Memórias Possíveis: a imprensa em Juiz de Fora por seus protagonistas

May 22, 2017 | Autor: Rosali Henriques | Categoria: Memory
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XII Encontro Nacional de História Oral Política, Ética e Conhecimento

Memórias Possíveis: a imprensa em Juiz de Fora por seus protagonistas ROSALI MARIA NUNES HENRIQUES1 CHRISTINA FERRAZ MUSSE2

Este texto tem como objetivo relatar a experiência de um projeto de gravações de depoimentos de moradores da cidade de Juiz de Fora. O projeto “Memórias Possíveis” tem como objetivo registrar a memória da cidade de Juiz de Fora a partir de seus personagens. Em seu primeiro módulo registrou 12 depoimentos de jornalistas e fotógrafos que atuam e/ou atuaram na cidade. A memória do jornalismo, da cidade de Juiz de Fora e da imprensa é o foco do projeto e objeto de análise neste texto que ora apresentamos, com resultados parciais do projeto. Introdução “O outro é constitutivo do “eu”. Enfim, sem o outro eu não existo e vice-versa” (COUTINHO, 2006: 195).

O projeto “Memórias Possíveis” é uma iniciativa do Grupo de Pesquisa “Comunicação, Memória, Cidade e Cultura” ligado ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, em parceria com o Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM). O Grupo de pesquisa desenvolve projetos na área de memória e comunicação, tendo como ênfase os debates sobre o papel da memória na construção de uma narrativa sobre a cidade e sobre a cultura, envolvendo processos comunicativos.

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Bacharel em História, mestre em Museologia, doutora em Memória Social pelo PPGMS/UNIRIO. email [email protected] 2 Jornalista, mestre e doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professora da UFJF no curso de Jornalismo e no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, email: [email protected]

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O Museu de Arte Murilo Mendes é um órgão suplementar da Universidade Federal de Juiz de Fora, vinculado à Pró-Reitoria de Cultura. É uma instituição de patrimônio e memória, sediada na cidade de Juiz de Fora e que teve origem no acervo do poeta Murilo Mendes, doado à UFJF em 1976 por sua viúva, Maria da Saudade Cortesão Mendes. Inaugurado em 20 de dezembro de 2005, o MAMM tem um papel de extrema importância para a cultura da cidade de Juiz de Fora, pois além da preservação e divulgação do acervo do poeta Murilo Mendes, realiza atividades culturais, tais como exposições, cursos e manifestações artísticas. Como todo museu, o MAMM é uma instituição preocupada com a preservação da memória de seu entorno. A memória da cidade de Juiz de Fora é parte integrante do acervo de seu acervo, atualmente voltado para as artes e a literatura.

Resultado de uma parceria com o Museu da Pessoa, a metodologia de trabalho utilizada é História Oral. O projeto prevê a gravação de 12 histórias de vida em vídeo, em cada módulo e uma pesquisa contextual sobre o tema a ser trabalhado no módulo. Todos os depoimentos gravados são de posse comum do Museu da Pessoa e do MAMM e serão inseridos no Portal www.museudapessoa.net. O primeiro módulo realizado entre os meses de outubro a dezembro de 2013 gravou 25 horas de depoimentos de 12 jornalistas e fotógrafos ligados à trajetória da imprensa na cidade de Juiz de Fora. Atualmente estamos desenvolvendo o segundo módulo, com gravação de depoimentos de artistas plásticos da cidade de Juiz de Fora. Mais dois módulos estão previstos para serem realizados: escritores da cidade e cineastas com atuação em Juiz de Fora. A escolha por depoimentos de história de vida deve-se ao fato de que não objetivamos gravar apenas os temas selecionados para aos projetos, mas formar um acervo consistente de histórias de vida que registrem essas narrativas da infância, da juventude e da própria criação da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Ao registrar a memória de um determinado grupo social, estamos registrando a memória coletiva desse grupo, mas também de sua cidade e do país. Gravar depoimentos de história de vida de personagens de uma determinada cidade é registrar parte da memória social do país. Segundo Maurice Halbwachs (1994) a memória individual é social porque ela é intelectual e porque os instrumentos que ela utiliza são os da inteligência. A nossa memória é também de origem social porque todas as lembranças estão em relação com o conjunto de noções que o grupo tem. Para Halbwachs (1994), a rememoração é uma reflexão e é essa medida que dá o

