificuldades para rememorar. Além do desgaste físico e biológico, certas memórias são trazidas ao tempo presente com emaranhado de sentimentos que vão desde a frustração por só lembrá-las parcialmente, um misto de mágoa e saudades e a frustação por ter se separado de tanta gente quando não se queria estar longe. E isso se refletia nas frases cortadas sem conclusão, falta de respostas para perguntas elementares e a perda do entrevistado no tempo passado, entre uma sombra de dúvidas e um tico de certezas, talvez querendo reviver lá no tempo passado com os que tentavam trazer ao presente as experiências compartilhadas e os desejos que também foram soterrados pelo tempo. Para contornar as dificuldades tivemos que redefinir alguns questionários e selecionar novas pessoas a serem entrevistadas. O resultado do trabalho obtido pela mentora e demais da Escola para com os alunos foi muito positivo, pois promoveu o conhecimento da cultura regional desses grupos, evidenciou a importância do trabalho em grupo para o reconhecimento do valor histórico, possibilitou a elaboração de trabalhos feitos pelos alunos, o envolvimento dos alunos com os personagens da história local a qual foi tratada, o conhecimento da importância da memória que se mantém viva 18

com os mais velhos, o reconhecimento do processo educativo como construção cultural em constante formação e transformação, a valorização patrimonial e cultural, aguçamento da criatividade perante o processo de ensino e aprendizagem para com os alunos. O maior testemunho do sucesso desse projeto será dado por sua produção final: A editoração do livro que será doado à comunidade e região.

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CAPÍTULO I HISTÓRIA DE JARDIM DO SERIDÓ/RN E SUA HERANÇA CULTURAL Quando o século dezoito findava Dentre a lusa colonização Ó, Jardim, tu nasceste tão alva, Na fazenda de gado e algodão! Embalaram teus sonhos os coqueiros Que, no Cobra, se encontram altaneiros, Enfeitando os céus do sertão! Conceição do Azevedo, Terra do amor! Teu passado fulgente Assegura o teu valor! O teu solo e tua gente Bem refletem sob o sol; Vida e grandeza! Salve Jardim do Seridó. Tu surgiste entre rios e lajedo E com fé, muito amor e emoção, O segundo Antônio de Azevedo Te sonhou: Vila da Conceição! Hoje, alegres, teus filhos decantam O progresso, a vida em flor! Berço amigo de paz e de amor! (Hino do município de Jardim do Seridó/ Música: Jaime de Medeiros Brito/ Letra: Eurico Guilherme de Amorim Caldas)1

Imagem 1: Jardim do Seridó/RN vista de cima 2.

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Disponível em: http://www.jardimdoserido.rn.gov.br/post.php?codigo=281. Acesso em: 29/12/2014. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_do_Serid%C3%B3. Acesso em: 29/12/2014.

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O Município de Jardim do Seridó/RN, atualmente, tem mais ou menos 12.540 habitantes. Ele está localizado na região Seridó do Rio Grande do Norte. Possui uma área de 368,647 km² e uma densidade demográfica de 32, 86 hab/km². A cidade tem clima quente e semiárido, fazendo parte da caatinga. Seus habitantes, religiosamente, se dividem em: católicos apostólicos romanos (11.108 pessoas), religião evangélica (715 pessoas) e religião espírita (10 pessoas)3. Essa divisão religiosa nos mostra o quanto os jardinenses são cristãos e nos ajuda a compreender um pouco seus costumes culturais e pontos de vistas.

Imagem 2: Localização de Jardim do Seridó/RN no mapa 4.

Jardim começou a ser habitada por portugueses por volta do século XVIII. No início do século XVI até o século XVIII, os portugueses vinham em grandes levas para povoar o Brasil à procura de terra para a plantação da cana-de-açúcar, produto de alto valor econômico no período. O plantio da cana-de-açúcar se dava principalmente no litoral brasileiro, lugar úmido propício para as plantações. Os únicos engenhos instalados no interior do Rio Grande do Norte ficavam em Cunhaú e Uruaçu. Com a colonização, também ocorreu o povoamento do interior. O Seridó, lugar não tão favorável para a plantação da cana, uma vez que este tinha solos pouco desenvolvidos 3

Todos os dados desse primeiro parágrafo foram retirados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/painel/painel.php?lang=&codmun=240570&search=%7C%7Cinfogr%E1 ficos:-dados-gerais-do-munic%EDpio. Acesso em: 17 de novembro de 2014, 14:05:30. 4 Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_do_Serid%C3%B3. Acesso em: 29/12/2014.

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para o tipo de plantação, a forma de sobrevivência se dava através da criação de gado e plantio de algodão, essas duas formas ajudavam no sustento do homem sertanejo. No período da colonização, conta-nos José Nilton de Azevêdo, que José Antônio de Azevêdo Maia e Izabel Pereira Alves Maia, portugueses, apesar de não terem migrado para o Brasil, deixaram vir os filhos: Antônio de Azevêdo Maia Júnior e Maria de Azevêdo Alves Maia. Ambos vieram por incentivo do tio Capitão Pedro da Costa Azevêdo, que lhes arranjou casamentos entre as melhores famílias da terra, e condições sociais e políticas. Com o arranjo de casamentos, os Azevêdos migraram para o Seridó, onde compraram terras e construíram prole (1988, p. 17). Antônio de Azevêdo Maia Júnior, fundador da atual cidade Jardim do Seridó, era filho de Antônio de Azevêdo Maia e Josefa Maria Valcácer de Almeida Azevêdo, e casou-se por volta de 1767 com Micaela Dantas Pereira. Na década de 1760 e 1770, adquiriu, através de compra ao Sargento-Mor Alexandre Nunes Maltez, de Igarassu, Pernambuco, a fazenda “Conceição”, onde a nomeou de fazenda “Conceição do Azevedo”, fazenda que posteriormente seria Jardim do Seridó. Como a Fazenda Conceição do Azevêdo ficava entre dois rios (atualmente Rio Seridó e o Rio Cobra), a localização era propícia para algumas plantações e criação de gado, sendo por esse motivo, um lugar favorável para se morar. Foi na Fazenda Conceição do Azevêdo que Antônio de Azevêdo Maia Júnior constituiu numerosa família, e os que por ali passaram foram se alojando às redondezas da vasta terra, com isso aumentando a população da região A Fazenda Conceição do Azevedo teve seu início onde atualmente se encontra o Telecentro da Câmara Municipal. O espaço apesar de ter sido modificado conservou a fachada em estilo antigo, remetendo ao tempo que era a primeira casa de Jardim do Seridó. Sobre as casas no período da Colonização, Arno Webling e Maria José Webling, nos conta que eram casas feitas com segurança para se defender dos ataques indígenas, pois eram “rudimentares torres em pedra e cal ou barro sopapado, cercadas pelas paliçadas para garantir a defesa” (1999, p. 258). Ainda assim, Webling e Maria José Webling nos contam que as primeiras fazendas do período Colonial, de menor porte financeiro, eram compostas pela casa principal, do fazendeiro, “os alojamentos de vaqueiros e escravos, as oficinas, locais para lavoura de subsistência, currais e estábulos” (1999, p. 259). A primeira casa da Fazenda Conceição foi construída por volta de 1760 a 1770, e era constituída, como nos conta José Nilton Azevedo, com base nos escritos de Olavo 22

de Medeiros Filho, como sendo “uma casa de taipa ladeada de tijolos com nove portas com dobradiças de ferro e, dessas, quatro eram partidas e sete janelas apresentavam dobradiças” (1988, p.24). Nesta casa, o patriarca constituiu prole e desenvolveu a fazenda. Mesmo sendo uma casa de taipa, a priori, acredita-se que havia outros espaços na fazenda para dar suporte à realização das tarefas laborais a exemplo de armazéns e depósitos e morada para os escravos, pois no inventário da morte de Micaela Dantas Pereira, ela deixa alguns escravos como herança à sua prole. Com isso, o inventário de Micaela Dantas Pereira nos leva a acreditar que a Fazenda Conceição tinha pelo menos a casa central, como já foi descrita acima, uma plantação próxima à fazenda para extrair o sustento dos moradores e alimentar o gado, o alojamento para abrigar os escravos e possíveis vaqueiros que viessem trabalhar para o fazendeiro Antônio de Azevedo Maia Júnior. LUGAR E CULTURA

Com o povoamento dos municípios pelos portugueses, houve também a proliferação da religião católica pelo Brasil, assim como novos costumes, crenças e valores foram sendo adaptados e misturados no cotidiano dos nativos que ali habitavam. Unzer Emiliano Macedo nos conta que “parte integrante do quadro religioso brasileiro, os indígenas tinham suas culturas e crenças antes do advento dos portugueses e do catolicismo nas terras brasileiras” (2008, p. 6). Com a vinda dos portugueses, deu-se início à construção de capelas, que serviam para suas orações e para o enterramento da população, sendo essa uma forma de implantar cada vez mais a religião católica nos nativos, catequizando-os. Essas formas eram possíveis porque os líderes católicos que vinham para o Brasil, tinham como intuito expandir sua religião além dos horizontes, mas isso só era possível quando eles primeiramente se socializavam com os habitantes da região. Inicialmente, os portugueses se fixavam nas regiões que iriam colonizar, posteriormente, construíam suas capelas. Em Jardim do Seridó, não foi diferente. A construção da primeira capela se deu pelo referido fundador da cidade, Antônio de Azevêdo Maia Júnior, por volta de 1790. É notória a importância da religião cristã, no imaginário brasileiro desde o período da colonização. Desde a chegada dos colonizadores europeus, aqueles que ocupavam suas terras, logo construíram capelas. Com seu altar e santos ia definido o símbolo da religião católica, religião que aliás faz 23

parte do imaginário jardinense desde o início da colonização, assim como suas práticas e formas de rezar, que foram sendo adquiridas desde o começo, sendo considerado um aspecto de integração entre as pessoas da região. A Fazenda Conceição, com o passar do tempo, foi aumentando sua população e, consequentemente, crescendo e se formando vila. Conta-nos Nilton de Azevedo, que foi criado na Câmara Municipal, na sessão do dia 25 de abril de 1863, uma postura que regulamentava a construção de casas e ruas, em Jardim. Com o crescimento da Vila Jardim, tiveram que ser criadas normas para que houvesse organização em sua estrutura. Desde o início as casas foram sendo construídas no entorno da Igreja Matriz “que foi o chamamento para os fazendeiros fazerem suas casas perto da mesma que oferecia alguns atos litúrgicos” (AZEVEDO, 1988, p. 147). Dá-se dessa forma, ao que indicam as fontes, o surgimento da urbanização em Jardim do Seridó, advindo de ideias das principais capitais do Brasil. A urbanização e a instalação de centros comerciais e melhorias sanitaristas eram as formas principais para dar início ao desenvolvimento de uma cidade. No início do século XX5, houve o desenvolvimento urbano de Jardim do Seridó de acordo com o novo regime político e social, tendo assim a construção de novos centros, prédios e casas ao redor da igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. Para Gois,

O contexto de destruição do passado colonial e da construção de espaços modernos em Recife ocorria na época em que Heráclio Pires freqüentava os bancos da Faculdade de Farmácia daquela cidade, sendo a experiência da modernidade também vivenciada por aquele jovem estudante jardinense. Passados os anos de formação acadêmica, Heráclio Pires retorna à sua cidade natal, trazendo na bagagem uma multiplicidade de influências por ele vivenciadas, nos planos artísticos, políticos, ideológicos e arquitetônicos que atingiram, em cheio, a cidade de Recife, no limiar do século XX (MELO

apud GOIS, 2012, p. 18).

Com isso a cidade foi se organizando e crescendo. No entanto, mesmo nesse período de desenvolvimento, ainda havia ausência de atendimento médico e muitas pessoas moravam nos sítios ou bairros um pouco distantes do centro. Quando era necessária a ajuda de alguém para a cura de uma doença, as pessoas recorriam aos rezadores ou rezadoras que faziam uma oração e benziam o enfermo para que houvesse

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Durante o período em que Heráclio Pires governou Jardim do Seridó, 1917 a 1930, a cidade teve seu desenvolvimento urbano, social e sanitarista, pois o mesmo trazia de Recife ideias de urbanização e desenvolvimento (GOIS, 2012, p. 76).

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a cura daquele mal. A confiança nesses rezadores se dava desde muito tempo, por costumes, crenças, na qual foram passadas por gerações. Mesmo se tratando de uma cidade pequena, Jardim do Seridó teve sua ausência de atendimento médico, uma vez que a demanda por esses atendimentos eram maiores e se davam, primeiramente, em uma casa de caridade como nos conta Nilton de Azevedo

Esta casa foi construída pelo Pe. Francisco Justino Pereira de Brito, primeiro Vigário da Paróquia, para funcionar como um hospital, conforme consta em seu testamento. Com o passar dos tempos, esta Casa serviu de abrigo aos doentes e pobres da comunidade, como também aos peregrinos que por ali passassem. Para estes fazia-se coletas de alimentos na comunidade (AZEVEDO, 1988, p. 148).

A construção da casa de atendimento médico se deu em 2 de março de 1903 e posterior a ela teve também a Casa dos Vicentinos, uma associação de São Vicente de Paula, que foi doada por Pedro Isidro de Medeiros (1988, p. 148). Ambas tinham como intuito cuidar de enfermos e alguns peregrinos. O atual hospital de Jardim do Seridó foi criado apenas na década de 1960. Entender esse desenvolvimento da cidade seus conjuntos urbanos e históricos é importante para ressaltar o estético social em que habitam desde muito tempo os rezadores (assim como os demais personagens que trataremos nesse livro) de Jardim do Seridó. Rever como era formada a atual cidade que estamos tratando é entender como se deu a criação das pessoas que aqui trataremos. Compreender o ambiente é também notar como se deu a construção do imaginário dessas pessoas, assim como sua cultura, costumes, crenças e valores religiosos, uma vez que a igreja desde sempre se encontrou entrelaçada com a região. Evaneide Maria de Mélo, que faz um estudo visual das paisagens urbanas de Jardim do Seridó, nos diz que

A paisagem é elemento de reflexão espacial, e como tal deve ser considerada em referência ao quadro cultura, inter-relacionada às dinâmicas culturais que a dimensiona. Na paisagem, integram-se orientações simbólicas ligadas ao universo religioso, às tradições e as heranças culturais. (...) A paisagem é uma construção social coletiva. Com forma, aparência e sentido” (MELO, 2009, p. 41).

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CAPÍTULO II NA FÉ, UMA ORAÇÃO: OS BENZEDEIROS DE JARDIM DO SERIDÓ Já é costume da gente, quando alguém está doente, chama logo o rezador. Se o cara tá moribundo, manda chamar Zé Raimundo Que é rezador diligente, a todo mundo socorre Quando reza o cara morre ou fica bom de repente. (Música: Rezador6; Composição: Braguinha Barroso)

Imagem 3: Seu Raimundo Rezador (Raimundo Rodrigues do Nascimento)- Rezador de Jardim do Seridó/RN, Fonte: Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 01 de set. de 2014.

A prática de reza está presente no Brasil desde os períodos nativos. Quem praticava as orações de cura, eram os indígenas, assim como os africanos vindos no período colonial. Era frequente, entre eles, fazer orações a deuses e seus ancestrais para que tivessem em troca a realização de algo ou a cura para algum mal. O dom da reza e o pedido de ajuda aos superiores espirituais, assim como a utilização de ervas naturais

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A letra da música supracitada não tem nenhuma associação originária com o rezador Raimundo, na qual entrevistamos, de Jardim do Seridó, sendo apenas uma escolha nossa para expor a letra e uma feliz coincidência por se tratar de dois Raimundos (o da letra da música e o benzedor que nos cedeu entrevista para o presente livro).

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(plantas medicinais), são heranças da aprendizagem passada oralmente para os demais rezadores. Dividiremos o capítulo em duas partes: a priori, falaremos sobre os rezadores 7 e como se dá essa prática e esse poder de oração, sua herança cultural e religiosa. Faremos isso com base em artigos que falam sobre oradores de outras regiões do Brasil. Posteriormente, daremos início ao discurso dos rezadores de Jardim do Seridó/RN, e uma análise nas falas desses cinco rezadores que foram entrevistados por mim e pelos alunos da Escola Municipal Professora Zélia Costa da Cunha. O intuito principal é resgatar esses conhecimentos de nossa região que estão se extinguindo, visto que eles ainda estão presentes, mesmo num tempo em que recorremos cada vez mais às tecnologias. Diferenciaremos também cada prática e em que consiste as mesmas. A PRÁTICA DE REZA

Desde o período colonial, portugueses, indígenas e africanos acreditavam que a doença era algo de magia má, que deveria ser curada através de orações ou pedidos a forças superiores. Sendo assim, o que seria rezado em uma doença, poderia ser aplicado em várias outras, no entanto, com o auxílio de ervas, cada doença tinha sua especificidade e oração. Com isso, acredita-se que os benzedeiros herdaram de um misto africano, indígena e europeu a habilidade de curar através da reza, já que não havia hospitais. Nesse cenário, as casas de caridade, fundadas através de irmandades e pessoas que tinham por livre e espontânea vontade, ajudar ao próximo era o socorro imediato aos que precisavam de ajuda. Segundo ArnoWehling e Maria José Wehling, “a assistência hospitalar na Colônia limita-se a algumas poucas unidades. Eram quase sempre hospitais militares, ou ligados às Santas Casas de Misericórdia” (1999, p. 272). Para o autor, não havia o consenso de que a saúde fosse obrigação do estado dai a inexistência de serviços dessa natureza. Como foi mencionado acima, havia casas de caridade em Jardim do Seridó, e posteriormente a isso, um hospital para tratar de doentes. No entanto, era comum as

“Rezadores”, “benzedeiros”, “benzedores” ou “curandeiro” vai ser a variação de termos que adquirimos para falar das pessoas que curam através da oração. Trataremos assim ambos os gêneros: homens e mulheres que praticam esse ato. 7

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pessoas recorrerem a rezadores e rezadoras para a cura de um mal ou de um enfermo, uma vez que atendimentos médicos eram mais difíceis e as pessoas acreditavam muito mais no poder da oração e na cura através de ervas e chás medicinais. Não se questiona a formação dos médicos que habitavam Jardim do Seridó, e mesmo eles já estando em atividade no meio do povo esses rezadeiros ainda eram o referencial para aqueles que estavam doentes ou que tinham familiares doentes. A aprendizagem dos médicos se dava por meio científico/acadêmico, já os rezadores aprendiam com vizinhos, familiares, conhecidos ou até mesmo com um desconhecido que queria “passar a reza 8” para eles. A religião cristã está presente no imaginário dos jardinenses desde o começo da colonização, assim como os saberes nativos e africanos que foram passados por gerações. Isso se dá porque a religião popular brasileira é sincrética9 desde o princípio, a crença popular que aqui se desenvolveu unia santos católicos, deuses indígenas e orixás africanos. Nesse aspecto em particular ArnoWehling e Maria José Wehling (1999 p. 249), enfatiza que apesar dos esforços empreendidos pela igreja, a população europeia trouxe para o Brasil práticas religiosas da igreja medieval com um forte teor místico que possibilitou a fusão de suas devoções e superstições a praticas assemelhadas das comunidades indígenas e negras e a formação de uma “catolicidade popular” mística, devota e supersticiosa. Os rezadores que nós entrevistamos se dizem católicos, muitas vezes não praticantes, por questões ligadas à saúde e à idade, que os impedem de frequentar a igreja e assistir às missas. Eles nos disseram que por essas questões ficam em casa e não podem ir à missa. Mesmo assim, eles têm fé em Deus e usam o nome de Jesus Cristo e a Virgem Maria em suas orações. Nesse sentido, podemos notar que a religião católica é a que se faz mais forte em seus hábitos de reza. O hábito de curar através de orações e rituais são bem mais antigos que se imagina. Um ritual de cura bem conhecido se chama “pajelança”, o qual consiste em Uma prática religiosa que reúne aspectos e elementos do catolicismo popular, das culturas indígenas e africanas e da chamada ‘medicina popular’. Um de seus princípios é a cura de doenças físicas e espirituais, baseada no tratamento do corpo com a utilização de ervas terapêuticas. O manejo dessas plantas transcende o valor de uso, posto que tais recursos possuem valor simbólicos e espiritual (MOTA; BASÍLIO, 2008, p. 1). “Passar a reza” é o hábito de passar o seu conhecimento sobre orações as práticas de como rezar para uma outra pessoa. Segundo os entrevistados, isso só é possível quando a pessoa já se encontra muito velha, sem ter mais capacidade de rezar. 9 Várias doutrinas diferentes fundidas em uma só. 8

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Essas formas de benzimento10 são práticas antigas utilizadas por várias culturas de diversas formas e crenças, e sempre contam com o auxilio de alguma forma da natureza, como ramos de plantas. O intuito é sempre trazer energias positivas, curar e proteger espiritualmente os seres de um possível mal. Essas práticas fazem parte de um sincretismo religioso, no qual, como já foi exposto, é o que compõe a religiosidade popular. A fé advinda de tempos, e a crença na cura através da oração, fazem parte do imaginário brasileiro desde os períodos nativos. A pajelança consiste em práticas religiosas de cura tanto espiritual quanto física na qual podemos identificar algumas semelhanças com a de nossos benzedores de Jardim do Seridó. O hábito de rezar com um galho de planta, as orações algumas vezes ditas em baixo tom e a recomendação de chás medicinais fazem parte do cotidiano do rezador. Mesmo depois de tanto tempo, notar essas utilizações é importante para compreender em que consiste a formações de nossos benzedores. Não se estar aqui dizendo que os rezadores de Jardim do Seridó praticam a pajelança, até porque no discurso eles são católicos e se reconhecem assim. O que pretendemos mostrar é o quanto essas práticas populares de benzeduras se assemelham à pajelança, no entanto, é importante destacar que a pajelança também contém, em seus rituais, transes e batuques, o que se diferencia das rezas aplicadas pelos benzedores de Jardim do Seridó, pois esses só utilizam ramos de plantas, agulhas, linhas e orações para a cura de um mal. O que pretendemos mostrar é a semelhança entre práticas religiosas para poder entender os benzedores. A aprendizagem desses benzedeiros e benzedeiras é possível através da oralidade, ou seja, seus domínios e orações são ensinados às pessoas por meio da fala. Os entrevistados chamam de “passar a reza” esse conhecimento do curar. Eles também nos dizem que só é possível passar a reza para o sexo oposto, mulher só pode passar para homem e vice-versa, caso contrário, quebra a corrente ou perde a força da reza. Há aqueles que acreditam que para rezar deve-se nascer com o dom da cura. A prática de reza entre nossos entrevistados começou através de uma necessidade do benzedeiro que passou a reza, ou daquele que aprendeu. Alguns que passaram a reza fizeram isso por motivo de idade avançada, que o impedia de continuar rezando; e os que aprenderam sozinhos fizeram isso por necessidade de cura entre as pessoas da família e afins, ou se via com o dom para isso. Essas práticas, como

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Ato de curar através da reza.

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observamos, não foram necessariamente passadas por familiares, mas, em sua maioria, por desconhecidos. Essas formas de propagação do conhecimento da reza são transmitidas através da fala, por ser assim a melhor maneira de ensinar as práticas de se rezar e, ocasionalmente, por se tratar de pessoas iletradas11. Essas práticas como citamos acima, foram passadas por conhecidos ou desconhecidos, não sendo, necessariamente, da família do rezador, no entanto, vale ressaltar que nem todos precisaram conviver com outros benzedeiros para adquirirem esse conhecimento. Como já foi dito, eles acreditam que para rezar e curar, é necessário ter um dom, nascer com ele, por esse motivo, para ser rezador não é necessário conviver com outros rezadores. Por acreditar nesse poder, ou dom de cura, os benzedeiros e benzedeiras entrevistados afirmam que não fazem cobrança alguma por seus trabalhos. Dizem que as curas vêm através da reza, da oração, e da fé. Declararam que quem cura é Deus através deles. Quando as pessoas insistem em pagar de alguma forma pela benzedura, os mesmos dizem que aceitam ajuda ofertada através de alimentos ou algo parecido. Não aceitam dinheiro, pois esta seria uma forma de usar o poder de Deus para adquirir proveito, o que não seria certo. Suas orações são ditas em voz baixa e só valem para aqueles que acreditam no poder delas. Desde o começo os mesmos afirmaram que o que cura é a fé em Deus, primeiramente, e a crença naquelas orações. O ato de rezar em baixo tom não foi explicado por eles, mas a maioria acredita que a oração, para valer, não precisa ser contada em voz alta, em contra partida a isso, alguns rezadores dizem que a oração deve sim ser ouvida por aqueles que são bentos, caso contrário, não teria efeito, soma-se a isso, a crendice de que o domínio da reza de um rezador por alguém do sexo oposto neutralizaria o poder dessa oração. Os rezadores de Jardim do Seridó, que entrevistamos, utilizam galhinhos de plantas para passar por cima da pessoa enquanto fazem a oração. As plantas variam para cada rezador. Uns dizem que pode ser qualquer galhinho que abençoa do mesmo jeito, outros disseram que tem que ser um específico, mas trataremos melhor desse assunto posteriormente. A respeito do motivo de utilizar as plantas para o acompanhamento das orações, os mesmos não nos informaram, no entanto, disseram que a planta ajuda na transmissão do poder da oração, trataremos posteriormente sobre esse assunto. 11

Iletrados são aqueles que não sabem ler e escrever, por isso transmitem seus conhecimentos através da fala.

