Memórias e histórias do acorde napolitano e de suas funções em certas canções da música popular no Brasil

August 26, 2017 | Autor: S. Paulo Ribeiro ... | Categoria: Harmonic Analysis, Music Theory, Musicology, Popular Music Studies
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II Colóquio Internacional de História e Música “Música popular: história, memória e identidades” Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Franca, 15 a 17 de maio de 2013 CADERNO DE RESUMOS Filiação temática: Música, história e sociedade

MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DO ACORDE NAPOLITANO E DE SUAS FUNÇÕES EM CERTAS CANÇÕES DA MÚSICA POPULAR NO BRASIL Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas Udesc, Florianópolis, SC A partir de um comentário de Adorno – “No momento em que um acorde não deixa mais escutar sua expressão histórica ele exige terminantemente que se leve em conta suas implicações históricas, aquilo que o envolve. Elas se converteram em uma qualidade sua. O sentido dos meios musicais não brota de sua gênese, e no entanto não é separável dela” 1 –, considera-se aqui o caso do acorde napolitano. Trata-se de um longevo e culto conjunto de determinadas notas musicais que, em alguma medida, combinado a outros recursos que são postos juntos em uma canção, contribui no intento de “mover e sacudir os afetos do público” (CANO, 2000, p. 35). Absorvido pela cultura da tonalidade, esta harmonia é conhecida por diferentes nomes e cifras e, às vezes, se faz ouvir também no repertório associado à determinada ideia de identidade brasileira. Trata-se, para citar um caso emblemático, do acorde que ouvimos na canção “Garota de Ipanema” acompanhando os lamuriantes “ais” do enunciador: “Ah! porque estou tão sozinho...”. Esta consideração sobre o acorde napolitano e seus impactos na canção popular resulta, em parte, de uma revisão formalizada anteriormente (FREITAS, 2010). Tal revisão segue seu curso e, nesta oportunidade, se volta para duas demandas principais. Uma é a ampliação do estudo de interações entre as funções deste histórico e internacional artifício musical e os diversos “aspectos construcionais, ou pöiéticos, e recepcionais, ou estésicos,” (TAGG, 2011, p.15) observáveis em canções produzidas em contextos brasileiros. Outra é tomar parte dos esforços de aproximação entre os que estudam a música popular contando com recursos da musicologia, historiografia, estética, análise e teoria musical e aqueles pesquisadores das ciências humanas e sociais que, com seus enfoques e ferramentas próprias, também estudam tal música. Aproximação percebida como contributiva pelos que vêm notando que o enfrentamento desta produção se vê, em vários sentidos, ampliado e melhor focado com a conjunção de áreas que, em países como o Brasil, se mostram demasiadamente apartadas por vicissitudes que merecem estudos à parte. Em linhas gerais este trabalho visa os seguintes desenvolvimentos: Importa refinar a assertiva de que o acorde está na história e tem uma história2 considerando que “a análise da música requer mais do que teoria musical e revela algo mais do que relações de sons” (LESCOURRET, 2006, p. 259). Com isso, situam-se aspectos de uma leitura crítico-musicológica que evita pensar o acorde, ou a música em geral, através de um prisma excessivamente formalista e acontextual (cf. MEYER, 2000). Tal leitura não se separa das especificidades técnicas envolvidas na enunciação e fruição musical e, por isso, são mapeadas referências, definições e esclarecimentos que contemplam algo das implicações que as diversas tipificações e prescrições carregam consigo. Chega-se então ao problema da inclusão normativa deste acorde napolitano que no sistema tonal é visto como uma espécie de filho bastardo – conforme uma memorável analogia coligada ao assunto ao menos desde que Athanasius Kircher a deixou notar nas entrelinhas de seu cosmogônico “Musurgia universalis” de 1650. De um lado, este acorde ilegítimo é um incômodo para as sistematizações eruditas pautadas pelos pressupostos racionalistas, de ordem físico-naturalista, que governaram (ou governam) a teoria musical oficial. Mas, de outro, essa 1

