Ur Faculdade de Arquitectura
O Centro Editorial da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de
Universidade Técnica de Lisboa
Lisboa agradece a inestimável colaboração de todos os intervenientes neste número e adverte que os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos
Rua Sá Nogueira Pólo Universitário - Alto da Ajuda 1349-055 Lisboa Tel 213 615 000 Fax 213 625 138 www.fa.utl.pt
seus autores.
Ur
Coordenação Margarida Moreira Catarina Teles Ferreira Camarinhas
Comissão Editorial Margarida Moreira Catarina Teles Ferreira Camarinhas Alexandra Ai Quintas Miriam Pereira
Colaboraram neste número Catarina Camarinhas Diana Soeiro Francisco Serdoura Guilherme Alves Coelho Helena Almeida Inês Rodrigues João Pedro Costa João Rafael Santos José Nicolau Tudella Luís Filipe Mendes Luís Guimarães Lobato t Madalena Cunha Matos Tânia Beisl Ramos Vasco Massapina
Design Mónica Loureiro Sandra Belela Lopes
Impressão
Ficha Técnica
Antó Rua Conde das Antas, 48 A 1070-070 LISBOA Tel: 219 345 800 Fax: 219 345 809 UR Cadernos FA / UTL / Lisboa: cidade-projecto n.8 | Janeiro 2012 Preço: 12€ Tiragem: 500 exemplares ISSN: 1645-2844 Depósito legal n.º 230330/05
Índice 04
Editorial Margarida Moreira
06
Madalena Cunha Matos Tânia Beisl Ramos Inês Rodrigues Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa
26
João Pedro Costa Ler Alvalade no Tempo: Arquitectura e Urbanismo no Estado Novo, 1930/1950
42
João Rafael Santos Sete Rios: A Construção de um Espaço entre Infra-Estruturas, Escalas e Topologias Territoriais
52
Luís Filipe Mendes Os equí
60
Francisco Serdoura Helena Almeida A reabilitação da Baixa Pombalina de Lisboa: Uma estratégia para a sustentabilidade ambiental e económica
ENTREVISTAS
68
Guilherme Alves Coelho
74
José Nicolau Tudella
84
Luís Guimarães Lobato t
RECENSÕES
95
Vasco Massapina Urbanismo
97
Diana Soeiro O Imperceptível Devir da Imanência de José Gil
DIVULGAÇÃO
101
Exposição Lisboa: Planos e Projectos
121
Teses
131
Mestrado Erasmus Mundus > Eur-Med, Estudos Urbanos em Regiões Mediterrânicas
Ur
Revista Cadernos da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa [Ur] Número especial sobre Lisboa: cidade-projecto
Para a elaboração deste número especial da Revista Cadernos da Faculdade de Arquitectura, foi importante a sensibilidade do seu director e da Comissão Científica da mesma, por ter aceite investir e colaborar nesta publicação dedicada ao Urbanismo da Cidade de Lisboa que assume aqui, pela primeira vez, um carácter científico. Este carácter deve-se ao facto de todos os artigos submetidos a este número terem sido sujeitos a arbitragem científica. Em função da unidade da Revista, o objectivo principal, foi o de reunir investigação em curso sobre a cidade de Lisboa. No entanto, ao iniciarmos e promovermos o carácter científico da publicação, deparámo-nos com um desvio na intenção inicial do seu conteúdo, que assumimos inteiramente. O espectro alargado da compilação de trabalhos e estudos que recebemos, foi visivelmente limitado por normativa imanente a publicações científicas, mas sem em qualquer momento ter sido questionado o valor intrínseco dos mesmos.
Editorial
Perante a evolução da universidade, o progresso das ciências, letras e artes, o crescimento da investigação e o consequente aumento da produção científica, tornou-se quase obrigatória a publicação de trabalhos em revistas científicas. Só então, a credibilidade dos
Margarida Moreira Arquitecta | Professora Associada da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigadora CIAUD-FA
conteúdos e a promoção dos seus autores é aceite e reconhecida a sua maturidade académica. Os conteúdos são indubitavelmente o elemento fulcral na avaliação. O Conselho Editorial, o Conselho Científico e/ou os referees, formado por investigadores externos à instituição, garantem a obediência a regras pré-estabelecidas por órgãos normalizadores, mas acima de tudo têm que garantir o mérito dos conteúdos e da informação transmitida. Com este procedimento, constatamos existir um ganho para os próprios autores, para a comunidade científica e produção por si gerada e para a publicação de futuros exemplares da Revista, onde se prevê a continuação deste modelo. Cientes deste desafio, congratulamo-nos com todos os que permitiram a publicação deste número especial da Revista Cadernos da Faculdade de Arquitectura dedicado ao Urbanismo da Cidade de Lisboa. O conteúdo desta publicação, teses, artigos, entrevistas, vai no sentido de aprofundar conhecimentos e fomentar o debate sobre
matérias da maior actualidade no planeamento municipal e estimular
cujos reflexos incidem na recomposição da textura social e cultural
a reflexão sobre Lisboa: cidade-projecto. O número especial sobre
dos espaços urbanos.
Lisboa: cidade-projecto que aqui se publica é sem dúvida o resultado
Francisco Serdoura e Helena Almeida exploram o tema
da importante participação dos autores dos artigos seguidamente
da sustentabilidade associada à Baixa Pombalina. O artigo “A
apresentados.
reabilitação da Baixa Pombalina de Lisboa: Uma estratégia para a
Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos e Inês Rodrigues,
sustentabilidade ambiental e económica” vai no sentido de conhecer
exploram os impactos das Passagens no tecido urbano da cidade
e analisar os problemas e limitações desta zona central da cidade,
de Lisboa e o modo como estas actuam no modo de viver a cidade.
com o objectivo de estabelecer um diagnóstico, através do qual seja
O artigo apresentado, “Transpor e permear: Passagens no tecido
possível desenvolver uma estratégia real para a sustentabilidade
urbano de Lisboa” tem por base a observação no local como uma
ambiental e económica da Baixa Pombalina. É feita uma abordagem
parte fundamental no processo de transformação e desenvolvimento
multidisciplinar, fundamental para o reconhecimento dos valores da
urbano. As Passagens enquanto espaços de mobilidade e de interacção
zona e sua futura gestão. urbanismo da cidade de Lisboa, com diversos especialistas e quadros
Estado Novo, 1930/1950”, João Pedro Costa debruça-se sobre o
superiores da Câmara Municipal de Lisboa, que em diferentes períodos
Plano para o Bairro de Alvalade, tendo por objectivo interpretar o
estiveram envolvidos na elaboração e revisão dos Planos Directores
contexto político, socio-económico, urbanístico e arquitectónico em
Municipais. Incluímos entrevistas aos arquitectos Guilherme Alves
que a concretização do Bairro de Alvalade teve lugar, procurando
Coelho e José Nicolau Tudella e ao engenheiro Luís Guimarães
compreender as suas opções urbanísticas e arquitectónicas. O ponto
Lobato, cuja notória capacidade crítica e sensibilidade aos valores
central na presente investigação, é, o papel do município enquanto
estéticos e urbanos louvamos. Lamentamos o falecimento recente
agente empreendedor habitacional suportando um programa das
do engenheiro Guimarães Lobato, importante vulto do urbanismo
Casas de Renda Económica, e a sua substituição pelo programa das
e da cultura científica portuguesa. A sua participação neste número
Casas de Renda Limitada, figura que conheceu as primeiras aplicações
é um importante testemunho da sua dedicação à cidade de Lisboa.
no terreno em 1949 e que veio a dominar a construção do bairro na
Decidimos prestar homenagem à sua memória neste número da
década de 50.
revista Cadernos da Faculdade de Arquitectura da Universidade
João Rafael Santos investiga a morfologia urbana de Sete
Técnica de Lisboa.
Rios, mediante a utilização de matrizes que combinam a evolução,
O número dedicado ao Urbanismo da Cidade de Lisboa da
estratificação e independência dos diversos elementos urbanos
Revista Cadernos da Faculdade de Arquitectura apresenta por último
e territoriais. “Sete Rios: A construção de um espaço entre infra-
duas recensões bibliográficas e informação sobre teses de mestrado
estruturas, escalas e topologias territoriais” debruça-se sobre uma
e doutoramento recentemente realizadas dentro do âmbito da
área da cidade de Lisboa marcadamente descontínua, carente de
presente publicação.
legibilidade e referências espaciais. O autor, evidencia a importância da cartografia interpretativa e relacional a partir de uma análise morfológica das formas e eixos de crescimento urbano e das articulações organizacionais e sistémicas no processo de investigação da morfologia urbana. O Bairro Alto faz parte do estudo de caso de Luís Filipe Mendes em, “Os equívocos e os consensos na relação entre reabilitação urbana e gentrificação”. Após, breves considerações em torno da definição conceptual de gentrificação, o autor faz a associação directa do conceito de gentrificação ao de reabilitação urbana. O artigo desenvolve-se em torno do processo socio-espacial da gentrificação que segundo o autor, surge de uma manifestação espacial e social,
Agradecemos a todos os que colaboraram connosco nesta pequena mais valia para a comunidade científica. Ur
| Editorial
Foi também relevante a possibilidade de poder debater o
Em “Ler Alvalade no Tempo: Arquitectura e Urbanismo no
Margarida Moreira
são explorados sob o ponto de vista social, económico e formal.
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UR
Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa Madalena Cunha Matos * Tânia Beisl Ramos ** Inês Rodrigues ***
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Sem anúncio, sem menção e sem história, surgem em Lisboa umas entidades a que poderemos chamar passagens – ruas trespassando edifícios, edifícios sobrepostos a ruas, caminhos atravessando
e endereço; uma pesquisa no Arquivo Intermédio da Câmara Municipal de Lisboa, de consulta aos processos de obras dos imóveis abrangidos;
tão frequente, tornou-se banal; de tão banal, tornou-se invisível. De
autoria, quando legível. É uma parte deste estudo, incidindo sobretudo
elemento do tecido urbano, passou insensivelmente a traço distintivo
no século XX, que adiante se apresenta. Paralelamente, realizou-se
da morfologia urbana da cidade. Embora permeie todo o panorama urbano português, em Lisboa ela ganha intensidade e frequência
passagem – que levou à preparação de comunicações2 e à incorporação
invulgar.
no estudo de comentários produzidos.
A partir da questão da permeabilidade urbana, ancorada nos estudos pioneiros de K. Lynch (1960) e G. Cullen (1965), teorizada e
uma indicação das suas possíveis correlações com outras tipologias.
modelizada por B. Hillier e J. Hanson (1984), avaliada por M. Krüger
Das passagens detectadas no século XX, fez-se uma selecção, que se
e B. Turkienicz (1986), e desenvolvida em caminhos paralelos pela
apresenta neste artigo como Parte II; conclui-se com uma discussão do
Space Syntax, pela avaliação de apreensão do espaço urbano de
seu estatuto e possíveis transformações.
M. E. Kohlsdorf (1986), pelos estudos tipológicos e pelos estudos
Num compte-rendu na primeira pessoa de práticas médicas e
da morfologia urbana de A. Moudon (1986) e de A. Siksna (1998),
confronto com a doença, Michael Gearin-Tosh, don de Oxford, cita o
procurou-se caracterizar este elemento do tecido urbano recém-
Oxford English Dictionary, que sob a voz rationalist, dá este exemplo:
. O estudo desenvolvido constou do levantamento
‘those physicians are called rationalist who do not value the facts themselves
1
* Arquitecta | Professora Associada da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigadora CIAUD-FA
** Arquitecta | Investigadora CIAUD-FA *** Estagiária FA | Estudante Arquitectura FA-UTL
so highly as their explanation’. Acrescenta: ‘Because the body is so complex and so little understood, there is often a gap – a gap of centuries, even millenia – between observing that some remedy works (induction) and understanding why it works (deduction). The history of medicine is full of examples.3 Tendo em comum com a Medicina a característica
de exigir explicação e até previsão, e simultaneamente vigilância cuidadosa aos particularismos, o urbano (a cidade como produção, o urbanismo como ciência e como arte) não rejeita a analogia médica; e, como aquela disciplina, talvez os estudos urbanos precisem de, de quando em quando, permitir aos factos emergirem ao primeiro plano e não se deixarem silenciar pelas vozes loquazes das doutrinas já feitas. Ou seja, talvez haja que descartar provisoriamente as racionalizações apressadas e aventurarmo-nos no campo da incerteza; e dos factos. PARTE I Qual o significado desta colecção heterogénea de ocorrências de uma particular situação urbana, em que o traço comum é a sobreposição do edificado ao espaço público de circulação? Um possível sinal será dado pela admirável continuidade de uma tradição viva que remonta ao período medieval – enquanto testemunho real, e presente, no território português – e ao período romano – enquanto legado cultural e jurídico, ao qual voltaremos.
7
Observe-se a persistência de portas de cidade, de ‘arcos’ e ‘postigos’ nos núcleos históricos das cidades portuguesas. Quer pela defesa, quer pela cobrança de taxas alfandegárias, as portas de cidade tendem a densificar-se pela construção da habitação do senhor da urbe: veja-se o caso do Arco do Almedina em Coimbra, de que há indícios de ter sido residência do Conde Siznando por altura da reconquista. Em Lisboa, as portas, planeadas ou não, nas muralhas da cidade, vêem-se associadas a edificações que reforçam esse sentido de protecção e aproveitamento do espaço protegido. A multiplicação desses acessos faz-se em direcção ao rio, no caso de Lisboa: e a sua manutenção ao longo dos séculos, prévios à patrimonialização do legado histórico edificado, atesta a naturalidade do seu uso continuado e a sua aceitação cultural pelos residentes. A demolição de parte destes arcos ocorre já no século XX, demonstrando a proximidade da solução com a admissibilidade contemporânea. O século XVIII edificou as passagens de maior monumentalidade na cidade de Lisboa: o Arco da Rua das Amoreiras, o Arco do Bandeira no Rossio e o Arco da Rua Augusta. Se este representou um objecto de algum modo inédito na cidade, pelo menos no período não-clássico e enquanto construção permanente, já o Arco do Bandeira não fez mais do que perpetuar uma memória de arco ali existente. Não é assim:
Figuras 1 a 5 | Passagens em arco em Lisboa: Alfama e Arco da Torre
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Figuras 6 a 16 | Arco da Rua Augusta; Arco do Bandeira; Arco das Amoreiras
monumentalizou-o e integrou-o no desenho integral da praça, então regularizada.
Bem mais próximos, encontram-se os grandes bairros de habitação
O Arco das Amoreiras é a monumentalização de um desvio no
social e as expansões urbanas dos anos 20 e 30 na Europa Central,
traçado de uma infra-estrutura, o Aqueduto das Águas Livres, que tem
sobretudo os Siedlungen.4 Para a adesão por parte de arquitectos, e não apenas de planeadores, à rua e edifício entrelaçados, foi fundamental
central na cidade; é também uma porta de entrada em Lisboa. Trata-se
o extraordinário enfoque criado com as peças prototipais da Bauhaus
de um lugar de celebração, e de reconhecimento da importância do carácter público do espaço transposto pelo arco; é o espaço público
de Ginzburg (1928-29). Estes edifícios-farol celebram a transparência e
da rua que merece e motiva um arco triunfal.
o conceito de circulação.
Uma indicação das possíveis correlações da passagem com
Nas décadas de 50 e 60, as sobreposições funcionais motivaram
outras tipologias inclui situações próximas e longínquas. Distantes
inúmeros empreendimentos na Europa do pós-guerra, sobretudo de
como moldes para a passagem, encontram-se as galerias de ferro e
centros cívicos com diferenciação de usos e volumes às várias cotas.
vidro do século XIX e os novos han, a partir dos modelos otomanos e
Tratando-se de grandes operações, quer em terrenos abertos pela
islâmicos; têm em comum com a mais singela passagem o facto de se
destruição bélica, quer nas expansões suburbanas, quer ainda nas
cidades novas, a disposição optimal e a concentração de funções
vida social e em particular naquele que nos ocupa, no que concerne
centrais tornou-se um desiderato. Com a massificação da construção
aos usos do solo e sua divisão público-privado.
em betão armado e metálica, as possibilidades de vencer grandes
Com o abandono dos grandes planos na capital após o
vãos e ainda assim suportar significativas cargas construídas
esgotamento das reservas deixadas pelas expropriações de Duarte
multiplicaram-se e tornaram-se economicamente acessíveis. A
Pacheco e com a subida da voz dos especuladores fundiários, o
coincidência do surgimento da sensibilidade townscape favoreceu a
crescimento peça a peça da cidade permitiu a inclusão de quintas,
disponibilidade tecnológica em criar nos anos 60 espaços apropriáveis,
de todas as dimensões e configurações, na grande operação de
senão mesmo defensáveis, que faziam uso das inflexões, dos percursos
transformar terrenos rurais em urbanos. Os terrenos encravados,
e da sua marcação inicial, final e de etapas. O uso de estrangulamentos
em particular, tornaram-se apetecíveis destinatários dos acessos em
espaciais de tipo porta urbana inseria-se nesta procura. À facilidade
túnel, sob edifícios que se erguiam como parte de uma infra-estrutura.
acima referida em vencer os antigos constrangimentos tectónicos,
Dessa vontade de lucro, de aproveitamento intenso de todos os
associaram-se depois os grupos ingleses como o Archigram e outros
metros quadrados mobilizáveis, nasceu uma afeição pelas passagens
utopistas. A gravidade desapareceu das leis da arquitectura, senão das
que perdura até hoje e se distribui por toda a cidade de expansão da
leis da física, e o solo libertou-se para receber indiferentemente vias
segunda metade do século XX, e em todas as áreas intersticiais dos
ou apoios a vias, edifícios ou apoios a edifícios, natureza ou apoio à
assentamentos mais antigos, tal como a Ajuda. A impossibilidade de
natureza. A celebração dos estratos espaciais independentes não tem
rectificação dos lotes, só recentemente permitida por lei, terá ajudado
cessado de se consolidar com as mais recentes ideologias koolhasianas.
a criar esta proliferação de edifícios-ponte, demonstrando a ausência
A esta corrente correspondeu um estádio de desenvolvimento
ou o descaso dos poderes públicos em deterem os instrumentos
industrial e mais tarde digital que privilegia a deslocação, a velocidade,
urbanísticos necessários à criação de uma cidade ordenada.
o consumo, o espectáculo – e finalmente o simulacro. PARTE II A selecção preliminar incide no século XX. Tanto quanto foi possível
a premência em conseguir habitação por parte dos operários e outros
averiguar, estas passagens não foram estudadas - nem mesmo
recém-chegados às cidades permitiu o nascimento e consagração
sinalizadas - na bibliografia especializada. A classificação proposta
das tipologias do pátio e da vila, em Lisboa, e da ilha, no Porto. Quer
inclui os subgrupos de (1) circulação viária e pedonal; (2) circulação
num caso, quer noutro, a disposição das reduzidas habitações fazia-se
exclusivamente pedonal; os subgrupos de (3) quarteirão; (4)
longitudinalmente a uma rua interna ao quarteirão ou ao lote, e o acesso
‘escadinhas’; (5) pátios e vilas; (6) integrados em grandes intervenções
era controlado por uma passagem no prédio marginando a rua pública;
planeadas e (7) esboçados. Estes subgrupos não deixam de se
porque a via interna era uma ‘rua particular’, que a regulamentação
sobrepor, apresentando-se segundo esta sequência apenas por
lisboeta reconhecia ainda em 1936. Este regulamento de obras para
facilidade de exposição e por permitirem destacar compassadamente
a cidade de Lisboa definia explicitamente a dimensão máxima dessa
características que importa assinalar.
rua, e as condições em que se podia utilizar uma passagem sob prédio como acesso.5 Em 1994, existiam ainda 371 vilas na cidade.6 No Porto,
Passagens de circulação viária e pedonal
a regulamentação da cidade desobrigava de autorização camarária as
O maior número de passagens existentes em Lisboa permite o acesso
obras realizadas atrás da face da rua; só em 1889 uma faixa de cinco
pedonal, juntamente com o viário. Neste subgrupo encontram-se
metros à face da rua é fixada como sendo sujeita a autorização para
porém variações e singularidades.
a realização de obras. Assim, tudo o que fica aquém da vista não é 7
assimilável a espaço público; e assim também em Lisboa, onde se
(1918) Localizada em ângulo recto com a Rua Morais Soares, a passagem
admite abertamente haver dois tipos de espaços de circulação: os
da Rua Actor António Cardoso permite actualmente o atravessamento
públicos e os privados. Essas heranças persistem, pela presença ainda
viário do conjunto edificado em sentido único e o atravessamento
desses conjuntos edificados nas cidades e pela familiaridade que essas
pedonal, previsto em apenas um passeio lateral. Esta será a passagem
práticas transportam dos hábitos ainda rurais de grande parte dos
de menor largura (4,0 metros) neste grupo, e a de maior profundidade
citadinos, no decorrer dos séculos XIX e XX – em todos os aspectos da
(22,5 metros) entre os grupos de passagens analisados, reflectindo a
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Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa | Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos, Inês Rodrigues
No plano nacional, e recuando ao século XIX, ao arranque desse mesmo desenvolvimento industrial, a situação era bem outra:
Figuras 17 a 24 | Passagem em arco na Rua Actor António Cardoso (1918)
tipologia de prédio profundo do princípio do século. A rua que esta quarteirão. Era inicialmente referida no processo de obra do edifício abrangido como ‘rua particular’; no alçado desse processo camarário representa-se um portão decorativo em ferro, condicionando o seu acesso. A passagem é sinalizada exteriormente por um arco e apresenta uma estrutura visível marcada pela repetição de arcos 10 Ur
intercalando uma zona de vigas metálicas, junto à qual se localiza um saguão geminado. Este permite a iluminação e ventilação natural dos espaços do sector interno dos fogos deste edifício de quatro pisos e
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dos do seu vizinho. (1947) Na zona do Areeiro, encontra-se a sequência de passagens da Avenida de Madrid - Rua Cervantes - Avenida João XXI - Rua Presidente Wilson - Avenida de Paris. São passagens de circulação viária e pedonal número – quatro pares de passagens, em continuidade e sujeitas a um alinhamento no tecido urbano. Apresentam dimensões aproximadas variando entre os 12,4 e os 13,5 metros de largura total, com pilares centrais e passeios pedonais laterais e ao centro. A profundidade varia entre os 9,5 e os 13,0 metros. Apenas a dimensão altura é constante: 4,5 metros em todos os casos. Cada par, formado sob edifícios de piso térreo e três pisos elevados, apresenta ainda percursos transversais que permitem o acesso viário ao interior do quarteirão; estes são grandes pela dimensão, são dos maiores interiores de quarteirão da cidade de Lisboa e evocam a noção de parque. No piso térreo em três das quatro passagens foram projectados espaços comerciais. A sequência orienta-se no sentido Norte-Sul, com um grande enfoque na simetria
Figuras 25 a 32 | Passagens na Av. de Madrid - Rua Cervantes - Av. João XXI - Rua Presidente Wilson - Av. Paris (1947)
bilateral, apresentando fechos visuais nos términos: a Norte, o remate é assegurado por um edifício isolado destinado a equipamento público 11
(EDP) e definindo uma praceta; a Sul, o remate chega a constituir uma lado Norte da então designada Av. de Berne, hoje João XXI, cabe aos Arquitectos José Bastos, Alberto Pessoa, Raul Ramalho e Lucínio Cruz. (1952) Integrada numa zona mais a Norte, no Plano de Alvalade (1945), localiza-se o par de passagens na Avenida de Roma - Rua Edison Avenida de Madrid. Formando ângulo recto com uma das principais avenidas da cidade, a passagem permite a circulação em apenas um sentido viário. Das passagens sequenciais existentes em Alvalade, é a mais estreita (4,1 metros) e a de maior altura (5,1 metros). No alçado, contrastam duas cores, acusando a simetria construtiva e de propriedade.8 Esta é a passagem mais comummente referida pelos lisboetas quando questionados sobre a existência de passagens na cidade; ultrapassou a escala local e ganhou um estatuto de escala global de cidade. O projecto é assinado pelo Arquitecto Joaquim Ferreira, sendo-o também em algumas peças pelos Arquitectos Guilherme Gomes e Filipe Figueiredo. (1963) No mesmo bairro e na Avenida da Igreja, situam-se duas passagens simétricas, desta vez em lados opostos do arruamento principal. A Rua Alberto de Oliveira atravessa perpendicularmente a
Figuras 33 a 36 | Passagem na Av. de Roma - Rua Edison - Av. de Madrid (1952)
Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa | Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos, Inês Rodrigues
ampla praça ajardinada, a Praça Pasteur. O projecto do ‘Lote 23’, no
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Figuras 37 a 43 | Passagem na Av. da Igreja - Rua Alberto de Oliveira (1963)
primeira avenida. A passagem Sul permite o acesso num único sentido.
já nas décadas de 60 e 70, com uma linguagem arquitectónica própria
A passagem Norte dá acesso a uma das pequenas ruas em impasse
(moderna) e diversa dos primeiros edifícios do bairro de Alvalade (português suave).
características do plano, ao qual voltaremos. Têm uma dimensão quase idêntica entre largura e profundidade, respectivamente 13,1 e
(1960) Na Alameda de Linhas de Torres, localizam-se duas passagens quadrada. Porém, e excepcionalmente no plano, ambas as passagens
paralelas direccionadas para a Rua Leopoldo de Almeida. Constituídas
recebem edifícios modernos sobrepostos à própria rua. Esta zona do
sob edifícios distintos e com linguagens e volumetrias diversas,
Plano, em conjunto com a vizinha Praça de Sº António, foi concretizada
ladeiam um pequeno edifício antigo situado entre aqueles. Em
Figuras 44 a 47 | Passagem na Alameda Linhas de Torres - Rua Leopoldo de Almeida (1960’s)
Figuras 48 a 51 | Passagem na Praça Rainha Santa (1962)
acesso ao estacionamento automóvel. No interior daquela passagem
(6,5 metros) e altura (5 metros) – e uma grande profundidade (15,95
- com 4,8 metros de largura total e 13,0 metros de profundidade
metros), cada uma com um sentido viário; em cada passagem, no
e apenas 3,5 metros de altura - e apoiado por um estreito passeio
lado oposto à preexistência remanescente, e apenas nesse, surge uma
assimétrico, projectou-se um acesso ao edifício de habitação, com
calçada pedonal que confere acesso ao comércio aí previsto.
entrada para a casa da porteira. O projecto é de autoria do Arquitecto Carlos Tojal.
(1962) A passagem localizada na Praça Rainha Santa integra-se num conjunto edificado que delimita uma vasta praça central (área verde e
(1970) A Rua Luís Pastor de Macedo, situada a Norte de Lisboa, à
equipamento infantil). Os traços distintivos desta passagem são o seu
ilharga da Alameda das Linhas de Torres, é extensa e inflecte em várias
posicionamento – num ângulo da praça – e a sua difícil percepção no
mudanças de direcção; percorre em ‘U’ duplo uma área de habitação
conjunto, dada a volumetria e a marcação contínua e horizontal das
e comércio. As duas passagens nela existentes, semelhantes nos dois
lajes dos pisos elevados. Tem medidas aproximadas entre a largura (12,4
casos, apresentam um vincado sistema estrutural que se destaca
metros) e a profundidade (14,6 metros), com uma altura de 4,5 metros.
nas fachadas. As proporções são porém diferentes: alta e estreita,
Segundo o processo de obra, o projecto do edifício de oito pisos foi
baixa e larga. A primeira - com 9,5 metros de largura, 14,0 metros de
‘condicionado pela existência de passagem no prolongamento da rua;
profundidade e 7,7 metros de altura - permite o acesso num único
nele, lastima-se a ‘perda de área’ resultante deste facto’. O projecto é de
sentido, enquanto a outra já o permite em sentido duplo. É semelhante
autoria do Arquitecto A. Sousa Mendes.
a arquitectura dos edifícios que as integram, sendo provável a autoria pelos mesmos projectistas.
