Memorias de un fantasma socialista: revolução e exílio do intelectual cubano de esquerda na autobiografia homônima de Carlos Franqui (1921-2010)

June 4, 2017 | Autor: Barthon Favatto Jr. | Categoria: Socialisms, Cuban History, Socialismo, Exilio, Cuban Exile, Carlos Franqui, Exilio Cubano, Carlos Franqui, Exilio Cubano
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Anais Eletrônicos do X Encontro Internacional da ANPHLAC

São Paulo – 2012 ISBN 978-85-66056-00-6

Memorias de un fantasma socialista: revolução e exílio do intelectual cubano de esquerda na autobiografia homônima de Carlos Franqui (1921-2010)

Barthon Favatto Suzano Júnior1

Resumo

Nascido em Clavellinas (Cuba), em 1921, o jornalista e militante de esquerda, Carlos Franqui, cumpriu papéis decisivos na luta encampada pelo Movimento Revolucionário 26 de Julho contra a ditadura de Fulgência Batista. Após o triunfo da Revolução Cubana (1959), liderou o principal grupo de intelectuais apoiadores e colaboradores do governo revolucionário, o “Grupo R”, do Jornal Revolución, do suplemento cultural Lunes de Revolución, e da editora Ediciones R. Em 1968, descontente com os rumos do regime castrista, que estreitou relações com a União Soviética, Carlos Franqui rompe definitivamente com Fidel Castro e exila-se na Europa. Intelectual ainda pouco conhecido no Brasil, o que em parte explica o silêncio da imprensa nacional frente a seu falecimento, em abril de 2010, Franqui não somente fora um dos principais intelectuais engajados na Revolução Cubana como, posteriormente, tornara-se um dos mais ácidos e emblemáticos críticos de esquerda do castrismo. A presente comunicação tem por objetivo apresentar ao público acadêmico brasileiro a autobiografia Cuba, la Revolución: ¿Mito o Realidad? – Memorias de un fantasma socialista2 partindo de análises e considerações auferidas ao longo da pesquisa de mestrado sobre a trajetória e as memórias do autor.

No dia 16 de abril de 2010 faleceu num hospital de San Juan (Porto Rico), aos 89 anos, um dos mais emblemáticos e controversos intelectuais cubanos: Carlos Franqui. A inesperada notícia da morte de Franqui bateu à minha porta, ou melhor, à caixa de entrada de meu email no dia 18, por intermédio de uma mensagem remetida por um dos colaboradores de Carta de

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Cuba.3 Algumas semanas antes, Franqui recebera das mãos do mesmo colaborador uma espécie de questionário, ou, ensaio de futura entrevista, que eu havia elaborado com extremo rigor. Na época, o referido questionário preencheria algumas lacunas então presentes em minha pesquisa. Boa parte delas, decorrentes da inacessibilidade a uma de suas obras, agora objeto de análise nesta comunicação: Cuba, la Revolución: ¿Mito o Realidad? – memorias de un fantasma socialista – então, esgotada no mercado editorial espanhol. Segundo José, o colaborador, alguns dias após receber o questionário, Carlos Franqui subitamente passou mal e fora hospitalizado. Sendo que, em uma das visitas por ele realizada ao jornalista, este manifestou preocupação por não responder a série de perguntas com a prontidão que, acreditava, eu merecia. E, ciente do título que, transcrito no questionário, chancelaria a capa de minha futura dissertação, limitou-se a elogiar a escolha de “Entre o Doce e o Amargo”, acreditando sintetizar o espírito de sua trajetória política. Infelizmente, o questionário nunca fora respondido uma vez que Franqui veio a óbito dias depois. Mas, infelicidade maior fora constatar que, mesmo serpenteada pelo reflexo do que na época foi o alvoroço criado pela imprensa corporativa brasileira em relação ao falecimento de Orlando Zapata Tamayo, o dissidente castrista vitimado por uma greve de fome perpetrada por 85 dias, a morte de Carlos Franqui passou despercebida pela imprensa nacional. Enquanto a repercussão do falecimento de Zapata Tamayo, ocorrido em 24 de fevereiro daquele ano, ainda almejava espaços e debates significativos nas páginas de jornais e noticiários de TV, o óbito de Franqui sequer obteve notas. Contraste gritante em relação à cobertura efetuada pela mídia corporativa espanhola, que abriu espaço para matérias e entrevistas, bem como e até em relação à cobertura concedida pela imprensa portuguesa, que ao menos dedicou parcimoniosos espaços em páginas na internet, revistas e jornais. A razão de ser da presente comunicação não busca contemplar a análise dos meandros que no Brasil sufocaram a divulgação do falecimento de Franqui, mesmo quando em referência um período em que a conjuntura propiciava e justificava tal cobertura. Conjuntura essa entremeada pela morte de Zapata Tamayo; pela greve de fome desencadeada por outro dissidente do castrismo, Guillermo Fariñas; e pelo rebuliço midiático gerado pelas declarações do então Presidente Luís Inácio Lula da Silva em recente visita a Cuba. Mas, o objetivo primeiro desta é o de apresentar ao público acadêmico presente neste X Encontro Internacional da ANPHLAC a trajetória intelectual e política de Carlos Franqui, a partir de considerações alçadas por intermédio da leitura crítica de Cuba, la Revolución, algumas das quais presentes em minha dissertação de mestrado. Especialmente, porque, se em exílio, um anônimo para o público brasileiro, durante os três primeiros anos do governo revolucionário