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caráter social à nossa memória. A memória coletiva é o trabalho de um grupo social que articula suas lembranças em quadros sociais comuns, compartilhadas por todo o grupo. Halbwachs (1994) afirmava que a memória coletiva passa por um constante processo de reconstrução e de busca de significados, e por isso, ele separa o social (que pertence à sociedade), do coletivo (que pertence a um grupo).

Quando falamos em grupo social, estamos falando de um determinado número de pessoas que pertencem a um grupo profissional ou que pertencem a determinado espaço. O foco de nossa pesquisa é a cidade de Juiz de Fora. É através da memória de seus habitantes, sejam eles oriundos de grupos profissionais ou de bairros da cidade que iremos registrar as histórias da urbe juizdeforana. Juiz de Fora é umas das maiores cidade do Estado de Minas Gerais. Com uma posição estratégica entre o Rio de Janeiro e Belo Horizonte teve papel preponderante na vida cultural e política de Minas Gerais.

A história oral e as entrevistas de história de vida A memória se serve da oralidade para a preservação da história de um determinado grupo social. Segundo André Leroi-Gourhan, a história da memória coletiva pode ser dividida em cinco períodos: “(…) o da transmissão oral, o da transmissão escrita por meio de tábuas ou índices, o das fichas simples, o da mecanografia e o da seriação electrónica.” (LEROIGOURHAN, 1987: 59). E a oralidade é uma característica das comunidades primitivas. Antes do surgimento da escrita, os mais velhos passavam seus costumes e suas tradições através dos relatos orais, ensinando aos mais jovens o conhecimento que foi preservado ao longo da história daquele grupo social. Por isso, Paul Thompson (1992: 45) afirma que a história oral é tão antiga quanto a história, pois “Ela foi a primeira espécie de história.” 3 Na Antiguidade Clássica as narrativas orais eram consideradas fontes históricas e, muitos dos escritos que restaram este período são relatos das batalhas e narrativas heroicas. No entanto, as sucessivas mudanças no mundo e a criação de novos instrumentos de registros mudaram a forma como as sociedades encaram a oralidade. De grande uso nas comunidades primitivas,

3 - Danièle Voldman (1998) questiona o uso da expressão ‘história oral’, afirmando que ela tornou-se inadequada e que só deveria ser empregada para qualificar o período dos anos 50 aos anos 80, mais como caráter historiográfico. Neste trabalho, no entanto, utilizamos esta expressão, pois entendemos que não há uma outra expressão para melhor definir esta metodologia de trabalho.

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ela foi perdendo a sua força à medida que a história foi tornando-se uma ciência, a partir do século XVII. A história da memória coletiva foi cada vez mais sendo detida pelos historiadores, em detrimento do grupo social. E a tradição oral viu questionada parte de sua veracidade histórica. No entanto, muitas comunidades (africanas e indígenas) ainda continuaram com a tradição oral, pois em suas sociedades não havia a escrita. Para Jacques Le Goff (2000) é importante não esquecermos de que a oralidade e a escrita coexistem nas sociedades e que isso é importante para a história e que a história não nasceu com a escrita, “(…) pois não há sociedades sem história” (LE GOFF, 2000: 52). Nesse aspecto, Pierre Lévy (1994) defende dois tipos de oralidade, a primária que é aquela existente nas comunidades onde não há uma língua escrita e a oralidade secundária, onde os relatos orais são complementares às fontes escritas (fontes documentais). Foi a partir dos anos 50 do século XX que a oralidade voltou a ser valorizada como fonte de informação para os historiadores. A criação de uma metodologia de gravação de depoimentos orais, mais conhecida como história oral, e o seu uso como fonte pelos historiadores é ainda muito recente. Ela começou a ser utilizada como fonte de informação para o estudo da história a partir da 2ª Guerra Mundial, precisamente em 1948, por Alan Nevin da Columbia University (JOUTARD, 1983). A partir dos anos 50, na Grã-Bretanha, através de Paul Thompson, da Essex University, a história oral passou a ser difundida na Europa. Este trabalho de Paul Thompson teve início com o projeto ‘The Edwardians’, onde os depoimentos orais recolhidos durante a pesquisa deram origem a uma publicação e um arquivo de depoimentos orais ligados à Essex University4. Nos anos 60, influenciado pela Escola dos Annales e encabeçado por Philippe Joutard, surgiu também na França um movimento para uso da história oral como fonte de pesquisa5. E a história oral expandiu-se primeiro pelo resto da Europa, depois pela América.