(1962) A passagem da Rua Luís de Freitas Branco insere-se num edifício de sete pisos e integra um quarteirão quadrangular aberto numa das extremidades. A passagem em sentido único é a primeira de duas passagens da rua que percorre o interior do quarteirão, permitindo o
(s/d) No Largo do Rio Seco, e na confluência de sete arruamentos, um edifício de grande porte projecta-se em relação ao quarteirão quadrangular, avançando sobre o espaço público; em função do túnel existente uns metros a seguir, desocupa o rés-do-chão, criando uma
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Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa | Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos, Inês Rodrigues
comum estão as proporções semelhantes das passagens – largura
Figuras 52 a 55 | Passagem na Rua Luis Freitas Branco (1962)
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Figuras 56 a 63 | Passagens na Rua Luís Pastor de Macedo (1970)
passagem larga - 9,7 metros -, com uma profundidade de 12,2 metros
desfasados de montras abertas sobre a passagem. Do outro lado,
e de duplo pé-direito; chegam a abrir-se sobre ela portas e janelas de
situa-se o acesso principal ao edifício e a um café que substituiu a
dois pisos do bloco habitacional. Sobressaem pelo contraste as formas e dimensões de ambas as passagens (edifício e túnel) - de linhas
Arquitectos Bento de Almeida e Victor Palla. Esta é uma das únicas
rectas no edifício de habitação e semi-circular no estreito túnel com
passagens com dimensões generosas - apresentando os valores mais
único sentido sob a Rua da Aliança Operária. Este é caso de insólita e
elevados de largura (8,4 metros), altura (5,0 metros) e profundidade
imprópria ocupação do espaço urbano, como um apêndice da massa incluindo candeeiros públicos e paramentos verticais em mármore. Passagens de circulação pedonal
(1956) Com acesso a partir da Avenida do Brasil, a passagem da Rua
(1954) Perpendicular à Avenida de Roma, a Rua Sacadura Cabral permite
José Lins do Rego apresenta a largura também invulgar de 6,5 metros, tendo sido registada no processo de obra uma proposta de ocupação
delimita aquela avenida. A passagem consiste numa extensão apenas
parcial da mesma. A tentativa de construção de uma papelaria-
pedonal desta rua, resolvendo-se por uma estrutura longitudinal em
tabacaria não foi entretanto aprovada. Apresenta os menores valores
pórticos, e, ao prolongar o alinhamento da rua, introduz uma diagonal
de altura (3,0 metros) e profundidade (10,0 metros) existentes no
está associada a passagem, pensado sucessivamente para diversas implantações no conjunto edificado – houve vontade de singularizar este edifício relativamente ao alinhamento da Avenida do Brasil. Apesar de muito utilizada por residentes, apresenta evidentes sinais de degradação. (s/d) A passagem existente na Avenida Maria Helena Vieira da Silva permite o acesso a um equipamento religioso, a Igreja Nossa Senhora do Carmo, também acessível pelo lado oposto por uma escadaria. A passagem pedonal é dupla, totalizando os 5,6 metros com pilares centrais, 13,6 metros de profundidade e 3,0 metros de altura. Foi reformada recentemente, apagando vestígios de degradação e manifesto mau uso. (s/d) Tal como no caso anterior, a passagem perpendicular à Estrada
Figuras 64 a 67 | Passagem no Largo do Rio Seco
das Laranjeiras confere acessibilidade a um equipamento público, a estação do Metropolitano das Laranjeiras. Com dimensões acanhadas (2,8 metros de largura e 3,4 metros de altura) para a população que a utiliza e a importância do serviço prestado, a longa passagem (29,0 metros), ao mesmo tempo que permite o atravessamento do conjunto edificado, está dissimulada na correnteza de prédios da Estrada das Laranjeiras; prolonga-se através do logradouro edificado em
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direcção a um amplo pátio aberto localizado no interior do quarteirão, deterioração, especialmente pela proliferação de graffitis. Esta é uma situação anómala para um acesso de transportes públicos de massas. Na realidade, existe uma segunda passagem com dimensões bem mais amplas (6,2 metros de largura e 3,5 metros de altura) num prédio vizinho a Sul. No entanto, dadas as condições de visibilidade, esta passagem é escassamente utilizada. A primeira passagem apresenta-se alinhada com a entrada do Metropolitano. (1997) A passagem dupla existente na Rua Fernando Namora permite o atravessamento unicamente pedonal de uma frente edificada de grandes dimensões, em direcção a um arruamento paralelo ao primeiro, e que hoje remata o tecido urbano de Telheiras no encontro com a 2ª circular. Apresenta 6,0 metros de largura e 3,1 metros de altura, enquanto a profundidade é de 11,3 metros. Passagens em quarteirão Os exemplos seguintes inserem-se nos raros quarteirões de desenho unitário e integral de Lisboa - os quais surgem como peças únicas no tabuleiro dos quarteirões vizinhos; são quarteirões quadrangulares
Figuras 68 a 73 | Passagem na Avenida de Roma - Rua Sacadura Cabral (1954)
Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa | Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos, Inês Rodrigues
pelo qual se acede à estação de Metro. O pátio apresenta sinais de
Figuras 74 a 81 | Passagem na Avenida do Brasil - Rua José Lins do Rego (1956)
16 Ur
n.8 | Janeiro 2012
Figuras 82 a 85 | Passagem na Avenida Maria Helena Vieira da Silva (s/d)
Figuras 86 a 89 | Passagem na Estrada das Laranjeiras (s/d)
Figuras 90 a 93 | Passagens duplas na Rua Fernando Namora (1997)
e triangulares inseridos em malhas reticuladas. As ruas internas, de carácter semi-público, ocupam sempre a posição a eixo e permitem o acesso aos logradouros, ora colectivos dos prédios correspondentes, ora privativos das habitações do rés-do-chão. As passagens surgem de forma discreta, chegando a assemelhar-se a entradas de prédios e apresentam as medidas mais reduzidas de altura e largura entre todos os grupos de passagens estudados. (1939) Constituído por edifícios habitacionais de quatro pisos, o quarteirão localizado no Bairro dos Actores e projectado pelo Arquitecto João Simões é atravessado por uma rua interior que une a Rua Lucinda do Carmo à Rua Augusto Machado. As passagens com 3,0 metros de largura e 10,7 metros de profundidade, têm apenas 2,8 metros de altura, o que evidencia a continuidade estrutural dos prédios contíguos e dificulta a percepção das entradas. Referida no processo de obra como ‘passagem de serviço’ - ‘útil’ e ‘prática’, a rua interior permite o acesso aos logradouros e entradas de serviço dos edifícios habitacionais. (1940) Em Campo de Ourique, outro quarteirão habitacional projectado pelo Arquitecto R. Rodrigues Lima permite uma ligação entre as ruas Sampaio Bruno e Azedo Gneco. Desta vez, para além da
Figuras 94 a 105 | Passagem entre Rua Lucinda do Carmo e Rua Augusto Machado (1939)
passagem pedonal lateralizada, é possível a circulação automóvel. A
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e 3,8 metros de altura. Alguns logradouros, neste caso colectivos dos prédios, foram transformados em parque de estacionamento privativo. (1942) Um par de passagens na Avenida Defensores de Chaves converge e estrutura uma única rua interior que atravessa o quarteirão no sentido longitudinal, passando novamente a abrir-se em dois acessos, que em planta assumem a forma de um semi-círculo, para aceder à Rua D. Filipa de Vilhena. Estas passagens apresentam dimensões suficientes para a circulação automóvel (3,0 metros de largura) e permitem o acesso aos logradouros ajardinados e às entradas de serviço dos blocos habitacionais. Têm 4,6 metros de altura e 9,3 metros de profundidade. O processo de obra apresenta em alçado uma possibilidade de controlo de entrada por portões de baixa altura. O projecto deve-se ao Arquitecto Maurício Trindade Chaves. (1944) A Avenida Manuel da Maia, a Avenida Guerra Junqueiro e a Alameda Dom Afonso Henriques estruturam um grande quarteirão triangular, cujo atravessamento se realiza a partir da primeira avenida por meio de uma ‘escada pública’, e a partir da segunda avenida, por meio de uma passagem viária e pedonal de acesso ao interior do
Figuras 106 a 117 | Passagem entre Rua Sampaio Bruno e Rua Azedo Gneco (1940)
Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa | Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos, Inês Rodrigues
passagem tem 5,0 metros de largura e 9,4 metros de profundidade
quarteirão, intensamente usado como parque de estacionamento. A passagem que inclui a escadaria mede 3,4 metros de largura, 12,5 metros de profundidade e 3,2 metros de altura. A sua leitura na frente construída não é óbvia; a escadaria apresenta um declive acentuado. O processo de obra do prédio que contém a escadaria refere um descontentamento pela perda de área de construção com essa passagem. Como compensação, é autorizado pela Câmara Municipal o aproveitamento de um piso, à cota do logradouro interior, para arrecadações dos inquilinos. No processo de obra, há ainda uma tentativa de fechamento frente à rua com portões e correntes, que não é autorizado. Passagens em ‘escadinhas’ O caso anterior introduz-nos no subgrupo das ‘escadinhas’, solução recorrente em Lisboa, quer em rua aberta quer em passagem, dado o acentuado declive de grande parte da área de assentamento da cidade. (s/d) A passagem junto à Alameda das Linhas de Torres une o interior do quarteirão, integralmente ocupado como parque de estacionamento e suas vias de acesso, à via principal, a Alameda das Linhas de Torres, onde se situam pólos de atracção: as instalações do Centro de Saúde do Lumiar, um centro comercial à escala de bairro
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e outras instalações públicas. A Alameda não comporta qualquer estacionamento neste troço, sendo pois aquela passagem, para a
Ur
maioria da população, o caminho mais rápido entre o estacionamento n.8 | Janeiro 2012
e os serviços pretendidos. A passagem de 3,4 metros de largura que estreita para 2,0 metros no local das escadinhas, e 14,8 metros de profundidade, permite vencer o desnível entre o estacionamento automóvel existente nas traseiras do edifício e a Alameda. (1961) Por meio de escadinhas são ainda as passagens que unem a Avenida Duque d’Ávila, a Rua dos Açores e a Rua Visconde de Santarém. São passagens amplas com 4,7 metros de largura, 12,0 metros de profundidade e 7,0 metros de altura. O prédio de grande porte que as Figuras 118 a 125 | Passagem entre Avenida Defensores de Chaves e Rua D. Filipa de Vilhena (1942)
comporta, apesar de ser já de linguagem e estrutura modernas, acolhe uma solução de apoio característica da zona histórica da cidade, o corrimão central em tubo de ferro – contrastando com os grandes pilares em ‘V’ que suportam o paralelepípedo construído. Passagens em pátios e vilas (1996) Localizado no local do antigo Pátio Monteiro, o Pátio Bagatella foi reconstruído de raiz segundo projecto dos Arquitectos João Duarte Ferreira e Miguel Sousa, apresentando algumas características espaciais do conjunto habitacional original. Com a mesma orientação e
Figuras 126 a 129 | Passagem entre Avenida Manuel da Maia e Avenida Guerra Junqueiro (1944)
mantendo a rua interior, situa de um lado uma edificação de dois pisos e do outro um edifício habitacional de grande porte com comércio no térreo que contorna o conjunto na sua largura mais estreita (Rua Artilharia Um). Aí se encontra a passagem de acesso ao conjunto, feita por meio de ‘escadinhas’ com o corrimão central. Esta passagem apresenta os seguintes valores: 5,6 metros de largura, 30 metros de comprimento e 7 metros de altura, contrastando com as medidas mais modestas existentes no conjunto originalmente edificado no local. Figuras 130 e 131 | Passagem na Alameda das Linhas de Torres
Passagens integradas em grandes intervenções planeadas No Plano de Alvalade (1945), da autoria do Arquitecto Guilherme Faria da Costa - primeiro bairro integrado e inteiramente planeado
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ao agenciamento entre edificado e espaço público, assim como à evolução das linguagens - por via das três décadas que o seu completamento efectivo exigiu. Em relação aos planos anteriores, integra uma importante inovação urbanística para o tema em estudo espaços de permeabilidade viária e pedonal. São passagens simples e sequências de passagens, planeadas de modo intencional como modo de interromper e atravessar grandes extensões de massa edificada. Na maior área do bairro e na sua fase primeira, os quarteirões são estruturados como um ‘U’ por edifícios contínuos de habitação colectiva de quatro pisos implantados ao longo dos eixos viários, e apresentam-se como uma barreira ao percurso pedonal. Os edifícios que topejam os impasses localizados no interior do quarteirão são isolados: apresentam o contorno dessas pracetas não integralmente construído, permitindo o seu atravessamento pedonal. Outras soluções urbanísticas estão presentes no plano que aplicam os princípios do Movimento Moderno e utilizam os pilotis como meio de permitir transparência e permeabilidade contínua do tecido urbano. Estes Figuras 132 e 138 | Passagem na Avenida Duque d’Ávila/ Rua dos Açores/ Rua Visconde de Santarém (1961)
conjuntos, cuja planta assume a forma de uma franja, são facilmente identificados na malha urbana.9 São os seguintes conjuntos urbanos: o Bairro das Estacas (1949) de Formozinho Sanchez e R. Athoughia,
Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa | Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos, Inês Rodrigues
da cidade - assiste-se à evolução dos conceitos que presidem
Figuras 139 e 146 | Passagem no ‘Pátio do Bagatella’
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n.8 | Janeiro 2012
Ur
os Blocos no Cruzamento das Avenidas EUA e Roma (1954) de F.
permanece; encontram-se ainda as alternativas de percurso entre os
Figueiredo e J. Segurado, o Conjunto Habitacional situado a Norte
peões e os automóveis. Os pilotis continuam presentes, embora surjam
da Avenida EUA (1955) de P. Cid, Vasconcelos Esteves e M. Laginha, o Conjunto Habitacional situado a Sul da Avenida EUA (1955) de Croft de Moura, H. Albino e Craveiro Lopes e o Conjunto Habitacional da Avenida do Brasil (1958) de J. Segurado. Têm um contorno delimitado
A morfologia do bairro é marcada pela agregação de módulos-tipo das atravessamento.
urbanística e repetem a tipologia arquitectónica do bloco implantado
(1958) Os edifícios situados na Rua Cidade de Cabinda, de autoria
de modo perpendicular aos eixos viários. Dentre os exemplos
dos Arquitectos José e Aleixo Terra da Motta, constituem neste bairro
pioneiros desenvolvidos em Lisboa, todos, com excepção do Conjunto
uma singularidade. Quatro edifícios estão dispostos em paralelo num
Habitacional da Avenida Infante Santo (1956) de Alberto Pessoa,
único alinhamento no terreno, apresentando dois a forma em ‘L’.
Hernâni Gandra e Abel Manta, estão inseridos no Plano de Alvalade. (1954) Neste estudo, destacamos o conjunto formado pelos Blocos no Cruzamento das Avenidas EUA e Roma, de autoria dos Arquitectos Filipe Figueiredo e José Segurado. Os quatro blocos implantam-se no sentido Norte/Sul nos quatro quadrantes do cruzamento entre avenidas. Apresentam uma orientação idêntica e oblíqua em relação a estas. Dois blocos destacam-se dos demais por avançarem sobre o espaço público e incluírem passagens viárias (4,0 metros de largura, 16,2 metros de comprimento e 3,7 metros de altura) que atravessam o edifício no sentido transversal, permitindo o acesso de peões à portaria e de automóveis ao pequeno parque de estacionamento. No plano dos Olivais Norte (1955-58), as passagens, tal como neste estudo, têm pouca expressão. Apesar do plano dos Olivais Sul
pedonal apenas, e nos restantes, pedonal e viário. Estas passagens assemelham-se àquelas referidas em Alvalade. São também passagens duplas com pilares centrais e apresentam valores aproximados: 13,6 metros de largura, 13,1 metros de comprimento e 5,0 metros de altura. A sinuosidade intencional do traçado viário desenvolve-se em declive e corta os dois primeiros edifícios por uma dupla passagem, uma em cada sentido, para depois contornar os dois últimos edifícios, permitindo o acesso à rua principal. De assinalar a escolha deliberada incomum, dadas a propriedade municipal do solo e as orientações do Plano. No Bairro de Chelas (1964), assim como nos Olivais-Sul, alguns
(1958-60) fazer uma revisão dos princípios racionalistas, a implantação apoiada em galerias elevadas.
Figuras 147 e 154 | Passagem sob os edifícios situados no Cruzamento das Avenidas dos EUA e Roma
Figuras 155 e 163 | Passagens na Rua Cidade de Cabinda (1958)
(1971-75) Na designada ‘Pantera Cor-de-Rosa’ da autoria dos
área histórica do Núcleo Antigo. O próprio Plano de Pormenor previa
Arquitectos Gonçalo Byrne e António Reis Cabrita (atelier N. T. Pereira),
o uso de passagens desniveladas que permitiria o atravessamento de
uma via atravessa sob os volumes edificados a rua recriada. Idênticas
grande parte do bairro. Todavia embora as estruturas destas passagens
soluções se registam no mais tardio plano do Restelo (1971).
estejam construídas, o percurso não está completo. A Praça Central, último quarteirão a ser edificado a Sul do Plano, tira partido desse
No Plano de Telheiras (1973), de autoria dos Arquitectos Pedro
princípio e conjuga um quarteirão em ‘U’, aberto nas extremidades
Vieira de Almeida e Augusto Pitta, apesar da rede de circulação
e acessível por passagens pedonais, e jardins situados em diferentes
pedonal coincidir em grande parte com a estrutura viária principal,
cotas. Das passagens existentes no bairro, uma parte já foi encerrada
detectam-se percursos alternativos de atravessamento do bairro por
por meio de portões e outros dispositivos, privatizando o interior dos
meio das passagens pedonais, incluindo as pré-existentes situadas na
quarteirões.10
Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa | Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos, Inês Rodrigues
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n.8 | Janeiro 2012
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Figuras 164 e 175 | Passagens em Telheiras
Passagens esboçadas (1956)
representativos de datações e tipos diferentes de passagens. A Tabela
por realizar, assim também ocorre no caso da Praça Olegário Mariano
1 seguinte elenca as dimensões físicas de todas as passagens do século
– onde uma falsa passagem resulta de um projecto de túnel previsto
XX estudadas.11
mas não construído. Mede 17,8 metros de largura e 8,0 metros de altura. Trata-se da primeira de uma sequência de duas perfurações
ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: O LUGAR DO DIREITO
ensaiadas para o local e integra-se previsivelmente numa das várias
O que nos remete para a questão nuclear: o estatuto da passagem.
Lisboa, em especial para a zona Nascente. O que é digno de realce
usufruto desse espaço aéreo que é apropriado sobre ruas já existentes?
neste projecto urbano abandonado é o facto de ele mais uma vez
Qual a reversibilidade? Quantas transformações já sofreram esses
mobilizar, ou conviver, com uma solução rua/edifício sobreposto.
espaços ambíguos, por vezes originalmente estritamente privados? Quais serão as alterações possíveis que os amenizem e os façam
aérea da cidade
(Figura 179),
distinguindo-se os casos relativos à Parte
adquirir uma dignidade urbana de que a maior parte está carente?
I (A - E) e à Parte II (1 - 24). A mancha resultante corresponde a uma amostra das situações existentes, onde se procurou seleccionar casos
possibilidade de erguer edifícios sobre as ruas: as Ordenações Filipinas
Figuras 176 e 178 | Praça Olegário Mariano
Figura 179 | Localização na cidade de Lisboa das passagens referidas no texto. Passagens Históricas: A – Arcos em Alfama; B – Arco da Torre; C - Arco da Rua Augusta; D – Arco do Bandeira; E – Arco das Amoreiras. A identificação das passagens do século XX (1 - 24) segue a ordenação da Tabela 1
Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa | Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos, Inês Rodrigues
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n.8 | Janeiro 2012
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Tabela 1 | Referências dimensionais das passagens numeradas
autorizam um proprietário de casas de ambos os lados de uma rua
seria ainda mais arriscado à data, dada a ausência de iluminação
a lançar traves ou a construir uma abóbada que transponha a rua e
e de pavimentação nas ruas. Num texto posterior, aponta-se a inconveniência destas casas-ponte para a passagem de procissões.
esses espaços, na hipótese de a situação cadastral se alterar e já não
Fazem porém todas essas colecções de leis a ressalva de que, no
ser o mesmo proprietário a deter as duas casas pré-existentes. Este
caso do Município o requerer, tais edifícios suspensos teriam de ser
assentimento é feito a contra gosto; é referido explicitamente que tal
retirados; mencionam que o ar por cima e por baixo do dito espaço suspenso pertence ao Município12.
para esconderijo de ladrões e outras práticas de má nome; o que
Apenas com o Código Civil, tal prática – porque de um hábito se
trataria, que os autores remetem ao Direito Romano – se romperia, em
instalações sanitárias e preenchidas por graffitis sobrepostos. A sua
virtude da explicitação então feita da noção de propriedade – incluindo
presença e multiplicação em Lisboa não nos permite ignorá-las;
nessa definição, e em conjunto com o terreno propriamente dito, todo
pertencem, senão à história da arquitectura, pelo menos à história da
o correspondente espaço subterrâneo e aéreo utilizável, com algumas
cidade; como vimos, percorrem todo o século XX.
restrições apenas. Haveria aqui o conceito de projecção vertical do
Na sua modéstia e mediocridade, muitas delas asseguram
terreno cuja posse ainda no decorrer do século XIX é interpretada
um importante serviço à cidade, a uma micro-escala: permitem o
como um direito absoluto, porque permite, com as vilas, pátios e ilhas,
encaminhamento por entre as grandes frentes construídas, reduzindo
a inclusão no seu perímetro de espaços de circulação, por essência e
as dimensões destas para o peão, sobretudo o peão muito jovem ou
por necessidade espaços públicos.
muito idoso ou transportando crianças ou outras cargas; favorecem a capilaridade dos movimentos no espaço urbano e aumentam o conforto da vida na cidade.
Assim, temos em Lisboa uma convergência entre uma corrente
As funções desempenhadas poderiam ser mais vastas, se
que vem da Modernidade, com a sua ênfase na velocidade, na
nelas incluíssemos um propósito de desfrute do meio urbano. É uma
imponderabilidade, na conjunção improvável de contrários – a rua e
oportunidade num trabalho de revitalização da cidade. Exemplos na
o edifício – e uma persistência de hábitos e práticas legais ancestrais
história existem, de valorização deliberada de espaços e tipologias; é
e que se ligam ao desiderato do lucro dos promotores imobiliários
o caso da sobreposição de ‘peles’, nas basílicas do século XIII e XIV da
ocupados com a construção numa cidade sem regras urbanísticas
península itálica, marmoreadas mais tarde e frequentemente apenas
claras e com constrangimentos cadastrais e topográficos importantes.
parcialmente revestidas até hoje.
Assim, temos, de lados opostos, os empreendimentos públicos - de
Transformar em exemplos felizes uma herança que algumas vezes
que um resultado é o plano de Alvalade; do outro, iniciativas privadas
desgosta, muitas nos deixa indiferentes e poucas vezes nos apraz. Se
- de que um resultado é o aproveitamento de terrenos desfavoráveis
uma acepção fundamental do racionalismo significa a valorização da
e estrangulados. Ambos produzem passagens: algumas atraentes,
intelecção sobre a estranheza dos dados observáveis, então é preciso
‘turísticas’, apropriáveis até pela sua escala diminuta, tratadas,
periodicamente inverter o ponto de vista. O corpo e alma da cidade
revestidas a azulejo, com lojas e esplanadas, integráveis numa leitura
podem ser observados empiricamente.
de townscape; outras feias, desprezadas, escuras, usadas como
1 Kevin Lynch, The Image of the City, MIT Press, Cambridge MA., 1960; Gordon Cullen, Townscape, Architectural Press, London, 1965; Bill Hillier e Julienne Hanson, The Social Logic of Space, Cambridge, Cambridge University Press, 1984; Mário Krüger e Benamy Turkienicz, ‘Medição da continuidade urbana’ in Anais do II SEDUR, Seminário sobre Desenho Urbano no Brasil, Brasília, Deptº Arquitectura e Urbanismo – UnB/Cnpq, Brasilia /FINEP, Rio de Janeiro/PINI, São Paulo, 1986; Mário Krüger e Maria Kohlsdorf, Manual de Técnicas de Apreensão do Espaço Urbano, Edição Preliminar, Brasília, Fundação Universidade de
Brasília, Departamento de Urbanismo, Instituto de Arquitetura e Urbanismo, 1986; Anne Moudon, Built for Change: Neighborhood Architecture in San Francisco, Cambridge, MIT Press, MA, 1986; Arnis Siksna, ‘City centre blocks and their evolution. A comparative study of eight American and Australian CBD’s’, Journal of Urban Design, 3:3, 1998, 253-283. 2
Tânia Beisl Ramos e Madalena Cunha Matos, ‘Permeabilities and Porticos in Modern
Urban Design. Brazil and Portugal’ in XIV International Seminar on Urban Form, CD_Rom ISBN 978-85-98261-03-4, Ouro Preto, 2007; e Madalena Cunha Matos e Tânia Beisl Ramos, ‘Crossing Through the Block: Permeabilities in the Urban Fabric of Portuguese Cities’ in 13th
7
Manuel Teixeira, ‘Do entendimento da cidade à intervenção urbana. O caso das ilhas da
cidade do Porto’, Sociedade e Território, nº 2, Porto, Afrontamento, 1985. 8
Uma testemunha qualificada – o Arquitecto José Tudela, em entrevista às autoras em
Março de 2008, assinalou ter um dos prédios da Avenida de Roma perdurado durante algum tempo com o corpo levantado em balanço, até ao completamento total da passagem, pela construção do prédio simétrico. 9
Tânia Beisl Ramos e Madalena Cunha Matos, ´Os Conjuntos ‘Franja’ de Lisboa: explorando
a sua função citadina de sustentabilidade e identidade’, Seminário NUTAU - Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitectura e Urbanismo, CD-Rom, São Paulo, Universidade de São Paulo, 2006. 10
Tânia Beisl Ramos, Planeamento e Morfologia dos Espaços Urbanos dos Bairros de Olivais e Telheiras: Organização Espacial e Configuração Física, Dissertação de Mestrado em Planeamento Regional e Urbano, Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa, 1997.
11
As autoras agradecem a colaboração prestada pela estagiária Susana Cirilo na elaboração
International Planning History Society, Chicago, 2008.
destes registos.
3
Michael Gearin-Tosh, Living Proof, Scribner, London, 2002, p. 219-220.
4
Ref.: M. C. Matos e T. B. Ramos, 2008.
12 Cândido Mendes de Almeida (coord.), Codigo Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal recompiladas por mandado d’El-Rey D. Philippe I, Rio de Janeiro, Tipografia
5
Regulamento Geral da Construção Urbana para a Cidade de Lisboa, 3ª ed., Lisboa,
Tipografia Municipal, 1936. 6
Roteiro das Ruas de Lisboa, Lisboa, Editorial Notícias, 1994.
do Instituto Filomático, 1870. Agradece-se ao Professor Fernando Gonçalves a indicação destes dados e a colaboração no desenvolvimento do tema.
25
Transpor e Permear: Passagens no Tecido Urbano de Lisboa | Madalena Cunha Matos, Tânia Beisl Ramos, Inês Rodrigues
CONCLUSÃO
Ur
Ler Alvalade no Tempo, Arquitectura e Urbanismo no Estado Novo, 1930/1950 João Pedro Teixeira de Abreu Costa * 26
1. INTRODUÇÃO Objecto de estudo entre 1994 e 1997, o processo de planeamento,
O texto que se segue tem por base essa componente da investigação,
urbanização e edificação do Bairro de Alvalade encontra-se bastante
a qual, tendo suportado o trabalho publicado, não chegou a ser
documentado e sistematizado.
sistematizada e conhecida. Procura-se pois, nas linhas que se seguem,
Tendo apresentado como motivação inicial a preparação de uma
interpretar o contexto político, socio-económico, urbanístico e
dissertação de mestrado, apresentada na Faculdade de Arquitectura
arquitectónico em que teve lugar a concretização do Bairro de
da UTL em 1998, a investigação realizada teve por base a leitura
Alvalade, procurando compreender as suas consequências nas opções
sistemática das fontes primárias, em particular dos planos, estudos de
urbanísticas e arquitectónicas tomadas.
conjunto, projectos sectoriais e projectos de arquitectura; esse material foi posteriormente utilizado na sua adaptação para publicação em livro [Costa, 2002, 2005 e 2006]1. O recurso a fontes bibliográficas foi igualmente relevante, em
2. O PROGRAMA HABITACIONAL DE PROMOÇÃO PÚBLICA NA LISBOA DO SÉCULO XX
particular as obras que remetiam directamente para a área de estudo,
O desenvolvimento do programa habitacional na Lisboa do século
como por exemplo diversos documentos e estudos municipais ou
XX, mediante grandes iniciativas de promoção pública, pode
alguns textos de autores importantes para a compreensão de todo o
ser interpretado através da definição de 3 grandes períodos de
processo então vivido.
características distintas, directamente relacionadas com o seu contexto
Razões de economia de processos e de objectividade na
político.
incidência urbanística e arquitectónica de Alvalade conduziram à não
Os primeiros 25 anos do século, correspondendo aos últimos
publicação de partes da investigação então realizada, entre as quais
anos da Monarquia, à I República e à transição para o Estado Novo,
se encontram os estudos de enquadramento desta realização no seu
foram caracterizados pela instabilidade política; consequentemente,
tempo, então significativamente “comprimidos”.
a capacidade de investimento em grandes programas habitacionais
*
Arquitecto | Professor Auxiliar da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigador CIAUD-FA
de promoção pública ficou limitada, ainda que intenções pontuais
uma transição de Regime, mas também de procedimento, inaugurando
testemunhem que este programa não foi totalmente esquecido.
uma lógica de promoção empresarial que é repetida nas promoções
Neste período, devem ser referenciados em particular os
públicas contemporâneas.
primeiros planos para o Bairro do Arco do Cego, desenvolvidos durante
Regressando ao Bairro de Alvalade, a sua leitura, no quadro dos
a República2, ainda que o seu maior volume de edificação tenha tido
diferentes momentos do programa habitacional público de Lisboa
lugar posteriormente, já em pleno Estado Novo3.
no século XX deve focar principalmente o segundo grande período,
O segundo grande período teve lugar durante o Estado Novo
abrangendo as décadas de 30 e 40; ainda que o seu processo de
(1926-1974) e a sua compreensão é chave para interpretar o contexto
edificação se tenha prolongado até à década de 70, a lógica dos Planos
em que teve lugar o planeamento, a urbanização e a edificação do
de Fomento que se desenvolveu a partir da década de 50 encontrou já
Bairro de Alvalade.
reduzida expressão nesta área da cidade.