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cubano, Carlos Franqui estabeleceu estreita relação com o nosso país: primeiro, ainda em 1959, integrando a comitiva oficial do governo cubano em visita ao Brasil; segundo, em 1961, para cá enviado pelo presidente Osvaldo Dorticós Torrado, a fim de convencer Jânio Quadros a votar a favor de Cuba na Assembléia Geral das Nações Unidas. 4 Desse modo, faço da presente comunicação uma oportunidade para (re)apresentar a vida e obra deste jornalista cubano, que, em menos de uma década (1958-1968), de revolucionário e peça chave para o desenvolvimento da cultura de Cuba transmutou-se em exilado e ferrenho opositor do castrismo. Ou seja, de homem fundamental dentro do governo revolucionário a fantasma do regime de Fidel Castro, sem jamais perder de vista o que para ele seria o real e o verdadeiro ideal do socialismo; a tríade: humanismo, democracia e efetiva justiça social. Publicada em 2006 na Espanha pela Ediciones Península e no México pela Editorial Oceano, Cuba, la Revolución: ¿mito o realidad? – memorias de un fantasma socialista foi a última obra de Carlos Franqui apresentada ao mercado editorial. Nessa autobiografia, ainda não publicada no Brasil, mas tida como definitiva, o autor procurou descortinar sua trajetória de vida de uma maneira bem peculiar, já que em contraste com seus outros escritos autobiográficos, entre os quais: Retrato de Família com Fidel. Isso porque, ao estabelecer um recorte que abrange desde a infância na Clavellinas da década de 1920 aos retratos que compôs no início da década de 1990 sobre a conjuntura política de Cuba e do exílio, o autor permite que o leitor edifique uma visão totalizante (mas, não total) sobre sua trajetória, mesmo que optando – tal como em escritos anteriores – pelo estilo da narrativa breve, semelhante à de natureza jornalística. Para além de um repositório em que Carlos Franqui evidencia seu itinerário de formação política, bem como os motivos que o levaram da participação engajada na Revolução Cubana à ruptura com o regime de Fidel Castro, o livro também possui a qualidade de retomar, ou mesmo, retrabalhar boa parcela dos fatos, conceitos e interpretações sobre Cuba e sobre a própria trajetória política do autor. Interpretações, fatos e conceitos esses por ele tecidos em obras anteriores, tais como: Vida, aventuras y desastres de un hombre llamado Castro (1988), ou, novamente, Retrato de Família com Fidel (1981). E, mais além, em consonância, e, às vezes, em contraste com as visões e opiniões emitidas por outros autores cubanos in exilium, entre os quais o amigo de longa data: Guillermo Cabrera Infante. O que circunscreve a autobiografia definitiva de Franqui como importante porta de entrada para a compreensão de uma rede de ideias emitidas por um peculiar grupo de intelectuais cubanos exilados: o da intelligentsia que, num primeiro momento apoiando a revolução e ativamente