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- Os resumos dos 444 depoimentos recolhidos pelo projeto, bem com a transcrição integral de alguns depoimentos podem ser consultados pela Internet através do endereço: http://www.qualidata.essex.ac.uk/edwardians/about/introduction.asp Acesso em 03/04/2014. 5 - A Escola dos Annales é um movimento criado por historiadores franceses, utilizando novos procedimentos de pesquisa e novos objectos sociais. A sua origem está ligada à revista Annales d'histoire economique sociale, fundada em 1929 por Lucien Febvre e Marc Bloch. Esse movimento tinha como objectivo mudar a historiografia, traçando para isso um diálogo com as outras ciências humanas.

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O uso da história oral como metodologia de pesquisa tomou força nos estudos de história contemporânea, na década de 80, com enfoque nos estudos econômicos e sociais. Foi a partir desta época que a metodologia da história oral ganhou novos contornos6. A memória é, por excelência, seletiva. A história de determinado grupo é o conjunto de narrativas que este mesmo grupo filtrou e registrou. A forma como cada grupo narra a sua história também é importante, pois pode-se estudar como este grupo social se vê. As narrativas orais são, por isso, fontes inesgotáveis de informações. Alguns autores trabalharam este tema de forma a entender como as narrativas são construídas. Entre eles destacamos Walter Benjamin (1994), que trabalhando sobre as formas das narrativas, alerta para o fato de que elas se baseiam muito na experiência que é passada de pessoa a pessoa. Benjamin alerta para a crise da memória e da narração, pois “a arte de narrar está definhando porque a sabedoria — o lado épico da verdade — está em extinção.” (BENJAMIN, 1994: 201) Para ele, é preciso resgatar as narrativas orais.

As pessoas narram suas histórias de forma a montar um mosaico da sua própria vida. E a tendência é para o uso da linearidade nas lembranças dos fatos ocorridos, pois a narrativa sempre é feita do presente para o passado. Nesse caso, é a visão atual do mundo que é passada na narrativa. Por isso, a atividade de contar história é sempre temporal. Além disso, a narrativa também é uma forma de comunicação. Por isso, para Ecléa Bosi que trabalhou com a narrativa de idosos moradores da cidade de São Paulo, “A narração é uma forma artesanal de comunicação. Ela não visa a transmitir o “em si” do acontecido, ela o tece até atingir uma forma boa.” (BOSI, 1994: 88) Ainda sobre a forma como as pessoas narram suas histórias, é importante lembrar que as narrativas não são apenas através da fala, mas dos gestos, do nosso corpo. Além disso, nossa história não é somente o que narramos, mas os objetos que nos acompanham durante a nossa vida. Por isso, o uso da história oral em projetos de registro da memória dos grupos sociais possibilita dar voz aos próprios protagonistas da história, trazendo não uma única história, mas múltiplas histórias. Nesse sentido, Paul Thompson (1992) alerta sobre a possibilidade do uso social da memória nas comunidades. Para Thompson, a forma de abordagem da história 6

- Entende-se por metodologia de história oral o conjunto de ferramentas (roteiros, perfis, fichas, etc) usadas por pesquisadores para a gravação de depoimentos de história de vida.