Este período de quase 50 anos não foi, todavia, uniforme, podendo ser identificados 3 grandes momentos, designadamente:
3. LISBOA NA DÉCADA DE 30, URBANISMO E ARQUITECTURA
> O período até 1938, dominado pelo programa das Casas
Como observado, nos seus primeiros anos o Estado Novo centrou
Económicas, lançado em 1933 , e caracterizado pelas expansões
a sua atenção na estabilização constitucional e económica; o
habitacionais com recurso à tipologia da moradia unifamiliar,
desenvolvimento de programas habitacionais não constituiu uma
frequentemente agrupada; associado ao debate em torno da casa
prioridade.
4
portuguesa, recebeu também inspiração no modelo da cidade-
Também identificado como a Lisboa Modernista [França, 1980]6,
jardim inglesa, embora, no caso português, tenha tentado reproduzir
o período compreendido entre 1910/20 e a segunda metade de 19307
em meio urbano uma sociedade ainda agrária, em que cada família
foi caracterizado pela reduzida atenção dada pela administração
dispunha do seu talhão de terra produtiva – e não tanto de um espaço
central aos problemas municipais, que conheceram lógicas de gestão
de jardim para recreio e lazer;
corrente.
> O período compreendido entre o início da elaboração do
Tratou-se, então, de um período em que «Lisboa se estendeu sem
Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (PGUEL) e o final
um plano de conjunto. Desenvolveu-se por bairros, por núcleos, por zonas
da década de 50, dominado pela acção intervencionista de Duarte
rurais que uma a uma se urbanizavam bastante anarquicamente, pouco
Pacheco, no âmbito do qual devem ser lidos os estudos e trabalhos
ou nada relacionadas com as unidades, ainda rurais, ou já urbanas, que
relativos ao Bairro de Alvalade (1943/45), e;
lhes ficavam contíguas. Também na necessidade de se fazerem projectos
> O período compreendido entre o final da década de 50
de conjunto que pudessem guiar o desenvolvimento da cidade, e apesar
e a Revolução de 25 de Abril de 1974, dominado pela lógica da
de se terem chegado a elaborar alguns estudos8, nada de concreto se
industrialização e infra-estruturação expressa nos Planos de Fomento,
elaborou neste campo» [Marques, 1967, p.4]9.
em que o desenvolvimento de grandes programas habitacionais como
Este momento de menor atenção por parte do poder central10 e
Olivais (1958/60) e Chelas (1965) deve igualmente ser lido, atenta
de «menor fulgor» do poder municipal, constituiu-se paradoxalmente
a sua localização, como acção complementar ao desenvolvimento
– ou talvez não –, como um período em que, ao nível da arquitectura,
prioritário da ribeira oriental da cidade como área industrial.
algumas correntes do movimento moderno europeu foram sendo
O terceiro grande período teve lugar a partir de 1974 e foi também
abordadas do ponto de vista experimental11.
heterogéneo no seu decurso, conhecendo casos díspares tais como:
A realização do I Salão dos Independentes, em 1930, coincidiu
(1) a promoção de «transição para o sistema democrático» [Serpa,
com a proposta de uma tarefa de integração por parte de vários artistas
2008]5 que constituiu Telheiras, compreendida entre os seus primeiros
modernistas, arquitectos, pintores e escultores, que se juntavam
estudos no final da década de 60 e um processo de urbanização e
na esperança comum de que os aceitassem. «Á polémica de 1915,
edificação que se prolongou praticamente até à actualidade, ou; (2)
pretendia-se que sucedesse o convívio de 1930» [França, 1991, p.29]12.
as promoções contemporâneas do Parque das Nações e da Alta de Lisboa, cada qual no seu contexto específico. Neste período, a urbanização de Telheiras marcou não apenas
Particularmente ao nível da arquitectura, nos anos 30, verificou-se «a procura de uma nova linguagem estilística» em que «não há, de facto, uma ruptura, mas sim uma transformação gradual
27
nessa produção», no sentido em que «não se alteram na habitação os tipos de organização espacial urbana (o quarteirão e o lote tradicionais) e arquitectónica» [Fernandes, 1979/80, p.54/55]13.
« da rede viária fundamental da cidade e suas ligações ao Centro, Norte e Sul do País..., bem como a ampliação do porto e a construção do aeroporto.
Os anos 30 corresponderam, pese embora a inexistência de um
Em suma, a nova política urbana, consistiu na criação das infra-estruturas
plano regulador, a um momento em que a cidade começou a acelerar
básicas que viriam a permitir a expansão do mercado interno» [Silva, 1994,
o seu ritmo de desenvolvimento, resultado essencialmente de dois
p.13]22.
factores: o surto da habitação privada, a partir do Decreto nº 15289, de
A tentativa de elaboração de um plano director para a cidade foi
1928 , e um ressurgimento parcial de uma política de obras públicas,
novamente estimulada, destacando-se nesse sentido a realização de
complementar ao referido decreto, incidindo particularmente na
um ciclo de conferências, em 1934, promovidas pela Câmara Municipal
construção de equipamentos de vária ordem.
de Lisboa, e subordinadas aos problemas da urbanização.
14
Curiosamente, a estes dois vectores de desenvolvimento
Nesse mesmo ano, relacionado com a presença de Agache em
da construção correspondeu a diferenciação de duas tendências
Portugal, foi promulgado o Decreto-Lei nº 24802, de 21/12/1934, o
estilísticas principais dentro do modernismo dos anos 30, a saber
primeiro regulamento relativo à elaboração e aprovação de Planos
Planos
[Fernandes, 1979/80]: > O prédio de rendimento ou a habitação social, integrado
Gerais de Melhoramentos.
normalmente num lote de quarteirão tradicional, onde se
Nesta fase, o Regime sentia a necessidade de criar uma
desenvolveu fundamentalmente um modelo de Artes Decorativas15,
arquitectura própria, de modo a expressar os valores que o sustentavam: por um lado autoridade, disciplina e ordem, e o culto da nacionalidade,
moderno ao nível da organização interior e de uma tendência de
da família e do mundo rural23 por outro.
racionalização da fachada principal.
Somos, pois, contra todos os
> Os equipamentos públicos, onde se foi desenvolvendo uma
internacionalismos, contra o comunismo, contra o socialismo, contra o
,
socialismo libertinário, contra tudo o que diminui, divide, desagrega a
16
28
fruto de uma evolução gradual , em que a imagem de fachada ou se
família» [Salazar, 1937, p.92]24
tornou mais vincadamente racional ou foi simplesmente relegada para
no Diário de Noticias, que «o internacionalismo na arquitectura devia
17
Ur
ser proibido superiormente, se não houvesse já razões de ordem técnica e
n.8 | Janeiro 2012
projecto isolado, contrastando com a noção de lote e de quarteirão. Estas duas tendências não ocorreram, no entanto, opostas uma à
material para ser condenado» [Portas, 1991, p.108]25.
Neste contexto, deve também ser considerada a acção da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, entidade
e concomitância18, bem como a passagem simbiótica de valores.
responsável a partir de 1932, pela recuperação de vários monumentos
O ano de 1933, data da aprovação da Constituição e da formação
por todo o País, visando a realização de uma acção de preservação,
do Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), veio revelar-se como
Quando se é velho e
um ponto de charneira na evolução desta conjuntura, marcando sua a
se tem, além de alguns séculos, uma história, sente-se que existem outros
viragem e correspondendo de facto a um momento em que o país se
valores, e estes são ao mesmo tempo património e imperativos da vida
»
encontrava já mais estabilizado, passando então a olhar para as suas realizações internas com maior cuidado.
[Henriques, Melo, 1989, p.58]26.
O nacionalismo corporativo, o Estado forte, o intervencionismo
As duras críticas feitas pelos sectores mais conservadores ao
económico-social e o imperialismo colonial constituíram-se, no
internacionalismo da arquitectura moderna encontravam assim
«compromisso constitucional de 1933», como os «princípios fundamentais
argumentos nas obras de vanguarda que surgiam no país e, aderindo
da revolução política» que pretendia pôr em prática [Rosas, 1990]19.
aos problemas da Casa Portuguesa27, faziam engrossar o clamor
Estava assim lançada uma nova política urbana de carácter
façam-se casas portuguesas em Portugal»28.
intervencionista, a qual assentava fundamentalmente em três factores: a eliminação do monopólio privado do solo urbano20, o subsídio pelo
eclosão da chamada arquitectura do Estado Novo surgiram, pois,
trabalho21 e a implementação de grandes empreendimentos de obras
de horizontes opostos, sendo a sua convergência que acabou por
públicas.
conferir algum suporte teórico à arquitectura própria de que o Regime
tinha necessidade – e que marcou o contexto da cultura urbanística
Regime levou de vencida – terrenos que constituíram a base territorial
e arquitectónica no qual as propostas para o Bairro de Alvalade
não apenas do Bairro de Alvalade, mas de muitas das principais
começaram a ter lugar, a partir de 1938.
realizações públicas da cidade até à actualidade35. Ligado à sua acção na Câmara Municipal de Lisboa, ficou também a realização do Plano Geral de Urbanização e Expansão de
4. O FENÓMENO DUARTE PACHECO E A TRANSIÇÃO PARA A DÉCADA
Lisboa (PGUEL), iniciado em 1938 com a participação de Étienne de
DE 40
Gröer, que «definiu as grandes linhas de desenvolvimento da cidade
Com efeito, este ano marcou o início de um novo período na Câmara
(retomando em parte orientações de Agache de 1933)» e «redigiu o
Municipal de Lisboa (CML), com a entrada do Eng.º Duarte Pacheco
programa para o estudo analítico de base ao estabelecimento do Plano
para a sua presidência29, em acumulação com a pasta de Ministro das
Director» [Silva, 1994, p.15].
Obras Públicas (MOP)30. A sua acção em termos de política da cidade caracterizou-se por uma dinâmica , postura de modernidade
Durante o desenvolvimento do PGUEL foram realizados vários
e
estudos paralelos, sob a responsabilidade do MOP, com colaboração
autoritarismo33, «que se articularam numa mesma atitude estética e
da CML, dos quais resultam, por exemplo, os bairros da Encarnação, de
política» [Ferreira, 1983, p.30] .
Campolide, da Madre Deus ou de Caselas. A promoção destes bairros
31
32
34
Lançou-se assim um vasto programa de expropriação de
enquadrou-se no programa já existente (1933) das Casas Económicas,
terrenos, que se prolongou durante vários anos, no meio de fortes
que, estabelecendo diversos incentivos, implementaram a tipologia
protestos por parte dos proprietários, que só a posição consolidada do
de casa isolada para uma só família.
29
Ler Alvalade no Tempo, Arquitectura e Urbanismo no Estado Novo, 1930/1950 | João Pedro Teixeira de Abreu Costa
Figura 1 | Vista de diversas realizações de habitação social do Estado Novo, entre finais dos anos 30 e início dos anos 40: Bairro do Alvito (1937); Bairro do Caramão da Ajuda (1938); Bairro da Quinta do Jacinto (1937); Bairro da Serafina (1940); Bairro de Campolide (1943); Bairro da Madre Deus (1942) Fonte: Bibliografia diversa
30
n.8 | Janeiro 2012
Ur
Figura 2 | Planta de Lisboa, assinalando as áreas expropriadas entre 1398 e 1946 Fonte: Relatório do ano de 1946, Câmara Municipal de Lisboa, D.S.U.O., 1ª. Repartição Urbanização e Expropriações. 1947
A sua promoção obedecia a uma directiva clara: «vamos começar a obra
nacionalista e historicista, conservador e uninamizante, conviveu
da casa económica, da casa dos mais pobres, (...) ajeitada como um ninho –
com o racionalismo e o internacionalismo de Duarte Pacheco e dos
lar da família operária, lar modesto, recolhido, português».36
arquitectos por ele mobilizados.
Desde então, esta concepção da habitação social foi sendo
«Foi principalmente a partir deste acontecimento, e à medida que o vasto programa de obras públicas avançou com “construções tipo” por todo
defendida pelo Regime,
37 38
na busca sistemática de um
modelo inspirado na cidade-jardim britânica, com um máximo de dois
suave”, um misto de nacionalismo e internacionalismo, à maneira do que se
pisos para a categoria mais elevada.
passava em Itália, Espanha e Alemanha. Monumentalidade, regularidade, referências arquitectónicas de evocação maneirista e barroca, materiais e
da Exposição do Mundo Português, grande montra do Regime que
soluções construtivas modernas mas de inspiração formal tradicional, são
cumpria um papel ideológico de propaganda das suas virtudes e do
alguns dos ingredientes desta nova linguagem que se divulgou nos anos
nacionalismo crescente, sendo a arquitectura o meio chamado para
40 e 50 e à qual aderiram, convicta ou ironicamente, muitos arquitectos da
os exaltar.
39
A intervenção directa de Salazar, com o seu discurso
época» [Calado, 1994, p.13].40
Figura 3 | Plano Director de Urbanização de Lisboa, 1948 Fonte: Arquivo Intermédio de Lisboa
«Em 1943, a Direcção de Serviços de Urbanização e Obras considerava
em certos casos recebendo o estímulo e apoio dos regimes autoritários
concluído o estudo das grandes linhas do PGUEL e estabelecidas as bases
então em ascensão.42
em que assentariam os “estudos de pormenor a elaborar em paralelo com
> A aparente superficialidade com que os arquitectos portugueses
as necessidades de expansão da cidade”» [Silva, 1994, p.16], mas este
tinham adoptado a linguagem do Movimento Moderno, atestada na falta
Plano nunca chegaria a ser oficialmente aprovado.41 O movimento da arquitectura moderna em Portugal foi, então,
de um suporte teórico que desse consistência a essa opção» [Pereira,
1988, p.334].43
substituído por uma nova visão cultural da arquitectura, ligada a certos
Paulo Varela Gomes identifica ainda os anos 40 com a formação
movimentos Europeus de carácter nacionalista, que em Portugal
de uma «terceira via da arquitectura portuguesa», uma arquitectura
tiveram características particulares.
moderna não internacionalista, organicista, atenta aos valores
Outros factores terão também favorecido tal atitude, de que se destacam: «> A crise que atravessava a fase racionalista da arquitectura moderna, que deu novo alento às correntes académicas em toda a Europa,
perdidos da tradição vernacular e erudita,44 a qual virá a desembocar, mais tarde, na realização do Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa45 [Gomes, 1991].46 Temos pois que, em termos gerais, a arquitectura do Estado Novo
Ler Alvalade no Tempo, Arquitectura e Urbanismo no Estado Novo, 1930/1950 | João Pedro Teixeira de Abreu Costa
31
32
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Figura 4 | Planta de Lisboa em 1940, por José Peres Barroso, incluindo a primeira proposta conhecida para a nova expansão norte da cidade, substancialmente diferente da posteriormente proposta por Faria da Costa em 1944/1945 Fonte: Arquivo Intermédio de Lisboa
desenvolvida predominantemente nos anos 40, pode ser caracterizada do seguinte modo:
do Regime, expresso nas palavras do próprio Salazar: «Essa obra,
> Ao nível dos edifícios públicos, por uma procura da
variada e multiforme, de majestosos edifícios ou pequenas habitações
monumentalidade, enquanto expressão da grandeza do Estado,
graciosas, de largas estradas e caminhos rústicos, de fábricas e de igrejas,
demonstrando um sentido de autoridade e de ordem, com recurso
de portos e de barragens, de escolas e de hospitais, de castelos e de
frequente a um vocabulário clássico, quer em termos de expressão
quartéis, não nasceu por acaso, mas do nosso próprio conceito do Governo
arquitectónica, quer em termos da sua inserção urbanística (criando
e da sociedade portuguesa, ou seja, de uma sociedade hierarquizada sem privilégios, trabalhadora sem servidão, modesta sem miséria, progressiva
> Ao nível da habitação, por um tradicionalismo enquanto forma de exaltação dos valores nacionais, recorrendo a elementos de arquitectura regionalista e classicizante, elevados à categoria nacional. Estas duas linhas de expressão apareceram sobrepostas com frequência, sobretudo nos edifícios que, pela sua função ou dimensão, participaram das duas categorias – prédios de habitação urbana ou edifícios públicos em pequenos aglomerados.
sem despegar-se do passado de que se orgulha...» [Salazar, 07 de
Novembro de 1948, in: Henriques, Melo, 1989, pp. 180/181]. Mais pormenorizadamente, Nuno Teotónio Pereira distingue: « edifícios universitários e depois para os Palácios de Justiça. > Um modelo tradicionalista de raiz historicista, para os liceus (o solar do século XVII) ou para o prédio de rendimento urbano (os estilos
Joanino e Pombalino), como modelos concretos apontados pela Câmara
Esta proposta de desenho urbano teve continuidade em 1941, com
de Lisboa aos projectistas.
a realização do Estudo de Conjunto da Zona a Sul da Avenida Alferes
> Um modelo também nacionalista, de feição regional, para os bairros sociais, escolas primárias, pousadas, etc., para além das moradias
Malheiro; concluído em 1942, este estudo veio a sofrer, em 1944, profundas alterações50.
urbanas e sub-urbanas (a ‘casa portuguesa’, o ‘estilo tradicional português’).
«A renovação total, em 1938, dos princípios orientadores da acção
> O modelo específico para a arquitectura religiosa, de estilização
do Município, permitiu que, em 1944, a Câmara Municipal de Lisboa,
medievalista, romano-gótica, ou por vezes setecentista para os colégios
possuindo já uma larga experiência directa da resolução dos problemas
e seminários.
de Lisboa, encetasse o caminho das grandes urbanizações, totalmente
> O modelo compósito, integrando várias tendências e aplicado
integradas nas modernas regras, aceites como orientadoras de uma
nas situações de carácter mais utilitário, onde melhor do que nas obras de
melhor resolução do desenvolvimento citadino, com benefício geral da
vocação representativa se podia aceitar uma linguagem de compromisso»
população.
[Pereira, 1988, p.326].
Com efeito, até 1938, pouco ou nada se tinha avançado em matéria
O prédio de rendimento lisboeta desempenhou também um
de evolução do conceito de urbanismo, tal como começou a ser aceite e a
papel chave na dinâmica urbana da época, aderindo ao modelo
pôr-se em prática nos grandes aglomerados europeus, para citar somente
“oficial” de gosto e contribuindo para a sua divulgação.
os que ficam mais próximos da porta» [Lobato, 1951]51.
Com a morte de Duarte Pacheco em 1943, vítima de um
A versão final do plano de urbanização foi aprovada em Outubro
acidente rodoviário, todo este projecto intervencionista na cidade
de 194552, propondo uma população total de 45.000 habitantes,
de Lisboa sofreu um duro revés, situação agravada com a publicação
correspondente a uma densidade aproximada de 200 habitantes por
da Lei nº 2018, de 24/07/1946, e da Lei nº 2030, de 2/06/1948, as
hectare53– uma densidade francamente superior à até então praticada
quais reintroduziram a fase judicial no processo de expropriação de
em Lisboa na habitação de promoção pública. No que se refere à urbanização e edificação de Alvalade, a
terrenos . Todavia, tal como para muitas outras iniciativas púbicas, a 47
base de terrenos para a urbanização da Alvalade estava garantida.
prioridade da Câmara Municipal de Lisboa foi a infra-estruturação da área do plano, o que veio a permitir que, ainda em 1946, fossem já
33
estivessem traçadas, dando assim cumprimento às intenções do plano 5. ALVALADE, ENTRE A NOVA PRÁTICA DAS GRANDES URBANIZAÇÕES
de urbanização, disponibilizando-se terrenos infra-estruturados para a
E O CONTEXTO ECONÓMICO DO PÓS-GUERRA
construção habitacional.
Foi preciso chegar a 1945, altura em que as carências da habitação
Cumprida esta prioridade, o município assumiu-se como agente
se avolumaram, para se conhecer a primeira concessão de Salazar
empreendedor, através da construção das Casas de Renda Económica,
ao modelo da casa portuguesa. A modalidade de Casas de Renda
entre 1947 e 195654, gerando, tal como entendia o plano, uma dinâmica
Económica48, virada para as classes médias urbanas – permitia pela
de construção que garantiu a aderência de agentes particulares.
primeira vez edifícios plurifamiliares, fixando um máximo de 4 pisos49–, veio encontrar em Alvalade o seu campo de aplicação.
Fazendo um balanço da presença das Casas de Renda Económica no Bairro de Alvalade, podemos verificar que foram construídos cerca
Os primeiros ensaios de urbanização do Sítio de Alvalade
de aproximadamente 2.900 fogos, correspondendo a uma população
tiveram origem nos estudos do PGUEL. Nas suas primeiras referências
de 12.000 habitantes, quando, no seu programa inicial, o Plano de
(1938-39), os Estudos de Conjunto englobavam a área do futuro
Urbanização da Zona a Sul da Avenida Alferes Malheiro previa a
plano de urbanização numa zona mais vasta de expansão da cidade,
construção de cerca de 7.470 fogos em habitações colectivas de renda
compreendida entre a actual Praça do Chile e a Avenida Alferes
económica, para alojar cerca de 31.374 habitantes – correspondendo a
Malheiro (actual Avenida do Brasil).
uma taxa de execução de 38%.
Nestes primeiros ensaios eram já considerados os traçados da
Como observado, este facto deveu-se em grande parte à
Avenida dos Estados Unidos da América (a nova via de circunvalação
alteração das condições económicas da Câmara Municipal a partir de
da cidade proposta pelo Plano Director da Cidade de Lisboa) e da
1948, associado ao surgimento, ainda no ano 1947, da nova figura legal
Avenida de Roma, bem como os limites constituídos pela Avenida
das Casas de Renda Limitada, enquadrada em nova regulamentação
Alferes Malheiro, o Campo 28 de Maio e a linha-férrea de cintura.
legal.
Ler Alvalade no Tempo, Arquitectura e Urbanismo no Estado Novo, 1930/1950 | João Pedro Teixeira de Abreu Costa
construídos arruamentos, e que em 1947 praticamente todas as vias
34 Ur
n.8 | Janeiro 2012
Figura 5 | Plano de Urbanização da Zona a Sul da Avenida Alferes Malheiro, 1945 Fonte: Arquivo Intermédio de Lisboa
execução no Bairro de Alvalade, e.g., o Bairro da Estacas57, a Avenida do Brasil58 ou a Avenida dos Estados Unidos da América59. subsequente alienação da construção em terrenos públicos, segundo
«Em 1948 o Governo iniciou um período de condicionamento
.
55
capacidades técnicas no acabamento das obras já iniciadas ou previstas
permitia ainda a afectação do piso térreo ao uso comercial.
no Plano de 1947» [Silva, 1994, p.17], reduzindo substancialmente a sua
Em paralelo, o ano de 1948 marcou também a realização do I Congresso Nacional de Arquitectura, o qual marcou a viragem da
operatividade intervencional sobre o território. da década teve como principal consequência a incapacidade de
à arquitectura do Regime. Este momento de charneira no partido
urbanização a partir do programa das Casas de Renda Económica,
estético das novas gerações da classe dos arquitectos veio a revelar-se
totalmente dependente do Estado, e a sua substituição pelo programa
determinante a partir de então, assinalando uma tentativa de retorno
das Casas de Renda Limitada.
ao movimento moderno, mas desta vez contra a vontade do Estado . 56
Foi a partir desta data que se desenvolveram os vários projectos
urbanísticos de pormenor e a participação, ainda que condicionada,
de carácter modernista que distinguiram diversas unidades de
da iniciativa privada, foi o suporte para a intervenção de diversos
Figuras 6 e 7 | Casas de Renda Económica, projecto de execução: planta do piso térreo e alçado principal das casas da série II, tipo 6, Miguel Jacobetty, 1945. Fonte: Arquivo Intermédio de Lisboa.
Ler Alvalade no Tempo, Arquitectura e Urbanismo no Estado Novo, 1930/1950 | João Pedro Teixeira de Abreu Costa
35
Figura 8 | Casas de Renda Limitada, célula 8, Joaquim Ferreira e Orlando Azevedo, 1952: planta dos pisos tipo Fonte: Arquivo Intermédio de Lisboa
36
de habitação por parte de diversos arquitectos, que em diferentes
Ur
n.8 | Janeiro 2012
já na lógica de viragem estética assumida a partir do I Congresso
medidas respeitaram mais ou menos os pressupostos iniciais do plano.
Nacional de Arquitectura. fogo-tipo desenvolvido nas Casas de Renda Económica, propostas ganhou progressivamente peso na urbanização do Bairro de Alvalade, em sentido inversamente proporcional às Casas de Renda Económica,
novas propostas que mantiveram a tipologia de esquerdo-direito, sendo alterada apenas a imagem das fachadas – então assumindo
habitacional de custos controlados.
claramente referências modernistas.
Na execução destes estudos de pormenor, a acção dos serviços
Chegou-se assim aos anos dos Planos de Fomento, em que o
municipais consistiu na coordenação da urbanização, organizando
Estado, numa conjectura de pós-guerra, investiu prioritariamente nas
o processo de loteamento e promovendo a construção segundo os
infra-estruturas, transportes e comunicações e nas indústrias de base,
projectos-tipo (numa fase inicial), ou alienando terrenos com projecto
num esforço para dotar as actividades económicas portuguesas de um quadro global orientador.
Em algumas situações, de que é exemplo a zona de moradias
No que se refere às questões do planeamento, foi criado pela
da Avenida do Aeroporto, após efectuada a sua divisão em lotes, os
CML, em Fevereiro de 1954, o Gabinete de Estudos de Urbanização,
terrenos eram simplesmente alienados, sem projecto, para construção
cuja principal função consistia na revisão e actualização do Plano
livre.
Director da Cidade de Lisboa de 1948, do qual irá resultar o Plano Director de Urbanização de Lisboa de 1959.
de Renda Limitada continuou a dominar a década de 50, tendo ainda
Por essa altura, o Bairro de Alvalade estava em grande parte
permitido a realização de estudos de pormenor e de projectos-tipo
construído ou projectado, ainda que diversas áreas tenham sido
Figura 9 | Casas de Renda Limitada, célula 8, Joaquim Ferreira e Orlando Azevedo, 1952: Alçados e cortes Fonte: Arquivo Intermédio de Lisboa
concretizadas em data posterior. Pontualmente, alguns estudos de
partes da cidade, de que resultou, num primeiro momento, uma
conjunto são desenvolvidos já nas décadas de 60 e 70, introduzindo
geração de bairros de moradias unifamiliares, promovida ao abrigo da
mesmo alterações quanto às disposições do plano de urbanização. Todavia, a urbanização do Bairro de Alvalade estava já bastante
Com a conclusão dos trabalhos de âmbito geral do PGUEL em 1943, um
avançada, encontrando-se concluída no que respeita à sua estrutura
desses «estudos de conjunto», relativo à Zona a Sul da Avenida Alferes
principal.
Malheiro (1941/42), foi objecto de reformulação, sendo relevante – e merecedora de investigação mais desenvolvida – a participação de Faria da Costa na proposta de desenho urbano conhecida em 1944 e
6. CONCLUSÃO
aprovada em 1945.
Remontando à primeira metade da década de 30, o quadro urbanístico
O avolumar das carências habitacionais da cidade terá estado
e arquitectónico em que teve lugar a concretização do Bairro de
na origem da primeira concessão de Salazar ao modelo da casa
Alvalade conheceu um impulso importante em 1938, com a entrada
portuguesa, que teve lugar com a introdução da habitação colectiva
do Eng.º Duarte Pacheco para a presidência da CML. Em acumulação
na primeira metade da década de 40, através das Casas de Renda
com a pasta de Ministro das Obras Públicas, lançou um vasto programa de expropriação de terrenos, que constituíram o suporte físico para
os projectos dos diferentes tipos de casa que deveriam ter sido a base
a quase imediata urbanização do Bairro, após aprovado o plano de urbanização. A concretização desta medida executiva foi simultânea com
Aprovado em 1945 o plano de urbanização, a prioridade da CML foi a rápida infra-estruturação do solo rústico, de tal modo que em 1947 praticamente todas as vias estavam construídas, oferecendo
realização de vários «estudos de pormenor» para a urbanização de
assim solo infra-estruturado para a construção habitacional.