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OS BENZEDEIROS DE JARDIM DO SERIDÓ/RN

Os benzedeiros de Jardim do Seridó/RN que entrevistamos, juntamente com os alunos da escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha, encontram-se no bairro Bela Vista, com exceção de Seu Raimundo Rezador (Raimundo Rodriguez do Nascimento), que mora no bairro Baixa da Beleza. COMO TUDO COMEÇOU - A APRENDIZAGEM

Os rezadores contam que suas aprendizagens, de orações, se deram através de histórias bonitas. Seu Raimundo Rezador (Raimundo Rodrigues do Nascimento) nos diz que aprendeu a rezar com uma mulher, sua avó, diz também que quem o botava para rezar era sua mãe12, fazendo-o rezar toda noite, antes de dormir. “E eu aprendi a rezar tinha meus 15 anos”, conta-nos seu Raimundo, e continua dizendo

Mas aí só comecei a rezar direito em 1984, porque apareceu uma senhora com uns 75 ano, disse que eu tinha que rezar e eu ia morrer num primeiro do mês13, rezando. Não. Aí disse que com três dia eu achava uma cruzinha e outro objeto e “gostado” aí começasse a rezar. Com três “dia” eu ia pra casa de “Pedrim”. Nesse tempo num tinha aquela padaria não, achei a cruz e o outro objeto. Aí cheguei na casa de uma senhora, aí uma mulher disse: Rapaz, minha bichinha14 tá muito doentinha, vamos rezar nela? No outro dia amanheceu boazinha. Aí continuei a rezar. Até hoje (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014).

Seu Raimundo reside em Jardim do Seridó, como já foi dito, no bairro Baixa da Beleza, onde é frequentemente procurado pelos moradores da cidade e da região. Natural do Sítio Catururé, situado no mesmo município, se diz católico não praticante, “eu ia muito, mas aí diminui mais porque depois que a gente fica velho, fica cansado né?!” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Seus santos de devoção são: Nossa Senhora do Desterro e Nossa Senhora Aparecida.

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Aqui entendemos sua fala como: rezar para si e não para curar ou benzer os outros. Coincidentemente, foi dia 1º de setembro de 2014 que nossa entrevista foi realizada com o mesmo. 14 “Minha bichinha”, nesse caso, é uma forma carinhosa de chamar uma menina ou mulher. 13

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Imagem 4: Seu Raimundo (Raimundo Rodrigues do Nascimento)- Rezador de Jardim do Seridó/RN, Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 01 de set. de 2014

Pelo que entendemos, Seu Raimundo aprendeu a rezar em pessoas, sozinho, após uma “visão” de uma senhora desconhecida15 na qual ela o dizia que o mesmo iria começar a rezar após encontrar dois objetos, sendo esses: uma cruz e uma medalhinha com a imagem de uma santa ou um santo muito desgastada.

Imagem 5: Objetos encontrados por Raimundo Rezador Fonte: Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 01 de set. de 2014

Quando perguntamos quem seria essa mulher, ele nos respondeu: “conhecia não, mas era uma pessoa, assim, de uns 75 ano. Num vou dizer que era coisa (ele quis dizer alma ou espírito), que eu não vi direito né?! Aí quando foi no derradeiro de outubro do ano passado pra entrar o mês de novembro ela tornou a vim. Eu perguntei o que era que ela queria três vez, ela calada, aí eu: quem pode mais do que Deus? Ela disse: ‘Ninguém’. Aí eu disse: Apois diga o que é. Ela disse: ‘Vim dizer que você vai morrer num primeiro do mês’. Eu disse: Pronto, é amanhã, que já é primeiro do mês” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). 15

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Sobre esses objetos, perguntamos se ele sempre andava com eles, e este nos respondeu: “direto; só quando eu morrer sai do meu bolso e vai comigo lá pro cemitério. Se eu perder, endoideço. Quando eu tiro isso aí do bolso, já tô vendo a melhora, graças a Deus!” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). A primeira reza se deu através da necessidade de uma pessoa doente. O mesmo nos disse que sua prática de curar através das orações “é de família16”. Quando perguntamos se ele conviveu com rezadores, ele nos responde: “só o povo da minha família mesmo. Era bisavó, minha avó, minha mãe, oito tia, oito tio... tudo rezava” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Dentre mais sete irmãos, tendo morrido seis e restado apenas ele e uma irmã, só Seu Raimundo é quem exerce, atualmente, a prática de rezar nas pessoas. Seu Evaristo Rezador (Evaristo Euzébio de Araújo, 72 anos), como é muito conhecido pela população, reside no bairro Bela Vista, é devoto de São Francisco e se diz católico fervoroso, por acreditar muito em Deus.

Imagem 6: Evaristo Rezador em sua residência cedendo entrevista para os alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 21 de ago. de 2014

Ao perguntarmos ao Seu Evaristo se ele já conviveu ou conhecia outros rezadores, quando novo, o mesmo nos responde: Conhecia. Quando mãe era do tamanho desses meninos, você mesmo (aponta para as crianças que estão a sua frente, e para o que está ao seu lado, como mostra a imagem acima), uma vez ela mandava a gente pra uma rezadeira, 16

O que quer dizer que outras pessoas de sua família também rezam.

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rezar, lá no sítio, aí quando ela começava a rezar, pelo menos eu, prestava atenção porque tinha vontade de ser rezador, de ser curador, prestava atenção e ia sempre aprendendo aquelas reza que ela tava rezando. E com isso aprendi (risos) (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014).

Seu Evaristo diz que aprendeu a rezar olhando a sua mãe, desde muito novo, no entanto, só começou a rezar em pessoas somente aos 60 anos. Sua convivência atualmente com outros rezadores também é frequente. Como no dia em que fomos entrevistá-lo, ele estava doente do braço, o mesmo nos disse que tinha ido à casa de Seu Raimundo Rezador para que este o rezasse: “sim, eu ontem tive lá em Seu Raimundo que ele foi rezar nesse meu braço da queda. Aí, eu fui pra ele me rezar, sabe?! Pra ele coser porque eu não podia coser, e ele coseu muito bem e hoje eu tô bem melhor, graças a Deus!” (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). D. Marluce (Maria de Azevedo Dias, 68 anos), rezadora que reside no bairro Bela Vista, se diz católica fervorosa: “eu não perco nada na Igreja. É quinta, segunda, domingo... Isso aí é indispensável. Se eu pudesse morar lá, eu ficava lá, num saía... (risos)” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014).

Imagem 7: Na imagem, D. Marluce, rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 28 de ago. de 2014

Devota de Nossa Senhora Aparecida, D. Marluce nos diz que conviveu com outros rezadores quando jovem

Quando eu tinha uns 25 anos, em Minas Gerais. Um senhor de 80 anos. Ele era rezador profissional. Eu vim embora aqui pra o Norte aí eu disse: Sebastião Faria, o senhor faz questão de me ensinar essas reza? Ele disse:

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“Não. Vou ensinar umas reza pra olhado, pra vento caído, de engasgo e rezar, assim, em animais” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014).

D. Marluce nos conta que a princípio não teve muita fé no que foi ensinado, mesmo partindo da mesma a vontade de aprender as orações, até que um dia foi necessário pôr em prática seus conhecimentos e sua fé, rezando em alguém que necessitasse: “aí eu não dei crença (ela diz isso referente à crença no que foi ensinado para curar). Eu queria... Eu ensinei (quis dizer “aprendi”), mas não dei crença. Aí Boneca, uma vez, ficou muito doente, nós morava num sítio deserto, aí eu fui, criei aquela fé e rezei. No outro dia ela amanheceu boazinha, aí pronto” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). Desde então, D. Marluce não deixa mais o ofício de rezadora. Ao contrário de D. Marluce, que teve vontade de aprender a rezar em pessoas, D. Inês (Inês Azevedo dos Santos, 65 anos), rezadora residente no bairro Bela Vista, contou-nos que sua aprendizagem para ser rezadora se deu de certa forma, inesperada.

Imagem 8: Na imagem, D. Inês rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 27 de ago. de 2014

Católica e muito crente em Deus, D. Inês é devota de Nossa Senhora da Conceição. A mesma nos conta como se deu sua primeira experiência com a reza e quem ensinou as práticas:

Um ceguinho foi quem me ensinou, foi um ceguinho. Tinha 19 anos quando ele me ensinou, era bem novinho ele, tinha uns 21 anos. Eu não sei de onde era não, ele tava lá no hotel, naquele hotel que era antigamente sabe? Aí, eu e as meninas fomos lá... era muita gente lá, aí eu cheguei lá, era ele (o ceguinho

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rezando). Aí ele foi me chamou (inesperadamente) e me ensinou a rezar. Ele tava lá pedindo auxílio (ajuda) sabe? Eu fui, dei uma pratinha a ele, aí ele foi me chamou lá dentro. Ele me chamou dentro de um quarto, eu tava até com medo porque era uma pessoa desconhecida chamar a pessoa dentro de um quarto né? Aí lá ele disse: “minha filha vou lhe ensinar essas orações, você vai aprender para sempre essas orações”. Eu disse :“nam, nam, num aprendo não que eu num sei, eu sou muito atrasada. Ele disse: “aprende”, aí ele me ensinou três vezes, me deu a oração, me ensinou três vezes eu aprendi, até hoje... ele me chamava minha filha, me chamou minha filha. Ele era cego que os olhos dele era estufado, eu acho que ele tinha uma luz muito grande, n’era? Eu acho que ele foi mandado por Deus aquele ceguim, eu acho. É, porque um milagre daquele né? Aí até hoje quando eu morrer ainda quero ficar rezando lá onde eu tiver, se Deus quiser (D. Inês. 27 de ago. de 2014 ).

Como já foi citado, os rezadores praticam esse ato até verem que não podem mais, seja por motivos de doença ou velhice. Seu Raimundo nos diz que só para de rezar quando morrer, pois o mesmo acredita que o que o faz rezar e curar as pessoas é um dom que nasceu com o mesmo, e explica que a importância de ser rezador é “ter muita fé em Deus e... rezar com fé em Deus. Porque rezando sem ter fé... É mesmo que não rezar em nada” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014), e ressalta que não cobra por reza, mas que aceita ajuda às vezes, sendo essas através de alimentos ou algo parecido. Não aceita dinheiro. Diz também que vez por outra nem gosta de aceitar essas ajudas, pois rezar é um dom e não deve ser cobrado: “porque eu num tenho fé, a pessoa rezar cobrando ou pedindo as coisa não” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Ele diz que é uma felicidade rezar e ver que alcançou a graça, assim como também nos disse que muita coisa mudou em sua vida, hoje ele é mais feliz. Assim como Seu Raimundo, Seu Evaristo nos diz que rezar, para ele, é um dom e que fica feliz por ver o paciente feliz e curado. Para ele, o pagamento se dá através do agradecimento. Não aceita dinheiro. Para D. Marluce, rezar é “pra quem tem fé. Se tiver fé, cura; mas se não tiver, é perdido”, e ressalta falando sobre a reza que é cobrada: “por dinheiro não tem valor. Reza que disser: ‘É tanto!’ Aí você já sabe que não serviu de nada a reza. Reza é aquela que Deus deu que não precisa de pagamento. Pagamento já não serve, não valeu nada” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). Assim como D. Marluce, D. Inês nos deixou bem claro que muitos rezadores fazem isso por dinheiro, no entanto, a mesma reza de graça: “reza por dinheiro (falou de rezadores que a mesma conheceu). Só eu que rezo de graça” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). Os rezadores que entrevistamos, acreditam que a reza deve ser feita por vontade, fé e não por cobrança. Os mesmos creem que para rezar deve ter um dom vindo deles, um dom espiritual, e, não deve se tirar proveito financeiro disto. Ao fazer uma cobrança

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de dinheiro a um cliente, o rezador estaria fazendo mau proveito de seu dom, que seria errado, pois este dom foi presenteado por Deus para ajudar ao próximo. Quando perguntamos mais uma vez se D. Inês rezava por dinheiro, ela nos respondeu: Rezo não, agora a maioria das pessoas me dar alguma coisinha, porque por certo tem consciência, né?! Que ficou boa, tem o prazer e sempre me dar, porque o rezador que me ensinou disse a mim que eu num cobrasse nada de ninguém, nem rezasse em gente tando bebendo, sabe?! Agora se quem tiver a consciência e quiser me dar e eu receber... se eu recebesse algum dinheiro, era pra comprar alguma coisa de comer (D. Inês. 27 de ago. de 2014).

Sobre esse dom e o trabalho gratuito atribuído pelos rezadores, Francimário Vito dos Santos, que trabalhou os rezadores de Cruzeta, baseado nos escritos de Quintana, nos diz, que:

Uma cobrança por parte da benzedeira viria a manchar, a sujar tanto o trabalho realizado como a imagem de quem o realiza. Ao colocar um preço e vender os seus serviços, ela estaria deixando de ter as qualidades de bondade e pureza, as quais lhe possibilita sustentar um lugar especial em manter o dom (QUINTANA apud SANTOS, 2007, p. 110).

Os clientes que levam presentes para seus rezadores fazem isso porque acreditam que ficam em dívida, de alguma forma, por aqueles que os tratam tão bem e ainda, assim, curam. É a política de trocas: faz por mim, que eu faço por ti. Sobre essa troca de favores, Francimário Vito dos Santos nos diz que “a obrigação de dar e retribuir elementos cruciais da dádiva estão nitidamente presentes no processo da benzeção, tanto por parte da rezadeira, quanto por parte da clientela” (2007, p. 111). Dessa forma, pudemos notar que os pagamentos oferecidos para os rezadores, que entrevistamos, sempre aparecem em forma de um presente, ou de uma caridade ofertada humildemente por aquele que foi curado.

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A REZA MILAGROSA

Como foi exposto, os rezadores não cobram pelo trabalho, porque acreditam que o que fazem é por meio de um dom cedido por Deus. Ainda assim, para que a reza seja conhecida, devem haver os “milagres populares”, males que foram curados através de rezas. Pessoas doentes que acreditam ficar boas apenas com rezas são as que mais procuram esses rezadores. Além disso, há aqueles que os julgam mal, pois não acreditam nesse dom ou na sua religião, os vê-los de forma pecaminosa (pecadora). Sobre a reza milagrosa, perguntamos à D. Inês se alguém já falou que a reza dela era milagrosa e ela nos diz: “já acham que eu rezo muito bem” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). Esta nos contou que para rezar, deve ter o dom da bondade e também ser muito forte (força espiritual). Ela nos conta: “rezar num é todo mundo, pra todo mundo não. Rezar tem que precisar saber rezar, né?! Precisa ter muita fé em Deus e muita coragem pra rezar porque tem muita gente perigosa (no sentido de ser carregada com energias negativas) que a pessoa reza viu. Tem gente que se manifesta, desmaia, tudo tem” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). Ao perguntarmos se já houve casos de manifesto por parte da pessoa que D. Inês estava rezando, ela nos conta: “já passei por duas, que as minhas orações é muito forte, eu acho que elas (a respeito do poder bom das orações) tão carregada de alguma coisa, sabe? Aí por certo encosta alguma coisa, aí elas (as pessoas que possivelmente estejam carregadas de algum mal) cai, quer se manifestar, quer bater na pessoa, mas num bate não porque Deus num quer” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). Em conversa com seu Raimundo, quando perguntamos a ele se alguém já havia chamado sua reza de milagrosa, o mesmo nos responde: “muitas, num foi só uma não, foi muitas já” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Mesmo sendo tida como milagrosa a sua reza, seu Raimundo nos diz que sempre recomenda a ida ao médico para que seja feita uma revisão do que possa ser a doença. Ele nos fala sobre um caso com uma criança que foi levada pelo pai, em sua residência, para que fosse curada através da reza:

Pronto aquele fi de Seu Agripino, chegou aqui era doze e meia da noite com a menina escangotada17 aqui. Aí pediu desculpa, disse: “desculpa eu vim aqui numa hora dessa”; Eu digo: Pode entrar! Ele entrou, eu rezei na menina, e disse: Agora vá daqui pro hospital que essa menina tá muito doente. Era com um olhado, escangotada e roncando. Ele disse: “Ela num tinha olhado?”; Eu

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Com má expressão, acabado.

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disse: Tem! (O pai da menina disse:) “Apois eu num vou não”. (Seu Raimundo disse:) Rapaz, vá que é mió! (O pai da menina disse:) “Vou não!”. No outro dia quando chegou, a menina foi quem desceu primeiro do carro e entrou correndo aqui pra dentro de casa, boazinha, graças a Deus (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014).

Em entrevista, perguntamos o mesmo para D. Marluce, se já comentaram que a reza dela era milagrosa, esta nos respondeu: “milagrosa (balança a cabeça afirmativamente)! Pergunte a Maurílio (seu marido), pergunte a muitas pessoas. Têm tanta fé que às vezes manda rezar, eu nem rezo, chega aqui e diz que ficou boa” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). Além disso, D. Marluce sempre reza para seus familiares, como nos conta: “Jubiam (seu filho) nunca desemprega, ele não fica desempregado... Se ele passar um dia desempregado, eu rezo tanto que ele desemprega hoje, amanhã já tem quatro, cinco trabalho. Tá vendo como eu tenho fé?!” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). O que podemos notar é a fé que parte dos rezadores e de quem os procura. Seu Evaristo diz que a melhor forma de pagamento é quando a pessoa que estava doente, passa em sua casa e deixa a notícia que ficou boa. Os resultados são mostrados pelas pessoas que ficaram curadas e não apenas pelos rezadores. Isso é o que faz deles, pessoas conhecidas e abençoadas. Seu Evaristo nos disse que descobre quem está com encosto, quebrante, mauolhado e até catimbó ou bruxaria. Ao perguntarmos se apareceu alguém com encosto, e se ele sente isso, o mesmo nos respondeu:

Ah, já chegou duas aqui... (risos). Já chegou duas pessoa aqui braba. Sinto, porque vem em cima da gente. Porque quando as pessoa chega... que nem veio uma mocinha como você (aponta para uma aluna), uma jovem assim, chegou com um encosto de um padre, braba, virada num cisco, num queria nem entrar dentro de casa. Aí eu disse: entre com os poder de Deus que Deus vai lhe curar. Aí, ela, a madrinha dela e a mãe dela entrou com ela e sentou mesmo aí (aponta para o sofá que está a sua frente). Aí, ela braba, virada num cisco. Quando eu rezei ela muitas vezes, eu perguntei: quem que pode mais do que Deus? Aí elas disseram: ‘ninguém!’. Até ela mesma respondeu. Aí eu perguntei mais duas vez. (Ela respondeu:) ‘Ninguém!’. Pronto, ela ficou boazinha. Eu mandei o espírito ir pros Reino dos Céus, conversar com Deus (Risos) (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014).

Podemos observar que Seu Evaristo, ao me rezar18, começou a suar e respirar fundo. Ao final da reza, perguntei o que se passava com ele e este respondeu que tudo de ruim que está na pessoa, vai para o rezador. Mesmo assim, para eles é uma graça de Deus ser rezador e praticar este ato.

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Não podemos gravar o momento da reza, pois este não nos autorizou.

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AS REZAS, OS LUGARES DE REZA E OS OBJETOS QUE OS ACOMPANHAM

A fé cura muitas coisas. Seu Raimundo nos falou que reza por telefone, reza em foto e em objetos da pessoa que pediu a reza: “rezo, rezo em tudo” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Para completar, contou-nos uma história de uma pessoa que pediu para ser rezada por telefone: “aqui mesmo tem um nome de uma pessoa que mandou da Bahia. Mandou o endereço pra eu rezar nela, por telefone pelo pai dela e ele veio me trazer... pra eu rezar nela daqui pra Bahia. E outra é no Pará” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). O importante é que seja feita a reza, que seja feita com fé para que esta graça possa ser alcançada. As pessoas procuram os rezadores por diversos motivos, sejam eles: olhado/quebranto19, engasgo, dor, moleza corporal, fadiga, sono frequente, encosto, membro desmentido20, objeto ou dinheiro perdido. A respeito desse ultimo componente, seu Evaristo nos diz: “se for celular ou dinheiro perdido, num aparece mais não (risos)” (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). Perguntamos: “e corrente (no caso, corrente de ouro, que quando desaparece, as pessoas tem mania de ir a rezador para que o objeto seja encontrado)?”, Seu Evaristo foi sincero a nos dizer: “também num entregam não! (risos) Eu digo logo: num adianta nem rezar que num entregam não (risos)” (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). Ao contrário de Seu Evaristo, Seu Raimundo nos diz que reza para objetos perdidos: “Ave Maria” quando a pessoa, às vezes pede pra rezar pra um troço (objeto) que tá perdido, alguma coisa, eu rezo. Quando dá fé21 chega aqui (dizendo) que achou” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Na casa dos rezadeiros sempre tem uma árvore na frente, ou alguma planta de pequeno porte. Todos que entrevistamos tinham uma espécie diferente planta em frente à residência, para arrancar um galhinho e rezar com ele em mãos, passando por cima do cliente. Além da planta, também pode ser usado outros objetos. Para o auxílio de suas orações, Seu Raimundo utiliza a agulha, o ramo de planta ou um cordão. Depende para que é a oração. Seu Raimundo nos conta a respeito da planta utilizada: “todo ramo é bom, mas o que eu acho mió é o manjericão e o pinhão roxo” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Seu Evaristo utiliza matinho verde aqui “S.m. Feitiço, quebranto, doença oriunda do olhar de algumas pessoas e que consiste na perda da saúde ou que leva à morte de alguém ou algum animal; o mesmo que mau-olhado” (dicionário online de 19

português. Disponível em: http://www.dicio.com.br/olhado/. Acessado em 24 nov. 2014. 20 Termo popular que significa nervo torcido. 21 “Dá fé” significa “quando menos se espera” ou “de repente”.

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do ninho (árvore que se encontra em frente a sua casa). Ele diz “quando tinha manjericão, era manjericão. Pinhão roxo é bom também” (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). D. Marluce nos diz: uso “Pinhão Manso, né?! (Risos). O povo dá valor, né?!” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). Perguntamos o porquê de ela utilizar essa planta, a mesma nos respondeu: “num sei por quê. Num sei por quê é, mas o Pinhão Manso se tiver alguma coisa ele murcha, se não tiver fica normal” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). Já D. Inês diz que usa porque sem o auxílio da planta, a reza não serve: “de que serve a gente rezar com os dedos se não tiver a planta?! Deus só deixou pra pessoa rezar com o raminho verde né?! Com o raminho, com a galhinha...” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). Sobre ver a doença da pessoa através da planta, D. Inês completa dizendo: “a planta murcha, ela cai um lado da planta, tem vez que é duas, tem vez que é uma. Só sei se foi homem ou mulher (a pessoa que botou o olhado), agora só não sei dizer o nome da pessoa, porque é muita gente, né?! É muita gente que entra dentro da sua casa, né?!” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). Esse uso de plantas em rezas e benzeduras é explicado por Albuquerque (apud OLIVEIRA; TROVÃO, 2009, p. 246) de forma que a planta seria entendida como um vegetal no qual auxilia na ação terapêutica e nos processos ritualísticos da reza desde muito tempo, através de tradições nativas. Acredita-se que o ritual de benzedura só começa após o contato com o galho de planta. Sobre objetos usados no auxílio para as orações, perguntamos a Seu Raimundo se ele fazia uso da agulha e para que ela servia, e o mesmo nos respondeu que sim e sua utilidade servia “pra coser o pé tando dermitido ou o braço... Coser...”. Perguntamos o porquê da escolha da agulha e ele só respondeu: “já vem do princípio do mundo coser com a linha e a aguia” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Ou seja, é uma tradição entre os rezadores que se mantêm desde muito tempo, não sabendo o tempo exato e nem o porquê dessa escolha. Assim como a agulha servia para coser o pé, perguntamos se ele utilizava o cordão para medir arca caída22 e o mesmo respondeu que sim, mas também não nos explicou o motivo dessa escolha e nem quando surgiu essa tradição. D. Marluce e Seu Evaristo também não souberam nos informar o porquê de utilizar a agulha para rezar em membro desmentido, no entanto eles afirmaram que a agulha só é usada para este fim (coser pé desmentido).

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Popularmente conhecido como “arca caída”, “espinhela caída” ou “peito aberto”, é o mesmo que dor nas costas, no estômago ou no tórax.

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Segundo D. Inês, a agulha é utilizada “porque ali, no que tá cosendo aquela linha, tá cosendo as carnes que tão aberta, que tão estragada, sabe?! Ali vai cosendo e ali vai cicatrizando” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). No entanto, essa prática de usar agulha em reza só serve para curar pé desmentido. Sobre o local de reza, Seu Raimundo atua na calçada de sua casa. Antes ele fazia suas orações na sala de estar de sua residência, mas, os clientes foram aumentando e o mesmo passou a fazer suas orações na calçada. Ele faz as orações e prefere não recomendar mais nada além de uma revisão médica, quando o caso se mostra um pouco mais grave, pois acredita que a reza é suficiente. Diz Seu Raimundo: “não, num passo nada não que eu tem medo” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Por rezar de tudo um pouco, Seu Raimundo é muito conhecido na cidade e além dela, na região. Hoje em dia, sua clientela aumenta porque essa prática de curandeiros, rezadeiros está se extinguindo. O mesmo nos diz que atualmente são poucos aqueles que ainda rezam para a cura, pois “hoje ninguém quer aprender mais não” continua dizendo que o motivo se dá “porque muita gente vai se afastando das igreja” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014) assim como perdendo a fé em Deus. Seu Raimundo nos contou que há pessoas que foram em sua residência atrás de reza, porém estas não tinham fé, sendo assim, não servia. Quando podem, os rezadores vão à casa da pessoa enferma para fazer o ritual de reza. O local de reza, na maioria das vezes, acontece na casa do rezador, que é acompanhado por imagens de santos. Com exceção de Seu Raimundo, esse local de reza dos demais entrevistados se dá na sala de estar de suas casas. Ao que pudemos observar, suas casas têm, pelo menos, a imagem de um santo. Seu Evaristo nos fala a respeito do seu local de reza: “é aqui na sala mesmo. Se você tivesse um lugar fora de casa, era muito bom pra gente rezar, assim afasta porque num vinha tanto dentro de casa, né?! Porque a gente quando tá rezando, aquilo (a respeito do mal que está na pessoa rezada) sai pra fora, num fica aqui dentro de casa, nem na pessoa, nem na gente (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). D. Marluce nos diz: “às vezes as pessoas chamam, que num podia vir aqui, aí eu vou lá” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014). D. Inês respondeu o mesmo quando perguntamos se o local de reza se dava apenas em sua casa: “não, eu vou.., eu rezo aqui, rezo nas casas, quando o povo não pode vim, ai eu vou lá. Pode ser em qualquer canto, no meio da rua, na igreja, todo canto se a pessoa precisar eu saio e rezo” (D. Inês. 27 de ago. de 2014).