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oral possibilita uma maior interação com a comunidade. A história oral permite às comunidades terem a sua história preservada, pois “A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. (...) E oferece os meios para uma transformação radical do sentido social da história.” (THOMPSON, 1992:44). Sobre a questão do uso das fontes orais nas pesquisas históricas, é importante lembrar que toda fonte histórica é subjetiva, pois “Toda fonte histórica derivada da percepção humana é subjetiva, mas apenas a fonte oral permite-nos desafiar essa subjetividade: descolar as camadas de memória, cavar fundo em suas sombras, na expectativa de atingir a verdade oculta” (THOMPSON, 1992: 197). Michael Pollak (1992) defende que da mesma forma que a memória é socialmente construída, a documentação produzida também o é. Por isso, afirma que a crítica que todo historiador deve fazer às fontes orais é a mesma no uso de fontes escritas porque da mesma forma que a memória é socialmente construída, as documentações (oficiais ou não), também o são. O papel do historiador ou do antropólogo no processo de seleção e gravação de depoimentos em um projeto de registro de memória de uma comunidade é extremamente fundamental. O especialista poderá instrumentalizar a comunidade na metodologia de história oral, possibilitando que a própria comunidade possa usufruir das ferramentas para o registro de sua memória.

A imprensa em Juiz de Fora Em Juiz de Fora, o aparecimento da imprensa está intimamente ligado à consolidação do núcleo urbano, na segunda metade do século XIX. Nesse período, mais de trinta publicações pontificaram na cidade, a maioria de vida efêmera. A imprensa de Juiz de Fora teve uma importância fundamental na evolução histórica da cidade, destacando-se o diário “O Pharol”, surgido em 1866, na cidade de Paraíba do Sul e que depois transferido para Juiz de Fora, onde circulou durante 69 anos. Podemos afirmar, no entanto que o jornal de maior relevância para a cidade de Juiz de Fora foi o “Diário Mercantil”, do Grupo Diários Associados, que circulou entre 1912 e 1983. Durante este longo período de existência, o “Diário Mercantil” foi um veículo de grande presença na cidade de Juiz de Fora, formando uma geração de grandes jornalistas e repórteres fotográficos.

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De acordo com Andreola (1995), depois da morte de Chateaubriand, em 1968, as más administrações do Condomínio, criado em 1959, concorrem para abalar a saúde financeira dos jornais, revistas, rádios e emissoras de TV do Grupo. A crise, que começa nesta época, vai explodir em meados dos anos 70, quando Renato Dias Filho se aposenta, em Juiz de Fora, depois de dirigir a empresa local por 41 anos. A partir de 1973, o jornal vai ser administrado por pessoas ligadas ao Condomínio dos Diários Associados, vindas de Belo Horizonte que pretendem reformular o impresso, mas tudo indica que é o começo do fim. Em 1982 foi fundado na cidade de Juiz de Fora, o jornal “Tribuna de Minas” pertencente ao Grupo Solar de Comunicação. Com uma circulação diária, exceto às segundas-feiras, a Tribuna de Minas veio concorrer com o Diário Mercantil, abocanhando parte do seu público e com o fim do concorrente irá reinar sozinho durante muito tempo. Juiz de Fora possui atualmente cinco jornais impressos, sendo o de maior circulação o diário “Tribuna de Minas”. Sobre o início da “Tribuna de Minas”, Kátia Dias7: A Tribuna de Minas ela começou com parte da redação do Diário Mercantil e do Diário da Tarde, recrutados pelo próprio doutor Juracy Neves, que é o fundador do jornal, e pelo Eloísio Furtado, que seria o editor geral. O Diário Mercantil era uma estrutura muito poderosa, a começar pela redação em si, e pelo peso do que ela trazia, ela trazia vários jornais irmãos de muito peso em outros estados, o Estado de Minas, o Correio Braziliense, e outros tantos assim.