Ler Alvalade no Tempo, Arquitectura e Urbanismo no Estado Novo, 1930/1950 | João Pedro Teixeira de Abreu Costa
37
O papel do município enquanto agente empreendedor habitacional
participação de vários novos arquitectos, entretanto inspirados pelas conclusões do I Congresso Nacional de Arquitectura, na elaboração
Económica, tendo atingido, como observado, uma taxa de execução
de estudos de pormenor e de projectos-tipo de arquitectura para
de 38%, relativamente às estimativas iniciais.
diferentes subzonas do plano.
Todavia, a prática, então inaugural na sua escala, de promoção
Esta alteração de contexto permitiu o desenvolvimento da
pública de grandes expansões habitacionais, viria a ser condicionada
arquitectura de imagem moderna em Alvalade, dando continuidade
pela difícil situação económica vivida na CML no pós-guerra, a qual, na
aos trabalhos de inspiração modernista que tinham tido lugar aquando do estudo aprofundado do fogo-tipo de tipologia esquerdo-
230 hectares, através dos projectos-tipo de Casas de Renda Económica.
direito nas Casas de Renda Económica e da sua associação inovadora
É neste contexto que deve ser entendido o surgimento, em 1947,
em contexto urbano. Assim, em Alvalade, a deterioração da situação económica
de uma renda limite; (2) a subsequente alienação da construção em
urbanização a partir do programa das Casas de Renda Económica, totalmente dependente do Estado, e a sua substituição pelo programa
piso térreo ao uso comercial, desenvolvendo programas de uso misto. aplicações no terreno em 1949 e que veio a dominar a construção do bairro na década de 50.
38
n.8 | Janeiro 2012
Ur
João Pedro Costa, Bairro de Alvalade, um paradigma no urbanismo português, Lisboa,
8
E.g., a presença em 1928 de J. C. Forestier em Lisboa, deixando um conjunto de indicações,
Livros Horizonte, 2002
inclusivamente traçados, para o desenvolvimento da cidade, ou a presença da Agache, em
2
1933, no sentido de dar o seu parecer em mais uma ‘tentativa fracassada’ de elaboração de
Durante a I República é efectivamente realizada uma referência à construção de novas
áreas residenciais para operários, sob a forma de Decreto, em 5 de Abril de 1918.
um plano para a cidade.
3
9
A construção das primeiras casas unifamiliares em banda, com um pequeno jardim
fronteiro, foi iniciada ainda em 1919, segundo as orientações dos arquitectos Edmundo
Licenciatura em História, Lisboa, Faculdade de Letras de Lisboa, 1967.
Tavares e Frederico Machado, mas a instabilidade política fez com que a abertura oficial
10
do bairro tenha tido lugar apenas em 1935. De autoria de Jorge Segurado, o equipamento
e às artes plásticas eram de facto entendidas como questões ‘menores’, não por desprezo
escolar central do bairro foi aberto ao público apenas no final da década de 30.
ou falta de ideias nesse campo, mas principalmente porque as grandes questões de Estado
4
Trata-se de um programa que visava combater a carência de habitação em Lisboa,
e de Regime passaram por momentos de maior conturbância - 28 de Maio de 1926 e período
constituindo-se como a primeira grande intervenção do Estado nesta matéria, procurando
de consolidação da Segunda República, até ao estabelecimento da Constituição de 1933 -,
evoluir no sentido da materialização do Estado Corporativo (Decreto 23052).
obrigando a esforços especiais ao nível do controle da economia e da ordem pública e social.
5
Outros acontecimentos externos, como, a Depressão de 1929, são também argumentos
Filipa Serpa, The big housing neighbourhoods of public promotion in Lisbon. Telheiras,
a changing moment in public policy, Proceedings of the International Planning History Society Conference, Chicago, Illinois, 2008. 6
José Augusto França (1980) considera ser esta a fase em que sucessivas ideias do
modernismo vão sendo ensaiadas na cidade de Lisboa - ideias ligadas ao Movimento Moderno e a uma decoração Art Deco -, ainda sem grande interferência do Regime, sendo o principal opositor a esta tendência a própria opinião pública, «sem hábitos culturais». De resto, é do progressivo desenvolvimento destas correntes de opinião que se vai gerando uma tendência de carácter nacionalista, protagonizada, entre outras, pela divulgação das ideias da “Casa Portuguesa” de Raúl Lino ou pela direcção estética assumida pela revista
Durante esta fase, as várias questões ligadas ao planeamento municipal, à arquitectura
apresentados por vários autores. 11
Verifica-se, na segunda metade dos anos 20, a presença de uma nova geração
«racionalista» que, fruto de algumas encomendas, vai desenvolvendo formulários de características modernistas, mais ou menos marcados por motivos Art Deco, e.g., Cristino da Silva, Pardal Monteiro, Carlos Ramos, Cottineli Telmo, ou Cassiano Branco. Ao nível da literatura esta corrente é ainda mais vincada, sendo de destacar o papel da revista Presença, onde convergem jovens intelectuais que se abrem à literatura moderna [França, 1991, p.28]. 12
José Augusto França, A Arte e a Sociedade Portuguesa no Século XX (1910-1990), Lisboa,
“Arquitectura Portuguesa”.
Livros Horizonte, Colecção Horizonte Histórico, nº 39, 1991.
José Augusto França, Lisboa, Urbanismo e Arquitectura, Lisboa, Ministério da Educação,
13
ICALP, Colecção Biblioteca Breve, nº53, 1980.
José Manuel Fernandes, “Para o Estudo da Arquitectura Modernista em Portugal”, Revista Arquitectura, 4ª série, ano I, Lisboa, 1979/80, nº132, pp.54/65, nº 133, pp. 38/47, nº 137, pp.
7
16/25, nº 138, pp. 64/73.
Francisco Silva Dias, por exemplo divide este período em dois momentos: o período Pré-
39
Maria Oliveira Marques, O Desenvolvimento Urbano de Lisboa, 1879-1938,Tese de
Modernista, do fim do século até à Grande Guerra, e o período Modernista, compreendido
14
entre a instauração do Estado Novo e a realização da Exposição do Mundo Português, em
construção habitacional da cidade, na medida que Lisboa verificava, efectivamente,
1940.
grandes carências a este nível.
Um Decreto de emergência, que visava incentivar os particulares a participar na
Ler Alvalade no Tempo, Arquitectura e Urbanismo no Estado Novo, 1930/1950 | João Pedro Teixeira de Abreu Costa
1
15
26
Art Deco
Política – Textos Antológicos, Lisboa, Edições Verbo, 1989.
engenheiros e de construtores, como por exemplo, no Bairro Azul, em Lisboa.
27
16
século XIX, tema que nunca deixou de estar presente desde então na sociedade da época,
movimento moderno europeu, nomeadamente a Bauhaus (vai-se fazer sentir, por
sendo retomado por vários autores, entre os quais Raul Lino.
exemplo, no concurso dos liceus em 1930, particularmente na primeira proposta do que
28
é hoje o Liceu Filipa de Lencastre), a arquitectura holandesa contemporânea (ligada a
Lisboa, Arcádia, 1970.
caracterização do Bairro de Alvalade) e a obra de Mallet-Stevens. 17
Uma evolução gradual ligada à vulgarização do uso do betão armado e à progressiva
Decorativas. 18
Em algumas obras como, por exemplo, o Instituto Superior Técnico ou o Instituto
Nacional de Estatística, o modernismo das fachadas convive calmamente com o recurso sistemático às Artes Decorativas.
40
19
Fernando Rosas, “Portugal e o Estado Novo (1930-1960)”, in Joel Serrão, António Oliveira
Marques, Nova História de Portugal, Volume XII, Lisboa, Editorial Presença, 1990.
n.8 | Janeiro 2012
Ur
Mendo Castro Henriques, Gonçalo de Sampaio Melo, Salazar, Pensamentos e Doutrina
20
Com a publicação do Decreto-Lei nº 28797, de 01 de Julho de 1938, passou a vigorar
Oliveira Salazar, citado por Nuno Portas, in Bruno Zevi, História da Arquitectura Moderna,
29
O Eng.º Duarte Pacheco é Presidente da C.M.L. a partir de 01 de Janeiro de 1938.
30
Em 25 de Maio de 1938, Duarte Pacheco regressa ao Ministério das Obras Públicas,
passando a acumular os dois cargos. 31
Defrontando-se com a inércia da burocracia estatal, onde escasseavam os quadros
técnicos, o Eng.º Duarte Pacheco, cria, quer no MOP, quer na CML, uma série de organizações a constituir uma verdadeira administração paralela, a qual lhe permite efectivar o grande volume de ideias e obras que pretende colocar em prática. 32
Postura de modernidade, marcada por uma intensa intervenção territorial, de larga visão,
e pela tentativa de aplicação das directrizes enunciadas no Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa (PGUEL).
uma política de solos mais favorável à intervenção do Estado, nomeadamente no que
33
se refere à maior facilidade de realização de expropriações, de tal modo que entre 1938
propriedades do concelho de Lisboa, «conseguindo reunir contra si uma ‘santa aliança’ de
Autoritarismo, no modo como levou por diante todo o processo de expropriações de
e 1949, cerca de um terço da área total do concelho de Lisboa tinha sido adquirida ou
proprietários fundiários, promotores imobiliários e construtores civis» [Ferreira, 1983b, p.30].
expropriada pelo município [Ferreira, 1983, p.31].
34
21
Arquitectura, nº 151, Lisboa, 1938.
Através da criação, junto do Ministério das Obras Públicas, do Comissariado do
Vítor Matias Ferreira, “O Mito de Duarte Pacheco e a Urbanística Fascista”, Revista
Desemprego, permitindo assim, simultaneamente, gerar novo emprego e obter de mão-
35
de-obra mais acessível.
Expropriação de Terrenos e a Recomposição Socio-Política do Estado Novo”, Revista
22
Arquitectura, nº151, Lisboa, 1938.
Carlos Nunes Silva, Política Urbana em Lisboa, 1926-1974, Lisboa, Livros Horizonte,
Sobre esta matéria, vide: Vítor Matias Ferreira, “Lisboa Anos 30-40. O Processo de
Colecção Cidade de Lisboa, nº 26, 1994.
36
Oliveira Salazar, citado por Nuno Teotónio Pereira [Pereira, 1988].
23
Culto da austeridade, da nacionalidade, do rigor, etc., característica comum nos vários
37
Entendida como complementar aos prédios de rendimento, de iniciativa privada.
nacionalismos por toda a Europa nos anos 30, nomeadamente na Alemanha, em Itália,
38
Viena, União Soviética, etc., correspondendo a uma travagem da evolução do modernismo. António Ferro desempenhou, neste campo, um papel de relevo, a partir da fundação do SPN, em 1933, contribuindo para a divulgação do Regime e da sua «política do espírito», dos quais é efectivamente um dos ideólogos. Proveniente das vanguardas literárias dos anos 20, manteve-se sempre ligado aos artistas modernos, tornando-se, paralelamente, num dos impulsionadores de sucessivas campanhas de «portuguesismo», vinculadas pela revista Panorama: os concursos da «Aldeia mais Portuguesa» e da «Casa Panorama», a
21697, de Setembro de 1932. Na prática, «a intervenção do Estado no programa das “casas
económicas” consistiu, fundamentalmente, na concessão de facilidades na aquisição de terrenos, isenções de impostos, empréstimos a taxas de juro baixas, amortizáveis a longo prazo - em alguns casos, mesmo sem juros -, e ainda, pela concessão de subsídios não reembolsáveis em certos casos» [Silva, 1994, pp. 100]. 39
Animada por Duarte Pacheco, dirigida por Cottineli Telmo, com o Pavilhão Português
«Campanha do Bom Gosto».
projectado por Cristino da Silva, este marco no tempo da nação constitui-se como uma
24
António Oliveira Salazar, Como se Levanta um Estado, Lisboa, Mobilis in Mobile, 1937.
charneira na política urbana do Regime: assiste-se ao desenvolvimento de edifícios
25
Nuno Portas, “O Efémero Modernismo”, in AA.VV., Cassiano Branco, uma Obra para o
Futuro, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Catálogo de Exposição, 1991.
alternada e simultaneamente monumentalistas, regionalistas e revivalistas, que, pretendendo simbolizar as diversas ideologias do nacionalismo, indicavam claramente qual o caminho estilístico a seguir.
Maria Calado (coord.), Atlas de Lisboa, Lisboa, Contexto Editora, 1993.
41
O Plano será, mais tarde, aprovado pela CML, em 1948, mas nunca chegará a ser aprovado
pelo Governo. 42
Cito, nesse contexto, a grande exposição de arquitectura do III Reich, organizada em
Lisboa, em 1941, apresentada pelo próprio Albert Speer. Fernando Gomes da Silva refere a influência de uma estética franquista, também de natureza nacionalista e historicista, pontuada em determinadas tipologias por modelos de feição regional da «casa rústica» espanhola; estabelece ainda o paralelo com os modelos monumentalistas classicizantes da arquitectura italiana contemporânea [Gomes da Silva, 1991, p.204]. 43
Nuno Teotónio Pereira, in: O Estado Novo, das Origens ao Fim da Autarquia, 1926-1959,
Lisboa, Edições Fragmentos, 1988. 44
Terceira via presente nas obras de arquitectos tais como Rogério de Azevedo, Jacobetty
(31.000 habitantes), habitações colectivas de renda não limitada (9.500 habitantes), moradias unifamiliares de renda não económica (2.500 habitantes), e moradias unifamiliares de renda económica (2.000 habitantes). 54
A construção habitacional no Bairro de Alvalade teve início com a realização das
primeiras quatro empreitadas das casas de renda económica, localizadas nas células I e II, acção promovida pela Câmara Municipal de Lisboa. O programa habitacional das Casas de Renda Económica teve continuidade na célula 5, na zona a sul da Av. da Igreja e a norte da Rua Maria Amália Vaz de Carvalho, entre a Av. de Roma e a Av. Rio de Janeiro. A segunda fase da construção das casas de renda económica da célula V decorreu em conjunto com o arranque deste programa na célula VI, na qual era prevista uma ocupação de sessenta e duas casas, localizadas no lado poente da célula. Este processo nunca chegou a ser completado, tendo sido realizada apenas uma empreitada para a sua construção, de
Rosa e do próprio Raul Lino [Gomes, 1991, p.114].
que resultou a edificação de quarenta e duas casas de renda económica dos tipos 2, 3 e 6.
45
A construção desta empreitada foi adjudicada no ano de 1952, tendo a obra decorrido
Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa, realizado entre 1955 e 1960 por vários
arquitectos, distribuídos por zonas, posteriormente publicado pelo então Sindicato
entre os anos de 1954 e 1956.
Nacional dos Arquitectos sob o nome de «Arquitectura Popular em Portugal», reeditada
55
em 1988 na sua 3ª edição.
casas, após o que emitia um certificado de casa de renda limitada.
46
Como contrapartida, estas construções auferiam de significativos benefícios fiscais,
Paulo Varela Gomes, “O Fazedor de Cidade” ”, in AA.VV., Cassiano Branco, uma Obra para o
Futuro, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, Catálogo de Exposição, 1991. 47
Com a reintrodução da fase judicial no processo de expropriação de terrenos, trazendo
as indemnizações para valores próximos dos do mercado fundiário, a Câmara Municipal de Lisboa vê a sua capacidade de intervenção ser substancialmente reduzida, impossibilitando deste modo a futura concretização dos seus planos de urbanização. 48
Programa das «Casas de Renda Económica», regulamentado pelo Decreto-Lei nº
35611, de 25/04/1946, ao abrigo da Lei nº 2007, de 07/05/1945. Eram consideradas casas de renda económica, por «serem edificadas por sociedades corporativas ou anónimos, especialmente constituídas para os fins deste diploma ou nele integrados por organismos corporativos...» - citação do referido Decreto.
À Câmara Municipal de Lisboa competia a fiscalização da construção e a vistoria das
nomeadamente a isenção de imposto nas primeiras transmissões de terrenos e na primeira transmissão da habitação, a isenção de contribuição predial por doze anos e a ausência de despesas no registo predial. 56
Para José Manuel Fernandes, «não se pode compreender a arquitectura dos anos
50, senão como uma reacção à prática profissional imediatamente anterior» [Pereira, Fernandes, 1983, p.62]. 57
Bairro das Estacas, da autoria de Formosinho Sanches e Ruy d’Athouguia, desenvolvido
entre 1949 e 1952. 58
Projecto de Jorge Segurado, desenvolvido em 1958.
59
Avenida dos Estados Unidos da América desenvolvida através de projectos de vários
Em Lisboa, estas casas de renda económica foram na sua maior parte construídas com
autores, durante os anos 50, e.g., Segurado, Filipe Figueiredo, Manuel Laginha, Pedro Cid,
verbas da Federação de Caixas de Previdência.
ou Croft de Moura.
49
Constituíram outros programas contemporâneos de habitação, as «casas para famílias
pobres», sem expressão no Bairro de Alvalade, e as «casas de renda limitada», que marcaram a edificação do bairro a partir de 1949. 50
Importa registar que nesta última fase o desenho dos 230 hectares de Alvalade conheceu
a participação de Faria da Costa. 51
Luís Guimarães Lobato, “A Experiência de Alvalade”, Separata da Revista Técnica – Revista de Engenharia dos Alunos do I.S.T., nº 209-210, Lisboa, Instituto Superior Técnico, 1951. 52
Câmara Municipal de Lisboa/DSUO, Plano de Urbanização da Zona a Sul da Avenida
Alferes Malheiro, Lisboa, 1945. 53
A população proposta seria distribuída por habitações colectivas de renda económica
41
Ler Alvalade no Tempo, Arquitectura e Urbanismo no Estado Novo, 1930/1950 | João Pedro Teixeira de Abreu Costa
40
Ur
Sete Rios: A Construção de um Espaço entre Infra-Estruturas, Escalas e Topologias Territoriais João Rafael Santos * 42
O território de Sete Rios, em Lisboa, constitui-se como pretexto para a exploração interpretativa e projectual de temáticas recorrentes e de
1. INTERPRETAÇÃO DA CONSTRUÇÃO DE UM ESPAÇO ENTRE INFRAESTRUTURAS
grande actualidade e pertinência para a intervenção urbanística na
O topónimo Sete Rios indicia uma das características mais expressivas
cidade metropolitana, em particular, nos espaços caracterizados pela
da sua condição territorial: lugar de confluência de múltiplas linhas de
presença e sobreposição de níveis infraestruturais de grande impacto
água que drenam uma vasta bacia hidrográfica no planalto norte da
no território (redes de mobilidade) e de espaços residuais, fragmentos
cidade de Lisboa, antes de alimentar a ribeira de Alcântara. A partir
de estruturas pré-existentes cuja continuidade e legibilidade se
de uma simples sobreposição cartográfica da topografia/hidrografia
perdeu face à intensidade das mutações ocorridas. Entende-se que a
com os tecidos urbanos e principais vias, apercebemo-nos claramente
leitura morfológica destes espaços segundo matrizes que combinem
da sua interdependência, evidenciada nos vários eixos definidos pelos
a evolução, estratificação e interdependência dos diversos elementos
talvegues e por antigas vias,1 que vieram a suportar importantes eixos
urbanos e territoriais, segundo geografias ou pautas organizativas a
de crescimento da cidade pré-industrial, articuladores fundamentais
escalas variáveis, poderá ser instrumental na emergência do potencial
da relação entre a urbe e o seu termo, caracterizado pela coroa
projectual de espaços abertos (estruturas e continuidades ecológicas
de aldeias e caminhos rurais que estruturavam um espaço rústico,
e de espaço público) e na redefinição morfo-tipológica de mediação
de intensa produção agrícola. Estes eixos constituíam-se como
face às grandes infraestruturas urbanas.
filamentos agregadores de uma sucessão de edificado e espaços livres
* Arquitecto | Assistente Convidado da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design
– nomeadamente de palácios e quintas de recreio2 –, cuja expressão
vertente oriental do vale de Alcântara, suportando um crescimento
muito marcada pelo alinhamento de fachadas e de altos muros
urbano caracterizado por uma ocupação deficientemente estruturada
conferiram uma singular imagem urbana, como se de uma rua se
e em condições de grande precariedade.7 De certo modo, poderemos
tratasse, de tal forma que se mantiveram no imaginário e na toponímia
interpretar o carácter desta área ao longo do século XIX como as
da cidade, mesmo após a sua absorção pela expansão urbana.
traseiras da cidade, acolhendo as actividades e a urbanização que iam sendo relegadas para áreas periféricas pelas necessidades de espaço,
Entre interior e exterior – limites e adjacências
proximidade a infraestruturas ou incompatibilidade ambiental. Esta
É precisamente neste ponto, o da delimitação entre o interior da
tendência perpetuou-se ao longo do século XX com o crescimento de
cidade e o seu termo que se releva outra condição particular de Sete
bairros como a Serafina, Casal Ventoso, Furnas, Liberdade.
Rios. Com a construção da primeira estrada de Circunvalação, iniciada
No que diz respeito a uma produção mais regular e projectada
em 1852 e associada a uma dupla função fiscal e militar, a cidade
de tecido urbano, Campo de Ourique8 vem ocupar o interstício entre o
consolida um âmbito territorial que há muito havia ultrapassado as
novo cemitério dos Prazeres e os tecidos a poente do eixo Rato-Estrela,
delimitações das muralhas fernandinas, últimas expressões físicas
embora mantendo uma natureza de preenchimento e parcelamento
de um limite administrativo e espacial. A expansão urbana e proto-
de uma área confinada, não chegando a representar um instrumento
industrial mais reconhecível a partir da segunda metade do século
de (re)estruturação do quadrante noroeste do que era então o
XVIII introduzem actividades crescentemente conflituantes com o
perímetro urbano.
espaço urbano – as primeiras expressões da indústria na área do
No final do século XIX, é redefinida a delimitação administrativa
Rato/Amoreiras e ao longo do troço final da ribeira de Alcântara são
da cidade e municípios adjacentes, extinguindo-se o termo e ampliando
disso exemplo –, a que se associam necessidades de acomodação
consideravelmente a área concelhia para a configuração que hoje
residencial para uma população operária em crescimento. Mais tarde,
conhecemos.9 Esta iniciativa foi acompanhada pela construção de
e fundamentalmente com a consagração da infraestruturação de
uma nova estrada de circunvalação, também conhecida como estrada
contornos higienistas na urbanística emergente e com promoção
militar que, tal como acontecera com a primeira, foi particularmente
de melhoramentos urbanos, surgem novos equipamentos e funções
sensível ao reconhecimento de limites fisiográficos, particularmente a
especializadas – prisões, cemitérios, hospitais, quartéis, matadouro
poente (vale da Ribeira de Algés) e a norte (Costeira de Loures) (Figura1).
–, para além de infraestruturas – fundamentalmente ferroviárias e
Esta nova organização administrativa representou a abertura
portuárias – que procuram localizações menos comprometidas do
de um espaço potencialmente disponível para urbanização,
ponto de vista da relação com as áreas consolidadas da cidade, muito
reconfigurando a relação dentro-fora anteriormente referida,
embora mantendo uma articulação funcional e espacial que se vieram
inicialmente mais visível ao longo dos principais arruamentos de
a revelar determinantes no desenvolvimento urbano posterior.4 A
penetração na cidade. A estrada de Benfica que, afinal, não é mais
presença da primeira estrada de Circunvalação vem estabelecer um
do que um segmento da estrada de Sintra, passa a estar inserida
critério de localização associado a áreas de adjacência e transição que
num território assumidamente urbano. O facto de pertencer ao
3
vêm a acomodar muitos daqueles novos espaços e equipamentos,
município de Lisboa, e não apenas ao seu termo, para além de vir a ser
iniciando uma geografia emergente que decorre da expulsão de
complementada por uma oferta significativa de transportes públicos
actividades do centro antigo da cidade. A relação entre o estar dentro
(eléctrico e comboio), como veremos adiante, vocaciona-a como
ou estar fora da área administrativa da cidade é reorganizada em
estrutura de agregação (sub)urbana de primeira ordem, no quadro do
função de uma progressiva especialização e segregação funcional,
processo de crescimento de Lisboa.
5
mas também de hierarquização e diferenciação social.6 Nesta perspectiva, a área de Sete Rios posiciona-se numa
Um novo estrato infraestrutural – o caminho de ferro
situação complexa: já exterior à circunvalação, mas atravessada
Entre 1887 e 1891 sucede-se a abertura à exploração das linhas
por duas estradas que ali se intersectam, a que poderemos ainda
ferroviárias de Sintra, Rossio Campolide,10 Alcântara-Campolide
adicionar uma terceira via de ordem significativa – a estrada de
e Cintura (Campolide-Chelas-Xabregas). Todo este complexo
Campolide, prolongamento da expansão da zona do Rato/Amoreiras.
infraestrutural vem introduzir um novo estrato espacial em Sete Rios,
Esta via, conjuntamente com o troço da estrada de circunvalação
cuja natureza organizativa, configuração morfológica, especificidade
correspondente à rua Maria Pia, define um arco que acompanha a
funcional e tecnológica se apresentam de forma essencialmente
43
Figura 2 | Plano Geral de Melhoramentos da Capital (Frederico Ressano Garcia), 1903 [Arquivo CML]
autónoma face às estruturas urbanas e rústicas pré-existentes. O
13
44
elemento que se mantém como determinante na implantação
observa-se uma paradoxal indiferença face à presença daquela
Ur
relativamente rígidas face às limitações de pendente e raio de curvatura
expansão das Avenidas Novas.14 No entanto, se esta indiferença é
n.8 | Janeiro 2012
Figura 1 | administrativos (1852, 1885) [desenho do autor]
importantes movimentações de terra, ainda perceptíveis nas diversas
a infraestrutura e o traçado urbano, talvez possamos encontrar uma
nova infraestrutura num espaço que viria a ser atravessado pela sentida especialmente nos espaços de confrontação directa entre incisões e construções de taludes para suporte da via que, por si,
perspectiva de mediação ao nível de uma leitura mais abrangente do
criaram inúmeras situações de descontinuidade e fractura do espaço
Plano de Ressano Garcia (Figura 2), nomeadamente na proposta de um
ao nível do solo.
grande bosque – à semelhança do que estava a desenvolver nas capitais
No entanto, a uma escala mais alargada, a introdução desta
europeias – a norte da linha férrea, entre o Campo Grande e a estrada
estrutura veio reforçar uma lógica já assinalada a propósito da primeira
das Laranjeiras. Espaços verdes e infraestruturas ferroviárias passam
circunvalação: a emergência de um suporte para a relações de natureza
a responder a uma clara hierarquia associada ao sistema de coroas
concêntrica, transversais aos diversos eixos radiais que convergiam no centro da cidade. Numa primeira fase, a importância desta nova
O espaço verde também é infraestrutural – o automóvel e Monsanto no exterior da cidade, ainda pouco comprometidos ou mobilizados
Se até aí, os espaços verdes intencionalmente criados e integrados
pela urbanização da cidade e, portanto, sem uma dinâmica social e
na estrutura de espaços públicos da cidade tinham uma função
económica relevante.11
representativa e de ritualização social,15 neste momento da evolução
Se, na perspectiva da operação ferroviária, a linha de cintura não
urbana, adquirem um papel de equilíbrio e contraponto – exterior
era mais do que um ramal acessório de ligação entre outras linhas, também na óptica do planeamento e projecto da urbanização da
industrialização e a elevados níveis de insalubridade, articulando-se
cidade segundo uma matriz conceptual e disciplinar da urbanística,12
com concepções urbanas emergentes em que o funcionamento
biológico da cidade adquire maior preponderância.