Tal comentário se encontra no “Filosofia da nova música”, de 1949, e é retomado aqui a partir da tradução e das ponderações de Waizbort (1991, p. 70). 2 Parafraseando Chauí (2006, p. 46): “Como todas as outras criações e instituições humanas, a Filosofia está na História e tem uma história”.

estranheza ou impureza (já que o acorde napolitano não se acha no diatonismo dito puro ou natural), estimula associações de alto rendimento poético: este acorde foi reservado “para a expressão mais intensa do lamento e da dor” (LA MOTTE, 1993, p. 81) e é notória a sua vinculação aos afetos sombrios, introspectivos e patéticos. Daí o desconforto: a pertinência de tal escolha harmônica emerge da sua adequação ao conteúdo externo (argumento, letra da canção, sentimento, motivação subjetiva etc.), e esse “os fins justificam os meios” pode dar a entender que o valor ou finalidade da música depende de negociações com grandezas que estão fora dela. Com isso observa-se que, verificar as “implicações históricas” de um acorde não é tarefa pequena. Depende de alguma apreciação de sua recorrência no repertório e, também, de alguma contextualização crítica daquilo que vem sendo dito e redito sobre ele. Enfrentar uma antologia de casos do acorde napolitano é uma bela empreitada, pois os vestígios deste tipo de combinação de notas retrocedem aos tempos pré-tonais, como mostram especialistas que já a localizaram na polifonia quinhentista de expoentes como Clemens non Papa, Hubert Waelrant e Orlando di Lasso (cf. ELLIS, 2010, p. 15-21). Essa recorrência perpassa os gêneros e estilos (ópera, música séria ou cômica, artística ou ligeira, sacra, de câmara, sinfônica, trilha sonora etc.), sofre transformações ao longo de toda trajetória da tonalidade (séculos XVII ao XXI) e ressoa no repertório popular representado aqui por influentes cancionistas da MPB. Os discursos sobre o acorde napolitano também são abundantes. Grosso modo, pode-se dizer que os inúmeros tratados de análise, harmonia e teoria oriundos da esfera culta, da jazz theory e da música popular, mesmo quando não adotam o termo “napolitano”, reservam algum espaço para tal acorde. Com isso, conclui-se que a apreciação da sua “expressão histórica” passa por alguma atenção a esse acervo de casos e opiniões, pelo reconhecimento de suas esferas de influência, bem como de suas relações com as circunstâncias onde surgiram e progridem, pela avaliação de concepções e também do como e por que tais idealizações aparecem ou não entre nós.

Referências CANO, Rubén Lopéz. Música y retórica en el Barroco. México: Universidad Nacional Autónoma de México, UNAM. 2000. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2006. ELLIS, Mark R. A chord in time: the evolution of the augmented sixth from Monteverdi to Mahler. Farnham, England: Ashgate, 2010. FREITAS, Sérgio Paulo Ribeiro de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. Campinas: Instituto de Artes da Unicamp, 2010. (Tese de Doutorado) LA MOTTE, Diether de. Armonía. Barcelona: Editorial Labor, 1993. LESCOURRET, Marie-Anne. De Schiller a Schönberg: a idéia moral do ideal poético. In: NOVAES, Adauto (Org.). Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 259-273. MEYER, Leonard B. El estilo en la música. Teoria musical, história e ideologia. Madrid: Ed. Pirámide, 2000. TAGG, Philip. Análise musical para “não-musos”: percepção popular como base para a compreensão de estruturas e significados musicais. Per Musi, Belo Horizonte, n. 23, p. 7-18, jan.|jun. 2011. WAIZBORT, Leopoldo. Auklarüng musical: considerações sobre a sociologia da arte de Th. W. Adorno na Philosophie der neuen Musik. Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. (Dissertação de Mestrado).

FREITAS, S. P. R. . Memórias e histórias do acorde napolitano e de suas funções em certas canções da música popular no Brasil. In: II Colóquio Internacional de História e Música: Música popular: história, memória e identidades, 2013, Franca. Anais do II Colóquio Internacional de História e Música: Música popular: história, memória e identidades. Franca: Universidade Estadual Paulista UNESP, 2013. v. 1. p. 35-36.

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