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participando do novo cenário político-cultural inaugurado pelo triunfo, ainda na década de 1960, consolidou uma ruptura definitiva com o regime castrista, conformando um desterro aparentemente atípico dentro da conjuntura da expatria cubana pós 1959. Assim, uma vez tomada como parte de uma rede, a obra ilustra e sublinha que os relatos produzidos por esses escritores, bem como os exílios por eles vivenciados, enquadraram-se numa conformação ideológica muito próxima. Não por acaso, a autobiografia de Franqui está divida em seis capítulos, seguindo a clássica orientação temporal narrativa – comum às autobiografias e biografias – de transitar da temporalidade mais remota para a mais recente. No caso, iniciando pela exploração de sua infância e adolescência, passando pelo período da juventude, por sua participação na luta contra a ditadura de Fulgêncio Batista, pelo triunfo da Revolução, pelas funções por ele exercidas no governo revolucionário, e, enfim, pelo conflituoso processo de ruptura com o regime de Fidel e os anos que passou no exílio. Em linhas gerais, uma clara tentativa de reescrever e enaltecer não somente sua trajetória como o próprio itinerário político da Cuba contemporânea. Ou seja, ao pretender escrever sobre si, Franqui almejou reescrever a recente História de Cuba a partir de um ponto de vista discursivo que o situa como pertencente a um grupo particular do exílio cubano. Noutras palavras: a autobiografia de Carlos Franqui emerge tanto como uma ferramenta para enaltecer passagens de uma trajetória quanto como um poderosíssimo instrumento de: a) reconstrução de uma identidade numa descontinuidade, que é o exílio;5 e, b) de fundação de uma “Nova” História de Cuba, a partir de uma ótica particular do exílio e em contraposição à chamada historiografia oficial produzida dentro dos limites da Cuba pós-revolucionária.6 Por esse caminho, Carlos Franqui abre seu Cuba, la Revolución com o capítulo intitulado Al Canto de un Gallo. Nesse capítulo, o autor rememora passagens da infância e da adolescência em Clavellinas, destacando a dura vida dos guajiros, em especial, dos pais, arrendatários de um lote de terra pertencente a um latifundiário açucareiro da região.7 Enumera e expõe a exploração e as injustiças sofridas pelos camponeses, tal como na passagem em que descreve a expulsão de seus vizinhos: Aquella mañana vi todo con mis ojos y me parecía que no estaba viendo lo que veía: indignación, dolor, gritos de la guardia rural; mi madre callándome, por miedo de me llevaran preso; yo gritando, queriéndome ir con mis amigos; niños y mujeres abrazándome. La imagen de aquel desalojo y de aquella marcha por el camino real no abandonó en mucho tiempo. La tenía clavada, me daba vueltas y más vueltas en la cabeza. Pensaba: «Esta forma de vivir – de no vivir – es inaceptable». ¿Por qué

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quien trabaja la tierra como un burro, no es su propietario, por qué no le respetan el usufructo, por qué la tierra tiene de ser de quien no trabaja?8

Para Franqui, vivenciar as injustiças latentes no campo cubano contribuiu para uma tenra formação de consciência política. Mas, alega que a transição para uma verdadeira mentalidade politizada ocorreu somente no final da década de 1930, quando migrou da zona rural para a cidade. Primeiro para Santa Clara, onde ingressou no Instituto Agrícola e participou ativamente do Movimento Estudantil, e, logo depois, para Havana, somando as fileiras do Partido Socialista Popular. Essa transição demarca a narrativa do segundo capítulo da obra, intitulado La Ciudad. Parte na qual relata o seu encontro com a família Cabrera Infante e, consequentemente, com Guillermo, bem como sua atuação enquanto militante do Partido Socialista Popular (PSP). Outrossim rememora a fundação junto com Guillermo do Grupo Cultural Nueva Generación, ainda no final da década de 40, e, já no início dos anos 1950, da idealização e fundação da primeira versão da Revista Cultural Nuestro Tiempo. Agremiações de jovens artistas e escritores que, para Franqui (e alguns dos ex-membros), contribuíram para revelar boa parte dos intelectuais que na década de 1960 capitanearam o efervescente universo cultural de Cuba.9 Sobre as citadas agremiações, o autor descreve:

De contactos y amistades nacería un movimiento artístico que editaría dos revistas y crearía una sociedad cultural. La primera se llamó Nueva Generación y no duro mucho tiempo, ni tuvo un gran eco; la segunda, la Sociedad Cultural Nuestro Tiempo, y su revista, nos encontró con mayores experiencias. Allí reunimos escritores, Cabrera Infante, Ramón Ferreira, Delia Fiallo, entonces Premio Nacional de Cuentos Hernández Catá, Matías Montes [Huidobro]; escultores y pintores, como Estopiñan, Mirajes, Roberto Diago; músicos; críticos; los compositores Harold Gramatges, Juan Blanco, Nilo Rodríguez, Edmundo López, Angeliers León y otros intelectuales.10