Figura 3 | Monsanto e o viaduto Duarte Pacheco, 1951 [Arquivo Fotográfico CML]
Figura 4 | Plano Director de Urbanização de Lisboa (Etienne de Gröer), 1948 [Gab. Estudos Olisiponenses]
Apesar de este grande bosque não ter vindo a ser concretizado, Sete
vale de Alcântara
Rios veio a acolher dois espaços verdes nas suas imediações – o Jardim
do Marquês de Pombal,
Zoológico16 e o Parque de Santa Gertrudes17 – resultantes da abertura
do Estádio Nacional do Jamor, estabelecem o automóvel como
de antigas quintas ao uso da cidade, configurando uma rede de espaços
principal protagonista, funcional e ao nível do imaginário, para o
abertos singulares que, incluindo a área de Benfica/São Domingos,
desenvolvimento deste eixo suburbano.
o seu alinhamento directo com a rotunda e ainda o remate poente no complexo
adquire proporções relevantes para o que era a dimensão da cidade
Aliás, a organização de percursos em todo o Parque de Monsanto
de então. Será já em pleno Estado Novo que a florestação de Monsanto
reflecte uma atenção particular à integração paisagística do automóvel,
evidenciará a questão do espaço aberto como elemento estruturador
criando uma rede pontos notáveis conectados pelas diversas vias,
de um território que se perspectiva a uma escala claramente supra-
de traçado sinuoso e adossadas à morfologia do terreno, generosas
urbana, incorporando em simultâneo elementos construídos e espaços
em estacionamento, acompanhadas por elementos de modelação
não ocupados, segundo lógicas de articulação e interdependência.
de terreno e definição do espaço público (muretes, guardas, lancis,
O plano de florestação de Monsanto integra-se num conjunto
taludes, mobiliário urbano, iluminação pública) cuidadosamente
de iniciativas estatais e municipais de obras públicas promovidas
desenhados.20 A própria sinalização é objecto de projecto específico.
por Duarte Pacheco, no âmbito de uma intensa actividade de
Monsanto é claramente um espaço onde, para além dos caminhos
infraestruturação,
cidade,
pedonais e para cavaleiros, dos miradouros e dos equipamentos de
culminando no momento áureo que foi a Exposição do Mundo
lazer, se pode passear… de carro. Um aprazível lugar para a fuga de
Português de 1940. Na realidade, Monsanto é apenas uma das
fim-de-semana, eventualmente estendida, em dias de manifestações
componentes de uma clara estratégia territorial de qualificação
desportivas, ao Jamor ou mesmo a Cascais. Será, porventura, o mais
de toda a frente ocidental de Lisboa como espaço de articulação
elaborado exemplo nacional do modelo americano das parkways de
programado para a expansão suburbana ao longo da Marginal e da
Nova Iorque ou São Francisco.
urbanização
e
embelezamento
da
Auto-estrada de Cascais, enquadrada pelo Plano da Costa do Sol.18 Suporte fundamental dessa estratégia: o automóvel. A construção da auto-estrada, a que se associa o monumental viaduto sobre o
45
| João Rafael Santos
19
Sete Rios: A Construção de um Espaço entre Infra-Estruturas, Escalas e Topologias Territoriais
(Figura 3),
DA CIDADE E A CONDIÇÃO NODAL DE SETE RIOS O Plano Director de Urbanização de Lisboa de 1948
(Figura 4),
d
coordenado por Etienne de Gröer, vem consolidar estas tendências,
em direcção à última intersecção com a linha de Cascais na Cruz
estabelecendo uma proposta de estruturação urbana de Lisboa
Quebrada.25 Esta cintura acomodaria uma grande estação central
segundo uma lógica rádio-concêntrica, apoiada por eixos rodoviários
destinada ao tráfego nacional e internacional, localizada em Carnide/
radiais que se prolongam para norte, ao encontro de um conjunto de quatro circulares21 que, na área central-norte e oriental da
central na área do Rego, que serviria o tráfego suburbano, reforçando
cidade, organizam vastos sectores que viriam a acolher projectos de
o carácter da primeira linha de cintura como espinha dorsal da rede
iniciativa municipal.22 A ocidente, a presença de Monsanto implica
ferroviária urbana-metropolitana.
uma adaptação da malha viária, estabelecendo uma via periférica ao
Do ponto de vista urbanístico e arquitectónico, a proposta da
Parque, ao longo da Ribeira de Alcântara e que se veio a concretizar,
estação do Rego tem grande interesse pelo facto de, para além da
um posicionamento estratégico, uma vez que sobre ela rebateriam
de conjunto que estabelecia as bases de organização espacial de
todas as circulares na articulação com o território a ocidente de Lisboa.
uma área terciária adjacente, numa lógica análoga à que havia sido
solução infraestrutural per si, ser desenvolvido um cuidado estudo
E, mais uma vez, Sete Rios emerge como nó de todas as vertentes, situando-se precisamente na extremidade da circular que se previa
do canal ferroviário como geratriz de suporte à implantação ritmada
vir a prolongar sobre o Rio Tejo, com a ponte Beato-Montijo. Não se veio a realizar tal travessia, mas nem assim, este desígnio de Sete Rios
46 Ur
foi questionado; bastaria esperar pelo prolongamento da avenida da
das operações de reestruturação urbanística em torno da introdução
Ponte 25 de Abril, através do eixo norte-sul.
da alta-velocidade em muitas cidades europeias.26 O trabalho por
É aliás com a opção pela travessia Alcântara-Almada que se
), a criação de
espaços públicos de referência adjacentes à estação, a capacidade de
acessibilidades em Lisboa. O Plano Director de Urbanização da
articulação face à envolvente e subsequente recomposição de lógicas
(Figura 5),
de continuidade, conexão e conformação espacial de tecidos muito
cidade de Lisboa, de 196723 n.8 | Janeiro 2012
níveis sobrepostos (a importância decisiva do
impõe uma nova solução para o ordenamento e estruturação das mantendo a estrutura rádio-
concêntrica, engloba a nova travessia propondo a construção de um eixo secante a todas as circulares, que veio a designar-se de eixo
grande acessibilidade à escala territorial da metrópole, são alguns
norte-sul, precisamente por permitir a ligação directa entre as auto-
dos temas de projecto que evidenciam uma notável clarividência e
estradas do sul e do norte, sem necessidade de utilizar as vias arteriais
precisão face à presença das grandes infraestruturas de mobilidade no
da capital. Este plano introduz uma visão articulada com a proposta
espaço urbano.
de prolongamento da Avenida da Liberdade sobre o Parque Eduardo VII (Figuras 6 e 7), através de uma avenida de carácter funcional terciário, e articulada directamente com o eixo norte-sul e
O desfasamento temporal entre a elaboração do plano, a sua aprovação
precisamente nas imediações de Sete Rios. Se o viaduto Duarte
só em 1976 e o ritmo da sua concretização comprometeu muitas das
Pacheco e a Praça do Areeiro correspondiam às entradas oriundas de
soluções preconizadas, colocando determinadas áreas sobre grande
Cascais e do Norte, respectivamente, Sete Rios seria, na interpretação de uma moderna monumentalidade de Meyer-Heine e José Tudela, a
anos na conclusão do eixo norte-sul. Sem esta via distribuidora, a maior
nova porta de entrada na cidade, “simples e de prestígio”.24
parte do tráfego de atravessamento da cidade viu-se obrigado a recorrer
Uma outra proposta do plano de 1967, de profundo alcance
à Av. Calouste Gulbenkian e à Praça de Espanha sobrecarregando-as
caso se viesse a concretizar, era a construção de uma nova linha de
com a dupla condição de eixos de penetração na malha das avenidas
cintura ferroviária, paralela ao limite norte do concelho, entroncando
novas e como elementos de articulação viária com a coroa norte (2ª
com a linha do Norte em Sacavém, prolongando-se para poente sobre
circular). Por outro lado, o abandono do projecto de prolongamento
o planalto de Lumiar-Carnide, onde cruzaria a linha de Sintra na zona
Figura 5 | Plano Director, 1967 [CML] Figura 6 | Estudo do prolongamento da Avenida da Liberdade – Planta geral, Plano Director, 1967 [CML] Figura 7 | Estudo do prolongamento da Avenida da Liberdade – Perspectiva, Plano Director, 1967 [CML]
nunca havia sido dimensionada. Há ainda que considerar a construção
de vista da organização ferroviária, também é bem patente uma
do metropolitano de Lisboa a partir de 1959 que, estabelecendo um
concomitante fragilidade morfológica na definição do atravessamento
terminal em Sete Rios e uma estação na Praça de Espanha promoveu o
urbano da linha de cintura. As estações que a pontuam reflectem a
reforço da centralidade funcional desta área, em contacto directo com
incapacidade de estabelecer-se como elementos de referência,
o centro da cidade.
reestruturação e requalificação das áreas adjacentes. O potencial
Esta pressão sobre a Praça de Espanha, aliada a uma grande
urbano das recentes obras de modernização destas infraestruturas,
indefinição sobre a sua vocação futura, inviabilizou a sua conformação
ficou-se limitado a uma perspectiva excessivamente sectorial e sem
como espaço urbano qualificado, digno do carácter de uma verdadeira
reflexos verdadeiramente transformadores das suas margens.
praça. Mesmo em Sete Rios, onde foi implantado um primeiro e modesto terminal metro/autocarros – aliás de interesse arquitectónico
A cidade-campus ou a generalização das traseiras
– só nos finais dos anos 90 se efectivou a vocação como interface de
Uma das primeiras perspectivas urbanas para um viajante desta linha
transportes, com a reestruturação e ampliação da estação ferroviária,
de cintura, ao aproximar-se de Sete Rios após a travessia sobre o Tejo,
ligação directa ao metropolitano e posterior acolhimento do terminal
é um outro fragmento da ideia de prolongamento da Avenida da
da rede de autocarros expresso.
Liberdade: a Av. José Malhoa (Figura 8). Amputada de articulação a sul e
Este período foi particularmente intensivo no desenvolvimento
de remate com a radial de Benfica, nunca foi mais do que via de serviço a
de uma lógica intermodal associada à linha de cintura, com intervenções
uma das mais cacofónicas operações de loteamento para uso terciário,
semelhantes em Entrecampos e Roma/Areeiro. O metropolitano de
onde cada edifício de escritórios, hoteleiro ou residencial se apresenta
Lisboa passava a dispor de nós de transferência modal ao longo das
como peça autónoma, não apenas do ponto de vista da linguagem
suas três linhas radiais. No entanto, mesmo com a chegada de mais
arquitectónica, mas sobretudo da ausência de características morfo-
uma linha ferroviária (Campolide-Fogueteiro, via ponte 25 de Abril),
tipológicas que permitam construir um tecido urbano coeso e uma
ainda não se verificou a constituição de uma efectiva circular ferroviária
hierarquia legível de espaços públicos.
integrada na mobilidade quotidiana da cidade de Lisboa. A linha de
Se, como vimos até meados do século XX, a morfo-génese da
cintura mantém-se como distribuidora de uma organização suburbana
cidade, a evolução dos seus limites e as determinantes fisiográficas
e radial, assegurando apenas o rebatimento ferroviário sobre os eixos
ditaram uma condição periférica à área de Sete Rios/Campolide,
47 | João Rafael Santos
urbanos tradicionais. E se podemos apontar esta fragilidade do ponto
Sete Rios: A Construção de um Espaço entre Infra-Estruturas, Escalas e Topologias Territoriais
forçando a Av. Columbano Bordalo Pinheiro a uma função para a qual
Figura 8 | Linha de Cintura, a poente de Sete Rios e da Av. José Malhoa, 1999 [Arquivo
Figura 9 |
como tardoz da cidade consolidada, desde então as iniciativas
como o Jardim Zoológico e o próprio Parque/Fundação Gulbenkian. A
de urbanização não têm conseguido inverter essa perspectiva no
uma escala mais alargada, poder-se-á incluir nesta lógica todo o vasto
modo de projectar o espaço urbano. A José Malhoa, a relação das
sector/campus da cidade universitária e hospital de Santa Maria. Neste
recentes Twin Towers com o vale de Alcântara ou a concatenação dos empreendimentos de realojamento nos Bairros das Furnas e da os sectores adjacentes. Tratando-se, em geral de grandes parcelas dimensão urbana que cada edifício deverá revelar. Sintoma paralelo de uma mesma patologia, é o modo dispersivo
espaços tendem a assumir caracteres relativamente diferenciados, em
como as múltiplas vias rodoviárias e ferroviárias atravessam esta 48 Ur
A fractura disciplinar entre a arquitectura, a
Por outro lado, a frequente associação ao que podemos designar de via-sector, tende a evidenciar a autonomia espacial. Assim, os
paisagem urbana.
espaços
conceptual entre edifício, espaço urbano e infraestrutura – legitimou a autonomia projectual de cada um destes elementos, deixando o que
n.8 | Janeiro 2012
30
engenharia civil e o urbanismo – que também foi e é uma fractura
27
verdes de enquadramento e protecção
poderia ser comum e, portanto, estrutural – o solo/chão – como resíduo
da vocação de um determinado espaço em função da presença
intersticial, indeterminado, desprovido de carácter e intencionalidade
de um outro – uma via automóvel, por exemplo. Ora acontece que
e qualidade espacial. A relação pavilhonar28 do edifício face à sua
este princípio é mutuamente excluidor. Nega-lhes uma presença
espaço urbano que, no quadro da cidade tradicional, assentava
capaz de os trabalhar como estruturas morfológicas com espessura e
na articulação morfológica do alinhamento das fachadas com o
profundidade – planimetricamente e em secção. Escapa ao desenho e
parcelamento e a infraestruturação, o que permitia uma extraordinária
à designação. Esvazia o potencial projectual, arquitectónico, urbano e
variação tipológica. O alcance deste novo paradigma compositivo
territorial, do espaço aberto (Figura 9).
facilitou a concepção de múltiplas soluções arquitectónicas para os espaços disponíveis, sem haver necessidade de uma estrutura prévia
3. UMA APROXIMAÇÃO A UMA SISTEMATIZAÇÃO TIPOLÓGICA
de suporte morfológico e infraestrutural. A noção de campus assenta,
A investigação sobre a relação de mediação entre infraestrutura e a
de certo modo, nesta premissa, construindo uma simples delimitação
urbanização, num contexto de precipitação de escalas territoriais,
correspondente à parcela, dentro da qual há total liberdade de
levar-nos-ia para além do que nos é possível abordar neste artigo,
composição volumétrica.
mas poderemos evidenciar duas tipologias ou pautas organizativas
29
Na área que vimos a abordar, esta realidade é patente em intervenções tão diversas quanto o complexo hospitalar do IPO, a penitenciária e o Palácio da Justiça, a escola secundária D. Pedro V, os condomínios residenciais das Laranjeiras ou ainda em espaços abertos
desta relação, que permitem enquadrar a diversidade e complexidade territorial de Sete Rios.
A. Filamentos Urbanos.
formas de usufruto e mobilidade comuns, como o caso do automóvel
Como vimos, a primeira expressão da artificialização urbanizadora
que possibilitou o uso lúdico da paisagem e do território. Do ponto
de Sete Rios consistiu na definição de eixos radiais de aproximação à
de vista do planeamento, esta perspectiva tem particular interesse por
cidade de Lisboa. A sua evolução caracterizou-se por um prolongado
potenciar formas claramente estruturadas de relação da via automóvel
processo de sedimentação e transformação do solo rústico, conjugado
com espaços abertos e urbanizados a escalas variáveis (urbanas e
com padrões e tecnologias de mobilidade pouco desenvolvidas,
metropolitanas).31
o que permitiu a constituição de relações morfológicas claras e interdependentes entre a infraestrutura, o espaço aberto e seu associada à mecanização dos transportes, à industrialização e a novos
Estabelecendo relações complementares com os filamentos axiais,
padrões de relação suburbana assistimos ao reforço do papel axial
evidenciam-se estruturas que organizam o território a partir de
destas vias. Dentro desta organização em filamentos urbanos, poder-
lógicas mais transversais e anelares que formam coroas de natureza
se-ão destacar três configurações específicas:
concêntrica, tangencial ou reticular em função das configurações
a) eixo de crescimento estruturado ao longo de antiga via de
fisiográficas e infraestruturais que as determinam. Identifica-se a sua
ligação de Lisboa aos seus arredores, agregando uma ocupação de
génese na estrutura rústica do termo de Lisboa, mas transformando-se
quintas de produção e recreio, com clara hierarquia e diferenciação
e adquirindo um claro protagonismo metropolitano com as circulares
do espaço aberto e agregação alinhada do edificado. Algumas das
rodoviárias e áreas de expansão urbana detectadas sobretudo a partir
quintas cederam espaços para usufruto público. As estradas de São
dos anos 40 do século XX. Destacamos quatro:
Sebastião da Pedreira, Palhavã, Benfica, Laranjeiras e Luz são exemplos
a) configuração anelar associada a uma função de delimitação
deste tipo de estrutura urbana. A sua urbanização posterior decorre
(administrativa, militar) relacionada com a topografia que, não tendo
a partir do parcelamento das propriedades, sendo frequentemente
como objectivo primordial o suporte para a urbanização, acaba por
ainda identificáveis algumas delimitações fundiárias.
definir espaços de oportunidade32 para o crescimento urbano, relações
b) inserção de novos níveis infraestruturais ao longo das
de adjacência e hieraquização interior/exterior (grandes equipamentos
estruturas anteriores, com efeitos de duplicação e paralelismo que
urbanos, áreas industriais, ocupações marginais). Nos casos em que a
potenciam o carácter axial a escalas supra-urbanas. A linha de Sintra
topografia o permite e em que sobrepõe uma estrutura de crescimento
e a linha de eléctricos da estrada de Benfica induzem a exploração
linear, acaba por ser assimilada pela tessitura urbana – caso da primeira
deste eixo. A urbanização intensifica-se, detectando-se elementos de
estrada de circunvalação na área das avenidas novas. Quando tal não
articulação iniciais, como os arruamentos de ligação às estações de
acontece, mantém-se como elemento de continuidade circular mas
Benfica e de São Domingos a partir da estrada de Benfica, que vieram
com dificuldade em estabelecer-se como suporte agregador – rua
a suportar posteriores densificações e a localização de actividades
Maria Pia, Arco do Carvalhão, Campolide.
industriais. Como variante desta tipologia, destaca-se a introdução
b) configuração reticulada (combinação de eixos radiais com
de grandes artérias automóveis, como a radial de Benfica e o eixo
circulares) associada à função primordial de circulação viária, embora
norte-sul que apresentam uma grande autonomia de traçado e perfil
assumindo a estruturação de áreas urbanizáveis, através da lógica
face ao terreno e espaço urbano envolvente. A relação morfológica
da sectorização e zonamento – patente na Av. das Forças Armadas,
entre a infraestrutura e os tecidos urbanos é muito frágil, apoiada em
nos segmentos centrais da 2ª circular ou na Av. dos Combatentes. A
nós viários de geometria exclusivamente determinada por critérios
definição de um espaço-canal, geralmente consubstanciado num
funcionais, sem conformação intencional de espaço urbano.
espaço verde de protecção, constitui o mecanismo de mediação
c) articulação progressivamente disjuntiva de elementos de
morfológica mais comum.
escalas e naturezas diferenciadas, mas com lógicas organizacionais
c) configuração reticulada essencialmente associada à circulação
interligadas. Apresentámos o exemplo do sistema auto-estrada de
viária mas com clara vocação urbanizadora ao longo do seu eixo. A Av.
Cascais / Monsanto / Estádio Nacional / Marginal. Neste caso, o fio
dos Estados Unidos da América ou o projecto de prolongamento da
condutor articulação morfológica não é imediatamente perceptível,
Av. da Liberdade são exemplos desta tipologia, que tem como variante
não decorre de relações de adjacência ou proximidade, mas sim de
ferroviária o projecto da estação do Rego, onde se desenvolve uma
49 | João Rafael Santos
B. Estruturas Anelares e Tangenciais.
Sete Rios: A Construção de um Espaço entre Infra-Estruturas, Escalas e Topologias Territoriais
parcelamento e a edificação. Com a revolução tecnológica e urbana
interessante mediação entre duas infraestruturas lineares (linha de cintura/Av. de Berna).
valorização imobiliária fundamentais à sua execução.
especialização funcional de circulação viária, em que o espaço
qualquer outro elemento urbano, não deverá repetir a tentação de o
De certo modo, o entendimento do espaço verde, tal como do atravessamento procura áreas desocupadas entre outras
estudar de forma objectual e autónoma, mas sim procurar estabelecer
mais densamente urbanizadas, mas sem relação de estruturação
as relações e articulações potenciais com outras iniciativas de produção
morfológica envolvente. Poder-se-ão assinalar como variantes desta
eixo norte-sul, ao longo do vale de Alcântara; ou o caso da intersecção
Entre projecto e realização: a emergência de uma paisagem segmentada
pré-existentes, situação onde
Se de planos urbanos e territoriais se trata, levanta-se imediatamente a
é particularmente difícil uma articulação espacial, como acontece com
questão do tempo como factor de grande volatilidade na determinação
de vias circulares com
dos futuros por eles preconizados. O processo aqui é tão importante junto ao jardim zoológico.
quanto a geometria do seu traço. Em Sete Rios essa condição temporal, de sobreposições e fragmentos de naturezas espacio-temporais
4. RESTABELECER CONTINUIDADES, CONFORMAR ESPAÇOS LEGÍVEIS, RECONQUISTAR O ESPAÇO GERADOR DA INFRAESTRUTURA Chegados a este ponto, é interessante reencontrar o fragmento de uma outra potencial estrutura de espaço aberto que poderia vir a Sete Rios, contrapondo-se ao princípio da cidade-campus e da sua 50
frágil consistência morfológica: o projecto do corredor verde entre o
diferentes, é bem patente no que hoje resulta como uma paisagem marcadamente descontínua, carente de legibilidade e referenciação espacial. No entanto, a esta imagem subjaz uma estrutura, ela própria estrutura que se reconhece a partir de uma análise morfológica das formas e eixos de crescimento urbano, mas também de uma leitura das articulações organizacionais e sistémicas35 que colocam em evidência 36
Parque Eduardo VII e Monsanto. Informado por lógica que associa a Ur
continuidade ecológica e paisagística a um percurso lúdico, o projecto
n.8 | Janeiro 2012
idealizado por Gonçalo Ribeiro Telles estabelece um princípio de particular pertinência no quadro do projecto da cidade metropolitana contemporânea onde o espaço aberto adquire uma presença determinante33 na organização morfológica do território. Apesar de apenas ter sido realizado até hoje um troço
conjunto de espaços expectantes que resultaram do (des)encontro dos múltiplos fragmentos de outras tantas cidades idealizadas. No entanto, pelo facto do projecto do corredor verde manter uma relativa autonomia não só morfológica, mas também do ponto de vista da e planeada, corre o risco de se tornar ele próprio mais um desses
adjacentes. Sobre esta matéria poderemos invocar a experiência pioneira levada a cabo em Londres no eixo Regent’s Street/ Regent’s
Park,34 onde a estrutura de espaço aberto, quer assumindo a rua, quer de parque urbano, foi combinada com a
Finalmente, é uma
umas realizadas, total ou parcialmente, outras apenas apontadas em documentos desenhados e escritos. É com a introdução desta escala que se torna pertinente abordar Sete Rios como área de extraordinária complexidade territorial, mas sobretudo de clara oportunidade para a concepção de novas lógicas e novos espaços de articulação urbana e territorial.
Por exemplo, a Quinta da Palhavã, a Quinta das Laranjeiras, o Palácio do Marquês de
20
Sobre o projecto do Parque Florestal de Monsanto, ver Ana Tostões, Monsanto, Parque Eduardo VII, Campo Grande: Keil do Amaral: arquitecto dos espaços verdes de Lisboa,
Fronteira.
Lisboa, Edições Salamandra, 1992.
3
Sobre as relações entre o desenho e a concepção da estrada como elemento característico
Manuel Herce Vallejo et al., Construcció de ciutat i xarxas d’infrastructures, Barcelona,
Universidad Poltécnica de Catalunya, 2004. 4
Álvaro Ferreira da Silva, Ana Cardoso Matos, “Urbanismo e modernização das cidades: o
‘embellezamento’ como ideal (Lisboa, 1858-1891)”, in Scripta Nova, Revista electronica de Geografia y Ciencias Sociales, Univ. de Barcelona, nº 69 (20), acedido 1 Julho 2008.
da produção infraestrutural do Estado Novo, ver Elisa Silva, “Pontes e estradas no século XX” e Amélia Aguiar Andrade, “Sobre a construção da imagem contemporânea de estrada” in: Manuel Heitor, (coord.), Momentos de inovação e engenharia em Portugal no século XX, vol. 2, Lisboa, Dom Quixote, 2004. 21
Considerando-se ainda uma quinta circular, consubstanciada no anel Av. Infante Santo,
5
Bernardo Secchi, La città nel ventesimo secolo, Roma, Editori Laterza, 2005.
Rato, Alexandre Herculano, Conde Redondo, Estefânia, Bairro das Colónias, Sapadores,
6
Teresa Barata Salgueiro, Lisboa, Periferia e Centralidades, Lisboa, Celta, 2001.
Santa Apolónia.
7
Esta situação estava associada à exploração industrial e de inertes calcários ao longo
22
Alvalade, Olivais, Chelas, Telheiras.
do vale, atraindo mão de obra de fracos recursos, favorecendo uma produção de tecidos
23
Coordenação de George Meyer-Heyne. Versão aprovada apenas em 1976.
urbanos pouco coesos, que ora apresentavam morfologias determinadas pela difícil
24
George Meyer-Heyne (coord.), Prolongamento da Avenida da Liberdade – Plano Director
topografia, em festos e encostas pouco recomendáveis para a implantação de edificado
de Urbanização de Lisboa, Lisboa, Serviço do Plano Director de Urbanização de Lisboa,
(ruas Maria Pia, Sete Moinhos, Arco do Carvalhão), ora recorriam a parcelamentos e
1964.
loteamentos casuísticos e desarticulados da estrutura urbana.
25
8
Plano de Frederico Ressano Garcia, 1906.
1967, dirigido pelo Eng. Miguel de Resende.
9
Augusto Vieira da Silva, O Termo de Lisboa, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1940.
26
10
Denominada Linha urbana de Lisboa.
Esta proposta foi introduzida ainda no Plano Director da Região de Lisboa, também de
Jan Jacob Trip, What makes a city? Planning for the quality of place. The case of highspeed trains station area redevelopment., Delft, Delft University Press, 2007.
11
Exemplo desse estado ainda embrionário é a tipologia de apeadeiro atribuída às
27
Rosario Pavia, Babele. La città della dispersione, (Babele/7), Roma, Meltemi editore, 2002.
paragens do longo da linha de cintura, a que correspondiam soluções arquitectónicas de
28
Paola Viagnó, La città elementare, Milano, Skira, 1999.
extrema simplicidade e pequena dimensão, revelando o seu carácter e funcionalidade
29
como meros pontos de passagem de uma linha que tinha como principal desígnio a
Jean Castex, Jean-Charles Depaule, Phillipe Panerai, Formes urbaines : de l’îlot à la barre,
Paris, Dunod, 1977.
relação entre as áreas industriais e portuárias de Alcântara e Xabregas/Beato. 12
Bernardo Secchi, Prima Lezione di urbanística, Roma, Editori Laterza, 2005 (edição
30
Algumas expressões deste fenómeno são identificadas no contexto internacional em
David Mangin, La ville franchisé: Formes et structures de la ville contemporaine, Paris, La
original, Roma, 2000).
Villete, 2004.
13
31
Raquel Henriques da Silva (dir.), Lisboa de Frederico Ressano Garcia 1874-1909, Lisboa,
Sobre as relações entre infraestrutura e paisagem, do ponto de vista do seu potencial
Câmara Municipal de Lisboa / Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
projectual, refira-se Giuseppe Marinoni, Infrastrutture nel progetto urbano, Milano, Franco
14
Angeli, 2006.
A resolução desta intersecção passa apenas pelo projecto de um exuberante viaduto beaux-arts, revelador de um ainda difícil posicionamento arquitectónico perante os novos programas urbanos. Sintomaticamente, aquele viaduto não logrou ser construído, permanecendo até aos anos 50 do século XX duas anacrónicas passagens desniveladas,
Sobre o potencial estruturante e mediador das infraestruturas com as diversas escalas do território urbanizado, ver Thomas Sievets, Cities without Cities: Between Place and World,
Space and Time, Town and Country, London, Routledge, 2003. 32
de um único veículo.
Sofia Morgado, Protagonismo de la ausencia: interpretácion urbanística de la formación metropolitana de Lisboa desde lo desocupado, Dissertação de doutoramento, Escuela
15
Como exemplo temos o Passeio Público e os Jardins da Estrela e do Príncipe Real.
Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona, Universidad Politecnica de Catalunya, 2005.
16
Ocupando desde 1905 uma parte da Quinta das Laranjeiras.
17
Que viria a transformar-se no Parque da Fundação Calouste Gulbenkian.
Morgado, Protagonismo de la ausencia: interpretácion urbanística de la formación metropolitana de Lisboa desde lo desocupado, 2005.
18
Vítor Matias Ferreira, A cidade de Lisboa: de capital do império a centro da metrópole,
desalinhadas com o eixo das avenidas e com uma largura que apenas permitia a passagem
Dissertação de doutoramento, Lisboa, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, 1986. 19
Atente-se ao carácter da avenida Joaquim António de Aguiar, elo de ligação ao Marquês
de Pombal, que viria a acolher alguma da edificação residencial e hoteleira mais qualificada da cidade.
33
34
Planeada a partir de 1811, completada em 1825. Projecto de John Nash.
35
Keller Easterling, Organization space: landscapes, highways and houses in America,
Cambridge, MIT Press, 1999. 36
Giuseppe Dematteis, Progetto implicito. Il contributo della geografia umana alle scienze del territorio, Milano, Franco Angeli, 1995.
51 | João Rafael Santos
Rua de Entrecampos, Estrada da Luz, Estrada de Benfica.