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ENTRE OUTROS FATORES, O PRECONCEITO.

Sobre outros fatores, Seu Raimundo nos conta que além de curar através da oração, também descobre o guia23 espiritual das pessoas: “nossa Senhora da Guia é meu guia. E a muita gente eu digo: seu guia é Santo fulano, e é mesmo na certa! Na hora que eu tô rezando, eu sei” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Sendo assim, podemos notar o fator espiritual que se faz presente em suas práticas: a crença no guia espiritual de cada um que por ali passa, como a descoberta deste. Seu Evaristo, em uma conversa informal24, disse-nos que consegue descobrir se a pessoa que está sendo rezada tem catimbó, macumba ou qualquer tipo de trabalho que se possa ser considerado maligno, ou que de alguma forma prejudique aquela pessoa. A respeito desses dons e acontecimentos que vão acompanhados das rezas, nossos entrevistados têm história para nos contar. Perguntamos a eles se já sofreram algum preconceito, ou se ainda sofriam. O que podemos notar é que esses preconceitos partem na maioria das vezes de pessoas evangélicas, na qual acreditam que essas práticas de reza são profanas25, e não sagradas. Partindo disto, Seu Raimundo nos respondeu que sofria preconceito por parte do vizinho, evangélico: “por esse daí (aponta para a casa do vizinho, ao lado). Porque tem hora que ele diz que Nossa Senhora é feita de barro, é feita de pedra. Quem reza é mentindo, levantando falso do povo, num sabe de nada, quem cura é eles” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Seu Evaristo nos explica que essa discriminação se dá porque algumas pessoas entendem mal a prática de reza: “porque tem muitas outras religiões que às vezes faz crítica da gente que reza. Quando vê um rezador, chama a gente de catimbozeiro, a gente não é catimbozeiro, a gente é curandeiro, pra curar as pessoa que tá doente. Num é?! Já tive debate com os pastor, pastor evangélico, lá na Rajada” (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). D. Marluce também fala sobre como ela entende o ponto de vista das outras religiões que entendem mal a prática de reza: “eu acho que é porque eles acham que existe dois deus, mas só existe um deus. E Deus é tudo!” (D. Marluce. 28 de ago. de 2014).

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Protetor espiritual, na qual pode ser um santo, um anjo ou arcanjo. Isso se deu após a entrevista que fizemos com o mesmo para o Projeto Mais Cultura nas Escolas. Notamos que os entrevistados se sentem mais a vontade para conversar sem saber que suas palavras estão sendo gravadas. Apesar de não ter gravado essa passagem da nossa conversa, ele nos deu a permissão para que se possa botar no livro essa informação. 25 Segundo o dicionário Aurélio, significa “oposto ao respeito devido ao que é sagrado”. 24

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Além de haver preconceito por parte de outras religiões, também notamos que há discórdia entre alguns rezadores (não foi o caso dos que citamos nesse livro). Os rezadores que entrevistamos falaram de forma ofensiva sobre uma rezadora de Jardim do Seridó, mas não achamos adequado citar o nome da mesma. D. Inês nos conta que já sofreu preconceito e discriminação por parte de alguns rezadores:

Os rezadores gostam muito de me rezar não (risos). Porque acho que as minhas orações é muito forte, aí a deles num é, ai eles ... Aquela Alice num é rezadora? Alice disse a uma mulher acolá que eu não sabia rezar, não sabia nem fazer o Pelo Sinal26. Aí eu disse: “pois eu vou fazer um negocio com ela”. Deus me perdoe, por caridade, que eu sou rezadora. Eu vou dizer que to com dor de cabeça e vou pra ela me curar; quando cheguei lá, eu disse: “Alice, eu quero que você me reze, que eu to com uma dor de cabeça, mas vamos fazer um negócio: eu rezo primeiramente em você, depois você reza em mim.” Quando eu comecei a rezar a oração da Beata Mocinha, ela “poff!” no chão. Aí ela num rezou em mim, nem rezou nada, porque ela fez pouco de mim, disse que eu não sabia nem o Pelo Sinal (D. Inês. 27 de ago. de 2014).

Sobre transmitir os conhecimentos de rezador, os nossos entrevistados disseram que só farão isso quando estiverem próximo a morrer, e ressaltam que só poderá ensinar para uma pessoa do sexo oposto, caso contrário, a força se perde. A respeito disso, Seu Raimundo nos falou: “muita gente pediu pra ensinar, mas num é todo mundo que tem dom não. Quando eu ver que tô bem pertim de viajar (morrer) eu ensino. Ensino. Eu mando copiar as oração que eu sei todinha aí faço a pessoa aprender” (Raimundo Rezador. 1 de set. de 2014). Nessa hora ele nos mostra as orações que tem por escrito.

Imagem 9: Orações escritas de Raimundo Rezador. 26

Pelo Sinal da Santa Cruz (oração).

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Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 01 de set. de 2014

Ao contrário de Seu Raimundo, D. Inês nos diz que seus conhecimentos de reza não podem ser passados para outra pessoa: “a minha reza num pode passar pra ninguém, ele (o ceguinho que ensinou D. Inês rezar) pediu pra mim que não podia passar pra ninguém, que eu não passasse ela pra ninguém, porque quebrava as forças da reza” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). Com isso, perguntamos se a sua reza ia ser perdida e ela nos respondeu que não, a reza ia ser levada com ela para o reino dos céus, porque suas orações eram muito fortes: “fica vogando lá onde eu tiver, se Deus quiser. Minhas orações são orações muito fortes, é uma oração muito diferente da deles, de todos” (D. Inês. 27 de ago. de 2014). Seu Evaristo também nos diz que passará a reza para alguém, mas que esse alguém seja do sexo feminino e ele tem que sentir que essa pessoa tem o dom da reza. Seu Evaristo nos diz: “a pessoa que quiser, que trouxer o dom de aprender a rezar... Sendo mulher, homem não. Homem não pode ensinar pra homem não, porque se um homem ensinar pra outro homem, perde o efeito” (Evaristo Rezador. 21 de ago. de 2014). Assim como Seu Evaristo, D. Marluce nos diz que só pode passar sua reza para o sexo oposto (um homem) e isso fará quando estiver com mais idade e não puder rezar. Em meio a tudo isso, podemos notar a presença de superstições, crendices e fé que fazem parte desse profano que se permanece no popular sagrado, assim como toda essa mistura, na qual já citamos sobre o sincrético sempre atual em práticas religiosas populares. Por fim, conhecer a prática de reza que ainda se mantém viva entre os rezadores de Jardim do Seridó, é compreender um pouco sobre a religiosidade popular, suas práticas e a fé que gira em torno dessas pessoas e quem as procura. Partindo dessa ótica, entendemos que o raminho da planta que dá início ao ritual, a oração que cura, a calçada, a sala de estar, o beco, a cozinha, enfim, as partes da casa desses benzedeiros são palcos de bênçãos e curas para aqueles que acreditam e têm fé.

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CAPÍTULO III A LUZ DA VIDA: PARTEIRAS DE JARDIM DO SERIDÓ/RN E O TRABALHO DE PARTO Monte na bestinha melada e risque. Vá ligeiro buscar Samarica parteira que Juvita já tá com dô de menino (Música: Samarica Parteira/ Composição: Luiz Gonzaga)

Imagem 10: Imagem27 que retrata os cuidados após o trabalho de parto.

Como citamos no capítulo anterior, Jardim do Seridó/RN sempre foi uma cidade pequena com suas povoações e seus sítios distintos. A prática da reza é muito antiga, e servia para ajudar no tratamento de doenças tanto espirituais, quanto físicas. Assim como a prática de benzedura, os trabalhos de partos naturais também são antigos. Não se sabe ao certo onde e quando começou essa prática, pois de certa forma, é um ato antigo que acompanha a humanidade. O trabalho de partejar28 é tão antigo quanto os primeiros partos que se deram. Como podemos observar no trecho da música de Luiz Gonzaga, as parteiras iam atender na casa das mulheres, e, quem mandava buscar era o próprio marido, assim que dava início às contrações do parto. Devido às distâncias, as pessoas buscavam as 27

Imagem tirada no link disponível em: http://www.revistafapematciencia.org/noticias/noticia.asp?id=139 , Acessado em: 02/12/2014. 28 Servir de parteiro ou parteira.

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parteiras em animal de montar ou até mesmo a pé. O horário pouco importava, ou o que essas parteiras estavam fazendo. O importante mesmo é que elas largassem o que estavam fazendo e atendessem ao chamado das mulheres que estavam em trabalho de parto. Os trabalhos de parto, assim como a cura através da benzedura (como mostramos no primeiro capítulo deste livro), eram espécies de rituais seguidos por pessoas nas quais tinham fé e acreditavam ter nascido para este dever. Todas as pessoas entrevistadas, para produzir este capítulo, falam das parteiras de Jardim do Seridó como pessoas bondosas, caprichosas em seus atos e, acima de tudo, caridosas para lidar com isso. Achamos importante resgatar a memória dessas parteiras, pois as mesmas eram grandes mulheres que ficaram conhecidas pelos seus atos de bondade para com a população. Mulheres de grande importância que devem ser eternizadas neste livro, pelos inúmeros recém-nascidos que foram postos no mundo pelas mãos delas e para que as demais gerações saibam a importância que essas mulheres tiveram para Jardim do Seridó e sua população numa época em que a saúde era uma preocupação do próprio doente e sua família. É certo que o poder público em jardim já começava a assumir alguns aspectos desse serviço, mas parte da população ainda recorria às renomadas parteiras. O tempo muda em suas diversas formas, assim como as pessoas que as segue. Em uma sociedade atual, que é visível a modernidade acelerada e tecnologias de ponta com tamanha acessibilidade para todos, trabalhar com a memória de mulheres que tiveram trabalho de parto com essas parteiras, é de suma importância para o conhecimento da cultura e das transformações que se dão ao longo do tempo, assim como o reconhecimento dessas práticas e seus rituais. Em Jardim do Seridó, os trabalhos de partos naturais ainda são feitos por algumas mulheres, no entanto se dão em casas de saúde da cidade ou de outro município vizinho com acompanhamento médico. Com o tempo, as técnicas foram sendo mudadas, os locais, a cidade, as pessoas, a área da saúde, assim como os acompanhamentos da gestação e as práticas na hora do parto, o que veremos a seguir.

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HISTÓRIAS CONTADAS: O RECONHECIMENTO DO TRABALHO DE PARTEIRA

O trabalho de parto natural é como já foi citado, o mais antigo dos trabalhos, pois este vem acompanhado com o homem e suas práticas desde sempre. O trabalho de parteira exige desta um domínio apurado do saber quanto ao assunto, e a crença que aquele trabalho não seja apenas uma vocação, mas um dom vindo de Deus. As parteiras de Jardim do Seridó não atendiam apenas às pessoas da cidade, mas eram chamadas nas áreas rurais e iam com muito gosto atender àquelas mulheres necessitadas. Pois, apesar dos serviços médicos no século XX29, já estarem se popularizando, ainda eram precários em Jardim do Seridó. O trabalho de parto, de certa forma era algo caro para as condições financeiras das pessoas, se fosse realizado por um médico, já que esses, em grande parte, trabalhava por conta própria. As parteiras que trabalhavam na cidade não chegavam a cobrar pelo seu trabalho, segundo depoimentos das mulheres entrevistadas, elas faziam isso por caridade. Essas mulheres se encontravam disponíveis a todo o tempo para os partos, uma vez que a qualquer hora (seja manhã, tarde ou noite) poderiam ser chamadas. O que se valeu de atenção para observarmos, foi o ato de partejar que era feito somente30 por pessoas do sexo feminino. Entendemos que isso era possível porque a intimidade da mulher, que ia parir, estava envolvida. Mulheres casadas, em geral, não deveriam ser vistas despidas por outros homens, mesmo na hora do parto. As parteiras, acima de tudo, deixavam as mulheres à vontade, e seus maridos também. A confiança e intimidade para com as parteiras eram tamanhas que essas gestantes e seus maridos têm até os dias de hoje as parteiras como “comadres31”, apelido carinhoso. O ritual de partejar começava a partir das primeiras contrações. Assim que a mulher sentia as primeiras dores, era hora de mandar chamar a parteira mais próxima para que se desse início à chegada do novo membro da família. Fosse qualquer hora, a parteira deveria se preparar rapidamente e partir para a casa da gestante. Acompanhada 29

Época decorrente de 1901 à 2000. Não falamos especificamente dessa época, mas o recorte temporal a qual se enquadra os depoimentos de nossas entrevistadas vai do meio do século até os anos mais recentes, por isso que escolhemos arredondar a data para o século XX. 30 Vale ressaltar que observamos isso partindo da fala de nossas entrevistadas. Não temos conhecimento de homens fazendo o trabalho de parto em mulheres. 31 Segundo o dicionário Aurélio, “comadre” é o mesmo que parteira, assim como “diz-se tanto da madrinha com relação aos pais do afilhado, como da mãe deste com relação aos seus padrinhos”.

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pelo marido da gestante ou por alguma pessoa a mando dele, a parteira iria rumo à casa da mulher, preparar as coisas para dar início a um novo parto. Contam-nos as mulheres que entrevistamos, que Jardim do Seridó era muito pequeno e o hospital se encontrava onde atualmente é a Escola Municipal Calpúrnia Caldas de Amorim. Contaram-nos também que algumas das parteiras trabalhavam lá, mas, mesmo assim, faziam os partos em domicílio, como o caso da conhecida Regina Rebeca, parteira popular entre as mulheres de Jardim do Seridó, que começou a trabalhar como jardineira do Hospital, mas ainda assim atendia, em domicílio, as mulheres que entravam em trabalho de parto. Jardim do Seridó é uma cidade que valoriza suas histórias e memórias, como o reconhecimento do patrimônio material (seja a praça publica e seu coreto, como a primeira igreja da cidade, a Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, a Ponte de Zé de Basto, entre outros), as festas religiosas, a irmandade dos Negros do Rosário, as tradições contadas pelos mais velhos e, quando a saudade bate, as pessoas fazem questão de sentar em suas calçadas e de lembrar-se do “tempo que era novo”. Não diferente desses reconhecimentos históricos entre os jardinenses, também temos o costume de nomear praças, avenidas, instituições públicas e ruas com nome de pessoas que fizeram parte de nossa história, e foram de suma importância para a sociedade. As praças, avenidas, bairros, monumentos, instituições públicas e ruas de uma cidade são colocados com nomes de grandes acontecimentos históricos, datas que também marcaram a história de uma região, ou com nomes de pessoas que, de certa forma, foram importantes para a sociedade. Nomear lugares públicos é uma forma de eternizar no imaginário das pessoas dessa região acontecimentos, datas e personagens históricos. Para Reginaldo Benedito Dias a importância de nomear lugares com nomes de pessoas, datas ou fatos históricos se dá por que:

A perpetuação da história oficial pode ser verificada na denominação das vias públicas de todo o Brasil, mas as cidades, onde o batismo efetivamente ocorre, costumam imprimir, por conta de sua própria história, contornos específicos a esse processo. Analisar a organização dos nomes de rua de uma cidade é aferir dimensões significativas de sua relação com a história (DIAS, 2012, p. 105).

Por esse motivo, nomeiam as ruas e, diz Dias ainda que:

Para que não se perca o sentido que moveu a nomeação, é imprescindível o acompanhamento permanente de outros processos de informação e educação,

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como o ensino de história e as festas cívicas (PINSKY, 1988; BITTENCOURT, 1988). Se o conteúdo histórico do nome da rua não é conhecido pelo transeunte, é porque esses outros mecanismos não estão sendo eficientes (2012, p. 103-104).

É pertinente a análise de Reginaldo Benedito Dias, pois nos mostra o quanto é importante conhecer esses personagens que nomeiam parte de nossas cidades. Usar deles para nomear lugares e monumentos é uma forma de eternizar aquela pessoa ou aquele fato histórico, mas, mesmo assim, ter o conhecimento do que levou a nomeação ou até mesmo o porquê daquela nomeação é de suma importância, pois, caso contrário, o real sentido será perdido. Para isso, deve-se trabalhar com as pessoas a importância dos bens materiais e o reconhecimento desses como patrimônio público, assim como os bens culturais e, consequentemente, o reconhecimento de sua história/identidade. A respeito de patrimônio público, Cristiane Figueira e Lílian Miranda nos explicam que o patrimônio cultural de uma cidade, assim como seus bens culturais,

Dizem respeito a tudo aquilo que possibilita os homens e mulheres conhecerem a si mesmos e tomarem consciência de seu lugar no mundo: os saberes, os fazeres, as tradições, em formas que variam conforme o modo de pensar e os valores que orientam suas práticas de sociabilidade. (....) O patrimônio cultural faz de um povo o que ele é . Seu tecido forma a identidade coletiva. Os bens culturais constituem marcas que podem ser convertidas em fonte e em objeto do conhecimento (2012, p. 11).

Com base no que foi dito, um encaixe perfeito de pessoa que foi muito importante no trabalho para sociedade, está Regina Rebeca (Regina Maria da Conceição32), que é reconhecida como parteira e muito boa pessoa entre a maioria dos habitantes de Jardim do Seridó. A mesma tem seu nome em rua e posto de saúde, em Jardim do Seridó. Sendo bem reconhecida, Regina Rebeca é uma personagem que marcou a história de Jardim do Seridó com seus feitos de caridade e seu trabalho de parteira.

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Quem nos falou o nome completo de Regina Rebeca foi Margarida Silva dos Santos, em depoimento oral no dia 9 de set. de 2014, em sua residência.

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Imagem 11: Posto de Saúde Parteira Regina Rebeca (ESF V), Bairro Bela Vista, Jardim do Seridó/RN. Fonte: Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 9 de set. 2014.

Imagem 12: Placa que nomeia a Rua Regina Rebeca, Bairro Bela Vista, Jardim do Seridó/RN. Fonte: Luana Barros de Azevedo, 9 de set. 2014.

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Imagem 13: Fotografia de Regina Rebeca situada na sala de espera do Posto de Saúde Parteira Regina Rebeca (ESF V), Bairro Bela Vista, Jardim do Seridó/RN. Fonte: Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 9 de set. 2014.

A imagem, e os nomes ajudam a imortalizar as pessoas. Não sendo o bastante ter o nome de Regina Rebeca no Posto de Saúde de Jardim do Seridó, ainda se encontra, na sala de espera, a foto da mesma, que nos remete ao reconhecimento da pessoa que nomeia o local. Sendo esta, mais uma forma de condecoração e respeito à Regina Rebeca, assim também como algo que nos faz reconhecer sua importância que é visível para Jardim do Seridó. Isso é possível porque os jardinenses reconhecem o valor histórico que a figura de Regina Rebeca tem para com a população, já que muitos nasceram por suas mãos. O patrimônio faz parte da vida cotidiana das pessoas, assim como seu reconhecimento histórico, sua cultura, identidade e memória. Conhecer e saber sobre os nomes das pessoas que se encontram por trás desses monumentos é de grande importância para uma região, sobretudo reconhecer nessa pessoa a sua importância. Em suma, deve haver um reconhecimento histórico local para as pessoas de uma região, pois estas se conhecem e se veem naquele local. A história de um povo não se baseia apenas em fatos políticos e acontecimentos de grande poder, pois escrever isto é desfavorecer os demais personagens que participaram da história, que fazem parte de 52

nosso passado, pessoas que também foram de suma importância para a construção do que somos hoje. Nosso passado não é feito apenas de políticos, líderes e heróis, mas, sim, de pessoas populares, humildes, personagem que, como um todo, constitui nossa corrente histórica. O que somos hoje se dá através desses personagens populares e, não os reconhecer, é desfavorecer áqueles que tanto fizeram parte da construção do alicerce que levantou uma torre a qual podemos chamar de sociedade. Sobre essa construção histórica, Santos e Araújo nos diz que “a história local não pode ser vista apenas como um ‘espaço reservado ao estudo dos chamados aspectos políticos’ e econômicos que geralmente se utiliza dos vultos ilustres locais para se dar conta da origem, evolução e progresso do município ou região” (2012, p. 2). Quando escrevemos nossa história, mesmo que esta seja apenas a história local, não partimos somente do que vamos escrever, mas também do que se encontra em volta: Visto de outro modo, a história local deve vir sempre vinculada “à história do cotidiano ao fazer das pessoas comuns participantes de uma história aparentemente desprovida de importância e estabelecer relações entre os grupos sociais de condições diversas que participaram de entrecruzamentos de histórias, tanto no presente como no passado” (BITTENCUORT, 2009. p. 168).

Neste capítulo, trataremos de resgatar na memória a prática das parteiras de Jardim do Seridó. Faremos isso com base em depoimentos orais de pessoas que conviveram com as mesmas. Falar dessas parteiras é também comparar essa prática local com a prática de partejar que se encontrava em outras regiões, uma vez que se trata de algo milenar e que não era praticado somente pelas parteiras de Jardim, mas também nas demais regiões. O que tratamos inteiramente sobre essas parteiras jardinenses, diferenciavam-se das outras, nesse caso, encontramos nossa peculiaridade, ou seja, nossa identidade.

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O RITUAL DE PARTO E AS PARTURIENSES

Se hoje em dia a mulher tem medo da hora do parto, mesmo tendo a escolha de optar por parto natural ou cesariano, em tempos remotos isto não era possível. Atualmente, os riscos na hora do parto são menores e a cada dia cresce o desenvolvimento tecnológico e o conhecimento das práticas para lidar com a hora do nascimento. Ao longo da história, a mulher foi tida como uma ferramenta de produção humana: com o auxílio do seu parceiro, a mulher reproduzia o ser, desenvolvia-o em seu corpo e paria. O ato de parir anda de mãos dadas com o surgimento da espécie mamífera, assim como as práticas de partejar. Com o tempo, essas práticas e rituais de parto foram sendo modificadas de acordo com a região e cultura. A priori, o lugar de parto se dava em casa, no seio da família. As mulheres, quando notavam que iam parir, mandavam seus maridos chamar rapidamente a parteira mais próxima, ou mais conhecida. O ritual de partejar dava início. O que a parteira estivesse fazendo, deveria largar e seguir o que foi destinada a fazer. A parteira seguia seu destino e ia direto à casa da que seria a próxima mãe. Em seguida, preparava o local, os paninhos (para enxugar o sangue), acendiam as velas, lamparinas ou candeeiros e aguardava o começo do processo. Tendo início ao aceleramento das contrações, a criança estava para vir ao mundo, com isso, a parteira se ajeitava e começava seu ritual de sempre. A partir do século XX, com o ápice do período industrial e o advento dos ideais urbanistas, como foi dito no primeiro capítulo, o cenário urbano das cidades começou a se modificar, isso ocorreu em todas as capitais do país, e, consequentemente, em Jardim do Seridó também. Com esses ideais, foi tendo início a construção de novos centros e instituições na cidade, a partir dessa época, começaram a surgir os hospitais e maternidades e os partos seriam destinados a esses locais. Susana Cecagno e Francisca Dias de Oliveira de Almeida, que estudaram o parto domiciliar por parteiras, em meados do século XX, nos explica como era considerado esse processo de modificação do espaço para o parto, onde passava do lar à maternidade:

Acredita-se que, apesar dos benefícios da institucionalização o parto tornouse de caráter técnico, impessoal, com pouca ou nenhuma afetividade, excluindo a participação da família e tornando esse momento singular uma experiência sofrida e fria, no qual a mulher é considerada um objeto (CECAGNO, ALMEIDA, 2004, p. 410).

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Acreditava-se que as maternidades eram um lugar de menor risco para ocorrer o parto, no entanto, a confiança nessas parteiras ainda era tamanha que o costume de parir em casa continuava mantido, principalmente se essas mulheres que estavam prestes a parir morassem em zonas rurais. Com o surgimento desses centros de atendimentos, os partos passaram a ser feitos por médicos (em sua maioria, homens), sendo esse mais um fator decisivo à escolha da parteira e o parto em casa, uma vez que a hora do parto envolvia a nudez e intimidade da mulher, fazer parto com médico era fora de cogitação. Os acontecimentos que envolvem o processo de parto passaram a acontecer no hospital, mas, em Jardim do Seridó, isso foi possível somente após a segunda metade do século XX, quando se instalou na cidade a maternidade33 que até hoje existe, no entanto o costume de parir no hospital foi ocorrendo aos poucos visto que as pessoas ainda conservavam a tradição de parir em casa. As nossas entrevistadas fizeram seus partos em casa, com parteiras, mesmo existindo a maternidade na cidade, elas optavam pelo parto em suas residências. Ouvimos mulheres de Jardim do Seridó-RN que tiveram filhos tanto com parteira da cidade, como de outras cidades, que as mesmas conheciam. As memórias que compõem a construção da história dessas parteiras e os rituais de parto foram contados por mulheres que deram à luz a seus filhos por mãos de grandes parteiras. As mães que nos cederam entrevista e contaram essas histórias, foram: D. Hozana34, D. Maria35, D. Maria da Luz36 e D. Inês37. Iniciaremos com a história de D. Maria (Maria de Azevedo Medeiros, 90 anos) residente no Sítio Mingote (município de Jardim do Seridó-RN). Mãe de dez filhos, todos dez foram tidos em sua antiga residência (na zona rural, município de Jardim), “foi numa casa acolá de taipo, era feia que parecia uma casa de nagaia” (Maria de Azevedo Medeiros, 3 de out. de 2014).

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Atualmente, Escola Calpúrnia Caldas de Amorim. Hozana Macêdo de Oliveira. 35 Maria de Azevedo Medeiros. 36 Maria da Luz Oliveira de Medeiros. 37 Inês Azevedo dos Santos. 34

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Imagem 14: D. Maria (Maria de Azevedo Medeiros), em sua residência, nos cedendo entrevista e mostrando, orgulhosamente, a fotografia de seu esposo. Sítio Mingote (município de Jardim do SeridóRN) Fonte: E. M. Profª Zélia Costa. 3 de out. de 2014.