De maneira análoga, no referido capítulo, o jornalista aborda (não com a mesma ênfase como em Retrato de Família com Fidel) os meandros que o levaram a romper com PSP, ainda 1946, e, posteriormente, em 1951, as razões que movimentaram a dissolução da primeira versão da Sociedade Cultural Nuestro Tiempo. Neste último caso, a autobiografia de Franqui dedica um subcapítulo para detalhar esse processo de dissolução, onde atribui ao PSP a responsabilidade pela cisão na agremiação:

Nos prestaron un local en la calle Reina, que resulto ser una trampa mortal, pues detrás estaba el Partido Socialista Popular. Había estado allí la emisora

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de radio Mil Diez, que el presidente Prío había clausurado, al tener un conflicto con los comunistas. Llegamos a través de un tenor español, amigo de algunos amigos, que nos ofreció el local. […] Hicimos la primera gran exposición de dibujo de Wifredo Lam, para complementar la extraordinaria exposición de sus cuadros en el parque Central de La Habana.11

Certamente, o fato de Franqui lançar a culpa da dissolução da Sociedade Cultural Nuestro Tiempo na articulação do PSP revela que, antes mesmo da eclosão da Revolução Cubana e do estabelecimento do governo revolucionário no poder, já havia no cenário cultural da Ilha cisões intelectuais e ideológicas que, mais tarde, na década de 1960, mobilizariam os calorosos debates entre a intelligentsia comunista e o Grupo R, este liderado por Franqui. Contudo, não se deve esquecer que, tal como afirmou Ecléa Bosi: ao rememorar, “o passado é, portanto, trabalhado qualitativamente pelo sujeito, sobretudo se o seu tipo for ‘elaborativo’, em oposição ao ‘retentivo’”12. Neste caso, a dedicação de um subcapítulo ao tema da formação e dissolução de Nuestro Tiempo emerge na tentativa de conceder um sentido pleno ao passado, conectando fatos e elaborando um discurso coerente à formulação de trajetória e às ideias defendidas por um grupo. A operação efetuada por Franqui buscou revelar que a posterior “má sorte” que selou o destino do Grupo R dentro do panorama de consolidação do governo revolucionário (com o caso da proibição da película P.M. e o fechamento do suplemento cultural Lunes de Revolución)13 possui um elemento comum, os antigos desafetos: o grupo intelectual comunista, ligado ao PSP, e, mais além, conclama uma origem e uma identidade para a trajetória do Grupo R. Ou seja, uma fronteira identitária bem definida que inicia em Nueva Generación e Nuestro Tiempo, ganha corpo no Jornal Revolución e em Lunes de Revolución, e, por fim, define seus limites transcendendo a descontinuidade demarcada pelo exílio, alçando uma identidade para Carlos Franqui e seus pares dentro de Cuba ou em desterro. Já o terceiro capítulo é dedicado à Revolução Cubana. Intitulado La Dictadura de Batista e la insurrección, o texto enfatiza a participação de Franqui no Movimento 26 de Julho, bem como seu engajamento na Rádio Rebelde. Além, claro, da importância das atividades encampadas por uma de suas criações (o Jornal Revolución) para a luta revolucionária, e de suas rusgas iniciais com Fidel Castro, ocorridas ainda na Sierra Maestra. Nessa parte, novamente, torna-se evidente o critério utilizado por Franqui em realçar uma fronteira identitária para a sua trajetória e a de seus pares. A pesquisadora Idália Morejón Arnaiz foi extremamente feliz ao afirmar que: “Algunos de los intelectuales más representativos de Lunes [de Revolución] y Casa [de las Américas] no habían tenido una participación destacada en la lucha insurreccional.”14 De certo, Franqui e alguns de seus pares

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do Grupo R fogem a essa regra. No entanto, em sua autobiografia, ainda ao término do capítulo anterior, tal como em preparação para a abertura do terceiro, o autor faz questão de enfatizar que: La mayoría de nosotros [de Nuestro Tiempo] se fue y casi todos participamos activamente en la lucha contra el golpe de Batista y su dictadura. La sociedad [cultural] se convirtió en el paraván para las maniobras culturales de los comunistas, perdió todo el vigor inicial, se oponía a las luchas revolucionarias, que sustituía por una fantasmal lucha de masas. De ahí, años más tarde saldría un personaje tristemente célebre en la historia de la Revolución, Marcos Rodríguez, un joven que llevó allí Alfredo Guevara, quién vivió un drama, el de ser comunista, al que el partido le exigía información de los universitarios del Directorio, de que le prohibieran guardar allí prensa clandestina; Marcos Rodríguez vivió una historia trágica que no ha llegado el momento de contar todavía.15