2
Sete Rios: A Construção de um Espaço entre Infra-Estruturas, Escalas e Topologias Territoriais
1
Ur
Os Equívocos e os Consensos na Relação entre Reabilitação Urbana e Gentrificação Luís Mendes * 52
PALAVRAS-CHAVE Gentrificação, Reabilitação Urbana, Bairro Alto, Lisboa, Cidade Pósmoderna. 1. INTRODUÇÃO Um dos pontos de polémica em torno da gentrificação das áreas
económica desencadeou na estrutura profissional e na textura social
centrais da cidade reside na associação imediata deste processo à
da cidade, com o declínio da produção e do emprego industriais e do
reabilitação urbana. Se é certo que a re-apropriação de um espaço
rápido crescimento do sector terciário qualificado na cidade centro.
de habitat antigo e por vezes em estado de degradação urbanística
A hipótese é a de que as políticas de reabilitação urbana no
acentuada implica, necessariamente, a presença de um processo
centro histórico de Lisboa poderão facilitar o processo de gentrificação,
prévio de reabilitação do edificado, não é menos certo que a
no entanto são apenas condições necessárias, não sendo por si só
gentrificação, não pode ser vista como consequência automática de
suficientes para induzir tal processo socio-espacial. Ainda assim, os
políticas de reabilitação, conservação ou renovação urbana, ou de
programas de reabilitação urbana, ao visarem estimular a requalificação
qualquer política de incentivo ao investimento privado no sentido da
de edifícios e criar condições favoráveis à atracção de capitais privados
reabilitação de edifícios de habitação.
para a requalificação das áreas de reabilitação urbana, constituem um
Ao invés, e seleccionando o Bairro Alto como caso ilustrativo deste processo de reestruturação urbana na cidade de Lisboa,
factor estratégico para a fixação das novas classes médias no Bairro Alto.
argumentaremos que a gentrificação deve ser contextualizada nas
Impõe-se, então, a procura de eixos explicativos para o processo
profundas alterações económicas que têm decorrido nos espaços
de gentrificação, nas próprias mudanças socio-económicas mais
urbanos dos países ocidentais de capitalismo avançado desde os
profundas e mais amplas que atravessam actualmente as sociedades
finais dos anos sessenta e das transformações que esta reestruturação
(e as cidades em particular) dos países desenvolvidos de capitalismo
* Investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa | Centro de Estudos Geográficos, Faculdade de Letras
tardio e avançado, nomeadamente das mutações entrelaçadas das
rehabilition of residential property in a working-class neighbourhood
estruturas demográficas e das estruturas profissionais que parecem
by relatively affluent incomers leads to the displacement of former
sustentar novos modos de habitar a cidade centro.
residents unable to afford the increased costs of housing that accompany regeneration».5
2. BREVES CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA DEFINIÇÃO CONCEPTUAL
Desde há cerca de 40 anos, o conceito vem assim designar este
DE GENTRIFICAÇÃO
novo processo de recomposição (e substituição) social verificado
No mundo anglo-saxónico dos anos 70 e 80 começaram a esboçar-se
no espaço urbano, estreitamente ligado a acções de reabilitação
tendências que se não prefiguravam a inversão da suburbanização,
urbana das habitações nos centros antigos das cidades, mediante
pelo menos manifestavam sinais contrários a esta. Estudos empíricos
investimentos estatais ou privados.
começam a sugerir um regresso aos bairros centrais mais antigos por parte de actores sociais que apresentam características distintas
3. BREVE RETROSPECTIVA DOS PROGRAMAS DE REABILITAÇÃO
dos residentes. Na verdade, alguns observadores europeus e norte-
URBANA EM PORTUGAL DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX:
americanos têm assinalado que, desde o início da década de 70, um
UM CONSTRAGIMENTO OU UM INCENTIVO À GENTRIFICAÇÃO NO
pequeno mas significativo (porque crescente) número de famílias
BAIRRO ALTO?
jovens, de médio e/ou alto rendimento, têm vindo a transferir-se para
Nos últimos 30 anos, Lisboa perdeu mais de 240 mil habitantes. Essa
bairros centrais antigos, empreendendo estratégias de reabilitação do
perda, aliada ao significativo envelhecimento da população residente,
seu parque habitacional.
fez com que o número de pessoas com mais de 64 anos aumentasse,
Como se encontra bem documentado, o termo “gentrification”,
1
diminuindo o número de pessoas abaixo dos 15 anos. Esta profunda
terá sido empregue pela primeira vez por Ruth GLASS, em 1964, para
alteração demográfica, influenciou bastante o património edificado.
designar a mobilidade residencial de indivíduos das classes médias
Hoje, estimam-se existirem cerca de 40 mil fogos devolutos, o que
para as áreas populares da cidade de Londres.2 Assim, para aquela
significa 14 % do parque habitacional da cidade. A deterioração
autora:
dos edifícios foi inevitável. Em 2001, 61 % dos prédios de Lisboa
«One by one, many of the working-class quarters of London have
necessitavam de reparação e 5 % estavam mesmo em profunda
been invaded by the middle-classes – upper and lower. Shabby, modest
degradação. É neste contexto que surgem as primeiras operações de
mews and cottages – two rooms up and two down – have been taken
reabilitação urbana no país, na segunda metade da década de 70.6
over, when their leases have expired, and have become elegant, expensive
As intervenções no domínio da Reabilitação Urbana em Portugal
residences. Larger Victorian houses, downgraded in an earlier or recent
adquiriram uma importância crescente no decorrer dos últimos
period – which were used as lodging houses or were otherwise in multiple
30 anos, revelando-se fundamentais na revitalização dos centros
occupation – have been upgraded once again... Once this process of
históricos, sendo que até aos anos 70 do século passado, a reabilitação
“gentrification” starts in a district it goes on rapidly until all or most of
do património construído manteve-se circunscrita a monumentos
the original working-class occupiers are displaced and the whole social
nacionais ou outros edifícios de elevado valor histórico, na sequência
character of the district is changed».
de campanhas de pendor nacionalista que pretendiam sobretudo
3
Desde então o conceito de gentrificação viria a surgir com alguma frequência nos estudos urbanos, sobretudo anglo-saxónicos,
legitimar toda a ideologia ultraconservadora do regime do Estado Novo.7
em particular a partir da década de 70 e mais recentemente, desde
O primeiro programa visando o apoio financeiro à reabilitação
meados dos anos 80, tem suscitado também a atenção das várias
dos edifícios foi criado em 1976, o PRID – Programa de Recuperação
ciências sociais. Definições variáveis, mas muito próximas da de Ruth
de Imóveis Degradados. Este programa tinha como objectivo o
GLASS, foram sendo avançadas ao longo das últimas quatro décadas,
de apoiar, através da concessão de empréstimos bonificados às
sendo de sublinhar as seguintes:
autarquias mas também aos particulares, o desenvolvimento de obras
«Gentrification is a term that has come to refer to the movement of affluent, usually young, middle-class residents into run-down inner-city areas. The effect is that these areas become socially, economically and environmentally up-graded».4
«Gentrification is a process of socio-spatial change where the
de conservação, reparação e beneficiação do património habitacional público e privado. Uma década depois, em 1985, foi criado o PRU – Programa de Reabilitação Urbana – que se traduzia no apoio técnico e financeiro às autarquias, prevendo a criação de um Gabinete Técnico Local (GTL)
53
que funcionava na respectiva dependência da câmara municipal e geria todo o processo de reabilitação, actuando, não apenas, sobre
tendo-se quase sempre trabalhado na sensibilização e apoio social da
o restauro e recuperação dos imóveis, mas também, sobre as áreas
população.10
urbanas mais abrangentes onde aqueles se inseriam. Ao abrigo do PRU
Para desenvolvimento das operações de reabilitação foi
foram criados 36 GTL’s em todo o país, com a missão de elaborarem
necessário proceder ao desalojamento ou realojamento provisório dos
projectos de reabilitação de áreas urbanas em núcleo histórico,
moradores dos edifícios a reabilitar. Durante as obras de reabilitação dos seus imóveis, sobretudo se estes se situassem em áreas críticas
e apoio social às populações, sustentando-se num apoio técnico
de recuperação e reconversão urbanística, aquelas acções foram
especializado às autarquias, prestado por equipas pluridisciplinares.8
necessárias para levar a bom termo o processo de reabilitação, o que obrigou ao estabelecimento por parte da autarquia de regulamentos
da reabilitação urbana no Bairro Alto, uma vez que a recuperação do
normativos para a sua orientação respectiva. Assim foi com a Proposta n.º 456/87: REALOJAR, aprovada pela Assembleia Municipal de
no seu interior, então ainda dependente do serviço de obras do
Lisboa de 1988, que estabelecia, há já vinte anos atrás, que nenhum
Município. O GTL do Bairro Alto foi instalado em 1989, à semelhança de outros gabinetes locais criados alguns anos antes noutros bairros
desalojados no que diz respeito a vários aspectos: ao conhecimento
históricos da cidade e com objectivos semelhantes na resposta aos
da posição dos moradores relativamente à habitação que ocupam;
problemas da reabilitação urbana. A declaração, em 1990, da Área
ao transporte e salvaguarda dos haveres do desalojado; ao estudo
Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística do Bairro Alto/
de possíveis consequências do desalojamento nos rendimentos
Bica, sob a proposta da Câmara Municipal de Lisboa, veio alargar a
dos moradores desalojados, prevendo a adopção de possíveis
área de intervenção (52 hectares) às freguesias de Santa Catarina e a parte da de São Paulo e reforçar as competências técnico-
negativos; à salvaguarda das condições de saúde dos desalojados,
administrativas do GTL. As suas atribuições eram fundamentalmente as seguintes: elaborar projectos de reabilitação de espaços comuns e de recuperação de edifícios promovendo e acompanhando as obras;
morador. Condições similares são aplicadas no caso de realojamento
Ur
informar e apoiar os proprietários e moradores para dinamizar a sua
provisório. Todos os moradores desalojados provisoriamente das suas
participação na realização das obras nos edifícios e na obtenção de
habitações só o foram quando se demonstrou que o realojamento
n.8 | Janeiro 2012
54
provisório era a única solução possível para resolver o seu problema de sua área de intervenção. «O gabinete tenta dar resposta aos problemas
residência, durante as obras de reabilitação. Um objectivo de princípio, repetidamente expresso pela autarquia, sempre consistiu na defesa, o
a reabilitação histórica e social, mantendo as reminiscências de tradição
mais possível, do direito das populações do Bairro Alto se manterem
e promovendo a qualidade do espaço urbano, quer para os actuais
na sua área de residência habitual, procurando preservar os laços
residentes, quer para os vindouros [...], numa perspectiva de articulação
sociais e de entre-ajuda actualmente existentes, estabelecidos por
técnica das soluções e numa atitude de participação social dos residentes
meio de fortes relações de vizinhança, que organizam o equilibrado
na zona [...]».
espaço social do bairro.11
9
A lógica de diálogo e de apoio estabelecida com a população
Passados nem 5 anos da criação do PRU, e uma vez que os
residente no que respeita à melhoria das condições de habitabilidade
resultados alcançados pelos dois programas anteriores nas últimas
dos imóveis degradados do bairro é muito explícita, não só nos discursos, como também nas práticas concretas do GTL. A área de intervenção
no que respeita ao parque habitacional arrendado, foi criado o
envolve grupos sociais diferentes caracterizando-se por uma forte
RECRIA – Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de
função residencial, com uma população envelhecida, com nível baixo de instrução, mas dotada de um forte enraizamento produzido por graus de relação de intimidade quotidiana, predominando as relações
imóveis em estado de degradação, mediante a concessão de incentivos
sociais primárias, de proximidade e de vizinhança. A actuação do
pelo Estado e pelos municípios. Em 1996, cerca de 10 anos passados
GTL sempre foi, assim, norteada pela possibilidade de manutenção
da criação do RECRIA, foram lançados outros dois programas de
Habitacional em Áreas Urbanas Antigas – que consistia numa extensão
mecanismos (como sejam fundos de investimento imobiliários) que
do Programa RECRIA que visava apoiar financeiramente as autarquias
permitam a capitalização dos projectos com vista à requalificação do
na recuperação das zonas urbanas antigas, com áreas críticas de
tecido urbano, permitindo, o suposto “repovoamento” do centro das
recuperação e conversão urbanística com planos de pormenor ou
cidades.
regulamentos urbanísticos aprovados, e que resultou da iniciativa
Para isso, no entanto, é fundamental que o investimento seja
da Câmara Municipal de Lisboa junto da Administração Central.
rentável, através da criação de um quadro económico, financeiro e
Também no mesmo ano de 1996, surgiu o RECRIPH – Regime Especial
regulamentar que seja susceptível de atrair e potenciar investimento
de Comparticipação e Financiamento na Recuperação de Prédios
privado. Um sinal disso foi dado pela Lei do Orçamento de 2007, que
Urbanos em Regime de Propriedade Horizontal – que visava apoiar
desceu a taxa do IVA de 21% para 5% aplicável às empreitadas de
financeiramente e a fundo perdido a execução de obras de conservação
requalificação e reconversão urbana, equiparando o regime fiscal a
e de beneficiação que permitissem a recuperação de imóveis antigos,
outros sistemas de reabilitação urbana como o RECRIA e o REHABITA,
constituídos em regime de propriedade horizontal.
o que permitirá a captação de investimentos privados no âmbito das
Em 2001 foi criado o Programa SOLARH – Programa de
SRU. O principal princípio norteador deste regime excepcional é, por
Solidariedade e Apoio à Recuperação e Habitação – que se traduziu
conseguinte, o do incentivo económico à intervenção dos promotores
num apoio financeiro especial sob a forma de empréstimo sem
privados no processo de reabilitação.
juros, concedido pelo Instituto Nacional de Habitação a agregados
Na mesma linha devem ser entendidos os apoios fiscais à
familiares de fracos recursos económicos, para execução de obras de
reabilitação urbana, enquadrados no Regime Extraordinário de
conservação. Nesta medida, não só se visava facultar aos proprietários
Apoio à Reabilitação Urbana (2008-2012),12 que ao visarem estimular
abrangidos os meios financeiros necessários à reposição das condições
a reabilitação de edifícios e criar condições favoráveis à atracção de
mínimas de habitabilidade, como se pretendia favorecer o aumento da
capitais privados para a requalificação das áreas de reabilitação urbana,
oferta de habitações para arrendamento com valores moderados de
constituem um factor estratégico para a fixação das novas classes
renda que sejam compatíveis com os rendimentos de estratos sociais
médias no Bairro Alto. O âmbito de aplicação deste novo regime é
de menor poder de aquisição.
claro: os prédios urbanos que sejam objecto de acções de reabilitação e satisfaçam, pelo menos, uma das seguintes condições: a) prédios
4. OS APOIOS FISCAIS À REABILITAÇÃO URBANA DO REGIME
urbanos arrendados e passíveis de actualização faseada das rendas
EXTRAORDINÁRIO DE APOIO À REABILITAÇÃO URBANA (2008-2012):
nos termos do Novo Regime de Arrendamento Urbano; b) e prédios
QUE EFEITOS PARA NA PRODUÇÃO DE GENTRIFICAÇÃO?
urbanos localizados em áreas de reabilitação urbana. Estas áreas são
A última medida lesgislativa relativa à promoção da reabilitação
definidas pelo Regime Extraordinário como áreas territorialmente
urbana materializa-se na promulgação do Decreto-Lei 104, de 7 de
delimitadas, caracterizadas pela degradação ou obsolescência dos
Maio de 2004, que criou o Regime Jurídico Excepcional de Reabilitação
edifícios, das infra-estruturas urbanísticas, do equipamento social, das
Urbana de Zonas Históricas e de Áreas Críticas de Recuperação
áreas livres e do espaço público. A delimitação das áreas de reabilitação
e Reconversão Urbanística. Este regime permite às autarquias a
urbana é da competência da Assembleia Municipal sob proposta
possibilidade de constituírem Sociedades de Reabilitação Urbana
da Câmara Municipal, obtido o parecer do Instituto da Habitação e
(SRU) com poderes de autoridade e de política administrativa (como os
da Reabilitação Urbana. Independentemente da sua localização, os
de expropriação e licenciamento). As SRU devem captar investimentos
prédios urbanos objecto de acções de reabilitação iniciadas entre 1
e mobilizar todos os intervenientes (inquilinos, autarquias, senhorios,
de Janeiro de 2008 e 31 de Dezembro de 2010 e concluídas até 31
investidores) de modo a criar um verdadeiro mercado nacional da
de Dezembro de 2012 podem beneficiar de isenção do IMI por um
reabilitação. Sob o discurso de que o Estado e as autarquias não
período de cinco anos a contar do ano da conclusão da reabilitação,
dispõem dos meios financeiros para uma efectiva reabilitação urbana
renovável por um período de três anos.
em Portugal, supostamente responsável por uma dinamização pouco
Neste contexto, e já desde 2004, criou-se um quadro de
efectiva e algo morosa deste importante processo, considera-se a
referência para um contrato de reabilitação urbana, a celebrar entre
mobilização do investimento privado para a reabilitação urbana. Isto
o município, ou a sociedade de reabilitação urbana constituída para o
através de parcerias público-privadas, que atraem o capital privado, com
efeito, e os promotores privados, nos termos do qual as partes, dotadas
55
| Luís Mendes
recurso a formas imaginativas de engenharia financeira que envolvam
Os Equívocos e os Consensos na Relação entre Reabilitação Urbana e Gentrificação
reabilitação de imóveis. O REHABITA – Regime de Apoio à Recuperação
de uma quase plena liberdade negocial, ajustarão os termos em que o promotor privado procederá às operações de reabilitação urbana.
público e colectivo. Isto à semelhança do que se regista nos restantes núcleos históricos das áreas centrais de outras cidades portuguesas,
Neste âmbito, insere-se uma das experiências levadas a cabo
como demonstra José AGUIAR.15 Este autor, numa descrição do
por uma conhecida SRU em Lisboa, a EPUL – Empresa Pública de
essencial da experiência de conservação do património urbano de
Urbanização de Lisboa. O programa “Repovoar Lisboa” parte do caso
Guimarães, destaca uma reabilitação urbana “para e pelas pessoas”,
paradigmático da freguesia de S. Paulo (a sul do Bairro Alto), que apesar de ser uma das maiores freguesias de Lisboa em área, de se
Mas também a conservação estrita dos valores identitários e de
situar no centro da cidade e de dispor de uma larga extensão de frente
autenticidade patrimonial, preservando as qualidades referenciais
ribeirinha, é habitada por uma população inferior a 1500 pessoas. Estes
existentes na arquitectura da cidade histórica, prolongando-as
paradoxos levaram a que a freguesia de S. Paulo fosse escolhida para
para um território submetido a um desmesurado processo de
projecto-piloto do programa “Repovoar Lisboa”. Através da intervenção
desenvolvimento e de transformação, bem como a garantia da
no património imobiliário, espera-se contribuir para a valorização do
continuidade das permanências essenciais de longo prazo (a cidade
local, renovando o seu tecido urbano e criando uma centralidade de
enquanto monumento, na estrutura da sua morfologia e tipologia
bairro que faça renascer o desejo de habitar esta área histórica. A EPUL
fundiária), conservando as qualidades formais já sedimentadas (a
tem vindo a adquirir diversos prédios na zona, através da aplicação de
arquitectura erudita e vernácula que construiu, no tempo, o centro
verbas afectadas pela Câmara Municipal de Lisboa para este efeito,
histórico).
e promoverá a respectiva reabilitação com o objectivo de colocar no mercado largas dezenas de fogos, na sua maioria destinados ao
uma causa imediata e directa da reabilitação urbana – sendo o
segmento jovem. Poderão ser propostas parcerias a proprietários
primeiro fenómeno percebido como consequência automática de
privados de imóveis, que investirão o respectivo valor (sendo os
políticas públicas de reabilitação e conservação, ou de incentivo ao
edifícios avaliados por entidade externa, idónea e independente),
investimento privado visando a reabilitação dos edifícios urbanos (de habitação em particular) – marcou, conjuntamente com outros dois
56 Ur
reabilitação. A EPUL afectará, ainda, a este programa alguns outros edifícios dispersos pela cidade, propriedade da própria empresa ou
foi também, durante algum tempo, associada a um movimento de
de terceiros que com ela se associaram, possibilitando a colocação no
regresso ao centro (“back to the city movement”), implicando uma
n.8 | Janeiro 2012
mercado de mais de três dezenas de fogos. A reabilitação urbana tem constituído uma das linhas prioritárias
centro. Por último, os teóricos têm colocado a tónica da análise do
da actuação da autarquia nos últimos anos. Atrair novos residentes e
fenómeno como processo de substituição social, na medida em que há reapropriação pela burguesia dos espaços de habitat populares,
de desenvolvimento nas áreas antigas da cidade centro.13 Dentro
centro e das suas áreas históricas e antigas em particular, conduzindo
das várias estratégias previstas para a cidade, enquadradas no Plano Estratégico de Lisboa,14 reconhece-se que não se torna a cidade
nas ditas áreas centrais, de um grupo social por outro de estatuto mais
atractiva para a residência e para o trabalho, sem se resolverem os
elevado. Este último sentido ganhou validade nos últimos anos de
graves problemas de habitação que a caracterizam. Assim, a autarquia
estudo do fenómeno.
assumiu, na década de 90, a revalorização da função habitacional no
Parece pertinente, neste sentido, recuperar a hipótese avançada
conjunto da cidade e, em particular, na área central, como decisiva
há mais de 25 anos por Jean RÉMY16 de anterioridade, senão mesmo
para o reequilíbrio sócio-urbanístico. À excepção deste último Regime de Reabilitação Urbana de
urbana. Isto é, da anterioridade da procura de espaços centrais com
Zonas Históricas e de Áreas Críticas de Recuperação e Reconversão Urbanística, de 2004, todos os programas de reabilitação urbana
dos produtores públicos ou provados do alojamento. Justamente
levados a cabo pelo Estado, desde meados dos anos 70, fomentaram económicas e sociais mais globais, muito embora, uma preocupação centro histórico da cidade de Lisboa de acordo com o interesse
relativamente recente nas acções públicas com o “embelezamento”
dos espaços centrais das cidades e com a estética dos mesmo, não
enquadramento municipal multidisciplinar (engenheiros, arquitectos,
seja de todo alheia ao processo de revalorização. Processo esse que,
geógrafos, economistas, historiadores, juristas, assistentes sociais,
de forma indirecta, encarecerá os valores imobiliários.
sociólogos, etc.) que trabalhem de forma integrada e assegurando diferentes competências. A acção destes tem que ter como parceiros
Em termos restritos a reabilitação urbana pode definir-se como uma
uma relação institucionalizada com os moradores e comerciantes, que
acção de melhoramento significativo do estado de um alojamento ou
validem as opções decididas. A gestão participada é fundamental e
de um imóvel, sendo que a intervenção sobre o ambiente construído
impede que os interesses públicos e colectivos saiam menosprezados
é menos radical do que no caso da renovação, pois consiste em
de todo o processo.
arranjar o existente e não em substituí-lo por novas construções.
17
Do ponto de vista social, a reabilitação urbana pode, em certos
Por vezes, estas acções de reabilitação resultam da própria iniciativa
casos, levar a processos de transição populacional, uma vez que os
dos proprietários (ocupantes ou arrendatários). No entanto – como
antigos residentes, muitas vezes de camadas sociais menos favorecidas,
uma ampla documentação dedicada a este fenómeno no âmbito dos
vão sendo progressivamente substituídos por população das classes
estudos urbanos demonstra – só se desenvolveram frequentemente
média-alta e alta que podem pagar as habitações reabilitadas.
desde o final dos anos 70, no âmbito de procedimentos públicos que
Contribui-se, por conseguinte, e neste caso específico, para a
definiam um perímetro de intervenção e meios de acção específicos.
gentrificação que é, por definição, um processo de “filtragem social” da
Em qualquer dos casos, o objectivo destas acções de reabilitação é
cidade. Despoleta-se um processo de recomposição social que opera
sempre o de conferir ou de restituir ao alojamento, ao imóvel, e mais
no mercado de habitação e de forma mais vincada e concreta nas
generalizadamente ao bairro, uma melhor imagem social e um maior
habitações em estado de degradação dos bairros tradicionalmente
valor económico.
populares. Correspondendo à recomposição (e substituição) social
18
Estas acções resultam dos processos de intervenção nas áreas
desses espaços e à sua transformação em bairros de classes média,
antigas do centro da cidade e, também, noutros espaços urbanos que
média-alta, não se pode deixar de referir, por conhecimento deste
têm boa qualidade ambiental potencial e, frequentemente, uma certa
processo de “substituição social”, o reforço da segregação socio-
memória e um significado histórico. Podem resultar exclusivamente
espacial na sua sequência, aprofundando a divisão social do espaço
da acção da iniciativa privada que procede à reabilitação de edifícios
urbano. Não é o caso do Bairro Alto, onde a gentrificação denuncia
numa determinada área, mas, com frequência, decorre também de
um estádio ainda primário (primeira fase de quatro no total, de acordo
intervenções públicas que reabilitam o espaço público e disponibilizam
com o modelo de estádios da gentrificação formulado por CLAY em
financiamentos para que os privados procedam à recuperação de
1979),19 sendo a expressão territorial que lhe é característica apenas
fachadas ou à melhoria das coberturas. Na maior parte das situações
pontual. Isto à semelhança do que se regista nos restantes núcleos
nos bairros históricos da cidade de Lisboa, como vimos, a propriedade
históricos da cidade centro de Lisboa e noutros centros históricos das
é privada pelo que cabe ao município ser um interface entre o Estado
cidades portuguesas.
e os particulares, proprietários ou inquilinos, comparticipando a
Aliás, como procurámos demonstrar neste artigo, todos os
fundo perdido as operações de reabilitação no sentido de encontrar
programas de reabilitação urbana levados a cabo pelo Estado,
as melhores formas de garantir a conservação do edificado. Só com
desde meados dos anos 70, fomentaram a reabilitação urbana e a
os apoios que o Estado tem disponibilizado, mas de forma escassa
conservação do edificado existente no centro histórico da cidade
e manifestamente insuficiente, se pode falar de uma política de
de Lisboa de acordo com o interesse das populações autóctones
reabilitação. Noutros casos, em que a propriedade é municipal, o
já residentes nos bairros da cidade centro, contra a segregação
município tem responsabilidades acrescidas por ser o “dono de
produzida por eventuais casos de gentrificação. A associação directa
obra”, quer melhorando os bairros municipais e outras propriedades
da gentrificação à reabilitação urbana merece maior discussão,
municipais dispersas, quer requalificando equipamentos que carecem
sobretudo no caso português que é marcado por uma grande rigidez
de mudanças de usos e são elementos de identidade e referência,
do mercado de habitação e por uma evolução de sucessivos pacotes
a manter. Nos bairros históricos, o que se tem feito, assumindo
legislativos desde meados do século XX que estabilizaram o mercado
entre si muitas diferenças, exige, por um lado técnicas, materiais e
de arrendamento e limitaram fortemente a proliferação do fenómeno
regras diferentes das usadas nas construções novas e, por outro, um
da gentrificação. Beneficiando, em particular, as famílias de baixo
57
| Luís Mendes
Juntas de Freguesia e outras associações populares locais, bem como
Os Equívocos e os Consensos na Relação entre Reabilitação Urbana e Gentrificação
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
exaltação de valores tais como os de “património”, “historicidade” e da população autóctone, ou seja, já residente nos bairros antigos, os
“qualidade de vida”, e também pela moderação no ritmo da construção
sucessivos pacotes legislativos relativos à conservação e reabilitação do
nova e reinvestimento na consolidação do urbano existente.
parque habitacional funcionaram como um pesado constrangimento como resultado, não já das lógicas sociais e económicas da sociedade inerente ao desalojamento dos grupos socio-economicamente mais
industrial, mas antes como uma manisfestação espacial de um novo
debilitados, que entretanto estariam em risco de serem deslocados
tipo de sociedade emergente, como produto de profundas mudanças
classe média alta20
recomposição da textura social e cultural dos espaços urbanos, a
As acções de reabilitação urbana, privadas ou públicas, apenas
que correntemente se tem designado de sociedade pós-industrial,
constituem um aspecto dos processos socio-espaciais que concorrem
com contornos já relativamente bem delineados nos países mais
para a revalorização dos imóveis nas áreas centrais das cidades.
desenvolvidos e de capitalismo avançado21.