D. Maria nos conta que se casou aos 20 anos e teve o primeiro filho com 22, em sua casa. Segundo a mesma, quem fez o parto de seus dez filhos foram as parteiras Juraci de Manoel e Rita de Aderaldo. D. Maria lembra com muita precisão como se dava a chegada da parteira em sua casa, assim ela nos conta como se deu o seu primeiro parto:

Brás ia buscar tia Rita, foi buscar, nós não tinha condições, a pobre veio... veio andando naqueles... É por que ali, naquele... (ela quis dizer por um caminho mais difícil). Por dentro. Aqueles serrotão, aí ela veio... veio de noite. Coitada! Aí nós morava na casa que Socorro (uma de suas filhas) morava, aí de noite se juntou (ela falou referente aos familiares se juntarem para aguardar o nascimento da criança). Aí Dr. Brandão... Quando tia Rita saia para fazer um parto do sítio, ele preparava tudim. A... como é (tentando lembrar o nome da cesta)?! A cesta, a bolsinha... a bolsinha dos remédios... Ele preparava, ela trazia. Levava pra casa da mulher (parturiente38). Aí trazia. Aí, ela... Quando a mulher descansava, ela (a parteira) ia pra rua (Maria de Azevedo Medeiros, 3 de out. de 2014).

Segundo D. Maria, quem ia chamar as parteiras era seu esposo (hoje falecido). No tempo, as parteiras moravam em Jardim do Seridó, e ela no sítio. Mesmo assim, iam até o seu encontro com a bolsa cheia de medicamentos recomendados pelo médico da maternidade (segundo D. Maria, o médico era Dr. Brandão), e até chegavam a passar a noite inteira esperando o parto acontecer. O cenário de dar à luz acontecia em um quarto

Segundo o dicionário Aurélio, a palavra “parturiente” significa: “que está em trabalho de parto ou que acaba de dar à luz”. 38

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da casa. Quem permanecia neste local era apenas a parteira, gestante e, algumas vezes, o marido. O primeiro procedimento que a parteira fazia com a parturiente era o exame do toque39 sem o auxílio de nenhum objeto cirúrgico, ou higiênico, segundo a depoente, era feito com as próprias mãos. D. Maria ainda nos conta como foi sofrido seu primeiro parto: “abom, passava era dia (D. Maria falando do tempo que a parteira passava em sua casa). Eu num tô dizendo que meu parto de Francisco (seu primeiro filho) eu quase morria! Ela (a parteira) mandou uma injeção em mim” (Maria de Azevedo Medeiros, 3 de out. de 2014). Como o parto muitas vezes era difícil e demorava a acontecer, a parteira chegava a virar noite na casa das gestantes. Com intimidade o bastante, a parteira se fazia de casa e ajudava até nos deveres domésticos. D. Maria nos conta que na noite que Rita passou em sua casa, no outro dia auxiliou no trabalho de tirar milho para fazer o mungunzá. Como o parto estava demorando a acontecer, a parteira teve que aplicar uma injeção que acelerasse as dores: “Ar Maria! Foi mesmo que dar a dor da morte” (Maria de Azevedo Medeiros, 3 de out. de 2014). Um momento de prece, para que o Senhor Deus os escute, acendia uma vela, ou até mesmo, a luz de lampião, e a parteira se botava a rezar, e D. Maria dizia: “só era rezando, aí eu descansei um pedacinho, eu descansei (neste momento ela fala de dar à luz) só viva, já de noite, com vinte e quatro horas” (Maria de Azevedo Medeiros, 3 de out. de 2014). Mesmo com muito sofrimento e um parto extremamente difícil (segundo a mesma, Francisco nasceu quase morto), D. Maria deu à luz ao seu primeiro filho, com a ajuda da parteira Rita de Aderaldo. Depois de fazer o parto, ia lavar a criança e enxugar o sangue da mãe. Os paninhos e a água morna eram as formas de higienização que havia naquele tempo. O resguardo recomendado pela parteira era ficar em cama e só lavar a cabeça com quinze dias, nos conta D. Maria. Para cuidar do umbigo da criança, as recomendações vinham da parteira; segundo D. Maria, isso era feito: “com azeite de carrapato, mas era fedorento. A gente botava assim, com um anelzinho de pano. Molhava naquele azeite e arrodilhava o umbigo” (Maria de Azevedo Medeiros, 3 de out. de 2014). Segundo D. Maria, a respeito do preço a ser pago às parteiras, a mesma nos disse que não pagava com dinheiro, porque naquele tempo era tudo mais difícil e as parteiras que fizeram seu parto não cobraram (em especial, Rita, que era sua tia). O pagamento se dava em forma de ajuda, seja ela alimentícia ou com qualquer objeto. 39

Exame realizado por parteira ou médico que tem como intuito saber há dilatação no canal que passa a criança.

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Nos partos dos outros filhos o ritual não era diferente. Além de Rita, quem fez os outros partos foi Juraci. A mesma procedência. O mesmo ritual. As mesmas recomendações. Sempre vinha atender em sua casa, esperava a hora do parto, ajudava nos fazeres de casa (Juraci, segundo D. Maria, ajudou a costurar os panos de casa e cuidou dos filhos mais velhos, que nesse tempo eram ainda novos). Juraci deu procedência aos trabalhos de parto de D. Maria porque Rita estava mais velha: “ela tava ficando velha, num fazia mais nada não” (Maria de Azevedo Medeiros, 3 de out. de 2014). A segunda depoente é D. Hozana (Hozana Macedo de Oliveira, 86 anos), residente em Jardim do Seridó-RN. Mãe de nove filhos, casou-se com vinte e dois anos, e com vinte e três teve o primeiro filho. De nove, criou sete, e teve um aborto de gêmeos. A mesma nos conta que “sete foram Maria Lins, aí outro foi comadre40 Regina. Foi um (com Regina), e dois gêmeos eu tive no hospital, na maternidade” (Hozana Macedo de Oliveira, 3 de nov. de 2014).

Imagem 15: Hozana Macêdo de Oliveira nos cedendo entrevista em sua casa. Jardim do Seridó-RN. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa. 3 de nov. de 2014.

D. Hozana nos conta que seu parto em casa só dava início quando as contrações não eram mais possíveis de aguentar. Nesse momento, pedia ao marido para chamar a parteira. A mesma também nos falou que seu primeiro parto foi o mais sofrido. 40

Forma carinhosa de chamar a parteira.

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O momento de dar à luz foi em um quarto escolhido pela gestante, um quanto separado da casa, destinado para isso. É comum nos partos caseiros a discrição do fato em si, o sigilo do feito já que os mais velhos tratavam as questões ligadas ao sexo com muito pudor. O próprio renascido era obra da cegonha. Os rituais não se diferenciavam dos que D. Maria nos contou. Era a mesma procedência, mesmo sendo parteiras distintas. D. Hozana nos disse que os procedimentos que ocorreram na maternidade eram bem parecidos aos que as parteiras faziam. O parto era normal, os cuidados e recomendações para o resguardo eram os mesmos. Medicamentos só eram passados para acelerar as contrações, e o parto caso fosse de grande dificuldade. Ela nos disse que só foi fazer o parto na maternidade, porque este era de risco. O médico no tempo era Dr. Antônio Bento, que fazia os mesmos procedimentos que a parteira, não utilizava objetos, a diferença era, disse ela: “porque ele foi quem... o menino num nascia, num era?! (nesse caso) foi ele que tirou” (Hozana Macedo de Oliveira, 3 de nov. de 2014). Por se tratar de um parto prematuro (três meses), o médico teve que acelerar o processo e puxar as crianças (os gêmeos), uma vez que D. Hozana estava tendo dificuldades para dar à luz. O depoimento de D. Inês- 65 anos, residente em Jardim do Seridó-RN, mãe de uma filha, que nasceu na maternidade da referida cidade, se aproxima muito do que D. Hozana. Segundo D. Inês, seu parto foi “normal mesmo, que nem todos os partos” (Inês Azevedo dos Santos, 3 de nov. de 2014). Por seu parto ter sido o mais recente dos demais (em 1973), perguntamos se foi feito por parteira na maternidade, ela nos disse: “era aquelas enfermeiras que era antiga, que foram embora, aquelas primeiras enfermeiras” (Inês Azevedo dos Santos, 3 de nov. de 2014). Ao saber dos procedimentos que se tinha na maternidade de Jardim do Seridó, entendemos que estes não se diferenciavam das parteiras locais, pois as mesmas aprenderam entre elas, trabalhando na maternidade. Ao saber da aproximação que poderia ter do conhecimento de parteiras da região, D. Maria da Luz (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 75 anos), residente em Jardim do Seridó-RN, mãe de seis filhos, sendo quatro filhos tidos com a sogra, Ana Bezerra, e dois com Regina Rebeca, contou-nos que Ana Bezerra era parteira de Santana do Seridó, tão conhecida quanto Regina Rebeca era em Jardim do Seridó, e disse: “ela era conhecida mesmo lá por todo mundo, porque era ela quem fazia os partos lá, porque lá na época não tinha maternidade, sabe?!” (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. 2014). 59

Imagem 16: Maria da Luz Oliveira de Medeiros nos cedendo entrevista em sua residência. Jardim do Seridó-RN. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa 7 de out. 2014

A mesma nos falou que seus três primeiros filhos nasceram em Santana do Seridó, onde residia. Assim como as parteiras de Jardim do Seridó, D. Maria da Luz nos disse que Ana Bezerra atendia às gestantes em domicílio, chegava a passar até tempos na casa dessas gestantes. Como nos conta: “ela passava dias nas casas das pessoas que estavam esperando neném, até quinze dias ela dormia numa casa, assim, nos sítios, na zona rural, quando... pessoas conhecidas dela, sabe?! Que ela já era acostumada a fazer parto” (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. 2014). O ritual de parto era muito semelhante, mas D. Maria da Luz nos contou como era o atendimento que Regina Rebeca deu a ela:

Ela fazia um exame de toque né?! Primeiro fazia um exame de toque pra ver se a criança estava perto de nascer, aí quando ainda estava longe, que elas achavam que estava longe pra nascer, elas iam embora, principalmente comadre Regina, depois quando a gente se aproximava mais aí mandava chamar novamente (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. 2014).

O atendimento se dava em domicílio, ela ia ver como estavam as contrações para poder saber se era necessária a sua presença até a hora do parto ou se poderia esperar mais um pouco. Só permaneciam na casa se visse que a gestante, realmente, estava para dar à luz. Caso ficasse, era necessário um quarto apenas para o casal e a gestante, por escolha da privacidade. O processo de higiene era o mesmo: apenas lavavam as mãos e não utilizavam luvas ou quaisquer produtos higiênicos para a limpeza (salvo exceções, algumas faziam uso do álcool). Os panos de algodão eram muito utilizados pelas 60

parteiras: “era, era pano, naquela época tudo era pano. Elas usavam uma aparadeira41 e lavavam as mãos bem lavadas com água e álcool, mas eu não lembro se elas usavam luva não, não lembro” (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. 2014). O que valia na hora do parto, muitas vezes, era o “valha-me Deus!”, pra ajudar. Orações eram bem vindas antes de dar início aos procedimentos. Mulheres de fé, destinadas a isso, essas parteiras iam com sua grande crença em Deus e gosto por seus trabalhos para realizar os partos. O que ocorria quando o parto complicava era chamar o médico: “quando elas não podiam resolver, eu sei bem da minha sogra, Ana Bezerra, quando ela não podia resolver, mandava chamar o médico. Mas ela ficava ali, muitas vezes, até...” (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. 2014). Se tivessem a sorte de encontrar um médico, este ia atender em casa, caso fosse requisitado. Segundo D. Maria da Luz, quando não se resolvia em Jardim, o jeito era levar a gestante para Parelhas: “naquela época levavam pra Parelhas. Quando era um caso de cirurgia levava pra Parelhas” (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. 2014). D. Maria da Luz lembra muito bem como foi seu primeiro parto, o mais sofrido. Segundo ela, foi na maternidade, e com uma aprendiz. Sendo as dificuldades maiores:

Já, o primeiro que eu tive foi na maternidade, esse eu não morri porque Deus não quis que eu morresse. Porque o menino nasceu sentado e num fizeram nada pra esse menino mudar de posição. Do jeito que ele nasceu sentado, nasceu. Ia morrendo eu, ele e tudo, eu desmaiei. Com uma mulher que tava aprendendo, Maria Lins, que era a Diretora da Maternidade, era a parteira. Era num dia de sábado, eu cheguei lá doente e ela disse à menina que ficasse comigo porque ela ia na feira fazer a feira de verdura, só que ela nem me examinou, nem coisa nenhuma, me deixou com uma aprendiz, com uma pessoa que estava estagiando, nera?! Mas, graças a Deus, na hora tava Dona Maria de Antônio Biá, que ela era lavadeira da maternidade e na hora de parto ela também ajudava, e ela ficou comigo até o menino nascer, só saiu de perto de mim quando o menino nasceu (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. 2014).

Não aplicaram medicamento em D. Maria da Luz. Segundo a mesma, ela só tomava chá de erva-doce para ficar calma. Assim nos conta o que era recomendado para o resguardo:

Mulher, a gente... Naquela época num davam ponto nem nada, a gente só tinha mesmo cuidado, assim, muito repouso e pronto. Num tomava nada... Tinha uma história de tomar uma “água inglesa” que era pra, às vezes, num aperreio, não ter aperreio. Pra tomar, assim, era um remedinho bom quando a gente tinha aperreio... Eu tomava banho. Eu só não lavava a cabeça. Elas Em algumas regiões do Brasil esse nome pode significar parteira, no entanto, a “aparadeira” que nossas entrevistadas falam é um objeto designado para ajudar às parteiras com os cuidados na hora do parto. 41

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diziam que não lavasse a cabeça (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. 2014).

A respeito da dificuldade que se tinha na época, D. Maria da Luz nos fala como ocorreu seus partos seguintes: “eu tive dez (filhos), mas um foi cesárea em Caicó, que foi pra fazer ligação. Mas tive seis em casa e três na maternidade. Quatro com a que eu... Mas num vejo diferença. Tudo a gente sofre demais, tanto faz lá (na maternidade) como cá (na residência) sofre” (Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. 2014) . Como notamos nos depoimentos prestados, os partos feitos em casa eram por parteiras conhecidas e carinhosamente tratadas como “comadre”. Médicos na maternidade eram poucos, sendo feito o trabalho de parto por parteiras também. Como o atendimento médico era muito difícil de encontrar, a saída era passar os conhecimentos para as mulheres que trabalhavam na maternidade. Elas aprendiam por vontade própria, necessidade ou até mesmo por conviver na instituição daí ser comum se ver a lavadeira de roupa ou a jardineira do hospital ajudando num parto ou virando parteira.

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AS PARTEIRAS

Considera-se atualmente essa prática de parir, em casa e com parteira, um alto risco, porque antigamente, parir em casa era a melhor forma de se dar à luz, pois no hospital era algo tido como de risco, frustrante e violento, dificultando à mulher e à sua família a oportunidade de vivenciar uma experiência gratificante, prazerosa e saudável que era a chegada do filho. Assim como vimos no primeiro capítulo, que a pratica de benzedura é ritual milenar que partiu do homem, o trabalho de parteira também pode ser considerado assim, uma prática antiga que consistia no ato de conter ritual de orações e calma para liderar esse momento. Da mesma forma que os benzedeiros acreditavam que rezar e curar eram dons advindos de Deus, as parteiras e suas gestantes também eram as consideradas mulheres de grande dom e coragem. Para entendermos a história dessas grandes mulheres, que praticavam esse ato, partimos de depoimentos orais de pessoas que conviveram com essas mulheres que deram a luz por mãos de parteiras ilustres que compõem nossa história. Ao longo da história, as parteiras são tidas como mulheres tradicionais, em sua grande maioria, mães de família, que atendiam em domicílio à gestante que precisasse de sua ajuda na hora do parto. Assim, as parteiras iam exercer a função que lhe foi destinada: partejar. Seja na cidade ou mesmo na zona rural, essas grandes mulheres faziam questão de atender e ajudar suas pacientes, por esse motivo eram tidas com grande carinho e respeito pela população. Por muito tempo na história, esses partos normais foram feitos por parteiras humildes, dedicadas ao seu trabalho, que não cobravam por esse ato, as mesmas, em grande parte, tinham que trabalhar em outros setores para poder tirar seu sustento, pois não cobravam pela caridade exercida, uma vez que consideravam isso um dom (a mesma lógica42 de benzedeiros, referente à cobrança, se aplica às parteiras). A respeito das parteiras de Jardim do Seridó, comecamos a história delas por Regina Rebeca (Regina Maria da Conceição), a mais conhecida das parteiras, por ter sido eternizada como “vulto popular” no livro de Nilton Azevedo e, como já foi dito, por ter seu nome no posto de saúde, em Jardim do Seridó, e uma rua no bairro Bela

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Vimos no primeiro capítulo que os benzedeiros não cobram por suas orações e rezas feitas para a população, pois acreditam que esse ato é uma obrigação, uma vez que estes foram destinados para isso por acreditarem que a cura através da oração se dá porque eles têm um dom vindo de Deus.

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Vista. Regina Rebeca, nos conta Nilton Azevedo, era natural de Acarí-RN e nasceu no dia 13 de dezembro de 1908. Filha de José Porfírio dos Santos e de D. Mariana da Conceição veio residir em Jardim do Seridó e logo após casou-se aos 24 anos (em 1932) com Pedro Cícero da Silva. Margarida Silva dos Santos (74 anos, filha de Regina Rebeca), popularmente conhecida como Gaída, e por esse apelido a trataremos neste livro, em entrevista cedida, nos disse que Regina Rebeca começou a fazer parto muito cedo, ela (Gaída) ainda nem era nascida. Quando perguntamos com que idade e com quem D. Regina começou a fazer parto, Gaída nos responde “ela começou a fazer parto, eu acho que eu ainda num era nascida e eu nasci em 1940. Não... Assim... Vinham chamar ela e ela ia. Ela num tinha curso, num tinha nada. Aí fazia os partos” (Margarida Silva dos Santos, 9 de set. de 2014).

Imagem 17: Margarida Silva dos Santos, na imagem, nos mostra orgulhosamente o quadro de fotos da sua família onde a foto de Regina Rebeca se encontra próxima do centro. Jardim do Seridó/RN- Bairro Bela Vista. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 9 de set. 2014.

Nilton Azevedo conta que ao chegar em Jardim do Seridó, D. Regina logo conseguiu emprego no cargo de jardineira na maternidade da cidade e, com o tempo, começou a trabalhar como auxiliar de parteira, tornando-se posteriormente parteira e se popularizando assim (1988, p. 68-69). Segundo Gaída, D. Regina “primeiramente trabalhou muitos anos ali, onde é o Calpúrnia (maternidade). Mas de jardineira. E daí quando vinham chamar ela, pra fazer um parto, ela ia. Nesse tempo era D. Regina, às vezes ela fazia parto mais D. Maria Lins” (Margarida Silva dos Santos, 9 de set. de 2014). Na maternidade, o médico que trabalhava era Dr. Paulo e quem auxiliava era Maria Lins; possivelmente, D. Regina Rebeca tenha aprendido com Maria Lins a fazer 64

partos, como nos conta Cícera Maria da Silva (78 anos, filha de Regina Rebeca), popularmente conhecida como Ciça, ela diz: “foi ela vendo Maria Lins com Doutor Paulo” (Cícera Maria da Silva, 9 de set. de 2014). Quando começava as contrações, logo mandava chamar a parteira e, D. Regina Rebeca estava preparada para ir a qualquer hora que a chamassem. Gaída nos conta uma história inusitada que aconteceu com D. Regina, quando a mesma foi chamada para fazer um parto na zona rural:

Não, era só nos sítios. (Ela fazia os partos) aqui dentro da rua e nos sítios. Ela ia até morrendo afogada uma vez naquele rio Acauã. Não morreu porque... Ela ia a cavalo. A cavalo, acredita? Aí quando chegou no rio, tava cheio.. Aí ela foi passar... O rapaz que veio buscar ela, do lado de cá quando foi atravessar pra lá desequilibrou, soltou ela. Aí ela pra escapar agarrou num pé de capim. Mas quase que desce. Ainda assim passaram ela, e ela ainda foi (fazer o parto) (Margarida Silva dos Santos, 9 de set. de 2014).

O atendimento que as parteiras de Jardim do Seridó prestavam se dava tanto na zona urbana quanto na zona rural. Fica evidente, pela história contada por Gaída, o quanto D. Regina fazia por gosto os partos. No entanto, Gaída e Ciça nos contaram que D. Regina se recusava a fazer parto das filhas e das noras. Em depoimento, Gaida nos contou que “ela (D. Regina) dizia: ‘olhe quem casar e arrumar filho, pode procurar a maternidade que eu nem faço parto de nora nem de filha!’” (Margarida Silva dos Santos, 9 de set. de 2014). Ciça nos disse que ela não fazia parto das filhas e noras, pois “certamente porque não queria ver sofrer né?!” (Cícera Maria da Silva, 9 de set. de 2014).

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Imagem 18: Cícera Maria da Silva, filha de Regina Rebeca, nos cedendo entrevista em sua residência. Jardim do Seridó/RN- Bairro Bela Vista. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa. 9 de set. de 2014

A respeito dos acompanhamentos que se podia ter durante o período de gestação, não eram feitos nenhum. Isso só ocorreria caso a gestante fosse pedir alguma ajuda à parteira. Antes do parto, era aplicados medicamentos para acelerar o processo das contrações. Segundo Gaída e Ciça, D. Regina Rebeca fazia uso de injeções nas gestantes, a mesma tinha conhecimento desses medicamentos, mesmo sendo analfabeta, como diz Gaída: Quando as mulheres ‘demoravam a descansar’, como chama o povo, aí ela (D. Regina)... Ela não sabia ler de jeito nenhum e ela sabia as injeção apropriada pras mulheres sentir dor, pra não dar hemorragia, tudo isso ela sabia. O povo se admirava muito, porque ela era analfabeta, ela não sabia ler (Margarida Silva dos Santos, 9 de set. de 2014).

E o mesmo nos disse Ciça: “usava (medicamentos)... Dava injeção, tinha seringa. Tinha todos os preparativos pro parto e medicamentos também” (Cícera Maria da Silva, 9 de set. de 2014). Segundo Gaída e Ciça, D. Regina não sabia ler, mas pela convivência na maternidade, aprendeu a aplicar injeção e o conhecimento dos demais medicamentos.

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Em prática, não se usava instrumento nenhum na hora do parto normal. Puxavam a criança com as próprias mãos. Nenhuma das duas filhas nos falou muito sobre essa prática de parto, pois as mesmas disseram que D. Regina era mulher muito reservada a respeito de sua profissão e se recomendava alguma coisa era sempre à paciente. Mantinha o sigilo do ritual de parto. Além de D. Regina Rebeca, havia, em Jardim do Seridó outras parteiras, no entanto, as mais conhecidas era ela, Maria Lins, Juraci e Rita de Aderaldo. Sobre Maria Lins, pouco temos informações, pois as pessoas que entrevistamos tinham mais conhecimento de D. Regina. Mesmo esta fazendo trabalhos de parto nas zonas rurais, também havia outras parteiras, como Gaída nos disse, sua sogra também fazia partos: “a minha sogra, Maria Joaquina de Jesus. Ela morava no Rio Acauã, Município do Acari” (Margarida Silva dos Santos, 9 de set. de 2014). Como D. Regina não fazia o parto das filhas, as mesmas teriam que recorrer à maternidade para fazer os partos ou até mesmo a outras parteiras. Sendo conhecida na cidade e região, por atender a todos com muita caridade e humildade, sem distinção de cor ou classe social, D. Regina presenciou muito sofrimento e dava força e coragem. Segundo Nilton Azevedo, nunca houve relatos de falecimento na hora do parto, que a mesma dava assistência (AZEVEDO, 1998, p. 68). No entanto, vale ressaltar que Gaída nos disse, quando perguntamos se alguma mulher havia morrido na hora do parto, “não, nunca morreu não. Uma que foi a mulher do finado Luca, Maria. Ela morava no sítio, eu já morava lá. Me lembrei agora. Ela foi... Vieram chamar ela (D. Regina), mas ela (Maria) já tava sem jeito. Chegou lá, ela já tava morta. Foi nesse época de... de (1960)” (Margarida Silva dos Santos, 9 de set. de 2014). Fica evidente no discurso das filhas de Regina Rebeca que esta mantinha o sigilo absoluto do serviço que prestava. Ela, por pudor ou por ética profissional, não comentava em casa nem mesmo com as próprias filhas. Ciça não consegue atribuir esse comportamento da mãe às crenças e à cultura de nossos predecessores, pois viam no ato da parição as consequências da atividade sexual, atividade que não se podia dar a conhecer aos jovens antes do casamento e mesmo assim, quando necessário, ocorria de forma seca, sem revelar as intimidades que a prática requeria. Nesse sentido, as parteiras, pelo hábito de não falar muito sobre a prática que realizavam, deixavam os que não eram atendidos por elas alheios às intervenções que faziam no decorrer do parto. Era ao que parece, o ofício do sigilo e como tal devia resguardar a palavra antes de ser pronunciada. 67

Aliás num sertão de homens sedimentados por uma cultura patriarcal, onde a moralidade e a honra eram formadoras das condutas aceitáveis e a moral religiosa, dava por imoral as coisas ligadas ao sexo, falar sobre ele era sinônimo de imoralidade. Falar sobre o parto, sobre o trabalho do parto, a nudez que envolvia a mulher e sua intimidade na hora do parto, as dores e sangue era o mesmo que confessar para as crianças que os bebês não eram trazidos pela cegonha, como rezava a lenda. É notório o pudor que alimentava a conduta das parteiras presentes nos depoimentos de Gaída e Cíça. Elas ao serem questionadas sobre o ritual de parto/pósparto e o tratamento indicado para as parturientes, por parte da mãe, confessam que não têm conhecimento algum, o que ela fazia não falava. Seja por pudor, questões éticas ou até mesmo por ser reservada, D. Regina Rebeca se fazia discreta para os demais, frente ao seu trabalho. Como diz Gaída: “(ela) num falava não. Nunca dizia nada, não indicava. Eu acho que se ela dizia era por lá. Mãe (D. Regina Rebeca) era muito esquisita, ela num contava essas coisas pra gente” (Margarida Silva dos Santos, 9 de set. de 2014). O mesmo nos diz Ciça a respeito dos procedimentos e tratamentos pós-parto: “se fazia num falava aqui não” (Cícera Maria da Silva, 9 de set. de 2014). Com base no que foi dito, podemos concluir que elas não faziam nenhum atendimento no decorrer da gravidez da gestante e que só eram chamadas para fazer o parto quando o nascimento era fato incontestável. Por um motivo, ou outro, geralmente a parteira só era chamada para ajudar a mulher a parir.