Além dos temas básicos de uma história de vida, tais com infância, adolescência, colégios, espaços públicos e privados da cidade de Juiz de Fora, emergiram dos depoimentos temas específicos sobre a imprensa na cidade. Entre eles destacamos: o cotidiano da reportagem, o dia a dia das redações, a censura na época da ditadura, as mudanças tecnológicas no processo de impressão do jornal, etc. Selecionamos alguns trechos que ilustram algum dos temas abrangidos nos depoimentos.

Mudanças tecnológicas Naquela época você compunha o jornal no chumbo, aquilo ia para a oficina, e o chefe da oficina distribuía aquilo na página, do jeito dele, como ele queria, nada mais do que isso, não havia diagramação. Só depois quando o Diário Mercantil entrou no offset que aí a diagramação começou a ser tratada com carinho, dois, três diagramadores. WILSON CID8

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Depoimento gravado para o projeto Memórias Possíveis, no dia 07/10/2013. Depoimento gravado pelo Projeto “Memórias Possíveis” em 10/12/2013

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Para você ter ideia como é que antigamente você transmitia uma foto, você tinha que montar um laboratório quando você viajava. Com esse equipamento aqui, que você alugava da Associated Press, você chegava na cidade no hotel que você ia ficar, no banheiro do hotel você punha uns plásticos pretos com adesivos nas janelas para tampar a luz e transforma aquilo num laboratório fotográfico, ali tinha um mini ampliador, tinha os químicos para revelar o filme, os químicos para revelar as fotos, os papéis fotográficos, a luz vermelha, tinha tudo, você trazia tudo, instalava a luz vermelha lá e fazia as cópias fotográficas. Colocava a cópia fotográfica nesse aparelho e transmitia via telefone, tinha que ser uma linha direta, não podia ter ramal, porque qualquer coisa que você falasse na extensão saia na foto, com um ruído. HUMBERTO NICOLINE9

Censura “No domingo em que morreu o Juscelino Kubitschek eu já era editor do jornal Diário Mercantil e do Diário da Tarde. Eles telefonaram da Polícia Federal: “Zaghetto, a morte do Juscelino só pode ser dada com meia emoção”. Eu fui na sala deles que na época era na Galeria Carmelo Sirimarco, em Juiz de Fora. Entrei direto lá e falei: “Meu amigo, eu acabei de receber um telefonema da sua secretária dizendo que a morte do Juscelino Kubitschek tem que ser dada com meia emoção, mas eu quero aprender como que se dosa emoção, vou ser um cara super bajulado, um cara que aprende a dosar emoção, imagina!”. O delegado foi até muito simpático: “Oh! Zaghetto, o que é que eu vou fazer com você, meu filho? Você sabe o que eu quis dizer, você tem que segurar a mão”. Eu vivi isso, não há um papel censurando, se proibiu tudo, mas sem nunca escrever qualquer coisa censurando ou proibindo. Foi assim a manchete no dia seguinte: Morre JK e a notícia pura e simples” ISMAIR ZAGHETO10

O primeiro módulo encontra-se em fase de processamento: transcrição, revisão e edição dos depoimentos. Enquanto isso, iniciamos a primeira leva de gravações dos depoimentos dos artistas plásticos da cidade de Juiz de Fora. Todos os módulos terão como produto final, uma publicação com os depoimentos editados e um vídeo-documentário.