Quer sejam “espontâneas” ou institucionalizadas, as operações de
A reestruturação social em curso no Bairro Alto só se torna
melhoramento do parque habitacional não fazem sentido senão à luz dos
legível, de forma satisfatória, quando se interpreta no seio de um
movimentos da população, das estratégias residenciais, das mudanças
quadro mais amplo de mudanças sociais que explicam, paralelamente, a revalorização que as áreas centrais têm experimentado no que toca
certos espaços urbanos, e muito particularmente, dos antigos bairros
ao (re)investimento na habitação para estratos socio-económicos mais
centrais históricos. O desenvolvimento de acções públicas a favor da
elevados. Estes, por sua vez, ao evidenciarem novos estilos de vida mais cosmopolitas22
nas políticas do Estado e das colectividades locais em matéria de produtos imobiliários que resultam da mudança no modo de produção num contexto histórico mais geral, caracterização por uma renovação 58
n.8 | Janeiro 2012
Ur
do interesse de vários actores sociais pelos centros das cidades, pela
do espaço.
1
12
literalmente por “pequena nobreza” ou “pequena aristocracia”. No “Oxford Advanced
de Apoio à Reabilitação urbana.
Learner’s Dictionary”, de 1995, pode ler-se: «gentry – people of good social position,
13
those that own a lot of land; gentrify – to restore and improve a house, an area, etc, to make it suitable for people of higher social class than those who lived there before;
de transformação urbana: a substituição da população modesta de um bairro popular por
J. Mateus et al., Baixa Pombalina: Bases para uma Intervenção de Salvaguarda, Lisboa,
Pelouros do Licenciamento Urbanístico, Reabilitação Urbana, Planeamento Urbano, Planeamento Estratégico e Espaços Verdes da Câmara Municipal de Lisboa, 2005. 14
«Expressão relativamente recente de origem anglo-saxónica que designa um fenómeno
Artigo 82º da Lei nº67-A/2007, de 31 de Dezembro, que criou o Regime Extraordinário
Câmara Municipal de Lisboa, Plano Estratégico de Lisboa, Lisboa, Direcção de Projecto
de Planeamento Estratégico da Câmara Municipal de Lisboa, 1992. 15
novos habitantes com rendimentos mais elevados, a favor de operações de renovação».
J. Aguiar, A experiência de reabilitação urbana do GTL de Guimarães: estratégia, método e algumas questões disciplinares, in http://mestrado-reabilitacao.fa.utl.pt/
de língua francesa, continuando a usar o conceito no seu idioma original, referem-se-lhe
16
disciplinas/jaguiar/jaguiarcandidaturaguimaraes2000. pdf (24 de Fevereiro de 2008). como se tratando de um processo de “embourgeoisement”. Em Portugal, e uma vez que não abundam os estudos sobre o fenómeno, um dos primeiros problemas com que nos
J. Remy, “Retour aux quartiers anciens: recherches sociologiques“,
Recherches
Sociologiques, 14(3), 1983, pp.297-319. 17
F. Choay, P. Merlin, Dictionnaire de l’Urbanisme et de l’Aménagement, Paris,PUF, 1988.
do pressuposto de que estava à partida afastado o uso do anglicismo e neologismo
DGOTDU, Vocabulário de Termos e Conceitos do Ordenamento do Território, Lisboa,
Teresa BARATA SALGUEIRO. Neste texto continuaremos a referirmo-nos ao conceito por
18
Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, 2005. A. Bourdin, “Restauration
rehabilitation: l’ordre symbolique de l’espace neo-
bourgeois“, Espaces et Societes, 30/31, 1979, pp.15-35.
Annual Review of
S.
Sociology, nº 13, 1987, pp.129-147.
Sociologiques, 11(3), 1980, pp.259-275.
3
A. Bourdin, “Comment analyser la transformation de l’espace urbain ? L’exemple de la
R. Glass, London: Aspects of Change , London, Centre for the Urban Studies and
MacGibbon and Kee, 1964. Abordada por SMITH (1996a: 33). 4
T. Hall, Urban Geography , Londres, Routledge, 1998, pág.108.
5
M. Pacione, Urban Geography. A Global Perspective , Londres, Routledge,2001,pág.212.
6
T. Barata Salgueiro, Lisboa, Periferia e Centralidades, Oeiras, Celta Editora, 2001.
7
A. Gonçalves, O Recreio e o Lazer na Reabilitação Urbana. Almada Velha, Lisboa,
Gabinete de Estudos e Prospectiva Económica do Ministério da Economia, Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo, 2002. V. Matias Ferreira, Fascínio da Cidade. Memória e P rojecto da Urbanidade, Lisboa, Centro
réhabilitation de l’habitat“, Espaces et Societes, 52/53, 1989, pp.85-105. 19
P. Clay, Neighborhood Renewal: Middle-Class Resettlement and Incumbent Upgrading in American Neighborhoods, Massachusetts, D.C. Health, Lexington, 1979.
20
Para ver desenvolvimentos sobre o conceito de “novas classes médias” e o seu papel na
T. Butler,
University Press, 1996.
Devagar, 2004.
21
J. Appleton et al.,
Manual de Apoio à Reabilitação dos Edifícios do Bairro Alto, Lisboa,
Câmara Municipal de Lisboa, 1995. J. Gonçalves,
Reabilitação Urbana: Oportunidades Económicas, Emprego e
, Aldershot, Ashgate, 1997.
Environment and Planning D: Society and Space, 12(1), 1994, pp.53-74. D. Ley, The New Middle Class and the Remaking of the Central City , Oxford, Oxford
de Estudos Territoriais do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e Ler 8
Smith; P. Williams (ed.), N. Smith,
, Londres, Allen & Unwin, 1986, pp.15-34. , Londres,
Routledge, 1996a.
Competências, Lisboa, Espaço e Desenvolvimento, 2006. 9
V.Matias Ferreira; M. Calado,Freguesia de Santa Catarina (Bairro Alto) Lisboa, Contexto
Editora, 1992. pág. 54 (expressões em itálico foram por nós propositadamente realçadas). 10
Câmara Municipal de Lisboa, Reabilitação Urbana nos Núcleos Históricos, Lisboa, Pelouro
da Reabilitação Urbana da Câmara Municipal de Lisboa, 1993. 11
Cf. Appleton et al., 1995.
59
A. Bourdin, “Réhabilitation des vieux quartiers et nouveaux modes de vie“, Recherches
Fainstein; S. Campbell (ed.), Readings in Urban Theory , Oxford, Blackwell, 1996b, pp.260-277. 22
P. Pellegrino, “Styles de vie et modes d’habiter“, Espaces et Societes , 73, 1994, pp.9-12.
| Luís Mendes
2
Ur
A Reabilitação da Baixa Pombalina de Lisboa. Uma Estratégia para a Sustentabilidade Ambiental e Económica? Francisco Serdoura * Helena Almeida ** 60
RESUMO A degradação dos centros urbanos tem sido um problema comum a
os factores ou a sua conjugação que produziram estas reacções. O
várias cidades europeias, nomeadamente físico, social e económico.
presente artigo destina-se a encontrar, não só os problemas do centro
De uma forma geral, as causas para este problema durante o século
da cidade, mas também quais os meios que têm sido utilizados para
XX estão relacionadas com a desertificação das áreas urbanas mais
a sua resolução e a oportunidade como as sucessivas intervenções os
antigas, que levou a uma espiral de desertificação e de insegurança,
têm utilizado, de forma isolada ou integrada.
e, consequentemente, a um crescimento dos problemas económicos
O problema de intervir no património urbano degradado
e sociais. O objectivo deste artigo é estimular a discussão sobre os
está na procura do equilíbrio da implementação das medidas, não
impactos da reabilitação urbana, tanto no tecido físico como no sócio-
cedendo a pressões por conflitos de interesse. Acções estratégicas
económico, entendendo a cidade como um sistema interdependente,
coordenadas, parcerias e uma participação efectiva das autoridades
não sendo possível intervir em apenas um campo, correndo o risco
locais, sempre focalizadas na procura da sustentabilidade e equilíbrio
de consequências inesperadas. Este estudo, através da procura de
sócio-económico, poderão ser a chave para o sucesso.
uma abordagem global e consciente focalizada no futuro, tem como intenção fomentar um debate sobre as várias formas de intervir, de modo a proporcionar uma reacção amplamente positiva da parte da população residente e visitante. Este artigo prosseguirá com uma abordagem de várias intervenções importantes no centro da cidade de Lisboa, procurando
PALAVRAS-CHAVE Reabilitação urbana, identidade, desenvolvimento urbano integrado, património, planeamento do território, sustentabilidade.
*
Arquitecto e Urbanista | Professor Auxiliar da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigador CIAUD-FA
** Arquitecta e Urbanista
2. A IMPORTÂNCIA DA REABILITAÇÃO URBANA NO DESENVOLVIMENTO 1. INTRODUÇÃO
SUSTENTADO DA CIDADE.
As cidades europeias têm experimentado problemas evolutivos comuns. Um dos mais importantes é a degradação dos centros urbanos, que afecta transversalmente a sociedade, nomeadamente nos planos físico, social e económico. A origem deste fenómeno está relacionada com a desertificação das zonas antigas das cidades que se deu durante o século XX, devido, por um lado, à aplicação de um modelo teórico de desenvolvimento de baixa densidade, que expandiu largamente os limites da cidade e, por outro lado, pela ideia defendida de que espaço era sinónimo de qualidade de vida. Os centros urbanos sofreram com esta mudança de hábitos, registaram uma redução do interesse imobiliário e outros investimentos.1 Os edifícios deixaram de estar habitados e as ruas perderam a dinâmica do uso do comércio diário pelas populações, iniciando-se um período de diminuição da função residencial nestas áreas, a par de uma grande pressão do sector imobiliário.2 Estes dois factores induziram uma espiral de desertificação e de insegurança, e, consequentemente, levaram a um crescimento dos problemas económicos e sociais. Lisboa, durante os últimos 30 anos, tem sido um exemplo do fenómeno de degradação dos centros urbanos.3 De facto, com a expansão urbana aliada à construção de infra-estruturas, promotoras da acessibilidade, o centro da cidade foi perdendo população residente e, consequentemente, esta desertificação causou um aumento da sensação de insegurança no espaço público, acentuado durante a noite. Outro dos principais factores de desencorajamento da fixação de população na área foi a falta de estacionamento, o que reforçou o sentimento de insegurança urbana e, consequentemente, a diminuição das actividades económicas.4 Enquanto centro urbano do comércio e da actividade terciária, a Baixa Pombalina mantém a sua importância, representando ainda a segunda área de empregos em Lisboa, seguindo-se a zona das Avenidas Novas.5 Foi mesmo através desta transformação que a Baixa se tornou uma referência, não sendo actualmente considerada a habitação como a actividade mais característica do centro da cidade.6 A questão central deste artigo está na procura de saber qual será o impacto das actuais políticas e medidas para a reabilitação urbana da Baixa Pombalina na cidade. Para o cálculo dos impactos da reabilitação urbana, há que ter em conta que a cidade e os cidadãos devem ser entendidos como um sistema interdependente das suas várias componentes, (ex.: a reestruturação do espaço público gera sinergias, tais como as relações sociais, actividades económicas, etc.) e
Num mundo de expansão urbana e tecido urbano histórico degradado, a reabilitação aliada à gestão do território aparece como um catalisador do desenvolvimento e da revitalização dos centros urbanos. Na realidade, o caminho mais equilibrado para continuar a desenvolver o ambiente urbano, em relação à acessibilidade, mobilidade, energia, qualidade de vida e, em geral, à sustentabilidade, é a reestruturação dos centros urbanos, bem como a sua adequação às novas solicitações da vida urbana. O grande desafio para a reabilitação urbana está relacionado com o desenvolvimento de estratégias que respondam aos dois aspectos do problema: o da cidade tradicional e o da expansão urbana.7 Embora este trabalho seja apoiado por um caso de estudo com características de cidade tradicional, o seu objectivo é não só desenvolver o estudo sobre os processos de reabilitação urbana, mas, principalmente, a procura de métodos de intervenção que, resolvendo problemas no centro, possam criar sinergias para a disseminação das suas consequências positivas, numa regra metropolitana. Intervenções bem sucedidas apenas podem ser implementadas através de uma estratégia global que coordene as várias escalas de intervenção e assegure uma evolução coerente. Cada grau ou escala de realização de objectivos deverá ser liderado por uma autoridade
não pode ter uma abordagem simples, sujeitando-se a interferir com todo o sistema.
ou agente privado de planeamento urbano. 2.1 O papel dos agentes de planeamento urbano As políticas urbanas decorrentes do pensamento fordista basearam-se numa tentativa de resolver os problemas urbanos através de projectos liderados pelo sector público, que adoptou uma postura mais corporativa, a fim de atrair os investidores para o estabelecimento de parcerias. No entanto, o equilíbrio entre a intervenção pública e o sector privado tem-se revelado difícil de alcançar, já que as soluções implementadas resultaram de uma estreita ligação com as opções políticas, alternando entre o liberalismo e uma postura mais intervencionista.8 Das avaliações realizadas observou-se que o resultado dessas intervenções não foi totalmente bem sucedido e que o seu sucesso depende muito mais da gestão dos interesses envolvidos do que sobre a magnitude da intervenção pública. Com efeito, a evolução das políticas de intervenção dos centros urbanos tem adquirido estes contornos, sempre oscilando entre um modelo de carácter público e um combinado, pretendendo-se obter uma perspectiva mais ampla do problema, tendo entrado, no entanto, sempre em conflito com os interesses económicos, sociais e culturais de que estas áreas dependem. De notar que o grande salto nas políticas de renovação urbana, que se fez sentir desde a década de 60, do século XX, como foi o
61
processo de Bolonha,9 revelou ser o princípio de uma transformação em curso, com o objectivo de alargar o seu âmbito de intervenção sobre os problemas da cidade. Como já foi referido, o papel dos agentes locais no planeamento e reabilitação urbana é, de facto, essencial, na medida em que a reabilitação, podendo torná-lo mais próximo das reais necessidades das pessoas e, consequentemente, mais integrado.
mas uma presença constante no processo de decisão. De facto, a reabilitação não é um processo simples e linear, devendo funcionar como um sistema. Actualmente, o “sistema da reabilitação urbana” funciona, embora com alguns erros ou falhas. O Governo tem a função de tomar decisões estruturais em consonância com a realidade nacional e posição na Europa. O seu papel é o de coordenador de toda a estratégia, de distribuir e re-distribuir tarefas, organizar interesses,
apenas a um efémero entusiasmo da parte dos moradores, mais tarde compreendeu-se que, de facto, a população não estava ainda pronta funcionamento dos seus bairros. Por outro lado, o alargamento das competências dos GTL tornou o entendimento do processo mais complexo, para além da perda da anterior proximidade entre os GTL e os residentes.11 Para além das Câmaras Municipais, GTL, e população local, existem outros agentes com um impacto fundamental no processo de reabilitação, tais como empresas privadas com preocupações sociais, implementação das medidas. A comunicação social tornou-se também um parceiro importante, no que diz respeito às acções de divulgação e apresentação de relatórios sobre os aspectos positivos e negativos das intervenções, contribuindo para o aumento da participação.
3. A BAIXA POMBALINA de LISBOA
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Ur
Os órgãos do Governo desenvolvem estratégias nacionais que serão detalhadas à escala regional. Nesta condição, a administração e os organismos regionais de desenvolvimento têm a função de construir estratégias para o desenvolvimento das orientações para o nível local, assegurando que as intervenções sejam coerentes com as políticas nacionais. O papel da administração local é o mais próximo da população, já que estes organismos são os seus representantes, podendo criar parcerias para desenvolver um processo de reabilitação dinâmico e sustentável. De facto, durante a década de 1990, Juntas de Freguesia e Gabinetes Técnicos Locais (GTL) foram-se aproximando, apesar das recorrentes disparidades de opiniões e interesses. Este foi um primeiro passo em direcção a um processo verdadeiramente integrado. A sua
3.1 As recentes intervenções estruturais A Baixa Pombalina, durante as últimas décadas do século XX, sofreu uma perda de acessibilidade e de centralidade funcional, aliada à residencial em edifícios, em Lisboa, foi na freguesia de S. Nicolau, durante a década de 1980, quando 56 prédios (21%) perderam os seus residentes.12 Os principais problemas apresentados pela população local que Sensação de insegurança – devido à quebra do comércio local e da Falta de estacionamento – o que desencoraja o deslocamento de
população para a zona; Diminuição das actividades económicas - é uma consequência dos
aspectos operativos. De facto, o carácter prático e menos estratégico dos GTL proporcionou uma relação mais estreita com a realidade local. Os principais campos de acção do GTL eram: 1. Desenho do espaço público e reabilitação de edifícios; 2. Incremento e supervisão dos projectos e obras; 3. Criação de propostas para alojamento temporário dos residentes; 4. Divulgação e melhoria da participação pública; 5. Gestão do orçamento municipal para a reabilitação urbana.10 No entanto, havia ainda algumas falhas que impediam a realização dos objectivos acordados, nomeadamente no que dizia respeito à participação dos GTL, enquanto consultores estratégicos e no acompanhamento da implementação da estratégia. Se, por um lado, o sucesso inicial das intervenções se deveu
problemas apontados, como a insegurança, a falta de estacionamento, o envelhecimento da população, a falta de equipamentos sociais, etc.; todos são factores que levam à criação deste fenómeno. Todos estes factores contribuem para agravar a situação da Baixa Pombalina. De facto, a diminuição das actividades económicas retira as pessoas das ruas, aumentando a sensação de insegurança e permitindo a instalação de alguma marginalidade (Figura 1). Por outro lado, a falta de estacionamento e de equipamentos sociais também
Durante os anos 90, no século XX, apesar da consciência da importância da reabilitação urbana, que já era assunto de discussão
Figura 1 | Degradação da Baixa Pombalina
Figura 2 | Desertificação da Baixa Pombalina e deterioração dos edifícios
considerado fundamental, tanto pelas autoridades locais como pelos
Os fracos resultados sentidos no início das intervenções conduziram
técnicos, o facto é que a sua execução foi apenas ocasional e limitada à
ao lançamento de “Projectos Integrados”. Esta iniciativa teve o
reabilitação de edifícios degradados (Figura 2), mantendo-se alguns dos
objectivo de envolver sócios externos em intervenções pontuais, a
piores problemas das zonas urbanas.
fim de implementar a globalidade das medidas. De facto, foi durante
O orçamento, que já era limitado, associado ao excessivo peso da iniciativa pública, mostrou ser insuficiente para assegurar o êxito
os anos 90, do século passado, que se iniciou a reabilitação integrada a nível municipal, mais participativa, interactiva e flexível.14
das intervenções. No entanto, no decorrer desta década, o conceito de
Com esta mudança estratégica obtiveram-se alguns resultados,
intervenção integrada foi amadurecendo e compreendeu-se que era
embora insuficientes, uma vez que a centralização das parcerias
necessário um quadro regulamentar que orientasse o envolvimento
externas em projectos específicos, não só não promove uma
entre os sectores público e privado, para as operações serem bem
reabilitação global, como também levou a equipa a escolher os
sucedidas.
projectos onde seria mais fácil reunir recursos, deixando outras frentes
Assim, iniciativas unicamente públicas não permitem a
de intervenção sem concretização, pelo que se tornou impossível
continuação do processo de reabilitação para além da recuperação de
a implementação de uma estratégia global e verdadeiramente
edifícios em estado crítico, não sendo possível aliar a estas medidas
integrada. Assim, verificou-se que, com a estratégia de actores
intervenções sobre o espaço público urbano, equipamentos, emprego
existente, os projectos de reabilitação integrada provaram ser
e outras questões de ordem sócio-económica.
incompatíveis com investimentos de recursos.15
13
A Reabilitação da Baixa Pombalina de Lisboa | Francisco Serdoura, Helena Almeida
63
Figura 3 | A reabilitação urbana do Chiado
64 Ur
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Experiências feitas ao longo do tempo pelas autoridades locais se tratar de intervenções limitadas, a continuidade do investimento, bem como o envolvimento dos agentes locais, acabou por levar a uma mudança gradual na qualidade de vida de moradores e visitantes de várias partes da cidade. Embora o conceito de reabilitação urbana integrada seja muito mais abrangente do que o processo de reabilitação de nível apenas físico, este é aceite como o motor da reabilitação integrada, funcionando a melhoria das condições dos edifícios existentes (factor visual) como um incentivo ao investimento em outras áreas de intervenção. exclusivamente aos “centros históricos”,16 o conceito de reabilitação foi sendo alargado a todas as áreas da cidade, tendo em conta não
componente do problema da população envelhecida, já é perceptível um aumento da atractividade destes bairros para os jovens de outras . partes da cidade, levando a um processo de já está instalado nas freguesias Este fenómeno de mais antigas de Lisboa (ex.: Sé, Santiago), principalmente nas que apresentam algumas vantagens como uma melhor acessibilidade ou fogos maiores. A maior parte dos novos moradores são estranhos ao bairro, vindo mesmo, muitas vezes, de outros países.17 As consequências deste fenómeno novo são ainda uma questão a colocar, em termos de sucesso na integração das tão diferentes formas de vida dos habitantes e dos estrangeiros. Existem dúvidas quanto à preservação da identidade cultural presente na área e suas populações tradicionais, que pode ser ameaçada por uma nova dinâmica. Por outro lado, estes novos residentes têm maior consciência dos efeitos positivos da reabilitação urbana sobre o ambiente e a qualidade
apenas os factores directos, mas prestando atenção a outros que também tomam parte na degradação do tecido urbano. são já visíveis pequenas mudanças na Baixa Pombalina, bem como em
permite que eles tenham mais recursos disponíveis para contribuir para o processo de desenvolvimento destes bairros. Assim, crê-se que a mistura de diferentes tipos de população pode incrementar a
todo o centro histórico lisboeta (Figura 3). Embora ainda haja uma forte
participação, sem com isso pôr em risco o aspecto social.
Actualmente, apesar da lenta evolução do ambiente urbano,
Figura 4 | Candidatura da Baixa Pombalina para a lista do Património Mundial. Fonte: CML, 2005.
3.2 Instrumentos Legais de Planeamento da Baixa Pombalina Actualmente, as políticas de desenvolvimento urbano procuram saber
Municipal em Setembro de 2006 e aprovado pela Proposta n º
qual o melhor papel que estas áreas poderão desempenhar na cidade
120/2008. Consiste no planeamento das acções para a implementação
e, numa perspectiva mais ampla, apontam para três vectores principais
de propostas capazes de anular o processo de degradação da Baixa-
de intervenção: económico, físico e social. As medidas políticas mais
Chiado, através da geração de novas actividades de forma sustentada,
recentes em conformidade com esses princípios são:
de modo a chamar as pessoas de volta para a cidade;
1. Candidatura da Baixa Pombalina para a lista do Património
4. Plano de Pormenor da Baixa Pombalina - Proposta n º 90/2008,
Mundial - aprovado a 19 de Maio de 2005 através da Proposta n º
aprovado em 19 de Março de 2008. Consiste na aplicação de estratégias
352/2004. Reconhece o imenso valor do centro da cidade e promove
de revitalização através de uma ferramenta eficaz de planeamento.
competências nesta área [ver Figura 4];
Estas políticas passam a ter força de lei e são desenvolvidas sob a
2. Declaração de Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbana
forma de medidas concretas para a implementação, com expectativas
(ACRRU) da Baixa-Chiado e direito de preferência do Município de
de custos e calendarização;
Lisboa - por meio da Proposta n º 92/2008 aprovado a 19 de Março de
5. Elaboração do Plano Geral da Frente Ribeirinha de Lisboa - aprovado
2008 e publicado no Decreto-Lei n º 9 / 2009, de 2 de Março. Este tipo
em 25 de Junho de 2008, de acordo com a Proposta n º 504/2008.
de instrumento facilita os procedimentos administrativos e reforça a
Esta ferramenta já tem uma visão mais global da cidade como um
intervenção do Município de Lisboa (CML) em edifícios privados, a fim
sistema, operando principalmente na articulação das diferentes zonas
de implementar as estratégias de reabilitação;
ribeirinhas.
3. Programa de Revitalização da Baixa-Chiado - apresentado em
Setembro de 2006, para posterior apresentação à Assembleia
A Reabilitação da Baixa Pombalina de Lisboa | Francisco Serdoura, Helena Almeida
65
3.3 O direito do Urbanismo e da Reabilitação aparente inércia da reabilitação da Baixa, é o seu sistema de propriedade, venda de edifícios em propriedade horizontal. Sendo a maioria dos
gestão e coordenação de operações de reabilitação, foram criadas
proprietários empresas ou herdeiros (neste caso co-proprietários), e
Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU), sociedades municipais que
os edifícios, na sua maioria, ocupados por habitação e serviços que
garantem uma rápida aprovação dos projectos, a gestão de parcerias
pagam rendas muito baixas, a lei prevê que a sua venda teria de ser
e supervisão.
privilegiada para os seus ocupantes, a preços abaixo do mercado, o que acaba por desencorajar a alienação dos imóveis. Se juntarmos a estes factos, o avançado estado de degradação de algumas fracções,
4. CONCLUSÃO
sem as mínimas condições de habitabilidade, resultando numa
A consciencialização para a rápida deterioração dos centros urbanos,
recuperação demasiado onerosa para venda ou arrendamento, o retrato da rigidez do sistema está concluído. Para além disso, o valor
para o aprofundamento da metodologia e das políticas a serem
afectivo e patrimonial destes edifícios é tão elevado que a maioria dos proprietários é, à partida, relutante em vendê-los. Assim, as obras de reabilitação dos edifícios têm efeito quase
66
cidade enquanto sistema. Para alcançar uma nova forma de intervir na cidade, é necessário
unicamente pela forma de obras coercivas. Este problema, aliado aos
analisar os problemas da área, bem como os seus componentes, saber
valores baixos dos arrendamentos, destrói totalmente o investimento
se já foram analisados e com que grau de profundidade e avaliar a
programas de incremento da reabilitação como o Regime Especial de
Ninguém pode predizer o sucesso da execução das medidas,
Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados – RECRIA
mesmo que se queira, mas pode-se avaliar a viabilidade das políticas
– foi uma solução possível, embora seja já considerada demasiado complexa e com poucos benefícios económicos.18
realidade a médio prazo. Assim, será possível criar expectativas mais
n.8 | Janeiro 2012
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política da habitação, mediante a aplicação de leis que estimulem a
Um estudo aprofundado sobre as mudanças que têm ocorrido
reabilitação dos edifícios. Transformadas em instrumentos operativos,
nos últimos meses no domínio económico, particularmente no sector
são:
imobiliário, bem como uma análise prospectiva do comportamento
1. Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis
da população nos próximos anos, poderão ser factores fundamentais
Arrendados - RECRIA - Decreto-Lei n º 329-C/2000, 22/12 - para obras crítico, integrando este factor de desvio das expectativas. 2. Regime de Apoio à Recuperação Habitacional em Áreas Urbanas
Antigas - REHABITA - Decreto-Lei n º 105/96, 31/07 - subsídio a fundo
processo de reabilitação, como melhorar as condições habitacionais,
perdido para a reconstrução de edifícios habitacionais. Contém
complementando-o com outras medidas que permitam aumentar
os fundos do RECRIA, e acrescenta 10% para Áreas Críticas de
a qualidade de vida. A Baixa Pombalina, enquanto área de Lisboa
Recuperação e Reconversão Urbana (ACRRU);
quase completamente deserta, precisa de corresponder aos novos
3. Regime Especial de Comparticipação e Financiamento na
parâmetros de qualidade urbana, bem como de uma boa divulgação
Recuperação de Prédios Urbanos em Regime de Propriedade
da parte da comunicação social, com o objectivo de atrair os moradores
Horizontal - RECRIPH - Decreto-Lei n º 106/96, 31/07 - subsídio a fundo
e de gerar uma nova dinâmica.
perdido para obras sobre as partes comuns dos edifícios habitacionais
Para aumentar o sucesso de estratégias de execução das
que têm sistema de propriedade horizontal e que foram construídas
operações de reabilitação, também é necessário ter em conta a evolução de alguns parâmetros de qualidade do ambiente urbano,
(RGEU - 1951). Depois dos fracos resultados com estes três instrumentos de
tais como: Parametrização da qualidade de vida - para melhorar a qualidade de
vida e, consequentemente, promover a reabilitação urbana e social,
actuar para além da simples implementação do regulamento,
é necessário centrar a atenção sobre a questão residencial, mas
elaborando planos financeiros para obter novos patrocinadores e
também sobre padrões de conforto, tradição, acessibilidade local e
melhorias das condições, etc.
geral, estacionamento, educação, saúde e padrões de qualidade para
Aumentar a divulgação e participação activa da população local
a actividade comercial;
é outro factor para o sucesso. O conhecimento do que é um plano
Sustentabilidade social, económica e ambiental - sabendo que as pessoas
de reabilitação, qual a sua importância e como pode ser envolvida a
têm vindo a demonstrar novas preocupações sociais, económicas e
população para ajudar a incrementar a qualidade de vida é importante
ambientais;
para a motivação geral.