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CAPÍTULO IV COM ÁGUA, ALMA E MÃOS: HISTÓRIA DAS LAVADEIRAS DE JARDIM DO SERIDÓ Lava roupa todo dia, que agonia Na quebrada da soleira, que chovia Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada Uma mulher não deve vacilar (Música: Juventude Transviada/ Composição: Luiz Melodia)

Imagem 19: Lavadeiras43.

Nos primeiros capítulos falamos sobre a construção do espaço de Jardim do Seridó no sentido mais moderno, suas transformações na estética da cidade, como era Jardim por volta do século XX, assim como sua população. Tratamos do século anterior para entendermos quais influências sofreram aquelas pessoas que fazem parte das nossas histórias mais atuais, como foram compostos os personagens que tratamos ao longo deste livro. Os dois capítulos anteriores trataram de um assunto voltado para o trabalho de caridade, feito por pessoas (benzedeiros e parteiras), muitas vezes humildes, que

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Imagem tirada no link disponível em: http://www.geocaching.com/geocache/GC1QDA1_ptcra1lavadeiras?guid=c04f2c8f-a2da-46c1-8743-91860fb7b7fd, Acessado em: 15/12/2014.

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acreditavam nascer com o dom para o trabalho que era destinado, por esse motivo, não cobravam por seus serviços, apenas os faziam para ajudar a população de sua cidade. Sendo assim, tiravam seus sustentos por fora, fazendo outros trabalhos. Muito diferente dos dois trabalhos (benzedura e partejo) citados anteriormente, está o de lavadeira, que consiste no serviço pesado de mulheres que praticavam esse ato para tirar seu sustento. As lavadeiras de Jardim do Seridó eram mulheres muito humildes que encontravam nesse ato a forma de sustentar sua família. O Bairro Bela Vista e seu açude foram palcos para as lavadeiras que, com água e sabão, serviam às classes mais favorecidas de Jardim do Seridó em troca de dinheiro para sustentar a família ou ajudar seus maridos. Em fins do século XIX44, mulheres que trabalhavam para fora, ou seja, para ganhar dinheiro e ajudar seus maridos a sustentar o grande número de filhos não eram bem vistas pela população. Por fazermos parte de uma sociedade patriarcal, acreditavase que o serviço de casa era destinado às mulheres e os trabalhos para o sustento da família eram destinados aos homens. Poucos eram aqueles que aceitavam suas esposas nas ruas trabalhando para ajudá-los. Essa realidade só mudaria com a Segunda Guerra Mundial quando as mulheres tiveram que assumir os trabalhos dos homens que estavam envolvidos com os serviços militares. Neste capítulo, discutiremos as relações de gênero na sociedade e falaremos como era a história das lavadeiras, em que consistia este trabalho, como as mulheres trabalhavam para a sociedade, como era a vida da casa para o tanque, e, por fim, entenderemos a importância que elas têm para a formação de nossa história e cultura. DO TRABALHO AO LAR: A MULHER NO ESPAÇO SOCIAL

Sobre o papel da mulher na historiografia ainda é escasso, se comparado ao que muito se escreveu sobre os fatos históricos que envolvem o homem. Em uma cultura e sociedade patriarcal, as mulheres ainda lutam por seus lugares de direito e igualdades. Com muitas dificuldades, a mulher consegue se sobressair aos poucos. Desde muito tempo na história, vemos a grande e importante participação que o homem tem, mas poucos veem as histórias de mulheres guerreiras que ajudaram e fizeram parte das conquistas desses homens.

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Período que vai de 1801 à 1900.

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Imagem 20: Encontro de matronas45, Debret.

As formas que se tinham para falar das classes inferiores (escravos, nativos) eram através da pintura. Na imagem vemos as sinhás e seus escravos em ambiente no qual foram destinadas: o lar. O pintor do quadro era Jean-Baptiste Debret, artista francês que veio para o Brasil no século XIX, e se instalou no Rio de Janeiro. Debret, assim como outros artistas europeus, veio para o Brasil e passou a retratar a paisagem brasileira e seus personagens que completavam o cenário: a elite, escravos, forros, nativos e as paisagens que compunham os espaços desses personagens. Os discursos do século XX herdaram do século XIX as ideias que destinavam à mulher ao lar, assim como à procriação, o cuidado do marido e filhos. Quando nova, a mulher deveria ser resguardada para que o melhor esposo a escolhesse. Apesar dos ideais anarquistas e revolucionários, da época46, que proclamavam uma sociedade mais livre, a mulher ainda era limitada a viver no ceio da família e considerada como um ser frágil e delicado. A mulher era destinada a ter filhos e constituir família. O dom de ser mãe, e as funções que a levavam a isso, era da natureza da mulher. As leis naturais e morais obrigavam-na a manter esse ciclo que era o tornar-se/ser mãe. Aquela que não

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Disponível em: http://historiacepae.blogspot.com.br/2012/04/analise-da-imagem-encontro-dematronas.html. Acesso em: 17/12/2014. 46 Sobre idéias e filosofias desse período, ver MACEDO, Ubiratan Borges de. A Liberdade no Brasil durante o Século XIX. In___ MACEDO, Ubiratan Borges de. A IDÉIA DE LIBERDADE NO SÉCULO XIX: O CASO BRASILEIRO. Editora Expressão e Cultura, 1997.

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obedecesse ao padrão imposto pela sociedade, a que se recusasse a ter filhos e constituir família, seria conceituada como um ser sombrio e anormal, tida por pecado e crime, pois estaria se recusando ao dom natural da mulher: a maternidade. Com o tempo, essa mulher começa a se sobressair sobre as normas de condutas e bons comportamentos, ela procura quebrar os paradigmas que as fazem esse ser inofensivo e volátil para a sociedade. A mulher começa a encontrar o seu lugar na sociedade, e lutar por seus valores. Margareth Rago nos fala sobre o comportamento da mulher e suas mudanças:

Ao lado da tradicional representação da mulher-submissão, emerge uma outra figura feminina simbolizada pela combatividade, independência, força, figura que luta pela transformação de sua realidade cotidiana, tanto a partir da própria presença destas ativistas, quanto pelas suas projeções (1985, p. 97).

Como vimos, à mulher eram impostas condutas a serem seguidas, não importando sua classe social. Se fossem ricas, deveriam se portar bem, serem senhoras, damas recatadas. Se fossem pobres, deveriam ser discretas. As mulheres que mais sofriam eram as humildes, pois estas deveriam conciliar o trabalho do lar com o de fora e, ainda assim, sofrer preconceito, por ser tida como a pessoa que sustentaria a casa, uma vez que este era o dever do marido. O espaço que era destinado à mulher, como vimos, era a casa. No máximo, as mulheres poderiam ir à igreja, mas, para não serem “mal vistas” deveriam ir acompanhadas de seus maridos ou de suas mães. As mulheres que mais ocupavam as ruas eram as ligadas ao pequeno comércio; as de prestação de serviço, como as lavadeiras, engomadeiras, costureiras, tecelãs, bordadeiras. Essas eram mulheres que tinham quem dependesse delas. Muitas vezes, eram mulheres chefes de família que tinham que sustentar filhos, avós, comadres, entre outros dependentes. O trabalho de lavadeira no Brasil era tido, primeiramente, pelas mulheres negras ou mulatas forras, que faziam o trabalho braçal, aquele que exigia força e maior disposição, pois acreditavam que essas tinham essa força e capacidade suficiente para este trabalho.

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Imagem 21: Lavadeiras47, Rugendas.

As mulheres pobres e brancas se encarregavam dos trabalhos domésticos, eram costureiras, doceiras e/ou trabalhavam na roça em pequenas plantações. Mesmo se tratando de diferenças entre trabalho mais esforçado e o que exigia menos força, essas mulheres eram muito guerreiras por isso, pois além de trabalhar para fora e trabalhar para sua própria casa, essas ainda sofriam por serem tidas como seres frágeis, incapazes de seus trabalhos serem reconhecidos por iguais com os trabalhos dos homens. Mesmo sendo ameaçada pelo mundo do trabalho, a mulher quebrou barreiras e preconceito, partindo para sua rotina diária dos serviços, seguindo sem medo do que iam falar ou agir com relação a ela, tendo em vista a importância do sustento de sua família e o bem-estar de todos. Dentre as mulheres guerreiras que serviam de pilares para o sustento familiar, encontra-se a lavadeira, que tinha como lugar de trabalho, o tanque ou a pedra, que se encontrava próximo ao rio, riacho ou açude. Lá, elas se encontravam para bater roupa e conversar. Sandra Maria de Assis, no seu trabalho que fala sobre as mulheres da Vila do Príncipe48 nos anos de 1850 a 1990, fala sobre o ambiente de trabalho das lavadeiras:

As margens dos rios, onde as mulheres lavavam as roupas, eram mais do que isso para elas. Eram um centro de encontros onde se podia saber das novidades, obter receitas de remédios caseiros, exercitar a assistência mútua (consolar aquelas que “perderam” o homem, dividir os alimentos, solidarizar-se com a perda de parentes etc.). Ali as mulheres se encontravam várias vezes por semana e fortaleciam os laços de amizade e companheirismo, unidas pela mesma pobreza e desesperança. 47

Disponível em: http://museuvirtualpintoresdorio.arteblog.com.br/17726/JOHANN-MORITZRUGENDAS-LAVADEIRAS-DO-RIO-DE-JANEIRO/ Acesso em: 17/12/2014. 48 Como era chamada a cidade de Caicó-RN, no período.

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Esses lavadouros também eram palco de atritos que podiam ter as mais diferentes motivações (desde a posse de um lugar privilegiado para acomodar as roupas até disputas pelo mesmo homem). Esses atritos revelavam as tensões que permeavam as relações entre essas mulheres (2002, p. 141).

Os atritos ocorriam quando seu lugar privilegiado para lavar roupa era ocupado por outra lavadeira. Isso acontecia quando uma novata chegava ao local e ficava na pedra49 ou no tanque daquela lavadeira que tinha por costume lavar ali, há mais tempo. Esse sustento era muito difícil, porque, além do trabalho ser, de certa forma, árduo, e elas tendo que dar conta dele e dos serviços domésticos, essas mulheres sofriam preconceito, pois os trabalhos de (lavadeiras, engomadeiras, cozinheiras, arrumadeiras), eram tidos como trabalhos fáceis, uma vez que eram considerados como trabalhos femininos, não sendo reconhecidos pelas classes trabalhistas, assim, esses eram trabalhos de pouco valor. Além de ser um trabalho que requer força e determinação, as mulheres, que trabalhavam com ofícios braçais para sustentar a família, não eram reconhecidas como chefes de família, pois esse papel era destinado somente para o homem da casa. Sobre esses fatores, Margareth Rago nos diz:

Não é demais reafirmar que os principais pontos da crítica feminista à ciência incidem na denúncia de seu caráter particularista, ideológico, racista e sexista: o saber ocidental opera no interior da lógica da identidade, valendose de categoria reflexivas incapazes de pensar a diferença. Em outras palavras atacam as feministas, os conceitos com que trabalham as Ciências Humanas são identitários e, portanto excludentes. Pensa- se a partir de um conceito universal de homem que remete ao branco-heterossexual-civilizado-doPrimeiro-Mundo, deixando-se de lado todo aqueles que escapam deste modelo de referencia. Da mesma forma as práticas masculinas são mais valorizadas e hierarquizadas em relação às femininas, o mundo privado sendo considerado de menor importância frente à esfera pública, no imaginário ocidental (apud MORAES, 2005, p. 20).

Normas sociais servem para impor na mentalidade das pessoas, condutas que sejam seguidas por muito tempo. Dentre essas lavadeiras, além do preconceito de caráter trabalhista e a consciência da inferioridade de sexo, elas se encontravam aptas e determinadas para lutar contra tudo isso. Não tendo um lugar fixo, voltado apenas para as lavadeiras, essas mulheres compunham vários espaços, sendo eles próximos às suas casas, em seus quintais, jardins ou muros; ou aos redores das cidades, como: poços, riachos, açudes, cacimba, lagoas ou praia (para aquelas que moravam no litoral). Assim elas seguiam, com uma trouxa de 49

Pedra grande que servia para bater/lavar roupa, onde se encontrava mais próxima ao açude, poço, riacho, etc.

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roupas na cabeça, percorrendo a cidade com seus passos para entregar as roupas limpas, passadas e bem cuidadas para seus patrões e patroas. Ao passo que entregavam as roupas já cuidadas, recolhiam as novas remessas de roupas sujas de seus senhores para retornar ao trabalho no dia seguinte. Por essa importância que as lavadeiras têm no contexto histórico de um lugar, trataremos das lavadeiras de Jardim do Seridó que, desde muito, se fazem mulheres guerreiras, firmes alicerces da família, assim consideradas por tirar o sustento diário de seu trabalho braçal, pouco reconhecido por muitos. DENTRE TANTAS, AS LAVADEIRAS.

Nesse capítulo, trataremos das histórias de nossas lavadeiras, as de Jardim do Seridó, aquelas que nos mostram como se davam suas rotinas e suas vidas no lar, as lavanderias. Entrevistamos, ao todo, quatro lavadeiras que nos mostraram como era sua profissão, em que consistia a conciliação do trabalho de lavadeira e os cuidados de casa, falaram de suas clientelas e como eram lavadas as roupas. Nossas entrevistadas foram: D. Inácia50, D. Severina51, D. Anedina52, D. Josefa53 e, no universo das lavadeiras, entrevistamos Ildete Gomes, hoje vice-diretora da Escola Municipal Professora Zélia Costa da Cunha, filha de D. Maria de Genésio54, lavadeira já falecida e um referencial imprescindível entre as lavadeiras da época. Atualmente, essas lavadeiras se encontram aposentadas, com exceção de D. Josefa, mas ainda lembram como eram suas rotinas. COMO TUDO COMEÇOU

O ato de lavar roupa começa desde cedo, na maioria das vezes, com a mãe ou alguma mulher da família, que ensina como fazer os trabalhos domésticos e, dentre eles, a lavagem de roupa assim como suas melhores técnicas. Comecamos, a falar sobre as lavadeiras, pela história de D. Maria, (Maria das Dores Gomes55), popularmente conhecida como Maria de Genésio. Quem nos relata suas histórias é a filha D. Ildete (Ildete Gomes, 64 anos), residente em Jardim do Seridó. 50

Inacia de Oliveira Gonzaga. Severina Maria de Oliveira. 52 Anedina Meira De Medeiros Azevedo. 53 Josefa Maria de Oliveira. 54 Maria das Dores Gomes. 55 D. Maria faleceu no dia 27 de março de 1979, segundo Ildete Gomes. 51

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Imagem 22: À esquerda, Ildete Gomes, cedendo entrevista na Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Jardim do Seridó-RN. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa. 29 de set. de 2014.

D. Ildete nos conta como sua mãe, D. Maria, fazia para sustentar a família e filhos com seu trabalho de lavadeira. Damos início nossa entrevista perguntando com quantos anos D. Maria começou a lavar roupa. D. Ildete nos diz: “é, na realidade, minha mãe começou a lavar roupa muito cedo, mas, a idade mesmo, eu nunca procurei saber não. Sei que quando ela deixou de lavar roupa, ela tinha lavado (roupa, fazia) trinta e dois anos, (depois desse tempo, parou de lavar) roupa pra população de Jardim do Seridó” (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014). D. Ildete nos falou que sua mãe começou a lavar roupa desde nova, e aprendeu sozinha, devido às necessidades financeiras que estava inserida sua família: “aprendeu sozinha, vivendo na pobreza que existia, ela foi aprendendo. Minha mãe lavou roupa, teve cinco filhos, sem ter absolutamente nada. Ela lavava e engomava” (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014). Assim como D. Maria, D. Inácia e as outras lavadeiras entrevistadas aprenderam a lavar roupa desde cedo, D. Inácia (Inacia de Oliveira Gonzaga, 50 anos), que até a presente data, lava e engoma como profissão, contou-nos que sua mãe e sua tia trabalhavam como lavadeiras e quem a ensinou lavar roupa, foi a tia.

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Imagem 23: À esquerda, D. Inácia, em sua residência, cedendo entrevista para os alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha, e engomando a roupa que já havia lavado. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 11 de nov. de 2014.

D. Inácia começou a lavar roupa aos doze anos de idade, ajudando à irmã com as roupas de casa. Posteriormente, começou a lavar roupa para ganho um pouco mais velha. Atualmente, com seus cinquenta anos, lava roupa há trinta e oito anos. D. Inácia lava roupa para fora até os dias de hoje, e considera esse ato como sua profissão, uma vez que trabalha como lavadeira para ajudar no sustento de casa. Seus atuais fregueses são vários. D. Severina (Severina Maria de Oliveira, 76 anos) é aposentada e reside no Bairro Bela Vista, em Jardim do Seridó, por muito tempo foi lavadeira na cidade. D. Severina nos contou que aprendeu a lavar roupa antes dos doze anos, tendo começado a lavar como profissão, aos doze anos para ajudar no sustento da família, isso aconteceu partindo dos ensinamentos de sua mãe. Apesar de não ser lavadeira, a mãe de D. Severina a ensinou como deveria lavar, cuidar das roupas e dos afazeres domésticos: “ela só fez ensinar, tudo o que a minha mãe sabia, ensinou a gente. Como eu, tudo o que eu sei fazer, ensinei as meus filhos” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014). D. Severina aprendeu com a mãe a lavar e engomar para tirar sua renda, pois aos treze anos, com o nascimento do seu primeiro filho, D. Severina já começava a constituir família. D. Severina não herdou esse costume, de ser lavadeira, da sua mãe, assim como nenhuma de suas filhas herdaram dela, pois todas trabalhavam como domésticas.

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Imagem 24: D. Severina, em sua residência, cedendo entrevista sobre o ofício de lavadeira, para os alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa, 30 de set. de 2014.

Entre as demais lavadeiras que entrevistamos, se encontram D. Anedina (Anedina Meira De Medeiros Azevedo, 53 anos), atualmente residente no Bairro Bela Vista, que aprendeu a lavar roupa logo cedo e, aos dezoito anos, começou a lavar roupa de ganho. D. Josefa (Josefa Maria de Oliveira, 52 anos) também residente no mesmo bairro, contou-nos que começou a lavar roupa aos dezesseis anos, e aprendeu com a mãe. Como falamos anteriormente, os trabalhos de lavadeiras não eram muito bem reconhecidos, pois acreditavam que esse ato era destinado às mulheres, por estas ficarem encarregadas de cuidarem da casa e da família, enquanto para os homens, foram destinados outros trabalhos, fora do contexto doméstico. Mesmo não sendo bem reconhecido, o trabalho de lavadeira, as necessidades do tempo, levavam as mulheres a buscarem essa forma de sustento para a casa. Essas necessidades não impediam que essas mulheres almejassem o melhor para seus filhos.

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O LAVADOURO

Os lugares de se lavar roupa, em Jardim do Seridó, eram os açudes e poços próximos. D. Maria das Dores realizava seus trabalhos no Açude da Comissão, o contexto do espaço é lembrado por D. Ildete: “alí, no conjunto Luzia Leopoldina, existia uma pessoa lá tomando conta de um motor que ligava e a água ia lá pra onde tinham os batedores” (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014). Conversando depois com D. Ildete, ela nos falou que quem tomava conta do motor era seu Chico Anísio, esposo de D. Cristiana, ambos já falecidos. Em período de seca, as lavadeiras migravam para o Poço Doce, município de Jardim do Serido, lugar onde D. Maria de Genésio e outras lavadeiras de sua época lavavam roupa. A rotina diária se dava quando essas mulheres partiam para esses lavadouros. Seus almoços eram, em sua maioria, deixados pelos filhos. D. Ildete nos fala como era essa rotina:

Ia a pé, eu estudava na Escola Rural que hoje é o centro pastoral, saía às 10h30, pegava o almoço dela, com outra colega, que a mãe também lavava, e a gente deixava esse almoço a pé e nem achava muito longe. Naquela época as pessoas [para quem D. Maria trabalhava] davam o almoço, quem ia pegar esse almoço era eu (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014).

Algumas patroas ajudavam suas lavadeiras, dando-lhes o almoço, em outros casos, sendo mais frequente, quem tinha que cuidar do almoço eram as próprias lavadeiras: acordando cedo para fazer suas refeições e levando-as para o lavadouro ou deixando esse serviço para os filhos. D. Maria de Genésio tinha sua clientela fiel, segundo sua filha, D. Ildete, a mesma lavava roupa para a família de Joaquim Patrício, D. Maria do Céu e Dr. Brandão, sendo os dois primeiros, os responsáveis por ajudar à D. Maria de Genésio nos papéis da aposentadoria. É notório que só tinha lavadeira, quem vivia bem financeiramente, como nos diz D. Ildete: “só pagava quem tinha (boas condições financeiras)... quem era professor, que naquela época ganhava dinheiro” (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014). Ainda sobre rotina, D. Severina nos conta que seguia sua rotina de trabalho diário, ou seja, o dia todo; parando para o almoço quando um de seus filhos ou seus irmãos iam deixar a refeição. Já D. Josefa nos contou que seu cotidiano de lavadeira começava logo cedo, de madrugada ainda: 79

Eu já cansei de ir de duas horas da madrugada. Tinha lua nesse dia, eu pensei que o dia ia clareando, né? Eu me preocupei, eu disse “ah, já tá de manhã!”. Corri pra lá (lavadouro), quando cheguei lá, só tinha eu. [risos] Mas também num voltei não, segui lavando minha roupa. Quando foi o outro dia, eu já tinha lavado a roupa todinha, o povo foi chegando lá, era tudo assustado. De madrugada, eu me acordava, já deixava o almoço pronto, aí eu ia lavar roupa, quando chegava, esquentava e dava pra os meninos irem pra escola (Josefa Maria de Oliveira, 11 de nov. de 2014).

O açude do Bairro Bela Vista, Açude Dix-Sept Rosado, foi palco por muito tempo de lavadeiras do bairro. Elas se dirigiam a ele para lavar suas roupas ou recolher água para este ato. Quando perguntamos a D. Inácia onde era seu lavadouro, esta nos respondeu “no açude, ali” [apontando para o açude do Bela Vista]. D. Inácia lavava roupa no açude do Bairro Bela Vista. Atualmente este açude se encontra seco, devido aos maus tempos de estiagem. Assim como D. Inácia, D. Severina também lavou roupa no açude do Bairro Bela Vista, onde sempre foi residente, e ela nos conta que começou a lavar roupa no açude de lá mesmo, local que trabalhou por muito tempo como lavadeira para tirar o sustento da família e criar seus filhos. D. Severina volta ao tempo de lavadeira, através de lembranças para nos contar como era constituído o espaço do lavadouro, dizendo-nos que não eram em lavanderias públicas, mas “era na pedra, sentada, sabe?! [risos] Umas eram sentadas, outras eram de coca. (Tinha) latadinha de palha, a gente fazia umas latadinhas de palha” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014). Notamos na fala dela que o ambiente onde trabalhavam, era construído pelas lavadeiras, por esse motivo, elas se achavam no direito de marcar aquele local como sendo delas: “cada uma tinha o seu canto, assim como nós estamos aqui tudo reunido, sabe? Era uma palestra muito boa, que a gente se sentia feliz, sabe?! Porque tinha aquelas amizade, num é verdade?! A gente se sentia muito feliz, eu me sentia feliz” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014). O local de trabalho também era local de fofocas, conversas soltas e onde elas atualizavam suas informações diárias, como bem nos relata D. Severina:

Meu fi, nesse tempo num existia novela, num é?! Num existia televisão, era radio, e era muito difícil uma pessoa possuir um radio, porque a pobreza era grande demais, num é verdade?! Aí a gente num tinha rádio, a gente conversava só em lavagem de roupa, a gente se sentia umas pessoas muito feliz. Era o dia todinho” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014).

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D. Anedina e D. Josefa não eram residentes de Jardim, e aprenderam a lavar roupa antes de chegar à cidade, mas quando se fez residente em Jardim, logo procuraram os lavadouros mais próximos para continuarem a lavar suas roupas de ganho.

Imagem 25: D. Anedina, ao centro, em sua residência, cedendo entrevista sobre o ofício de lavadeiras para os alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa. 11 de nov. de 2014.

D. Anedina começou a lavar roupa no sítio Timbaúba, município de São José do Sabugi/Paraíba; vindo residir em Jardim do Seridó, seu lavadouro passou a ser no açude do Bela Vista, bairro onde mora até os dias de hoje, assim nos conta:

Comecei na Timbaúba, município de São Jose do Sabugi/Paraíba, depois nós viemos pra o finado Patrício, pronto, lá foi que eu comecei mesmo a lavar roupa aqui. Pra o povo dele mesmo, da família dele, Dona Cota, Raquel, Márcia, Dona Luzia, Gracinha, filha de Patricio (Anedina Meira De Medeiros Azevedo, 11 de nov. de 2014).

No lavadouro, D. Anedina se juntava às outras lavadeiras, uma delas levava o rádio, e elas ficavam conversando e ouvindo a rádio regional, com seus noticiários. D. Josefa morou no sitio São Gonçalo, município de Jardim do Seridó, onde viveu parte de sua vida, e começou a lavar roupa. Mudando-se para Jardim, passou a morar no bairro Bela Vista, e seu lavadouro passou a ser no açude do bairro, onde trabalhou para tirar o 81

seu sustento e de sua família. D. Josefa nos disse que tinha muitos fregueses, para quem lavava a roupa em Jardim do Seridó, dentre eles, lavou para Geni de Noel, Marcia, Veraneide, entre outros.

Imagem 26: D. Josefa, ao centro, em sua residência, cedendo entrevista sobre o ofício de lavadeira para os alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Fonte: E. M. Profª Zélia Costa. 11 de nov. de 2014.