Mas, não é somente tomando como referência o Grupo R que Carlos Franqui estabelece os limites dessa fronteira. O autor também associa sua trajetória participativa dentro do Movimento 26 de Julho, mesmo quando capitaneando as transmissões da Rádio Rebelde na Sierra Maestra (ou seja, junto ao Ejército Rebelde) situando uma identidade revolucionária própria. No caso, atrelada ao Llano – a facção urbana do M-26/7.16 Por esse caminho, Franqui sublinha: Antes de comenzar la transmisión, Fidel escribió un papelito que debía leer el locutor y por cortesía me dio a leer su contenido. Era mi presentación y decía: «Comandante Carlos Franqui, director de Radio Rebelde, miembro de la dirección del Movimiento 26 de Julio». Salí a tomar un poco de aire y le dije allí: – Fidel, no puedo aceptar grados, porque no soy militar, y no lo digo por complejo de luchador de la clandestinidad [ou seja, do Llano]. Allí he corrido muchos peligros, torturas y prisiones, pero siempre me he sentido un civil […]. Todos mis actos clandestinos, de sabotaje o confección del periódico [Revolución], los hice desarmado […]. Fidel me miró como pensando de dónde habría salido, pero aceptó y sólo fui presentado como Carlos Franqui, director de Radio Rebelde y miembro de la Dirección del 26. […] Años después aquella reacción instintiva de no aceptar grados, de no pertenecer al Ejército Rebelde, me permitió libertades y me salvó de muchas crisis que a otros imponía la disciplina militar.17

Ao enfocar essa questão, Carlos Franqui, além de erigir em exílio uma fronteira identitária para um grupo e, doravante, para si, evidencia que já nos períodos pré e revolucionário havia em Cuba e entre os grupos intelectuais e revolucionários fronteiras latentes e já bem delineadas.18 Não por acaso, retoma em sua autobiografia definitiva uma opinião que, outrora, expôs em Retrato de Família com Fidel, e que reverberou em sua opção em virtude do triunfo revolucionário de abandonar a direção da Rádio Rebelde e retomar suas

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atividades à frente do Revolución.19 Reitera Franqui em concordância com o livro publicado em 1981: [Fidel] Quería mantenerse virginal, no parecer interesado por el poder enseguida, y su virginidad duró exactamente 45 días, en que tuvo la isla paralizada, dado que realmente era el único poder, una de sus tantas astucias, aquella guerrilla del jefe supremo de todas las guerrillas. […] Parecía que el jefe supremo respetaba la autonomía de los diferentes grupos o sectores, a los que permitía ciertas libertades de acción, siempre que no tocaran su mando supremo, pero la verdad era que Fidel Castro no quería una organización que lo limitara; esta táctica le permitía dar la apariencia de libertades, sin limitar su poder, era una ilusión de libertad. […] Allí, en Santiago de Cuba, agradecido por mi actuación en Radio Rebelde, aquella mañana, Fidel Castro me había ofrecido un ministerio y pedido que nombrase ministros. Nombré a cinco. Pero dijo no a mi proposición de una revolución cultural libre, sin burocracia ni cargos oficiales, con la participación de pintores, poetas, escritores, cineastas, músicos, arquitectos, científicos y artistas de todo el mundo, en el ideal de Rimbaud, de cambiar la vida, para cambiar Cuba. […] Vivía el estar o no estar, alejarme o seguir luchando, contra la poderosa corriente que nos arrestaba a todos. Y en ese estar o no estar, pensaba en el caudillismo de Fidel Castro, en una época en que no era imaginable que Fidel fuera comunista.20

O quarto e o quinto capítulo do livro, respectivamente, 1959: La Fiesta de La Libertad e Encuentros con Guevara, tendem de forma mais sucinta que outros escritos do autor explicar a ascensão e queda do Revolución (e, consequentemente, do Grupo R) dentro do panorama pós-revolucionário. Neles, especialmente, no quarto capítulo (já que o quinto é quase que totalmente dedicado às percepções de Franqui sobre Che Guevara), o autor tende a criticar a aproximação de Cuba com a União Soviética – e, por efeito, a ascensão paulatina da intelligentsia comunista como intelectualidade orgânica da Revolução, lugar inicialmente ocupado pelo Grupo R. Apesar de não detalhar com riqueza importantes eventos que demarcaram a vitória do grupo comunista no processo de disputa com o Grupo R, algo que realizou de modo pontual em Retrato de Família com Fidel – entre tais eventos, as famosas reuniões na Biblioteca Nacional (1961) que levaram à publicação de Palabras a los Intelectuales21 –, Franqui estabelece uma narrativa focada no modo como, a seu ver, Fidel se utilizou da revolução e dos desafios impostos à Cuba pós-revolucionária a fim de concentrar poderes e enfraquecer o Grupo R. Assim: “Nosotros – decían [os comunistas do PSP] –, con el respaldo soviético, somos los únicos que podemos construir el socialismo”. Y comenzaron una feroz persecución contra todo y contra todos. Ellos, bien moderados antes, que se opusieron incluso a la nacionalización de las grandes empresas norteamericanas extranjeras y cubanas, en el 60, argumentando que Estados