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Depoimento gravado pelo Projeto “Memórias Possíveis” em 15/10/2013 Depoimento gravado pelo Projeto “Memórias Possíveis” em 01/10/2013

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Considerações finais “Marco Polo descreve uma ponte, pedra a pedra. - Mas qual é a pedra que sustém a ponte? – pergunta Kublai Kan. - A ponte não é sustida por esta ou por aquela pedra – responde Marco, - mas sim pela linha do arco que elas formam. Kublai Kan permanece silencioso, refletindo. Depois acrescenta: - Porque me falas das pedras? É só o arco que me importa. Polo responde: - sem pedras não há arco.” CALVINO (2002: 85)

A memória é, antes de mais, recordação, lembrança. E lembrar é selecionar, escolher. E isso funciona tanto individualmente como coletivamente. Por isso, a construção da memória de um grupo é as lembranças coletivas desse grupo, ou seja, é aquilo que ele seleciona e registra como importante que passa ser definido como importante. E é através desse registro que este grupo reforça a sua identidade social e marca a sua trajetória no tempo e no espaço.

É importante reafirmar que os grupos sociais são portadores de memória e que esta memória é patrimônio intangível da sua comunidade. Nesse sentido, o papel dos museus enquanto lugares de memória11 é dar espaço para que os grupos possam ter suas histórias preservadas. Nesse sentido, a preservação é necessária, mas não apenas da memória dos objetos, das referências patrimoniais, mas a memória das pessoas.

Afinal, qual é a pedra que sustenta a ponte? As narrativas orais são as pedras que sustentam o arco, que sustenta a ponte. As pontes, nesse caso, são as múltiplas e variadas histórias que formam um conjunto de histórias de determinado grupo social. E as histórias das pessoas são ricas em informações, acontecimentos, versões e visões. E um conjunto de histórias deixa de ser apenas um conjunto de histórias, passando a ser um pedaço de uma história muito maior e assim sucessivamente. As histórias de vida são como pequenos retalhos de uma colcha, como uma teia de histórias que se entrelaçam, formando uma história maior. E assim, as pedras vão sustendo o arco, que sustenta a ponte, que sustenta o mundo.

O conceito de lugar da memória foi definido por Pierre Nora em sua obra ‘Lieux de la mémoire’. Para Nora (1984), os museus, institutos históricos, casas de cultura, monumentos, entre outros são lugares de memória, pois permitem criar laços de identificação com as pessoas. Os lugares da memória, tal como defendido por Pierre Nora, nos transportam para as memórias de outros tempos, de outros acontecimentos. 11

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Referências ANDREOLA, Márcia Regina Gonçalves. Diário Mercantil: um marco no jornalismo de Juiz de Fora. Projeto experimental. Faculdade de Comunicação da UFJF, Juiz de Fora, 1 sem. 1995. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. 7ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas vol.1. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 197-221. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Lisboa: Teorema, 2002. COUTINHO, Eduardo. Na altura do olho. In: WORCMAN, Karen; VASQUEZ PEREIRA, Jesus. História Falada: memória, rede e mudança social. São Paulo: Sesc SP/Museu da Pessoa, 2006. pp. 191-195. HALBWACHS, Maurice. Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: Albin Michel, 1994. (Bibliothèque de “L´Évolution de l´Humanité”, 8) LE GOFF, Jacques. História e Memória. Vol. 1 – História. Lisboa: Edições 70, 2000. LEROI-GOURHAM, André. O gesto e a palavra. Vol 2. memória e ritmos. Lisboa: Edições 70, 1987. LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era informática. Lisboa: Piaget, 1994. MUSSE, Christina Ferraz. A trajetória do Diário Mercantil: alter ego da cidade de Juiz de Fora. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008/resumos/R3-0491-1.pdf. Acesso em 08/03/2014. NORA, Pierre. Entre mémoire et histoire: la problématique des lieux. In: Les lieux de mémoire. Vol. 1. – La République. Paris : Gallimard, 1984. p. XV-XLII. OLIVEIRA, Paulino de. A imprensa em Juiz de Fora antes de 1930. Revista do IHG de JF, Juiz de Fora, ano 2, n.2, p. 20-29,1966. POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, nº 10 (1992). p. 200-212. SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. THOMPSON, Paul. A Voz do Passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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VOLDMAN, Daniele. Definições e usos. In: AMADO, Janaína ; FERREIRA, Marieta [eds.]. Usos e abusos da história oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 3039.

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