Para D. Josefa, o convívio entre as lavadeiras era muito bom, pois lá, constituíam amizade, uma vez que eram todas do mesmo bairro, e por lá ficavam conversando e lavando suas roupas. Na lavanderia pública do bairro não só tinha lavadeiras de ganho, como outras mulheres que lavavam apenas para casa. Era para todas aquelas que queriam lavar suas roupas. Ainda sobre esse convívio, D. Severina nos conta que no seu tempo de lavadeira, fez amizade com outras lavadeiras da época, sendo todas de seu bairro: “nesse tempo que a gente lavava roupa lá no açude, tinha seis lavandeiras: eu, Severina, Leomiza, que é falecida, sabe?! Tereza Martins, Lia, e a outra, eu não lembro quem é” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014). Sobre esse convívio, todas as entrevistadas falaram que sempre faziam amizades com as outras lavadeiras, o ambiente se tornava mais agradável e isso fazia com que o trabalho se tornasse menos cansativo, pois elas iam lavando suas roupas e conversando, para se distraírem e o tempo passar mais rápido. Essas lavadeiras, quando podiam, 82

levavam seus filhos para que pudessem ajudá-las, botando a água, porque segundo as entrevistadas, além das lavadeiras, havia alguns jovens que botavam água nas bacias para enxaguar a roupa. D. Ildete se lembra muito bem sobre esse convívio entre lavadeiras, e nos fala que ela ajudava à sua mãe, D. Maria de Genésio, botando água:

Lembro, inclusive, várias [fala de outras lavadeiras que trabalhavam no mesmo local de sua mãe] eram minhas madrinhas. É... acho que todas já morreram. Era muita gente que naquela época vivia de lavar roupa. Cada uma tinha o seu batedor, cada uma lavava, mas ficava conversando, que era tudo perto. Agora, tinha uma pessoa que botava água na bacia, quando não era bacia, naquele tempo era mais coisa que chamavam aro de barro (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014).

E, sobre o local, D. Ildete nos diz que:

Só tinha as marcas (que delimitavam o local de cada lavadeira), lá cada uma tem/tinha o seu batedor, cada uma tinha seu batedor. Cada uma tinha o seu lugar. Era assim como se fosse, batizado ali, aquele batedor... Era sua pedra, era. Agora era uma pedra quadrada, bem feita, era uma pedra feita de alvenaria, como se fosse um... aquela pedra que faz o banco. Tinha um tanque, era muito bom em época de inverno, a gente tomava banho demais nos tanques. Ainda existe a estrutura lá, quando sangrava a água parecia as cachoeiras da foz do Iguaçu (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014).

No período que D. Inácia trabalhava como lavadeira nos açudes, mesmo sendo mais recente que D. Maria de Genésio, ainda assim não havia lavanderias coletivas com água encanada, tudo era com lata d’água, e o trabalho se fazia na beira do açude: “era uma latada, num batedor, sentada. Aí depois foi que fizeram essa lavanderia aí [falando sobre a lavanderia que construíram próximo ao açude do Bairro Bela Vista]” (Inacia de Oliveira Gonzaga, 11 de nov. de 2014). D. Inácia ainda fala que as lavadeiras, muitas em seu mesmo local de trabalho, eram todas amigas. Por ser mães de família e esposas, as lavadeiras ficavam responsáveis pelos filhos e os cuidados domésticos, assim como as roupas que tinham que lavar. Enquanto essas mulheres partiam para o trabalho, seus filhos ficavam em casa muitas vezes com a avó, tia, ou sozinhos cuidando uns dos outros. Elas acordavam cedo, muitas vezes deixavam o almoço pronto e iam para o lavadouro. D. Ildete nos disse que sua mãe acordava cedo e ia para o lavadouro, deixando os filhos com sua avó, que cuidava dela e dos irmãos: “a gente foi criada pelos avós. Minha mãe teve cinco filhos, mas criado, quem criou a gente foi a avó. Ela ficava cuidando da gente e ela (a mãe) lavava roupa o dia inteiro” (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014). Já D. Inácia ia para o lavadouro e

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deixava suas filhas cuidando da casa, enquanto lavava as roupas. As filhas, mesmo novas, ajudavam nos serviços domésticos, enquanto a mãe saía para conseguir o sustento diário. Assim como D. Maria, os filhos de D. Severina ficavam em casa, enquanto ela ia trabalhar. D. Severina nos disse que quem cuidava dos seus filhos era a mãe, enquanto D. Severina ia para o lavadouro: “ficava (com) a minha mãe, porque meu marido era pescador, sabe? Eu via ele de mês em mês, ele vinha em casa, ele pescava, só vinha em casa em mês em mês” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014). Observamos com isso que as lavadeiras sempre davam um jeito para sair cedo para o lavadouro, porque assim elas pegavam a água mais limpa e gastava menos sabão, mas ainda assim tinham que se preocupar com a refeição dos filhos, que ficavam em casa. TEMPOS DE SECA, TEMPOS DE MEDO.

Com mãos pesadas de lavar roupa e um sorriso no olhar, por mais um dia de sol e sua roupa para enxugar, a lavadeira segue seu caminho diário, pedindo a Deus força e saúde para continuar sua jornada e conseguir tirar o seu sustento do trabalho duro. Lavadeiras pedem a Deus três coisas: saúde, para continuar seu trabalho; um dia de sol, para secar suas roupas; e que nunca falte água, para continuar seu trabalho. O medo constante que segue qualquer pessoa, que trabalha em torno de açudes e poços, é a seca. Em períodos de estiagem o trabalho da lavadeira passava a ser mais difícil e doloroso. Partindo disto, ouvimos dessas mulheres a história de como era os períodos de seca e como elas faziam para driblar, mais uma vez, a dificuldade que a vida trazia. Jardim do Seridó e o Bairro Bela Vista, em meio às décadas de 1950 e 1980, período que está inserido o trabalho das lavadeiras entrevistadas, mudaram bastante até os dias de hoje. Ouvimos delas como era constituído o espaço da cidade. D. Severina nos conta que Jardim do Seridó era muito pequeno e o bairro onde reside, o atual Bela Vista, não era povoado. Em suas falas, ela nos conta que antes de ir morar no Bairro Bela Vista, morava, com seus pais, no sítio Riacho do Meio, município de Jardim. Por ser um bairro pouco povoado, ela nos disse que foi uma das primeiras a povoá-lo: “o bairro aqui era um deserto, sabe? Quem fundou esse bairro aqui, fui eu. Só era mato aqui” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014). Quando perguntamos se ela morava na mesma casa desde sempre, a mesma nos respondeu:

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Não. Eu tinha alugado uma casinha ali, mas só tinha cinco casas nesse bairro. Depois (que) eu me casei e fiquei morando sozinha, só tinha essa casa aqui e essa ali [apontando para uma casa próxima], era cinco casas que tinha nesse bairro. Agora lá pra baixo, tinha duas. Era muito distante do centro (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014).

D. Anedina, D. Inácia e D. Josefa falaram que a cidade era muito menor que hoje e, no Bairro Bela Vista, as poucas casas que havia, eram muito pequenas e distantes. Atualmente, o bairro Bela Vista é o maior bairro de Jardim do Seridó. Sabendo desse assunto, D. Ildete descreve como era Jardim e sua população:

Só era da sociedade quem tinha dinheiro. Naquele tempo, Jardim era uma cidade pequena, que Jardim cresceu muito. Aqui, nesse Bela Vista, não existia, hoje é uma cidade nova, é Jardim novo, o Bela Vista. Mas, antigamente, só tinha bode, chamavam Berra Bode n’era? Olhe o Alto Baixo (onde ela morava com sua mãe e irmãos, quando jovem) onde eu nascia, tinha umas três casas, hoje tem bem mil (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014).

Todas nos contaram como ficam impressionadas ao lembrar-se da cidade nos tempos que trabalhavam como lavadeiras, e os atuais dias, assim como falam das modificações que se deram ao longo do tempo com relação à população e aos avanços tecnológicos. Certeau, ao tratar do espaço e suas transformações, mostra que a modificação do espaço se dá com o contato humano, pois “os jogos dos passos mudam espaços” (1990, p. 176). Essa reflexão nos diz que o espaço pode mudar de acordo com dois fatores: as pessoas que o habitam e o tempo que pode levar de acordo com as pessoas que compõem esses espaços. Isso pode variar de acordo com práticas culturais. Esses locais que tinham circulações de lavadeiras foram mudando de acordo com elas. Como podemos notar as lavanderias coletivas só foram criadas, pensando, primeiramente, nessas mulheres que tinham dificuldades de lavar suas roupas nas beiras dos açudes, em pedras. Assim como elas encontravam uma forma para modificar seus locais de trabalho, em tempos de seca, essas lavadeiras sempre encontravam um jeito para driblar essas dificuldades que apareciam com a falta de água. Como já foi citado, os períodos de estiagem eram os mais difíceis, no entanto, elas migravam para o próximo açude lavadouro e davam conta de tudo, como nos conta D. Ildete:

Ah, período de seca, quando não tinha, lavava roupa no poço doce, que todo mundo sabe. Quando estava seco o pessoal que lava roupa, ia pra lá. Depois, quando começava a chover que o rio botava água, minha mãe lavava ali por

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trás da Calpúrnia... Era bom demais, uma vida “véa” que ninguém tinha nada e ninguém reclamava (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014).

Apesar das dificuldades que o tempo trazia para essas mulheres, elas continuavam suas trajetórias sem muitas reclamações. Algumas se mudavam para outros açudes, outras cavavam uma cacimba no rio para trabalhar no Rio Cobra ou no Rio Seridó. Ainda hoje podemos notar o medo que as lavadeiras têm ao lembrar-se da seca. Segundo D. Inácia, quando era em período de seca, a população enchia os seus reservatórios de água através de um carro-pipa que passava pelos bairros, isso já na década de 1990. D. Inácia nos conta como era isso: “era na pipa né? Onde a pipa tava, a gente tava atrás da pipa pra pegar água. Que eu não quero nem me lembrar, meu Deus do céu, tomara que chova” (Inacia de Oliveira Gonzaga, 11 de nov. de 2014). Já D. Severina e as demais lavadeiras do seu tempo (por volta dos anos de 1950) migravam, com suas trouxas de roupas, para lavar no rio Seridó, próximo a Jardim do Seridó, e a água era retirada de cacimbas. D. Anedina nos contou que recolhia as roupas que tinha para lavar, e fazia isso em sua casa: “tinha que ir pra o açude, quando num tinha (água), tempo de seca, era no poço. Lá no finado Patrício, ele fez um tanque bem grandão, aí ia muita gente lavar lá” (Anedina Meira De Medeiros Azevedo, 11 de nov. de 2014). Geralmente, o lavadouro que D. Josefa frequentava, era próximo ao açude, mas ela nos conta, com mais detalhes, o que acontecia em período de seca:

Lavava na cacimba quando era tempo de seca, aí a gente lavava cacimba. Aí, quando era tempo de chuva, n’era?! Lavava nos riacho, no açude. Tempo de seca a gente tem que chegar lá de três e meia da madrugada, três horas, pra conseguir, conseguir lavar umas roupinhas mais... porque é pouca água, com muita gente. A gente puxava a água do açude pra caixa d’água. Quem chegasse primeiro... Era porque quando aquela caixa d’agua se acabava, aí a gente tinha que esperar a bomba encher, puxar do assunto (e) encher pra poder lavar roupa, né? (Josefa Maria de Oliveira, 11 de nov. de 2014).

Ainda sobre as dificuldades que o período de seca trazia para a população jardinense e, principalmente, para aquelas mulheres que precisavam da água para lavar suas roupas e ganhar com isso, D. Josefa nos conta histórias de dificuldade que ela passou para criar seus filhos e a neta, Pâmela. Dentre várias histórias, D. Josefa nos disse que além de lavadeira, era doméstica, e tinha que conciliar esses dois trabalhos com a criação de sua neta. Em tempos de seca, com a neta criança, ia para a casa de seus 86

patrões cuidar dos serviços domésticos, e deixava para lavar uma vez por semana. Recolhia as roupas na quarta e, na quinta, ia lavar as roupas no sítio do tio, Zé do Ouro, que tinha um reservatório de água:

Aí chegou um tempo, uma época de uma seca, era bem novinha ela [fala da neta, Pâmela, que ela criou], eu trabalhava lá em Nino Ferreirinha e lavava roupa na casa de Maria. O que acontece? Na quarta-feira eles trazia a roupa, aí quando era na quinta eu ia pra o sítio lavar, lá na casa do meu tio, aí era numa seca, num tinha água, só tinha somente, porque meu tio Zé do Ouro, ele gostava muito de ter cuidado nas águas né? Aí tem aqueles barreiros, aí tinha aquele açude, aí só pegava o pessoá da “família mesmo, aí eu ia, eu saia de quatro horas da madrugada nesse mundo do sítio (Josefa Maria de Oliveira, 11 de nov. de 2014).

Além da dificuldade que as pessoas desse tempo sofriam com a ausência de água encanada, outros problemas sérios com relação à água dos poços e açudes, que eram mais sujos, devido à escassez que os tempos de seca traziam, com isso, essas mulheres teriam que ir colher a água ou lavar suas roupas bem mais cedo, para não pegar a água suja de lodo ou de barro, a água baldeada como diziam. LAVA E ENGOMA: COMO ERAM PRATICADOS ESSES OFÍCIOS E O RESULTADO DESSES TRABALHOS

A lavadeira também se fazia engomadeira, onde um trabalho completava o outro. As mulheres achavam mais adequado entregar as roupas lavadas e passadas, uma vez que com isso poderiam cobrar um pouco mais, e sua clientela se via mais satisfeita. No entanto, entre as lavadeiras que entrevistamos, tinham aquelas que não engomavam, só faziam isso para a clientela mais próxima, e que trabalhavam há mais tempo, como era o caso de D. Maria de Genésio, que nos conta D. Ildete: “minha mãe não era assim, engomadeira não, ela engomava alguma coisa e as de casa” (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014). Nos tempos em que sabão em pó, o mais adequado para a lavagem de roupa, não existia, ou era muito difícil, elas lavavam apenas com sabão em barra. A água sanitária, produto que auxilia no clareamento das roupas brancas, não era popularmente utilizada, o que valia era esfregar bem, com as próprias mãos. O trabalho de lavar a roupa se

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encontrava entre as mãos para esfregar, a pedra, para bater, e o fogo, para “cozinhar56” as roupas. Mesmo não tendo tantos produtos para a lavagem, como atualmente são popularmente conhecidos, essas lavadeiras sempre davam um jeito para encontrar melhores formas de deixar as roupas alvas e cheirosas, como nos conta D. Ildete, sua mãe tinha as técnicas adequadas, como as outras lavadeiras, para cuidar das roupas:

Lavava com sabão preto, botava limão debaixo da sovaqueira dos homens, que às vezes ficava encardido. Mãe metia limão no sovaco, fervia roupa, que hoje ninguém faz mais isso, né? Usava (referente ao produto anil), pra ficar azulzinho. Essas roupinhas assim, branca, botava assim... (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014).

Segundo D. Inácia, os rituais de lavar roupa não se diferenciavam muito dos dias atuais, ela lavava com água sanitária, sabão e anil, e, para obter melhores resultados com a roupa, botava sempre para quarar. O lavar a roupa de D. Severina seguia o ritual das demais: esfregava a roupa nas mãos com sabão comum, usava anil, deixava no quarador que, segundo D. Severina, “era um quarador muito bonito” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014), e não botava a roupa para ferver, só se a pessoa estivesse doente. O lugar de estender a roupa era por lá mesmo, próximo ao lavadouro, onde lavava, tinha que estender. Só levava a roupa para casa quando estivesse bem seca. Sobre o ato de botar a roupa no quarador, D. Josefa nos conta como isso acontecia, com mais detalhes, e como ela lavava suas roupas:

Naquela época, ensaboava a roupa, aí o povo gostava muito de ensaboar no sabão só em barra, aí botava no quarador pra quarar, ficava muito cheirosa. Botava um pouquinho de água sanitária, muito pouco, o povo num gostava muito não, também não. O povo gostava era de quarador. Ficava legal, bem alvinha a roupa e muito limpa. A gente estendia numa cerca. Assim, que eu não podia trazer toda, né? Aí, eu estendia um bocado na cerca, aí o outro trazia pra casa. Quando eu deixava as outras em casa, eu ia lá buscar as que tavam lá na cerca já (Josefa Maria de Oliveira, 11 de nov. de 2014).

Como pudemos observar, os rituais de lavagens não se distanciam muito da atualidade, só com algumas ressalvas, que eram seguidos com os produtos disponíveis no tempo que elas lavavam. Bem como as lavagens, o engomar era diferente, pois estas utilizavam o ferro à brasa, o ferro elétrico não era frequente entre as pessoas. Em meio a

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Esse é o termo utilizado por nossas entrevistadas para dizer que as roupas deveriam ferver em água quente para tirar as manchas mais escuras das roupas e o trabalho se tornar mais fácil.

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isso, ouvimos como elas engomavam as roupas, assim nos conta D. Ildete, as práticas de D. Maria de Genésio para engomar as roupas:

Com ferro de brasa, e o lugar onde ela engomava era uma... hoje a gente compra aquelas tábuas nas lojas, né?! Mas na época, eu me lembro que minha mãe botava uma tábua dessas de botar pra o pedreiro subir né? Enrolava num pano e botava uma pedra em cima pra engomar aquelas roupas (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014).

Do mesmo modo, D. Severina engomava a roupa em casa com ferro à brasa. Entregava a roupa lavada e engomada. D. Severina nos disse que ganhava por volta de quinze mil réis, dez mil réis por mês. Não lembra ao certo, pois faz muito tempo, e ela nos disse que lavou roupa durante vinte anos de sua vida. Apesar de ganhar pouco, D. Severina nos disse que gostava de lavar roupa, “tudo no mundo que eu faço, eu faço com gosto” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014). Além de lavar roupa, ela também fazia outros bicos, como fazer chouriço e linguiça. Ela só parou de lavar e engomar roupa por recomendação médica, como nos conta: “porque eu fui proibida do médico, porque tava me ofendendo, sabe?! Num foi só da lavagem, foi da engomada, porque quando eu engomava, eu tomava muita água, sem me alimentar. Aí o médico me proibiu” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014). Entre outros fatores, como já foi citado, havia aquelas lavadeiras que não engomavam e só passaram a fazer isso com o tempo, como D. Inácia, que a priori, não engomava as roupas, apenas lavava e as entregava. D. Inácia começou a engomar as roupas só depois dos dezoito anos, ela não nos falou o porquê, mas entendemos que, analisando o depoimento das outras lavadeiras, isso poderia ocorrer a partir do pedido de seus clientes. Os clientes que pediam para engomar as roupas, elas faziam para obter uma renda melhor. Diferente das lavadeiras citadas anteriormente, D. Josefa e D. Anedina lavavam e engomavam as roupas desde sempre. D. Anedina lava e engoma até os dias de hoje. D. Josefa nos conta que engomou com ferro à brasa enquanto morava no sítio: “elétrico no sítio não, no sítio era ferro de brasa, agora quando eu vim morar na rua, já era ferro elétrico” (Josefa Maria de Oliveira, 11 de nov. de 2014). Com isso, notamos que podemos aprender um pouco com essas mulheres e a história de vida delas. Para a conclusão dessas histórias, procuramos saber, por elas, o que esse trabalho proporcionou para suas vidas, e aqui segue um pouco de cada uma: atualmente, D. Inácia ainda lava roupas, diariamente, e as engoma como profissão. 89

Inclusive, no dia que a entrevistamos, D. Inácia estava em sua luta diária: engomando uma “trouxa” de roupa para entregar ao seu freguês. A mesma nos falou que as roupas são lavadas em um tanquinho, muito diferente dos tempos em que ela as lavava nas mãos, em pedras à beira de riachos, de poços e de açudes. D. Severina trabalhou por muito tempo como lavadeira, e, com sua renda, juntando por um tempo, conseguiu comprar sua atual casa, ela nos conta, com orgulho, esse ato: “comprei essa casa [se referindo a casa onde mora] com lavagem de roupa, compraram pra mim ir pagando, sabe?” (Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014). Inclusive, D. Severina nos falou que quem comprou sua casa foi um cliente, que ela lavava roupa. Ele a ajudou a comprar sua atual casa, na qual D. Severina foi pagando com seu trabalho de lavagem de roupa e suas economias Sobre o resultado do esforço de D. Maria de Genésio, D. Ildete nos conta que sua mãe, desde muito tempo, procurou as melhores formas de sustentar a casa e guiar seus filhos para o estudo e um futuro promissor. O resultado desse futuro pode ser visto hoje, através de D. Ildete e seus irmãos, que são resultado de um alicerce firme da família. D. Maria de Genésio, lavadeira, conhecida entre a população jardinense sempre se fez presente no trabalho e dedicação, incentivou da melhor forma seus filhos, encaminhando-os na vida. Do filho mais velho para refletir no filho mais novo, D. Maria criou seus filhos com dedicação, como nos conta D. Ildete:

A gente tem alguma coisa através de estudo, meu irmão mais velho estudou muito, eu sou a mais nova, fui a que menos sofri, porque [eles] já empregados, ia me dando as coisas e eu também toda vida quis estudar e minha mãe morreu muito feliz, porque morreu já numa vida muito boa, tendo tudo (Ildete Gomes, 29 de set. de 2014).

D. Josefa nos falou que sua profissão desde sempre foi ser lavadeira, assim ela criou seus filhos e sustentou a casa, como nos conta: “Eu sustentava a mãe dela [aponta para a neta, a aluna Paloma, filha de uma de suas filhas], a minha filha e o meu filho. O estudo deles, roupa, tudo com a lavagem de roupa” (Josefa Maria de Oliveira, 11 de nov. de 2014). O sustento que tirava da lavagem de roupa deu para criar seus filhos muito bem, ela mesma assumiu as despesas da casa, pois nos conta que seu ex-marido era viciado em bebida alcoólica e, com isso, o dinheiro dele não dava para o sustento. É preciso reconhecermos a importância desse trabalho e tudo que deve ser mostrado através dele. Reconhecer o valor dessas mulheres, e como o lugar que elas se

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inserem em nossa história serve para refletir nos valores futuros que podem ser mostrados por meio de trabalhos e valores de gêneros. As memórias por elas aqui compartilhadas serviram para entendermos como era a cidade e parte da população de Jardim do Seridó, sobretudo o reconhecimento do trabalho de lavadeira, que é pouco valorizado, apesar das dificuldades que oferece aos seus praticantes. Essas memórias e histórias nos fizeram entrar em um universo paralelo ao nosso, onde um ato ainda se faz presente até os dias de hoje, como o de lavadeira, que vemos sendo praticados por diversas pessoas, mas que são de diferentes formas, advindas de inovações tecnológicas e mudanças de espaço. Atualmente, não é visto os lavadouros e a frequente paisagem de rios, açudes e poços compostos por mulheres que embelezavam o ambiente com sua alegria e dedicação para com o trabalho de lavadeira. Da mesma forma, não sentimos o cheiro das roupas lavadas, que eram postas em varais improvisados nesses lavadouros. Desse modo, fica uma reflexão: com o advento da tecnologia e a mudança do espaço e do tempo, devemos esquecer aquelas que se faziam presentes, com dedicação no seu trabalho, assim como a colaboração que prestaram à sociedade? Acredito que devemos valorizar essas lavadeiras, do mesmo modo que devemos valorizar as engomadeiras, industriais, empregadas domésticas, entre outras, pois essas mulheres são guerreiras por serem pouco reconhecidas e, mesmo assim, ainda lutarem por seus valores e direitos, cuidando do seu trabalho e do lar.

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CAPÍTULO V ENTRE PASSOS E ESPAÇOS: OS CIGANOS QUE HABITARAM JARDIM DO SERIDÓ Uma alma cigana é livre! Livre no seu pensar e no seu sentir. Se tirarem dela a liberdade de ser como é, Ela se encolhe, se fecha, envelhece, entristece... Tirar a alegria de uma alma cigana é condená-la à infelicidade. (Poema: A alma cigana/ Autora: Adriana Rodrigues Torres)

Imagem 27: Ciganos57

Ao associar o poema à imagem, podemos notar que a descrição para ciganos seria um povo livre, nômade58 e festeiro, mas os ciganos não são apenas isso. A cultura cigana é tão rica quanto às demais, cheias de: cores, sabores, crenças, movimentos e danças. Quando falamos em ciganos, logo aparecem como sinônimos59: boêmios, desregrados,

errantes,

itinerantes,

livres,

nômades,

andarilhos,

vagabundos,

espertalhões, malandros, sabidos, sagazes, trapaceiros, velhacos, festeiros, entre outros. 57

Disponível em: http://revistadeciframe.com/2009/04/03/o-misticismo-do-povo-cigano/Acesso em: 23/12/2014. 58 Que viaja muito e não mora em um lugar fixo. 59 Dicionário de sinônimos online. Disponível em: http://www.sinonimos.com.br/cigano/. Acesso em: 23/12/2014.

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Isso acontece porque o povo cigano é muito conhecido pela vida nômade que leva, mas este é um acontecimento decorrente do reflexo de perseguições que se deu ao longo do tempo contra esse povo, com isso, não conseguiam se fixar, por muito tempo, em um local, não possuindo profissão e nenhuma ligação com as pessoas que habitam aquela região. Por esse motivo, os ciganos começaram a ser mercadores, comerciantes, vendedores, entre outros ofícios, e seus modos de viver foram se moldando às dificuldades que esse povo leva consigo. Nos capítulos anteriores abordamos assuntos que são voltados para o ofício da profissão, especificamente falando de benzedeiros, parteiras e lavadeiras. Tratamos da história de Jardim do Seridó e suas transformações no tempo, como também seus personagens, cultura e religião. Neste capítulo, abordaremos especificamente, a cultura cigana, mas envolvendo outro viés: o cigano na visão da população jardinense, residente do Bairro Belo Vista. A pesquisa tomará por base os ciganos que habitaram, por um tempo, o bairro em foco. Antes de adentrar nas memórias das nossas entrevistadas, faremos uma análise na cultura cigana, bem como na história do povo cigano. Nosso intuito não é escrever uma história, propriamente dita, desses ciganos que habitaram o Bairro Bela Vista, mas entender parte da cultura cigana e ter conhecimento de como a população do bairro os via e descrevia, uma vez que se trata de outra cultura, língua e crenças. CIGANOS, FILHOS DO VENTO.