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Unidos no lo permitiría, cuando tuvieron poder, hicieron detenciones masivas de revolucionarios, depuraron a los guerrilleros y a los jefes rebeldes, acabaron con los pequeños comercios, los mercados, el campesinado medio y pequeño, intervinieron los sindicatos, metieron presos a sus dirigentes. Durante año y medio crearon una crisis. […] Una crisis que estalló a principios del 62 y que obligó a Fidel Castro a destituir a [Aníbal] Escalante, en una larga comparecencia televisiva, en que responsabilizó a los viejos comunistas de la crisis, por su sectarismo, negando su responsabilidad. Durante ese tiempo Revolución fue implacablemente perseguida, se suprimió Lunes, el extraordinario magazine cultural que dirigía Guillermo Cabrera Infante, y las grandes fiestas populares de Papel y Tinta, el noticiero de televisión. Se le quitaron más de veinte mil suscriptores, que pasaron por decreto al periódico Hoy [do PSP], se le hicieron rigurosas inspecciones de Hacienda, en las que hasta el último centavo debía estar registrado y justificado, mientras que Hoy, que no llevaba cuenta alguna, no se le inspeccionaba, acciones que denunciamos ante el Consejo de Ministros.22

E continua noutra página: Cuando se piensa en la Revolución Cubana, no se puede pensar nunca en la clásica revolución marxista, en el golpe revolucionario ruso, la larga guerra, marcha y lucha de los chinos, ni tampoco en la historia del Vietnam comunista. Simplemente fue una revolución por la libertad, con un caudillo que, aprovechando circunstancias internas y externas, injusticias, resentimientos, frustraciones, necesidades, astucia, “la volvió comunista, como un acto de defensa necesario frente a un enemigo poderoso” y ante la ofensiva de los intereses creados, pero entonces y después, Fidel Castro iba a tomar del comunismo sus estructuras de poder, la economía de producción única estatal, el aparato policiaco y de represión, las técnicas militares, el petróleo, los recursos, la economía, la fábrica, pero no de una manera clásica, no a través de un partido comunista, que siempre contó muy poco, sino siempre a través de su estructura caudillista, militar y policíaca, que ejercia un control total sobre las actividades del país.23

Ao mudar paulatinamente o foco dos intelectuais socialistas (ostensivamente operado no segundo e terceiro capítulo) para a questão da liderança de Fidel Castro, Carlos Franqui não está substituindo uma questão por outra, tampouco intentando desviar a atenção do leitor. A operação realizada é bem mais complexa e, novamente, retorna à sustentação da fronteira ideológica, já que, apesar de socialista, Franqui continua erigindo severas críticas ao PSP e aos seus membros. É um opositor convicto do “socialismo” soviético. Assim, o que Franqui faz é esclarecer as particularidades do regime cubano ao passo que atribui uma representatividade grupal à sua escrita de exilado. Algo que pode ser claramente compreendido tomando por base uma observação do historiador Rafael Rojas:

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En todo caso, es importante hacer notar que cada generación emigrada llega al exilio con su propio archivo de agravios y su particular localización de la culpa. Así, por ejemplo, las memorias de intelectuales que emigraron en las dos primeras décadas, luego de haber tomado parte en la Revolución, como Carlos Franqui, Guillermo Cabrera Infante, Nivaria Tejera o César Leante, dan cuenta de una frustración con el régimen político y la persona de Fidel Castro que no parte del tópico de la “revolución traicionada” por el giro hacia el marxismo-leninismo, tal y como aparecía en la primera generación del exilio [refere-se ao grupo que saiu em 1959/60], ya que ellos también habían sido socialistas. El principal motivo de ruptura en esas memorias es la “estalinización” o “sovietización” del socialismo […].24