No livro Ciganos, os filhos do vento, Baçan trabalha o povo cigano por outra perspectiva, partindo do estudo sobre Niculescu Kwiek, descendente da antiga e conhecida Família Kwiek, que se encarrega de transmitir conhecimento da cultura cigana, cultura muitas vezes passada apenas pela oralidade, ou seja, de pai para filho. A origem dos ciganos continua a aguçar a curiosidade de muitos estudiosos. Com base nos estudos primeiramente feitos por Stephan Valvi, no século XVIII, e posteriormente comprovados August Friedrich Pott, no século XIX, sobre a língua cigana – a romani, comprovou-se que os ciganos são povos advindos da Índia (BAÇAN, 2014, p. 10-11). Lendas de tempos diferentes se encarregam de falar sobre a origem cigana, no entanto, Baçan diz que essa origem é contada por muitos partindo da crença que este povo seria um povo condenado pelos cristãos a viver como nômades, sem ter um lugar 93

fixo: “observadas friamente, todas essas lendas tem um ponto em comum: o de transformar os ciganos em inimigos dos cristãos, canalizando para eles a inimizade e as perseguições” (BAÇAN, 2014, p. 15). Sendo este o motivo que torna os ciganos, povos perseguidos e, por isso, andantes. Por serem povos nômades, há a grande possibilidade da cultura cigana ser uma mescla de várias outras culturas, dificultando a compreensão da história do surgimento desse povo. Entre tantas lendas, Baçan ressalta a história que diz que o povo cigano é descendente de um cigano ladrão. Ele teria roubado o quarto cravo da crucificação de Cristo, tendo sido por isso amaldiçoado pelos discípulos e seguidores de Cristo a serem banidos da terra, tendo que se espalhar pelo mundo, sem um lugar fixo para permanecer. O autor comprova essa versão como sendo verdadeira, pois há registros a respeito dessa lenda, Baçan nos conta:

De qualquer forma, há registros a respeito da lenda que atribui a um cigano ter forjado os pregos da crucificação. O primeiro deles, inclusive, aparece em um artigo do Dr. B. Bogisic, em Os Ciganos Eslavos em Montenegro, publicado em maio de 1874, e em O Foclore de Lesbos, de G. Pineau Georgeakis e Léon, publicado em Paris, no ano de 1891, no Canto de Sextafeira Santa (2014, p. 15).

Por esse motivo, há a crença nessa descendência que Baçan atribui aos ciganos, não sendo somente povos condenados a viver sem um lugar fixo, mas crentes que furtar está no sangue deles, uma vez que herdaram de seus antecedentes. Baçan nos diz isso tendo em vista uma carta de M. Bataillard, do ano de 1880, onde aparece uma cigana da Alsácia, pedindo liberdade para dos seus, com o pretexto de que os ciganos têm permissão divina para roubar uma vez a cada sete anos. Na carta, Mataillard escreveu o que a cigana disse:

(...) -É uma história que vós certamente deveis saber. Estavam para crucificar Jesus. Uma de nossas mulheres passou e roubou um dos pregos que eles usariam. Ela gostaria de roubar todos os quatro cravos, mas não pôde. De qualquer forma, foi só um e é por isso que Jesus foi crucificado com apenas três pregos, um único para os dois pés. E é por isso que Jesus deu aos Ciganos permissão para roubar uma vez a cada sete anos. Os ciganos da Lituânia dizem também que roubar foi permitido por Jesus crucificado, porque os ciganos, estando presente na Crucificação, roubaram um dos quatro pregos. Portanto, quando as mãos tinham sido pregadas, havia apenas um prego para os pés e, por isso, Deus lhes permitiu roubar e não é contado como pecado para eles (2014, p. 20).

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Uma das características marcantes dos povos ciganos são as práticas divinatórias, dentre elas: a quiromancia, ato de adivinhar o futuro através das linhas ou formas das mãos. Por esse motivo, os ciganos foram, durante muito tempo, perseguidos pela Inquisição por grande parte da Europa, sendo acusados de praticar feitiçaria, com isso, foram presos, torturados e queimados em praça pública.

Imagem 28: Ciganos em acampamentos60

Os ciganos foram expulsos da Europa, nos séculos XVI e XVIII, e mandados para vários outros países como: África, Brasil, Espanha e América do Norte. Segundo Baçan, as perseguições contra os ciganos, que ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial, resultaram em mais de quinhentos mil ciganos mortos nos campos de concentração alemã, e outros milhares presos e deportados (2014, p. 25). Por essas perseguições, as lendas ciganas, que contavam como praga rogada a esses povos para se tornarem andarilhos e sem destinos certos, passaram a ser uma realidade na qual fazia dos ciganos, pessoas nômades por necessidades. Segundo Baçan, a presença de povos ciganos no Brasil é contada em um documento com que D. Sebastião transformava em pena de degredo a condenação às galés do cigano João de Torres (2014, p. 64). “Os ciganos que chegaram ao Brasil partiram inicialmente de Portugal, onde pertenciam ao ramo dos gitanos ou Calé, da Espanha. A palavra cigano identifica justamente o gitano, ou cigano espanhol estabelecido em Portugal” (BAÇAN, 2014, p. 64). Os ciganos são conhecidos como Rom que é uma palavra designada de Romani, onde significa homem e, toda e qualquer 60

Disponível em: http://revistadeciframe.com/2009/04/03/o-misticismo-do-povo-cigano/. Acesso em 23/12/2014.

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pessoa que não pertença aos ciganos são conhecidos e tratados como gadjos (ou não ciganos). Em meios aos séculos XV e XVI, os ciganos migraram para o Brasil, fugindo da Europa e, muitas vezes, sendo expulsos pela coroa. Segundo Arno Wehling e Maria José Wehling, os ciganos sempre foram tratados com hostilidade no Brasil, isso desde os tempos coloniais “até meados do século XVIII o governo português ora determinava sua deportação para o Brasil, ora proibia sua entrada na colônia, mas sempre demonstrando em relação a eles uma atitude hostil” (1999, p. 240). Rodrigo Corrêa Teixeira fez estudos sobre os ciganos no Brasil, tendo como recorte temporal os séculos XVII ao XIX, intitulando seu trabalho como A História dos Ciganos no Brasil, tendo em vista uma história geral desses ciganos no país, a inserção dos ciganos na economia e a imagem dos ciganos no Brasil. Nesse viés, fazemos uso de parte desse trabalho para entendermos como era a aparência física dos ciganos e como as pessoas os descreviam. Segundo Teixeira, as feições dos ciganos, em meio ao século XIX remetiam a estereótipos e traços físicos da beleza grega, sendo considerada como uma beleza admirável e, muitas vezes até exaltada. As pessoas descreviam os ciganos como povos de belezas enigmáticas, cabelos escuros e brilhantes, olhos vivos, corpos esbeltos e ágeis, de pele morena clara. As mulheres eram tidas como misteriosas, atraentes, e com longas madeixas. Os homens faziam uso de barba e cabelos medianos, tendo boa forma física, decorrente da vida nômade, constante viagens e contato com a natureza, que os faziam compostos de espírito aventureiro (2008, p. 65). Os ciganos eram diferenciados pelo olhar. Quando um cigano ia fazer negócios com outras pessoas (ciganas ou não ciganas), fixava o olhar para ter conhecimento de quem estava a tratar: “o encontro e a revelação do outro se inicia com o olhar. A presença do olhar cigano instaurava uma crise na identidade do não cigano, acompanhada de perplexidade e medo” (TEIXEIRA, 2008, p. 67). A ideia do olhar cigano é cultivada até os dias atuais como poderoso. Segundo Teixeira, não se sabe desde quando, mas se cultivou a ideia desse olhar como sendo “mágico e poderoso, capaz de lançar pragas e maldições. Este olhar se caracterizaria não só pelo exotismo dos olhos com grandes pupilas, mas também por uma certa magia na forma de fixá-los” (2008, p. 67). Dentre várias características, está a de negociante. Os ciganos são, muitas vezes, grandes comerciantes, esse fator foi adquirido como forma de sobrevivência, uma vez 96

que sua renda dependia de negociações por onde passava. Esses ciganos comerciantes são tidos como espertos e enganadores pelos não ciganos, por ter facilidade nos negócios, vendem com grande habilidade. Conforme nos conta Baçan,

É lendária e folclórica a imagem da esperteza dos ciganos, povo nômade que, por tradição e necessidade, fez dos negócios sua principal fonte de rendas. Nas vendas e nas trocas apregoa-se que é impossível enganar um cigano. Em nossa literatura, há inúmeros contos que retratam essa inteligência aguçada para o lucro e a agilidade com que parecem trapacear, mas que, na verdade, apenas exploram a pretensa esperteza de seus clientes, ou oponentes, em benefício próprio. Quando imaginam estar ludibriando um cigano, na realidade está apenas sendo ludibriado pela própria esperteza (2014, p. 44).

Por serem bons negociadores, esses homens eram tidos como enganadores e preguiçosos, por não terem trabalho e renda fixa, o que causava mais repugnância entre as pessoas que os observavam. Esses ciganos sempre têm esperteza quando o assunto é negócios, e, principalmente, quando o negócio for tratado com um gadjo, ou seja, um não cigano, pois este não pertence à sua raça. É inadmissível a mentira entre os povos ciganos, com exceção de causas justas ou quando a mentira for para um gadjo, nesse caso, pode ocorrer em demasiado, pois o cigano se sente bem ao passar um não cigano para trás. Sendo conhecidos como astutos, os ciganos muitas vezes, não se vestiam diferente dos demais homens, pois isso o desvendava perante os demais, impedindo de fazer negócios. Ao debruçar-se sobre o que tem escrito do imaginário das pessoas com relação aos povos ciganos, podemos notar que por muito tempo na história esse povo foi visto de forma perversa, sendo descritos como charlatões, preguiçosos, ladrões e marginais. Isso se dá decorrente de fatores que fazem do povo cigano pessoas inteligentes ao lidar com os outros. Além de misteriosos, são vistos de forma negativa, preconceituosa e enigmática, causando inquietude e curiosidade àqueles que tentam entender a história cigana. “ A estigmatização dos ciganos se estende de uma perspectiva física (sujos e fedorentos) a uma perspectiva mental (preguiçosos, pidões), por meio de um sistema de controle e de subordinação

hierárquica,

justificada

pela

ausência

de

disciplina do corpo. [...] os ciganos são descritos pela incapacidade de disciplinar seus corpos, isto é limpar, lavar, arrumar, moldar, cheirar, conter, purificar. Por apresentar sistemática e publicamente um corpo distinto dos modelos oficiais de limpeza e de beleza são vistos como indivíduos

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indisciplinados, insolentes, que ofendem e causam „nojo‟. Este corpo cria tensões pela ausência de educação, de beleza, de limpeza, por isso é usado para reiterar uma pretensa inferioridade. (GOLDFABER. 2004, p. 86)

Adentrar na história dos povos ciganos é o mesmo que pisar em um terreno escorregadio, pois pouco se tem escrito e estudado com base em fontes que não sejam do olhar de fora, ou seja, daqueles que não são ciganos. Por esse motivo, não arriscamos escrever a história dos ciganos que passaram e acamparam no bairro Bela Vista, mas, sim, buscaremos entender como as pessoas viam esses ciganos para compreender um pouco dessa cultura e ter conhecimento das ferramentas que formam o olhar da população jardinense perante uma cultura tida como diferente. OS CIGANOS SOB OUTRA ÓTICA: A PASSAGEM DOS CIGANOS EM JARDIM DO SERIDÓ

Os ciganos que habitaram o Bairro Bela Vista, fizeram-no em tempos distintos e eram provenientes de várias partes da região, por isso nossas entrevistadas não souberam informar a procedência desses. Normalmente, os ciganos não falam de onde vêm ou para onde vão, pois estes preferem manter sigilo sobre seu paradeiro. Porém, em pesquisa realizada por estudiosos do Centro de Ciências Sociais da UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, constatou-se que no Brasil, vivem cerca de 1 milhão de pessoas ciganas, distribuídas em três grupos: Calon, Rom e Sinti espalhados em quase todos os estados. De acordo com pesquisas realizadas pelos pesquisadores da UFRN , o estado do RN (Rio Grande do Norte) possui doze cidades com presença cigana. São elas: Natal, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, Serra Caiada, Tangará, Currais Novos, Cruzeta, Florânia, São Vicente, Caicó, São Rafael e Apodi, e que, esses ciganos pertencem ao grupo denominado Praça Calon. O grupo cigano, que habitou em Jardim do Seridó, era composto por mulheres, homens, alguns idosos e crianças. Para saber mais informações sobre esse grupo, entrevistamos cinco moradoras do bairro Bela Vista que têm conhecimento da passagem desses ciganos no bairro. Umas tiveram contatos íntimos, chegando a aceitar visitas de pessoas do bando cigano em suas casas; outras, apenas observaram, por fora, o comportamento desse grupo e, como outros habitantes do bairro, preferiram não manter contato íntimo com eles. 98

As entrevistadas nos contaram que o bairro era pouco povoado nos tempos decorrentes à chegada desses ciganos e as casas eram bastante isoladas umas das outras, sobretudo na região do bairro onde eles se fixaram. Isso já sinaliza as dificuldades que tivemos para encontrar depoentes que pudessem nos contar sobre a passagem desses ciganos na comunidade, uma vez que o contato pessoal entre eles e os não ciganos era quase inexistente. Sobre registros que tratassem de passagens dos ciganos em Jardim do Seridó, temos poucos, dentre eles, o trabalho de Rosenilson da Silva Santos, que tem como título Intercessões entre a fotografia e a história oral: representações de mendigos, loucos e ciganos na obra de José Modesto (Jardim do Seridó/RN, 1960 – 1980), onde o autor mostra a importância da fotografia para a descrição histórica de uma região, assim como a capacidade que a imagem tem para falar sobre um acontecimento ou personagem. A importância do estudo de Santos pode ser mostrado no valor que as lentes de José Modesto atribuíram aos personagens dos mendigos, loucos e ciganos, tornando-os figuras imortais, congeladas nas fotografias. No seu trabalho, Santos fala de dois personagens de Jardim do Seridó que os jardinenses não sabiam de onde eram, mas que apareceram na cidade e se tornaram pessoas queridas entre os que habitavam em Jardim, sendo esses fotografados por José Modesto:

Conrradinha é exemplo disso, não sabia de onde vinha, onde nascera e nem para onde ia, também o cigano que por vezes aparecia pela cidade, sem que ninguém soubesse nada de sua vida. (...) Segundo os depoimentos, tanto o cigano como Conrradinha eram muito queridos por todos” (2010, p. 11- 12).

Santos mostra, em seu trabalho, a importância que se deve dar aos personagens que fazem parte da história de uma região, mas que, muitas vezes, são renegados por viverem à margem da sociedade. Tratar da história de personagens que fazem parte da construção historiográfica de Jardim do Seridó, dentre eles, os ciganos, pessoas que mesmo estando de passagem, puderam mudar o cenário histórico de uma região é importante e, ao mesmo tempo, perigoso, pois não temos fontes que partam deles para falarmos sobre essa passagem. Para falarmos desses grupos ciganos que habitaram o Bairro Bela Vista, entrevistamos Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, Maria Aparecida Araújo de Brito, Inês Azevedo dos Santos, Severina Maria de Oliveira e Débora Liz Silva de Azevedo.

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Todas de idades diferentes, e de convivência com os ciganos em épocas diferentes. D. Dilma e D. Maria Aparecida falam da vinda de ciganos para o bairro no período de 1980 a 2000. Nesse período, esses grupos se instalaram e passaram maiores temporadas, chegando a residir em casas com piso de barro. D. Severina, D. Inês e Débora identificam outras permanências de ciganos no bairro por volta de 2005 a 2007 quando eles se instalaram no terreno que atualmente é a Capela São José. Comecemos a falar sobre os ciganos com base nos depoimentos de D. Dilma (Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, 48) residente do bairro Bela Vista que nos falou sobre o ano que eles se alocaram no bairro: “de (mil novecentos e) oitenta e três até noventa e nove/dois mil. Que eles moravam aqui mesmo. Eles iam, voltavam. Eles tinham uma temporada (que) ficavam aqui por alguns meses, mas foi até dois mil” (Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014).

Imagem 29: Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, ao centro, cedendo entrevista na Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Jardim do Seridó-RN. Fonte: Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha 29 de out. de 2014.

D. Dilma nos falou que não sabia de onde exatamente os ciganos vieram, mas sempre ficavam de Cruzeta a Jardim do Seridó e, vice-versa. O destino dos ciganos não era certo, pois esses sempre procuravam omitir de onde vieram ou para onde iam, fato muito improvável de contar para um gadjo (pessoa que não é cigana). D. Dilma também nos falou que os ciganos vieram montados em cavalos e eram pobres, a princípio: “no início de mil novecentos e oitenta e três, num foi?! Eles chegaram aqui a cavalo, em 100

burro, no lombo dos burros. De cangaia, outros de sela, cavalo... mas na época eles não tinham carro, eram pobres ainda. Eram menos civilizados do que os ciganos de hoje” (Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014). D. Maria Aparecida (Maria Aparecida Araújo de Brito, 54 anos) residente no bairro Bela Vista, teve contato próximo com esses ciganos que habitaram nos anos de mil novecentos e oitenta. Ela nos falou que os ciganos acamparam próximo à quadra do bairro. Segundo D. Maria Aparecida, os ciganos vieram em mil novecentos e oitenta e dois e ficaram por muito tempo, chegando a morar no bairro e, sempre viajavam para outras cidades, mas estavam sempre de volta a Jardim do Seridó:

(Vieram em) mil novecentos e oitenta e dois. Eles ficaram mais ou menos até mil novecentos e oitenta e sete, por aí, oitenta e sete. Hoje eles residem em Cruzeta. Eles passaram, eles sempre passavam aqui, sempre... todos os anos eles passavam aqui, sempre eles vinham. Vinha passava uns dias e voltava. Passavam uma semana, quinze dias, um mês (Maria Aparecida Araújo de Brito, 01 de Nov. de 2014).

Imagem 30: Maria Aparecida Araújo de Brito, à direita, em sua residência, nos cedendo entrevista. Fonte: Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha, 01 de Nov. de 2014.

D. Maria Aparecida nos falou que os ciganos tiveram de voltar tantas outras vezes ao bairro, que chegaram a ser os construtores e donos de várias casas no bairro Bela Vista, inclusive a casa que a mesma reside, atualmente, foi de um dos ciganos. Sobre o bairro, antes deles chegarem, D. Maria Aparecida nos falou: “pouca casa, tinha 101

pouca casa. Essas casas, aqui, foram eles que construíram. Eles construíram uma... três casas, essa... O nome da dona dessa casa aqui era Burrega.” (Maria Aparecida Araújo de Brito, 01 de Nov. de 2014). Sobre o destino do grupo de ciganos, D. Dilma nos disse que os ciganos migraram para a cidade de Cruzeta, cidade próxima a São José do Seridó, e sempre voltavam para Jardim do Seridó, porque tinham residência no bairro Bela Vista:

Eram os mesmos ciganos, eles tinham casa e tudo aqui no Bela Vista. Dois meses, três. Viajavam e voltavam, porque era pra perto que eles viajavam. Ai, pra onde eles foram daqui eu não sei. Porque eu tive de ver eles em Cruzeta, parece que o ponto deles mesmo, referencial era Cruzeta, ai de Cruzeta eu não sei pra onde eles se destinaram. Mas, quase toda semana tinha cigana aqui ainda, que elas vêm pedir na feira (Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014).

Sobre a ida e vinda dos ciganos, D. Maria Aparecida disse o mesmo que D. Dilma, sobre eles irem para Cruzeta e sempre voltar para Jardim do Seridó. É comum a chegada dos ciganos a essas paragens seridoenses por via da cidade de Cruzeta. De Cruzeta eles chegavam a São José do Seridó e a jardim do Seridó. Não era incomum, até a década de 1970, ver chegar por entre a caatinga seca, com suas mulas, jegues, cavalos e éguas carregadas de apetrechos, grandes grupos de ciganos vindo não sei de onde para canto nenhum e para todo canto. Eles passavam calados pelos transeuntes, pensativos e misteriosos, dando ao lugar por onde iam passando os tons de um cenário que entrava no cenário já existente, tomava suas cores e seus elementos e, à medida que iam passando, abriam passagem para a velha paisagem sertanista voltar a dominar. Eles com certeza não pareciam ser sertanejos. Havia algo peculiar em suas vestes, em seu andar, no seu falar e, também, em seu calar. Um calar misterioso que espalhava mistério e magia entre os que o viam passar nas estradas desertas do Seridó. Mas afinal de onde vinham e para onde iam? Hoje, analisando a configuração física do espaço regional, os vestígios orais de seus deslocamentos e a presença deles ainda em nosso meio, pode-se ariscar o palpite que eles viessem de Florânia ou da Serra de Tenente Laurentino. Existe até hoje uma estrada vicinal, ainda no barro, que liga Florânia a Cruzeta e que possivelmente foi rota de nomadismo para os ciganos que perambulavam Sertão adentro. Ademais, aquela sempre foi uma área onde os ciganos mantiveram seus ranchos e onde hoje ainda se encontram muitos ciganos vivendo um processo de aculturação com os não ciganos. Ali, muitos jovens ciganos estão se 102

integrando à cultura do não cigano, frequentando as mesmas escolas, as mesmas festas, assumindo os mesmos costumes. Esses jovens findarão por serem integrados ao cenário do não cigano, virar um não cigano com sangue de cigano. D. Severina (Severina Maria de Oliveira, 75 anos) nos conta que os ciganos, com a qual teve contato e convívio, habitaram o bairro Bela Vista por volta do ano de dois mil e sete. Disse-nos que não sabia de onde esses ciganos vinham, pois os mesmos não a contaram qual foi a cidade habitada anteriormente a Jardim do Seridó. Passando mais de mês alocados no Bairro Bela Vista, esses ciganos conviveram bem com D. Severina, chegando a se fazer presente na casa da mesma, como nos conta: “eles passavam assim, mês, mais de mês e habitavam muito aqui em casa. Eu dava muita assistência a eles, dava dormida, dava comida, dava tudo” (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014).

Imagem 31: D. Severina, em sua residência, cedendo entrevista sobre o convívio que teve com os ciganos para os alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Fonte: Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha, 28 de out. de 2014.

Os ciganos, que conviveram com D. Severina, acamparam por um bom tempo no terreno que atualmente se encontra a Capela São José, no Bairro Bela Vista: “aqui na capela [apontando para a capela que fica em frente a sua residência], era aberta, era... Num era feita não, só era coberta sabe? Aí era... num tinha parede não” (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014). D. Severina nos disse que esses ciganos acamparam no 103

terreno onde atualmente é o Posto de Saúde Regina Rebeca, sendo expulsos, migraram para o terreno, já citado, da Capela São José, onde tiveram que ter a permissão do pároco de Jardim do Seridó para ficarem lá. A entrevistada Débora (Débora Liz Silva de Azevedo, 14 anos), atualmente ainda muito jovem, recorda muito bem como era seu convívio, quando criança, com os ciganos que habitaram, por um tempo, o antigo terreno da atual Capela de São José.

Imagem 32: Débora Liz Silva de Azevedo, ao centro, cedendo entrevista sobre o convívio que teve com os ciganos, para os alunos da Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha. Fonte: Escola Municipal Profª Zélia Costa da Cunha 29 de out. de 2014.

O ano que os ciganos acamparam, era por volta de dois mil e cinco, como nos conta Débora, e o Bairro Bela Vista não era muito povoado, tendo poucas casa: “a igreja não era construída, e aquelas casas dali de cima não tinha, foram construídas agora. E nessa rua aqui, só tinha esse prédio aí e o da casa da senhora ali” (Débora Liz Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014). Na fala, como podemos notar, não fica muito claro a descrição do espaço, mas como estávamos presentes, observamos que Débora quis dizer que, próximo ao terreno, onde se encontravam os ciganos, só havia três casas, sendo elas: a casa de D. Severina, a entrevistada que se fez mais presente na vida desses ciganos; a casa de um senhor, que também teve contato com eles, mas atualmente não reside em Jardim do Seridó; e a casa de Débora. Apesar de Débora ser muito nova no período que se deu a chegada e permanência dos ciganos no bairro, escolhemos ouvir suas memórias, pois estas de certa forma são reflexo de uma possível realidade ou podem ser resultado de um pensamento

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coletivo, pois, segundo Maurice Halbwachs em A história vivida a partir da infância, no livro Memórias Compartilhadas,

Desde que a criança ultrapasse a etapa da vida puramente sensitiva, desde que ela se interessa pela significação das imagens e dos quadros que percebe, podemos dizer que ela pensa em comum com os outros, e que seu pensamento se divide entre o conjunto das impressões todas pessoais e diversas correntes de pensamento coletivo (1990, p. 62).

D. Inês (Inês Azevedo dos Santos, 66 anos) desde sempre reside no bairro Bela Vista e pode nos ceder entrevista a respeito desses ciganos, uma vez que esta se fazia como observadora da presença deles. Ela nos disse que o grupo passou por volta de oito meses no bairro, e o local que ficaram foi no terreno da atual Capela de São José, como nos contou Débora e D. Severina. Possivelmente, as três estivessem falando do mesmo grupo de ciganos. D. Dilma nos falou sobre a localização dos ciganos e a permissão que eles precisavam para se manter no terreno:

É, a rua, o nome da rua, eu não sei. Mas era ali próximo a Alcides, a chácara. Que, uma daquelas casas ali, pronto a casa que o tio de Apoliana mora, a casa, uma delas, foi deles. Logo de início, de 83, quando começaram a vim “praqui” eles ficavam em cabanas, aquelas barracas de lona, de palha. Mas teve uma certa temporada que eles compraram casa, eles atuavam aqui em casa residencial mesmo. Era deles mesmo. Eram duas casas, eles vinham e ficavam nas casas. (Precisavam da) permissão da prefeitura, porque esses terrenos ali da prefeitura. Se eu não me engano, era da prefeitura, ali próximo à represa do açude (Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014).