Tampouco, pode-se afirmar, a fim de completar a ideia de Rojas, que Franqui se utiliza de um discurso centrado e sustentado pelo tópico da Revolução Traidora, comumente utilizado pelos intelectuais pertencentes aos grupos de exilados cubanos da década de 1970 e 1980 (como os da geração Mariel), e que chancela a idéia de que a Revolução Cubana já surgiu como uma espécie de “traição” ao povo de Cuba, uma vez que liderada por Fidel Castro – com suas promessas revolucionárias de libertação do povo e de liberdade para o povo. Desse modo, a concepção de Franqui – assim como a de seus pares, o grupo de exilados dos anos 1960 – transita entre as narrativas concebidas por esses dois outros grupos (o de 1959/60 e o das décadas de 1970/80), fundamentando assim sua identidade como exilado:

Y así el traidor [Fidel Castro] a todos ya todo encontró y aplicó su instrumento perfecto, la revolución comunista, es decir, la revolución cuya naturaleza es traidora. […] Si la revolución no fuera traidora en su naturaleza, ¿cómo es que todos sus jefes pueden traicionarse, uno tras otro, y quedarse siempre con el poder, y cómo es que en su historia nadie ha podido salvarla de su traición? La conclusión, en el caso de Cuba, es que la Revolución fue traicionada, pero además que era traidora.25

Noutras palavras, o exercício de estabelecer uma fronteira identitária para si e os intelectuais revolucionários nacionalistas em exílio impulsiona Franqui a conceber um terceiro conceito (ou versão in exilium para a História da Cuba pós-revolucionária), o de Revolução Perdida.26 Ou seja, traidora, porque nascida das mãos do que considera um “caudillo”, Fidel Castro, e traída, porque na origem nacionalista transmutou-se numa sucursal caribenha de Moscou, cerceando, perseguindo e punindo seus detratores. É essa visão de fronteira (matiz de seu exílio no universo dos exílios cubanos), a da Revolução Perdida, que baliza o último capítulo da autobiografia (ou tentativa de escrita da História de Cuba in exilium) de Franqui, em que o elemento da sovietização sublinhado por Rojas transparece apenas como um ponto de transferência e coesão. Não por acaso, esse último capítulo (o cerne de sua autobiografia) recebe o título de El Exílio – sua identidade na descontinuidade. Uma

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descontinuidade também perdida. A trajetória de um fantasma do castrismo que nunca deixou de ser socialista: Esa revolución perdida destruyó la historia de Cuba, sus grandes caídas salvadas por sus grandes momentos. Hoy por no tener nada, no tenemos historia [refere-se mais atentamente a si e aos seus pares], aun si nos queda un poco de aventura, humor y rebeldía. De la experiencia vivida aprendí que las utopías se convertían en prisiones, sin que olvide las injusticias y desigualdades de este mundo, ni piense que poderes y riquezas liberarían al mundo de sus eternas desgracias. Quizás cambiar la vida sea un mito poético al que se opone el egoísmo individual. Los que sufren, como trabajan, el tiempo le es alienado y les impide crear una nueva cultura que sustituya a la existente y transforme a la sociedad. La historia de las revoluciones confirma que mientras en ella esté a la cabeza de un caudillo, con los instrumentos represivos y no la conciencia de la colectividad, habrá sólo tiranía disfrazada de revolución. Durante cuatro años entre contradicciones y conflictos participé de una manera activa en aquella revolución perdida, y en mi conciencia, en ese libro, como en otros, asumo la responsabilidad. Durante cuarenta años de mi vida me he dedicado humildemente a deshacer los entuertos de aquella monstruosidad. Sin vender el alma al diablo ni olvidar que si la cura revolucionaria mata, la enfermedad social es para quien la sufre la muerte de cada día.27