As entrevistadas não deram um número exato de quantos ciganos havia no bando, mas o número estipulado pelas entrevistadas variava de vinte a cinquenta pessoas, e o chefe do grupo possivelmente seria Seu João, um cigano idoso, de quem falou as entrevistadas, pois os ciganos sempre valorizam os mais velhos, por terem mais idade, acreditando que esses têm mais experiência com a vida. D. Severina nos contou que tinha por volta de vinte ciganos, mas ela só teve contato próximo com dez, tendo sido esses que ficaram em sua residência. Sobre esse convívio, ela nos fala:

Eu acho que eles fizeram amizade assim comigo, porque eu dava muita assistência a eles, sabe?! De tudo, o que eles queriam, vinham buscar aqui. Eu acho que Júnior61 até teve de ver, eles aqui, porque casou uma filha 61

Aluno da Escola Municipal Zélia Costa da Cunha, participante do projeto, que se fazia presente na entrevista.

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minha, eles vieram pra o casamento da minha filha. Fiz uma amizade, e eles num ofende... era uma pessoa que não ofendia a ninguém, num mexia em nada de ninguém. Eles só levavam alguma coisa aqui de casa, se eu desse, acredita que era? Eu gostava deles. Acredita que eu sinto saudade deles? (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014).

Entre o grupo cigano havia idosos, crianças, adolescentes e adultos, no entanto, as mulheres eram as que se faziam mais presentes na residência de D. Severina, com exceção de Seu João, um cigano idoso, a quem D. Severina cedeu abrigo: “assim, ficava os dez aqui, com Seu João... nove mulheres, e dez com Seu João” (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014). No acampamento ficavam os homens, esses não frequentavam a casa de D. Severina. Entendemos que essa divisão de gêneros, sobre quem podia ou não ficar na casa de D. Severina, se dava por motivos morais, ligados ao respeito e ao convívio entre homens e mulheres, uma vez que D. Severina morava sozinha em sua residência. Segundo Débora, os ciganos chegaram ao bairro em um caminhão, que levavam os objetos e as pessoas. O acampamento dos ciganos foi feito no terreno que, no período, era aparentemente abandonado. Débora nos disse que eles não tinham permissão para ficar ali, e, mesmo assim, construíram o acampamento com lonas, tecido e pau:

Eles se acampavam, é, pegavam os pedaços de tecidos das coisas aí faziam a cobertura ali, que era antigamente era areia, ainda num era (a capela) ainda e tinha os compartimentos aí eles acampavam. O teto era de lona e pau, ele botavam os paus e a lona só por cima” (Débora Liz Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014).

Débora ainda nos contou que os ciganos eram por volta de cinquenta, dentre eles: idosos, adultos, jovens e crianças. Tendo mais mulheres que homens. D. Inês nos falou achar “que tinha bem uns quinze (pessoas no grupo), mais homens do que mulheres. Crianças tinham bem umas seis” (Inês Azevedo dos Santos, 05 de nov. de 2014).

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A APARÊNCIA DOS POVOS CIGANOS E SUAS CARACTERÍSTICAS

Como falamos, os ciganos são pessoas de espírito livre e suas roupas falam muito sobre eles, pois são portados de vestimentas distintas e muitas vezes diferentes das demais. Baçan nos diz que “alguns ciganos não se importam de se vestir com andrajos62, sem, no entanto, dispensar os enfeites comuns e vistosos, próprios de sua tradição. Sentem-se à vontade dessa forma e pouca importância dão a uma roupa nova (2014, p. 32). Entretanto, isso não quer dizer que eles dispensam o requinte quando em festas ou cerimônias. As mulheres sempre fazem uso dos melhores trajes, cores e arranjos, assim como os homens, que usam suas melhores roupas e calçados para causarem sempre boa impressão. Perguntamos às nossas entrevistadas sobre a vestimenta de homens, de mulheres, dos idosos e das crianças ciganos. Segundo D. Dilma,

Havia casais. Inclusive tinha uns ciganos novos, muito bonitos. Num parecia nem que era cigano. As ciganas jovens e os ciganos mais jovens eram muito bonitos e arrumados. Criança? Tinha também. Elas se vestiam assim, aqueles trajes ciganos mesmo. Roupas muito coloridas, a saia um babado de um tecido, outro babado de outro, as ciganas mais velhas. As mais jovens já usavam short, já eram mais civilizada, n’era? (Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014)

As vestimentas das mulheres mais velhas pouco se diferenciavam das mais novas, só no quesito de se vestirem com roupas mais compostas, no entanto, mesmo sendo solteiras, as ciganos se revestiam de roupas discretas não deixando partes do corpo aparente para os demais, pois a cultura cigana tem como prioridade manter as mulheres como recatadas e pudicas. Nossas entrevistadas fizeram questão de mostrar a diferença entre as mulheres mais velhas e as mais novas, que se encontrava na roupa longa usada pelas ciganas mais velhas. Já os homens e as crianças não se diferenciavam muito dos demais moradores do bairro. Perguntamos à Débora como se vestiam os ciganos que habitaram próximo à sua residência, e ela pôde descrever como eram essas roupas:

Eram roupas todas rasgadas, sem chinelo, principalmente. Sem chinelo, rasgada, toda suja, assanhadas. As mulheres, geralmente, era com aquelas blusinhas mais curtas, mini-saia, os com os cabelos amarrados e com uma sacola do lado. (As cores das roupas) era sempre marrom, creme... As 62

Roupa velha ou usada demais.

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senhoras que gostavam mais de roupa composta, mas num era muito longa não, era com aquelas camisetas compridas, com aquelas saias, é, tipo balone, no joelho (Débora Liz Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014).

Sobre os homens, Débora nos disse que eles “também, eram desarrumados: de barba, boné... aí eles já usavam chinelas, camiseta, bermudas...” (Débora Liz Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014), e o que diferenciava os mais velhos dos mais novos era a forma mais composta das roupas, acreditando que esse modo de se vestir, era o modo cigano. Quando perguntamos o que os diferenciava dos demais habitantes do bairro, ela nos respondeu: “eu acho que o modo de ser, o modo de se vestir, né? A aparência demonstra tudo” (Débora Liz Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014). Na fala de Débora, notamos que a impressão desta sobre os ciganos era que eles se vestiam mal, não tendo condições financeiras suficientes para ter uma roupa limpa e adequada. No período em que os ciganos habitaram o bairro Bela Vista, Débora era criança, tendo por volta de cinco anos, mas se lembra muito bem como eram as crianças ciganas, pois estas chamaram a atenção. Ela nos disse que eram, mais ou menos, dez crianças e também andavam desarrumadas, como os demais, e muito parecidas, chegando a haver dificuldade em distinguir meninas de meninos. Para D. Severina, os ciganos se vestiam de acordo com a cultura: as mulheres com vestimentas longas e compostas, como nos conta:

Se vestia bem, era um vestidão comprido [risos]. Vestido longo, saia longa e blusa. Mostravam não (a barriga). Mostrava não (os braços), era muito difícil ter uma que mostrasse o braço. Era muito composta a roupa delas. Os cabelos delas era grande, era escuro. Tinha uma que tinha o cabelo meio prateada porque já tava velha, né?! (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014).

Os homens, aparentemente, sempre bem arrumados,

Tinha cabelo grande, tinha barba, andavam perfumados, de óculos, eram muito decentes eles. Os homens se vestiam bem, bem vestido. Direto. Tudo limpo. Era tudo, de bota, eram muito decentes eles, era como qualquer um homem comum né?! Porque, os cigano é cigano [risos]. Era roupa chique eles. Que eles tinham esses, essas roupas que o povo usa pra negócio de frio né? Eles possuíam, moto, tudo eles possuíam (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014).

D. Maria Aparecida nos falou que tanto os homens quanto as mulheres se vestiam normalmente como os demais moradores do bairro; a diferença eram as roupas

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mais compostas dos mais velhos. As crianças ciganas, conta-nos D. Maria Aparecida, eram todas nuas e sujas, desarrumadas. Pudemos notar na fala de nossas entrevistadas o quanto elas ressaltam que os ciganos se encontravam mal vestidos, algumas vezes, e até sujos. A respeito disso, Baçan nos fala:

Quanto à falta de higiene de quem são acusados os ciganos, trata-se também de outra falsidade ou má interpretação. Nas estradas, quando há água, o cigano mantém-se limpo. Sua falta, no entanto, não o impede de seguir em frente. Ele apenas convive com o problema passageiro (2014, p. 33).

Além das vestimentas, perguntamos às entrevistadas como essas pessoas faziam para se manter no bairro e, segundo D. Dilma, “eles negociavam com cavalo, moto, rádio, televisão. O que eles encontravam, o que eles compravam, eles trocavam, eles viviam mais da troca, sabe? O negócio deles era mais troca. E elas, eram pedindo” (Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014). O negócio dos ciganos é sempre a venda ou os negócios, ficando as mulheres ciganas encarregadas de pedir nas casas ou arrecadar dinheiro com práticas divinatórias, como ler mãos ou qualquer ato de adivinhar o futuro. Segundo nossas entrevistadas, as mulheres se encarregavam de pedir nas casas, elas não chegaram a pedir para ler as mãos das nossas entrevistadas, que moravam próximo, mas, sim, de algumas pessoas da cidade. As lendas, que falam sobre os ciganos, mostram os mesmos como pessoas que vivem de pedir, e isso aborrece os moradores da cidade onde eles acampam, pois os têm como vagabundos, viventes sustentados pela população que tem seu trabalho diário. Por serem conhecidos por pedir esmolas e acusados por muitos de se apossarem do que vão encontrando pelo caminho, os ciganos levam a fama de ladrões por onde passam. Segundo Débora, as ciganas eram vistas como prostitutas pelas mulheres do bairro, pois essas ciganas tinham aproximações com um senhor que morava perto da tenda e, elas chegavam à casa dele para se oferecer, em troca, roubavam objetos, comida e dinheiro. Apesar da visão das mulheres do bairro sobre as ciganas manifestada por Débora, há uma probabilidade muito pequena de haver prostitutas naqueles grupos ciganos, pois não é da índole nem da cultura cigana manter meretrizes em seus grupos, como nos conta Baçan a respeito da cigana: A mulher é extremamente pudica e tradicional. Para exemplificar melhor ainda, basta verificar que a prostituição é praticamente inexistente entre os

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ciganos. O adultério é condenado e execrado e a virtude é sempre exaltada. Os valores morais mantêm-se rígidos e cultivados como um aspecto cultural próprio desse povo (2014, p. 31).

Não é impossível também que alguma cigana tenha feito charme para um não cigano na intenção de conseguir vantagens de alguma natureza, isso era comum também entre os índios, o que necessariamente não findava em sexo. Assim elas se aproveitavam da ocasião e dele, furtava alguns objetos, pois os ciganos não se consideram ladrões, nem roubam, a não ser que isso pudesse trazer recursos para garantir a subsistência deles. Outra explicação lógica para esse fato é que os ciganos são pessoas nômades que vivem em conjunto, não tendo como consciência a autoridade sobre algum objeto, compartilhando entre si suas coisas, por esse motivo, aplica-se esse compartilhamento entre os demais, “segue-se uma praxe dos ciganos, de viverem o presente do modo mais prático possível, assimilando com naturalidade as características de seu tempo e das culturas dos povos por onde passam” (2014, p. 36). É perceptível que havia entre os ciganos uma divisão de trabalho. As ciganas ficavam encarregadas de pedir esmolas à população do bairro e da cidade, sem fazer atendimentos em suas barracas, como previsão do futuro e leitura de mãos, sendo esses últimos um costume cigano. Segundo Débora, esses ciganos não conservavam hábitos religiosos e, quando tinha festa no bairro, eles procuravam participar: “as festas que eles faz é que eles comemoravam, era quando tinha mais ai no bairro, eles iam aí comemoravam junto com o povo. Mas eles fazendo, nunca vi eles fazendo não” (Débora Liz Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014). A participação dos ciganos nas festas do bairro era uma forma de se aproximar à população para que fossem mais aceitos, no entanto, conta-nos Débora, as pessoas não gostavam de manter contato com eles: “num gostavam deles, queriam que eles fossem embora pra casa porque aqui não dava certo pra eles ficar. Num gostavam deles não, falavam muito mal deles” (Débora Liz Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014). O convívio entre os ciganos era de muito respeito para com os demais e, principalmente, com os idosos. Ao contrário do que nos disse Débora. D. Severina nos contou que entre eles não existia falta de entendimento em conjunto, nem discussões ou conflitos: “tinha briga não, entre eles não. Num tinha intriga, num tinha nada” (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014). Inclusive, D. Severina fez questão de nos dizer que o grupo a tratava muito bem, com respeito e gratidão, sendo esse, o reflexo do afeto que cultivaram frente à pessoa de D. Severina: “era com muito respeito. Aqui mesmo 110

eles tinha muito respeito, por mim, pela minha família” (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014). Ademais, a união entre os ciganos que compõem um grupo específico sempre foi um referencial entre eles e eles se mantêm unidos na medida em que seus costumes sejam seguidos e respeitados por todos. É certo também que a desunião entre eles logo se faz notar pelos não ciganos, pois as rixas entre eles são resolvidas a ferro e fojo e os confrontos viram lutas armadas que só terminam com a morte dos enreixados. A dificuldade que D. Severina tinha, por muitas vezes, era entender a fala dos ciganos, pois estes conversavam em outra língua: “é o jeito que eles falavam, tinha hora que eles falavam que eu não entedia o que eles tavam dizendo. Eu só conhecia eles pelo nome normal, porque fala de cigano é difícil a gente entender, né?!” (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014). Não sendo apenas D. Severina, as demais nos falaram da dificuldade que tinham, muitas vezes, de entender a linguagem desses ciganos, pois acontecia de eles falarem entre eles usando a língua dos mesmos. Todos os ciganos têm uma lingua própria, chamada romani, variando entre gírias e sotaques de acordo com os países que esses ciganos habitam. No entanto, mesmo convivendo com outras línguas, o romani não perde sua composição, como nos fala Baçan: Até hoje, os ciganos falam o romani, uma língua própria, inclusive com alguns dialetos específicos, como o caló e o sinto. Mesmo esses dialetos, apesar de influenciados pelas línguas e culturas dos países por onde os ciganos passaram, conservam ainda forte ligação com o romani. Essa língua diferente e única, falada pelos ciganos, intrigaram os europeus, que a consideravam incompreensível. Em muitas oportunidades e países, ela foi proibida de ser utilizada abertamente pelos ciganos. Felizmente, mantevese ativa no seio dos grupos, preservando-se para a posteridade (2014, p. 10).

Mesmo tendo, os ciganos, dificuldade de se comunicar com os demais habitantes do bairro Bela Vista, D. Severina nos falou que eles tentaram aproximação com ela, por meio de pedidos de ajuda:

Eles chegavam, falavam comigo, aí pedia pra ... chegava logo assim, pedindo água sabe? Eu dava. Aí pedia pra vim fazer o comer das crianças, eu deixava. Pedia pra vim dar um banho, eu deixava. Pedia uma dormida, eu deixava. Aí pedia comida, eu dava, né? Eu tinha graças a Deus, né? Aí foram se aproximando. Lavava até roupa aqui em casa. Era as mulheres, os homens não (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014).

Os ciganos são pessoas festivas, e qualquer evento é motivo de festa. Entre as festas ciganas, as mais populares são os casamentos, batismos de crianças e enterros, chegando a durar mais de um dia: 111

Dentre essas festas, uma das mais importantes é a do batismo de uma criança. Dependendo do país onde o grupo estiver de passagem, o ritual será aquele que a religião do local determinar, não importa se católica, evangélica, budista ou muçulmana, apenas para citar algumas (BAÇAN, 2014, p. 39-40).

D. Severina nos disse que um irmão era padrinho da filha de um cigano: “eles gostavam muito da gente, eu tenho um irmão que é padrinho de uma filha deles. Ele chegou onde tava o meu irmão, falou com ele, disse assim: ‘eu tô com essa menina pra batizar e quero que você seja o padrinho’, aí José, meu irmão, foi. Na igreja, eles batizaram na igreja” (Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014). Na fala, notamos o quanto D. Severina e parte de sua família se fizeram presentes no convívio com os ciganos, uma vez que ciganos não mantêm aproximação com quem não faz parte do grupo. Há sempre uma dificuldade de convívio entre ciganos e não ciganos. Primeiramente isso ocorre pelo fato dos não ciganos cultivarem todas as formas de preconceitos sobre os ciganos, considerando-os pessoas carregadas de maldade, ladrões, aproveitadores e mentirosos. Por outro lado, encontram-se ciganos que procuram se defender de toda a negatividade que fazem contra eles. D. Dilma nos informou sobre o contato que os ciganos tinham com os demais do bairro:

Era, pouca gente, poucas pessoas iam lá. É porque eles não têm muita aproximação com o pessoal não. A aproximação deles é ir na casa do povo pedir, mas gente lá só se fosse alguém, algum homem que fosse agiota pra trocar, vender. Mas a cabana de ciganos nunca é muito frequentado por populares não, é só eles mesmo (Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014).

Ao que notamos, jogaram contra os povos ciganos todas as formas de preconceitos possíveis, isso se deve pelo fato desses povos se acharem com a liberdade de possuir aquilo que a natureza pode oferecer a todos, por isso, desde muito tempo, “associam-nos ainda a roubos, desastres naturais, como ventanias e tempestades, além de toda sorte de trapaças e falsificações” (BAÇAN, 2014, p. 31). Por essa razão, achamos conveniente ouvir a opinião das entrevistadas sobre esses povos ciganos. Perguntamos à Débora, a entrevistada mais nova, criança na época que no tempo da presença dos ciganos, qual a impressão que ela tinha sobre eles, a mesma nos respondeu: 112

Pra mim eles eram uma pessoa normal, que como qualquer outra pessoa tinha o direito de trabalhar, mas como tinham preguiça em certas partes, não procuravam. Queria tudo mais fácil. Porque, eu pelo menos, acho assim: que se você quer, você pode, né?! Se você chegasse ali e pedisse à prefeitura alguma coisa, um trabalho, pelo menos pra lavar a rua, mas não. Eles tinham preguiça, gostava de pedir (Débora Liz Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014).

Contudo, é notório entre as falas de Débora que os ciganos eram pessoas que causavam um pouco de revolta por serem andantes, sem lugares fixos que fizessem deles cidadãos com direitos iguais aos demais, uma vez que não possuíam moradia e trabalho, ficando à margem da sociedade. D. Inês disse-nos que os ciganos para ela eram pessoas comuns, não sendo conservadas formas de preconceito, sendo mais uma entre outros do bairro que apenas observava os demais. D. Severina, a que se fez mais presente entre os ciganos, nos contou que o bando chegou aos poucos se aproximando de sua casa e família, não causando mal algum, permaneceu entre os seus. D. Severina ainda nos falou que gostava muito deles, a ponto de sentir saudades, pois estes eram pessoas boas, que não causavam mal algum a ninguém. D. Dilma nos falou que a princípio o grupo cigano chegou ao Bela Vista por volta dos anos oitenta, montados em cavalos e com poucas condições financeiras, montaram suas barracas de lonas, paus e panos. Posteriormente, sempre indo e vindo de outras cidades, os ciganos apareciam em melhores condições, a ponto de construírem casas no bairro para residir. A entrevistada também nos falou que não soube de casos de furto, mas, mesmo assim, as pessoas do bairro sempre se resguardavam com relação aos ciganos, mantendo a ideia que estes eram ladrões. As mulheres ciganas sempre bem bonitas causavam uma pitada de inveja nas outras mulheres do bairro que sempre ficavam de cochicho quando elas passavam. E, os homens bem alinhados e charmosos arrancavam suspiros entre as mocinhas do Bela Vista que, segundo D. Dilma, faziam o possível para se aproximarem dos ciganos. Entre esmolas, comércio, trocas e adivinhações, mantinham-se os povos do grupo de ciganos que, segundo D. Dilma, não faziam mal a ninguém. Por fim, podemos notar nas falas das entrevistadas, que os ciganos, a princípio, acamparam em vários lugares do bairro Bela Vista, assim como possivelmente fariam todos parte do mesmo bando que habitou o bairro em outros anos, tendo em vista, as falas de todas que insistiam em mencionar o nome de Seu João, o cigano mais velho 113

entre os outros. Fazer uma junção entre essas falas é o mesmo que fazer uma ponte que ligue períodos e histórias, aonde uma vai completando a outra e construindo um conhecimento, aquele da cultura cigana e como outra cultura possa ver esses povos. Temos ciência que este trabalho é apenas uma visão, de várias outras. Não tomemos como conhecimento absoluto tudo aquilo que foi posto aqui, pois isso seria o mesmo que se restringir em apenas um ângulo a possibilidade de haver várias outras formas de enxergar um acontecimento. O que fizemos com esse trabalho foi mostrar uma parte da cultura cigana para justificar a cultura cigana perante os preconceitos que se seguem contra esse povo.

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LISTA COM NOME DOS GRUPOS, ENTREVISTADOS E ALUNOS DO PROJETO “MAIS CULTURA NAS ESCOLAS” DA ESCOLA MUNICIPAL PROFESSORA ZÉLIA COSTA DA CUNHA

MENTORA DO PROJETO: Luana Barros de Azevedo CO-MENTORAS VOLUNTÁRIAS: Marianne Shirley Azevedo do Patrocínio; Samara Macedo. 

BENZEDEIROS:

Entrevistados: Evaristo Euzébio de Araujo, 21 de ago. de 2014. Inês Azevedo dos Santos, 27 de ago. de 2014. Maria de Azevedo Dias, 28 de ago. de 2014. Raimundo Rodrigues do Nascimento, 1 de set. de 2014. Alunos: Felipe Douglas de Souza Araújo, Francicleo Baca Silva, Igo Neves da Silva, Raquel Andrêssa Azevedo de Souza, Vinícius Azevedo dos Santos. 

PARTEIRAS:

Entrevistadas: Cicera Maria de Azevedo, 9 de set. de 2014. Margarida Silva dos Santos, 9 de set. de 2014. Maria de Azevedo Medeiros, 3 de out. de 2014. Inês Azevedo dos Santos, 3 de nov. de 2014. Maria da Luz Oliveira de Medeiros, 7 de out. de 2014. Hozana Macêdo de Azevedo, 3 de nov. de 2014. Alunos: Isabelle Kalyne Gomes Dantas, Jaedson Dantas do Nascimento, Raisa de Medeiros Cunha da Silva, Lorena Carla de Sousa Lima. 115



LAVADEIRAS:

Entrevistadas: Ildete Gomes, 29 de set. de 2014. Severina Maria de Oliveira, 30 de set. de 2014. Josefa Maria de Oliveira, 11 de nov. de 2014. Anedina Meira de Medeiros Azevedo, 11 de nov. de 2014. Inacia Oliveira Gonzaga, 11 de nov. de 2014. Alunos: Alexsandra Teixeira dos Santos, Mike Anderson de Sousa Lima, Stéfany Laiz Costa de Azevedo, Pedro Vitor Silva dos Santos, Xarlene Charles Azevedo do Nascimento. 

CIGANOS

Entrevistadas: Inês Azevedo dos Santos, 05 de nov. de 2014, Débora Liz Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014. Maria Aparecida Araújo de Brito, 01 de nov. de 2014. Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, 29 de out. de 2014. Severina Maria de Oliveira, 28 de out. de 2014. Alunos: José Iranyr da Silva Araújo, Pâmela Sayonara Gomes da Silva, José Patrocínio Torres Júnior, Railson Santos de Azevedo. LISTA DE IMAGENS Imagem 1: Jardim do Seridó/RN vista de cima. Imagem 2: Localização de Jardim do Seridó/RN no mapa. Imagem 3: Seu Raimundo Rezador (Raimundo Rodrigues do Nascimento). Imagem 4: Seu Raimundo (Raimundo Rodrigues do Nascimento)Imagem 5: Objetos encontrados por Raimundo Rezador Imagem 6: Evaristo Rezador em sua residência cedendo entrevista para os alunos da Escola Imagem 7: Na imagem, D. Marluce, rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os alunos. Imagem 8: Na imagem, D. Inês rezadora, em sua residência, cedendo entrevista para os alunos. Imagem 9: Orações escritas de Raimundo Rezador.

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Imagem 10: Imagem que retrata os cuidados após o trabalho de parto. Imagem 11: Posto de Saúde Parteira Regina Rebeca (ESF V), Bairro Bela Vista. Imagem 12: Placa que nomeia a Rua Regina Rebeca, Bairro Bela Vista. Imagem 13: Fotografia de Regina Rebeca situada na sala de espera do Posto de Saúde Parteira Regina Rebeca (ESF V), Bairro Bela Vista, Jardim do Seridó/RN. Imagem 14: D. Maria (Maria de Azevedo Medeiros), em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 15: Hozana Macêdo de Oliveira nos cedendo entrevista em sua casa. Imagem 16: Maria da Luz Oliveira de Medeiros nos cedendo entrevista em sua residência. Imagem 17: Margarida Silva dos Santos, mostrando o quadro de fotos da sua família. Imagem 18: Cícera Maria da Silva, filha de Regina Rebeca, cedendo entrevista em sua residência. Imagem 19: Lavadeiras. Imagem 20: Encontro de matronas, Debret. Imagem 21: Lavadeiras, Rugendas. Imagem 22: À esquerda, Ildete Gomes, cedendo entrevista. Imagem 23: À esquerda, D. Inácia, em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 24: D. Severina, em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 25: D. Anedina, ao centro, em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 26: D. Josefa, ao centro, em sua residência, cedendo entrevista. Imagem 27: Ciganos. Imagem 28: Ciganos em acampamentos. Imagem 29: Dilma Gertrudes Silva de Azevedo, ao centro, cedendo entrevista. Imagem 30: Maria Aparecida Araújo de Brito, à direita, em sua residência, cedendo-nos entrevista. Imagem 31: D. Severina, em sua residência, cedendo.. Imagem 32: Débora Liz Silva de Azevedo, ao centro, cedendo entrevista.

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REFERÊNCIAS:

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