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Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, com a dissertação SUZANO JÚNIOR, Barthon Favatto. Entre o Doce e o Amargo: cultura e revolução em Cuba nas memórias literárias de dois intelectuais exilados, Carlos Franqui e Guillermo Cabrera Infante (19511968). 2012. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Universidade Estadual Paulista. Assis, 2012. 2 FRANQUI, Carlos. Cuba, la Revolución: ¿Mito o Realidad? – memorias de un fantasma socialista. Barcelona: Ediciones Península, 2006. 3 Periódico independente fundado ainda na década de 1990 por Franqui, Andrés Candelario e Mario García, e em que, nos últimos anos, o intelectual articulava como editor eméritus. 4 Cf. FRANQUI, Carlos. Retrato de Família com Fidel. Trad. de Fábio Fernandes da Silva. Rio de Janeiro: Record, 1981, p. 121-122. 5 Sobre o conceito de identidade descontínua, cf. SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. Trad. de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 396. 6 Rafael Rojas aponta para o fato de que cada grupo de expatriados constitui uma “particular localização” dentro do universo plural do exílio cubano, bem como ao desterro chega com su proprio archivo de agravios. Cf. ROJAS, Rafael. Tumbas sin Sosiego: revolución, disidencia y exílio del intelectual cubano. Barcelona: Editorial Anagrama, 2006, p. 396. 7 Guajiros: campesinos; equivalente cubano do caipira brasileiro. 8 FRANQUI, Cuba…, op. cit., p. 33-34. 9 Durante a pesquisa não encontramos estudos aprofundados sobre a correlação entre as duas agremiações. Contudo, a leitura de alguns materiais foi imprescindível para montagem de um panorama. Sobre Nueva Generación vale citar: MONTES HUIDOBRO, Matías. Nueva Generación. In: Revista Chasqui, [S.l], v. IX, n. 1, 1979, p. 39-74. E, sobre Nuestro Tiempo, cf. HERNÁNDEZ OTERO, Ricardo Luis (Org.). Sociedad Cultural Nuestro Tiempo: resistencia y acción. La Habana: Editorial Letras Cubanas, 2002. Também se recomenda a leitura de: ROJAS, Rafael. Anatomia do Entusiasmo: cultura e revolução em Cuba (1959-1971). In: Tempo Social. Revista de Sociologia da Universidade de São Paulo, v. 19, n. 1, São Paulo, 2007, p. 71-88. 10 FRANQUI, Cuba..., op. cit., p. 145.

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Ibid., p. 145-146. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 68. 13 Sobre o caso da censura ao curta-metragem P.M. (Pasado Meridiano) e o encerre das atividades de Lunes de Revolución, sugere-se a leitura, respectivamente, de: VILLAÇA, Mariana. Definição da política cultural: o caso P.M.. In: Idem. Cinema Cubano: revolução e política cultural. São Paulo: Alameda, 2010, p. 51-59; MISKULIN, Sílvia Cezar. O fechamento de Lunes de Revolución. In: Idem. Cultura Ilhada: imprensa e revolução cubana. São Paulo: Xamã, 2003. p. 159-194. 14 MOREJÓN ARNAIZ, Idalia. Política y Polémica en América Latina: las revistas Casa de las Américas y Mundo Nuevo. México (D.F.): Ediciones de Educación y Cultura, 2010, p. 72. 15 FRANQUI, op. cit., 2006, p. 147. 16 As razões que coroam essa distinção estabelecida por Carlos Franqui entre Llanos versus Ejército Rebelde podem ser entendidas a partir de profícua análise presente em: TEIXEIRA, Rafael Saddi. O Corpo Hierárquico. In: Idem. O Ascetismo Revolucionário do Movimento 26 de Julho: o sacrifício e o corpo na Revolução Cubana (1952-1958), 2009, 209 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, 2009, p. 170-190. 17 FRANQUI, Cuba..., op. cit., p. 206-207. 18 Sobre as querelas entre os grupos revolucionários após o triunfo da Revolução Cubana, vide a profícua discussão presente em: MARQUES, Rickley Leandro. A Revolução Cubana, Fidel Castro e a busca de um projeto hegemônico. In: Ibid. A Condição Mariel: memórias subterrâneas da Revolução Cubana. Goiânia: EDUFMA, 2012, p. 33-60. 19 Cf. FRANQUI, Carlos. De Palma a Santiago. In: Idem, Retrato..., op. cit., p. 23-32. 20 FRANQUI, Cuba..., op. cit., p. 223-226. 21 A questão das reuniões na Biblioteca Nacional bem como o impacto delas no cenário cultural cubano da década de 1960 encontra-se explicitada em: MISKULIN, Sílvia Cezar. A Revolução e o Espaço da Cultura. In: Idem. Os intelectuais cubanos e a política cultural da Revolução (1961-1975). São Paulo: Alameda, 2009, p. 29-37. No Brasil, Palabras a los Intelectuales foi – entre outros – publicada em: SADER, Emir (Org.). Fidel Castro – Política. Coleção Grandes Cientistas Sociais, n. 57. São Paulo: Ática, 1986. 22 FRANQUI, Cuba..., op. cit., p. 274. 23 Ibid., p. 277. 24 ROJAS, op. cit., p. 396 – grifo nosso. 25 FRANQUI, Cuba..., op. cit., p. 438. 26 Ibid., p. 420. 27 Ibid., p. 421. 12

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