Identidade e património - a articulação com as intervenções, a
A partir de um inquérito realizado por Isabel Guerra (1999) para
preservação do património e o aumento do retorno, deve ser tida em
compreender quais foram as medidas consideradas estruturantes
conta.
pelos visitantes da Baixa Pombalina para a execução da sua reabilitação,
Apesar de estarem a ser implementados os regulamentos dos
verificou-se que a população valoriza a focalização em três áreas de
planos de reabilitação urbana, o mesmo não acontece com os seus
acção:
relatórios. Em consequência, apesar do respeito pelos regulamentos
Culturalização da Baixa Pombalina - através da oferta de equipamentos
publicados, os objectivos não têm sido plenamente alcançados.
culturais e de lazer, e alta qualidade dos serviços;
A principal razão para esta falha é a falta de importância dada às
Reforço da actividade habitacional - permitindo a utilização do espaço
ferramentas estratégicas (relatório), em comparação com ferramentas
público durante a noite e nos fins de semana, bem como intensificar o
operativas (regulamento).
policiamento das ruas, reduzindo assim o sentimento de insegurança; a
Reabilitação de edifícios e espaços públicos - evitando a degradação do
implementação dos objectivos, revelam-se úteis para se saber a razão
património e repensando o estacionamento e os espaços de circulação.
Os
relatórios,
ou
instrumentos
estratégicos
para
pela qual as regras têm de ser implementadas, e onde é necessário
1
Francisco Ribeiro, Urban regeneration economics: the case of Lisbon’s old downtown
9
Carlos Andrade, A requalificação dos centros históricos – Baixa Pombalina a recentralização,
International Journal of Strategic Property Management, 2008. http://www.entrepreneur.
Tese de Mestrado, Lisboa, Faculdade de Letras - Universidade de Lisboa,1998, pp. 183.
com/tradejournals/article/186384451_1.html. 5 de Fevereiro de 2009.
10
2
de Promoção do Crescimento Sustentado e de Coesão Territorial e Social: o caso da Moita”,
Câmara Municipal de Lisboa, Dossier de Candidatura da Baixa Pombalina a Património
Francisco Serdoura, Jorge Bonito, Regina Dinis, “A Gestão Urbanística como Instrumento
Mundial Lisboa, Vereação do Licenciamento Urbanístico e Reabilitação Urbana, 2005, pp.
Artitextos, 03, Dezembro, 2006, pp. 189 - 194.
201. http://ulisses.cm-lisboa/data/002/006/. 5 de Fevereiro de 2009.
11
3
Francisco Ribeiro, Urban regeneration economics: the case of Lisbon’s old downtown,
Andreia Magalhães, Reabilitação urbana em Lisboa: uma abordagem ao núcleo antigo da cidade, Tese de Mestrado, Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa, 2000, pp. 129.
2008. ibi dem.
12
4
pp. 18.
Isabel Guerra, A Baixa Pombalina: diagnóstico, prospectiva e estratégia de actores,
Oeiras, Editora Celta, 1999, pp. 19 - 21. 5
João Seixas, “A Baixa Pombalina Análise sócio-económica de um centro mercantil
europeu no início do século XXI” in João Mascarenhas Mateus (coord.) Baixa Pombalina:
Isabel Guerra, A Baixa Pombalina: diagnóstico, prospectiva e estratégia de actores, 1999,
13
Andreia Magalhães, Reabilitação urbana em Lisboa: uma abordagem ao núcleo antigo da cidade, 2000, pp. 120 - 130. ibi dem.
14
bases para uma intervenção de salvaguarda, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa –
Carlos Andrade, A requalificação dos centros históricos – Baixa Pombalina a recentralização, 1998, pp. 181. ibi dem.
Pelouros do Licenciamento Urbanístico, Reabilitação Urbana, Planeamento Urbano,
15
Planeamento Estratégico e Espaços Verdes, 2005, pp. 76. 6
Isabel Guerra, A Baixa Pombalina: diagnóstico, prospectiva e estratégia de actores, 1999,
pp.18. ibi dem. 7
Nuno Teotónio Pereira “Prioridade à reabilitação, finalmente na ordem do dia” in Mafalda
Magalhães Barros (coord.), Conservação e reabilitação urbana, Vol. I, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 2005, pp. 78 - 79. 8
Ana Ferreira, O turismo como propiciador da regeneração dos centros históricos. O caso
de Faro, Tese de Doutoramento, Aveiro, Universidade de Aveiro, 2003, pp.157 - 170.
Andreia Magalhães, Reabilitação urbana em Lisboa: uma abordagem ao núcleo antigo da cidade, 2000, pp. 125 - 135. ibi dem.
16
Nuno Teotónio Pereira “Prioridade à reabilitação, finalmente na ordem do dia”, 2005, pp.
78 - 79. 17
Andreia Magalhães, Reabilitação urbana em Lisboa: uma abordagem ao núcleo antigo da cidade, 2000, pp. 132 - 135.
18
José Monteiro, “O Novo Programa de Reabilitação Urbana”, in L. Pelarigo (Ed.), Habitação e Reabilitação Urbana, Lisboa, URBE – Núcleo Urbano de Pesquisa e Intervenção, 2006, pp.
14 - 15.
A Reabilitação da Baixa Pombalina de Lisboa | Francisco Serdoura, Helena Almeida
67
Ur
ENTREVISTA ao Arquitecto GUILHERME ALVES COELHO Entrevista realizada a 19 de Fevereiro de 2007, no âmbito de investigação para doutoramento em urbanismo na Universidade de Paris - Sorbonne. 68
Catarina Luísa Teles Ferreira Camarinhas * BIOGRAFIA Licenciado em Arquitectura, em 1972 pela ESBAL. Como profissional liberal foi autor e co-autor de vários projectos de arquitectura e urbanismo. Como quadro superior da Câmara Municipal de Lisboa coordenou vários grupos de estudo e elaborou planos urbanísticos. Foi Director de vários Departamentos, como do Planeamento da Reabilitação Urbana, do Planeamento Urbanístico e do Planeamento Estratégico. Nesta ultima qualidade coordenou os Estudos Iniciais para a Revisão do PDM em 1998/2000. Foi assessor da Vereação em alguns mandatos. Reformado desde 2005.
*
Arquitecta e Urbanista | Professora Auxiliar da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigadora CIAUD-FA
Catarina Camarinhas |
Queria começar por perguntar-lhe como é que
funcionava o gabinete onde esteve a decorrer a revisão do Plano Director Municipal, como é que surgiu essa proposta de revisão, como é que funcionou esse trabalho? Guilherme Alves Coelho | O
convite foi um bocadinho estranho... Na altura,
flexível, o menos espartilhado, o menos rígido possível, nós achávamos que não, que devia ser ao contrário, exactamente porque havia esta contradição entre a teoria e a prática. A prática exigia que tudo devia estar previsto. E que melhor altura para o fazer que não numa revisão do PDM? Tanto mais que já havia muitos estudos urbanísticos feitos.
eu era Director de Departamento de Planeamento Urbanístico e tive algumas divergências com o Presidente, o Dr. João Soares. Não tínhamos as mesmas visões, nomeadamente sobre as questões dos
CC |
Portanto não foram feitos estudos novos. Foram simplesmente
integrados os que já existiam.
Planos de Pormenor, que eu insistia muito em que se deviam fazer
GAC |
e ele achava que não eram precisos. E então, após o meu pedido de
aqueles que estavam quase prontos e eram consensuais - porque
demissão, surgiu o convite para coordenar a revisão do PDM. Juntei na altura umas quinze, dezasseis pessoas. Algumas mais
Na nossa perspectiva deviam ser simplesmente integrados
havia algumas questões que eram polémicas…
experientes como a Arquitecta Maria João Duarte que veio de fora,
CC | Então por exemplo, um Plano de Urbanização que estivesse a decorrer
da Câmara de Almada. Mas também muita gente nova, acabada de
em vez de ser apresentado como Plano de Urbanização era integrado no
formar e alguns voluntários dos serviços. Aproveitei o momento para
Plano Director?
fazer também a renovação dos meios técnicos de trabalho: os SIG’s e os CAD’s e um servidor próprio, todas essas coisas para as quais nós, os mais velhos, não tínhamos qualquer experiência. Com os novos que já vinham com aquela preparação toda era mais fácil. Conseguiu-se pôr ali uma equipa com alguma diversidade, embora não cobrisse todas as áreas. O trabalho que fizemos foi primeiro um trabalho de análise e diagnóstico sobre a aplicação do PDM, onde é que tinha falhado, quais eram as potencialidades que ainda tinha, etc., etc.. Penso que nós conseguimos nesse ano e meio, dois anos, fazer, de certo modo, o ponto da situação que era aquilo que para nós era mais importante para podermos começar a apontar pistas já para um novo plano. O maior problema era a ausência de orientações superiores. Assim, um resumo muito resumido, a conclusão que nós tirámos foi esta: em termos do conteúdo programático do PDM concluímos que o actual Plano Director estava relativamente bem e se deveria manter no essencial com a revisão - todos os objectivos, todos os conceitos. Na transposição para a prática, na operacionalidade do plano em si, isto é, como é que depois aquilo se transformaria em licenciamentos particulares e realizações públicas, é que residiam os maiores problemas. Daí nós dizermos que o formato do novo plano devia ser tanto quanto possível virado para a prática, para a gestão urbanística e para o licenciamento particular. Ou seja, o mais pormenorizado possível por forma a evitar as indefinições e as faltas de resposta atempadas. Em vez de propor para o futuro, para uma data qualquer indefinida, a pormenorização dos espaços que faltavam definir, e na altura ainda era muito, tal deveria estar já no PDM. Ao contrário daquilo que era a voz corrente e a opinião quase oficial dos nossos experts urbanistas que diziam que o Plano Director devia ser
GAC | Isso resolvia inúmeros problemas práticos imediatos. Este não era
um modelo inédito para mim. Era um modelo idêntico ao de Madrid, que eu apreciei bastante quando em 1997 aí frequentei um curso de pós-graduação sobre o seu Plano Director (ou Plan General). O Plano é tratado como um Plano de Urbanização estendido a toda a cidade. Quando se precisa de qualquer informação de pedido de viabilidade em qualquer local, ele contém já as indicações fundamentais. Não se precisa de andar a fazer planos à pressa. Claro, haverá zonas de expansão em que as exigências temporais não são tão prementes e pode haver algum tempo de espera. Mas isso também fica já referido no Plano Director: «daqui a dez anos ou daqui a cinco você vai ter plano para este local». Concluindo, qual era a nossa perspectiva? Manter o actual PDM quanto aos conteúdos, quanto às categorias de espaço, às classes de espaço, a todos os outros parâmetros, com pequenos ou grandes ajustes. Aliás, em relação a alguns parâmetros também tínhamos muitas dúvidas, como por exemplo em relação os índices brutos que achámos demasiado altos. Refizemos as contas todas e verificámos que havia erros nos cálculos dos índices neste PDM. Havia definições de duvidosa interpretação, como a de se dizer que o Plano Director definia um índice. Não definia nem define nada, o Plano Director estabelece apenas tectos máximos, cujo valor final depende do plano de pormenor. Estas foram portanto as conclusões mais salientes. Depois foram aspectos de pormenor. Por exemplo, demos maior importância e regulamentação ás componentes ambientais, semelhantes aquilo que há uns anos se chamavam os planos negativos. Na área ambiental é relativamente fácil: temos as geologias, os verdes, etc. Introduzimos também uma outra carta que era a Carta das Componentes Patrimoniais, contendo os elementos patrimoniais do mesmo tipo.
69
é natural, foi criar a necessidade de contribuições. E isso
CC | E portanto a Carta do Património de ’94 nunca chegou a ser feita, não
é?
também foi um trabalho importante. Foi compilar toda a informação
GAC | Embora tivéssemos feito muitas correcções a Carta de Património
que veio dos vários serviços sobre o que é que estava bem e o que é
nunca chegou a ser aprovada. Havia o inventário. Mas apenas um
que estava mal. E nesse aspecto houve algum entusiasmo dos próprios
inventário de edifícios. As áreas patrimoniais eram muito difusas.
serviços. Reuníamos com alguma frequência os representantes
Só depois de o IPPAR ter consagrado algumas delas, nas tais Zonas
de todos os serviços e havia uma boa interacção. Penso que foi um período engraçado porque o pessoal estava entusiasmado com
ainda das cartas, também dizíamos que as Cartas de Equipamentos
aquilo. Depois tínhamos algumas consultorias fora: o Dr. Paulo Correia,
deviam fazer parte integrante do PDM e não ser remetidas para mais
por exemplo; o sociólogo, Dr. João Ferrão também esteve convidado.
tarde. Já estavam todas feitas, era só aprová-las.
Na altura o Provedor do Ambiente já não era o Prof. Costa Lobo, que já tinha saído, mas nós ainda tivemos algum contacto com ele, ainda íamos trocando opiniões um pouco informalmente. Tínhamos
o máximo de resolução para ser uma coisa de utilização prática. E não
também um engenheiro do ambiente que na altura também era uma
um plano que apontasse só perspectivas, porque isso, considerava
área relativamente recente; tínhamos um economista, uma geógrafa,
eu, era do âmbito do Plano Estratégico. O Plano Estratégico é que dá
mas a maioria eram arquitectos (os mais velhos eram arquitectos).
orientações. Diz: «devemos ir no sentido de ter um aeroporto fora de
Entraram também alguns urbanistas jovens, dos primeiros que se
Lisboa, ou dentro de Lisboa, ou ter um porto a servir os cargueiros ou
formaram em Portugal. Porque a nossa análise incidiu também muito
os barcos de turismo, um TGV ou não, etc». Isso é o Plano Estratégico. O
em áreas: o economista faz esta área, o geógrafo faz aquela área, o
Plano Director é um Plano de Urbanização, é para construir. Informado
jurista faz aquela e havia uma coordenação global. Tínhamos também
por aquele, naturalmente. é um homem que se dedicou à questão da economia urbana, não 70 Ur
CC |
tanto da economia, mas da gestão do plano e da monitorização, que
do programa, mas teve também autonomia para fazer a equipa e para os
também nos deu uma boa ajuda na perspectivação de como é que
métodos que desenvolveu no seu trabalho?
nós havíamos de formatar o regulamento, com muita atenção às
n.8 | Janeiro 2012
GAC |
Sim, nesse aspecto fui relativamente apoiado pela Vereadora
questões da monitorização urbana. Nas restantes áreas utilizávamos os serviços. Por exemplo, na área dos espaços verdes, era com os
aceites. Alguns estudos mais especiais que eu quis fazer fora, também
Espaços Verdes que nos entendíamos. As alterações todas da Carta
foram aceites. Nesse aspecto não tive razões de queixa.
Verde foram feitas por eles. Como na área das escolas, a mesma coisa. Pedíamos portanto aos vários departamentos que propusessem as
CC |
E que equipa é que tinha? Era uma equipa pluridisciplinar? Tinha
pessoas de que formações? GAC |
alterações que achavam que deviam ser feitas. E conjugámos depois com os planos que estavam em curso.
Das áreas que era possível ter, não podia ter toda a gente que
queria. Tinha a área jurídica, tinha a área…
CC |
Por acaso faz-me um bocado de impressão essa questão de ter tanta
autonomia do ponto de vista conceptual, não haver nenhuma integração CC | E porque é que não podia ter toda a gente que queria? GAC |
Primeiro porque não havia muito por onde escolher… por
política, nenhum apoio. GAC | Também a nós, mas…
exemplo, na área da Geologia, que era uma área fundamental, tinha o Dr. Gabriel de Almeida. Mas o Dr. Gabriel de Almeida era “pau para
CC | Tenho
a ideia que o arquitecto Alves Coelho também está associado
toda a colher”. Fazia trabalho para toda a Câmara. No entanto, ele
politicamente, também está…
trabalhou connosco. E os vários serviços da Câmara também tiveram
GAC | Sim,
contribuições muito importantes. Porque a primeira coisa que nós
razão.
eu penso que isso também pesou um bocadinho. Mas sem
Ah, é? Até podia ser uma coisa positiva porque estava mais perto do
GAC |
Na altura, as concepções políticas para esta cidade não eram
muito coincidentes apesar de haver uma coligação. Eu lembro-me de ter feito um artigo para um jornal criticando o Presidente pela recusa em concretizar os Planos de Pormenor. E acho que foi positivo, como hoje podemos ver. CC | Também tem que haver liberdade de expressão. GAC | Pois,
mas não é só o facto de ter liberdade de expressão. Depois
há que sofrer as consequências dessa liberdade. O poder politico tem que dar orientações. E estava muito afastado. CC | Quando era Director do Planeamento Urbanístico. E no Plano Director? GAC | Aí já era a Vereadora Margarida Magalhães. Tivemos uma relação
bastante melhor. CC | E quando do PDM reunia com a Vereadora ou também não? GAC |
Sim, no PDM reunia com a vereadora, a quem apresentámos
periodicamente relatórios. Apresentámos uns dois ou três relatórios com o ponto da situação e… CC | Só que não havia nenhuma solicitação da parte dela… GAC |
Não havia era continuidade das coisas, não havia uma crítica.
Uma coisa… não digo indiferente, porque não era indiferente… Mas apesar disso penso que o trabalho não deslustrou ninguém. Foi pena não ter continuado. Isto foi em ‘99-2000; em 2001-2002 podia a revisão estar feita. Estamos em 2007 e ainda não se vislumbra. CC |
Como é que encararam a questão do planeamento sustentável, a
Agenda Local XXI, houve alguma integração? GAC |
Certamente. Mas essa área estava plenamente confiada aos
Espaços Verdes (na altura ainda com o Eng. Souto Cruz e o pessoal que estava nos Espaços Verdes), e já nos chegava a nós filtrada, já vinha através da Carta do Ambiente, da Carta do Ruído, todas aquelas componentes que eles achavam que eram a tradução da Agenda XXI, no plano. Nós aí não tivemos uma intervenção importante. Confiámos absolutamente. CC |
Já percebi que dentro dos vários departamentos houve muita
GAC | Também. Mas menor claro. Tivemos uma boa relação com a DGOT,
que como sabe a sede era mesmo em frente do nosso serviço, era atravessar o Campo Grande. Retribuímos inclusive participando nas revisões dos Decretos com sugestões, fruto da experiência de Lisboa. Com a DGTT (Direcção-Geral dos Transportes Terrestres) também tivemos. O Eng. Reis chegou a dar mesmo uma participação pessoal e frequente, gratuita. Onde houve as falhas grandes (e eu continuo a pensar que é uma das grandes falhas nesta cidade) foi na área dos transportes: Metro e Carris. Porque essas, de facto, são, para mim, as maiores lacunas (e isso pode escrever) no Plano Director. Como é que uma cidade é sustentável se os transportes públicos de trajecto fixo, pesados ou ligeiros, que são a base essencial de mobilidade das pessoas, não estão lá? Não é possível. E aí era o poder político central e local que tinha que se ter mexido mais e não mexeu. CC | Portanto
houve um desinteresse político pelo PDM - isso é que é um
pouco estranho. GAC |
Sim, sim. Embora eu reunisse e prestasse contas ao Director
Municipal, à Vereadora e mesmo a vários Vereadores, mais informalmente. CC | Quer dizer, dava contas mas não havia investimento da parte deles. GAC | Não
havia resultados… nem podiam, porque não tinham poder
individualmente para isso. Nas freguesias, lembro-me de termos ido à Madre de Deus, ao Beato, a Carnide, por nossa iniciativa ou a pedido das Juntas, fazer sessões. E participadas. As pessoas apareciam, claro, com coisas do género “da minha porta”, “da minha rua”, “veja lá como é que vai ser”. Mas era a oportunidade também para nós podermos falar do que é um plano. E havia sessões em que estavam ali horas a ouvir. Às vezes já era só teoria, já nem tinha nada a ver com o caso concreto. E alguns no fim agradeciam. Era a primeira vez que ouviam falar no assunto. CC |
71
Mas porque é que pensa que houve todo esse desinvestimento
político num plano que é o plano principal da cidade? Ao fim e ao cabo é o programa para a cidade. GAC | Isso agora terá que perguntar ao Dr. João Soares. CC | Não tem nenhuma ideia... Depois o seu trabalho passou para quem?
Esse trabalho, ficou, naturalmente, com o Director Municipal, o
participação. E com o exterior: com o Estado, com as associações locais,
GAC |
com as Juntas de Freguesia?
Arq. Sérgio de Melo. Eu depois perdi um bocado o contacto. Julgo que
Entrevista ao Arquitecto GUILHERME ALVES COLEHO | Catarina Camarinhas
CC |
poder político e isso poderia facilitar o diálogo.
houve uma primeira fase em que foi convidado para coordenar um arquitecto de fora, o Arq. Miguel Correia. Acho que estava condenado
e pronto aquilo está mais ou menos a andar e depois se for preciso
ao fracasso, obviamente. A uma pessoa estranha era difícil de facto,
faz-se lá mais um caminho ou dois e as coisas estão arrumadas. Agora,
agarrar aquilo. Depois foi entregue aos serviços outra vez: a uma
em cidades grandes e médias é o modelo adequado. Mas há uma questão que também se coloca aqui, e que não
estas coisas devem ser feitas dentro da Câmara e não por equipas
está resolvida, nem vai estar neste PDM, que é a questão de onde é
de fora. A Câmara tem tudo, ou quase tudo. Mas admito contratar
que acaba a cidade. São dois milhões e quatrocentos mil (eram, pelo
técnicos de fora para assessorar algumas áreas mais complexas. Aliás,
menos, não sei se agora ainda são) em toda a área metropolitana. Por
eu sugeri à Vereadora para que se obtivesse a consultoria de um dos
isso também defendo o Plano Estratégico para a Grande Lisboa.
técnicos do Plano de Madrid. Mas na altura por razões desconhecidas para mim, eles não se mostraram muito interessados. Talvez porque
contactos com as Câmaras de fora: Amadora e Loures. « O que é
as condições que nós colocámos também não eram muito famosas.
que está aqui à volta que se possa juntar?» Porque a DGTT não nos resolvia tudo, aquelas ligações... Uma das coisas que está aí agora
América Latina. Toda as capitais da América Latina estão cobertas por Planos Directores elaborados ou coordenados pelos espanhóis. Até os brasileiros. Desde São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, da Cidade do México até Punta Arena. CC | Mas eles na América Latina também não estavam muito melhor. GAC | Eles
é esse problema da CRIL. Não está resolvido, não estava e continua a não estar. Também ainda tive contactos com a Margem Sul. Estes estacionamento: em Cacilhas, que a Câmara de Lisboa paga. Claro que eu não tinha garantias nenhumas que alguém pagasse. Mas era uma proposta a fazer. Pronto, era assim: foram dois anos muito intensos, de contactos.
exportaram a metodologia do Plan General de Madrid para
todo o lado. Era tudo o mesmo modelo. 72 CC | E que modelo é esse, assim em duas ou três linhas? Ur
GAC | O modelo, como eu já lhe disse é um modelo muito virado para a
n.8 | Janeiro 2012
resposta rápida, exigindo assim muito pormenor, muito mais detalhe que os nossos. Tanto que o plano não é apresentado em cartas a grandes escalas, é apresentado em volumes, em A3. Toda a cidade está coberta por cartas pequenas, cartas de uma dimensão manuseável e depois rapidamente utilizáveis… CC | Tipo escala 1:5000? GAC |
Até à escala 1:2000! É o detalhe de um Plano de Urbanização ou
de Plano de Pormenor, nalguns casos. Claro, estamos a falar nas áreas urbanas. Nas áreas de expansão, nas não urbanas ou rurais já é outro tipo de Cartas. CC | A questão é que o PDM está um bocado pensado para Concelhos com
outras características e Lisboa é uma excepção no panorama nacional e os aglomerados urbanos... GAC |
Para os Concelhos rurais. Para os aglomerados urbanos
importantes eu continuo a defender este modelo. Agora quando estivermos a falar de Vila Nova de qualquer coisa, como é óbvio, se
CC | Em relação ao planeamento sustentável e à Agenda Local XXI? GAC |
Como disse não tivemos uma preocupação de topo já nos
vinha garantida da área dos Espaços Verdes. Porque aliás o Eng. Souto Cruz e o Vereador Rui Godinho eram na época muito ciosos da Agenda XXI. Tinham estado no Rio, vinham imbuídos dela e estavam permanentemente a citá-la. Era uma preocupação que nós já nem tínhamos.
Entrevista ao Arquitecto GUILHERME ALVES COLEHO | Catarina Camarinhas
73
Ur
ENTREVISTA ao Arquitecto JOSÉ NICOLAU TUDELLA Entrevista realizada a 26 de Setembro de 2005, no âmbito de investigação para doutoramento em urbanismo na Universidade de Paris - Sorbonne. 74
Catarina Luísa Teles Ferreira Camarinhas * BIOGRAFIA Licenciado em Arquitectura pela ESBAL. Técnico superior da Câmara Municipal de Lisboa durante 36 anos, foi Director do Departamento de Urbanismo onde colaborou com os arquitectos Georges Meyer-Heine e Robert Auzelle. Foi coordenador do Plano Director da Azambuja e assessor da Câmara Municipal do Porto para a Revisão do Plano Director da Cidade do Porto.
*
Arquitecta e Urbanista | Professora Auxiliar da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigadora CIAUD-FA
Catarina Camarinhas | Como começou a sua colaboração no urbanismo munici-
Bom e o Lobato disse: «Então boa tarde, eu peço a minha demissão
pal em Lisboa?
e vou-me embora.»
José Nicolau Tudella |
e
Eu entrei para a Câmara em 1957 e estava mais
ou menos em acabamento o Plano Director que era orientado pelo Eng. Guimarães Lobato. O Eng. Guimarães Lobato era nessa altura vice-presidente da Câmara. A seguir à guerra, não sei em que circunstâncias, foi decidido fazer um Plano Director, e o Eng. Guimarães Lobato foi o homem encarregado de dirigir esse plano. Não sei se por carreira, se
Com esse desentendimento de cúpulas, o Guimarães Lobato sai não tinha grande vontade de o aprovar porque era muito trabalho. E extinto. A maior parte das pessoas passaram a formar o Gabinete que executou os Olivais Norte e se preparava para depois desenvolver os Olivais Sul. Outros, como eu, foram integrar os serviços camarários. CC | Portanto
cidades satélites de Londres. Eram uma grande novidade da época,
o arquitecto Tudella ainda chegou a trabalhar nesse plano do
Eng. Guimarães Lobato? JNT | Sim.
Estive lá cerca de um ano, mas quer dizer com uma acção...
isso, pelos estudos, também dos ingleses, que então se faziam sobre o
Olhe: lembro-me perfeitamente que tive a certa altura como missão os
trânsito, as grandes vias. Sob o ponto de vista viário era uma coisa muito
estudos preliminares de Alcântara e Vale de Alcântara. Bom, era uma coisa enormíssima, que daria para muito tempo.
também uma malha viária principal. O resto, uma distribuição de tudo:
Porque os Planos Municipais nessa época (penso que ainda hoje é assim), tinham que ser aprovados pela Câmara, que os executava e
era inteiramente completa, mas tudo, até ao nível de escolas e de liceus,
depois os enviava ao governo, ao Ministério das Obras Públicas que
etc., todo o equipamento da cidade, distribuído por malhas pela cidade
começava por tomar o conselho do Conselho Superior de Obras
toda: manchas verdes, zonas de protecção das grandes vias, essas coisas
Públicas e depois com o parecer deste Conselho, eventualmente era
todas que vieram a ser novidade nessa altura a seguir à guerra.
aprovado e passava a funcionar.
Quando eu entrei para a Câmara esse plano (do Gabinete de
Mas a certa altura, a Câmara começou a ter problemas por causa
Estudos de Urbanização, G.E.U., da Câmara Municipal de Lisboa)
das expropriações. Porque na legislação que havia, a expropriação
orientado pelo Guimarães Lobato, já estava quase acabado e então
tinha que estar de acordo com o Plano Director. Ora o Plano Director
o Guimarães Lobato foi nomeado vice-presidente, portanto uma
não existia, a Câmara não tinha posto à aprovação do governo.
categoria mais para assegurar a execução do plano na Câmara, com
No tempo do Duarte Pacheco, ele nunca aprovou Planos Directo-
funções agora municipais e não de serviços municipais. Deixou um
res, aprovava Ante-planos! Isso era uma macaquice do Duarte Pacheco. Aprovava os ante-planos e depois nunca mais aprovava os planos
que estava a preparar o acabamento.
porque era muito caro, o plano. E então assim era uma aprovação
Bom, depois há uma historieta que eu sempre ouvi falar, creio
baratinha e aquilo funcionava, para ele chegava porque estava a letra
que mais ou menos nesses termos deve ter acontecido. Isto é assim
bem feita e o ante-plano era praticamente um plano, não é? Só não
um bocadinho anedota mas ilustra bem a circunstância. Numas
estava formalizado como plano posto à aprovação.
discussões de Sessões de Câmara sobre quaisquer resoluções a tomar,
Ora, a Câmara do França Borges queria fazer expropriações, e
o Guimarães Lobato mais uma vez disse «Sr. Presidente: não pode ser,
estas tinham que ser aprovadas pelo governo. Mandava à aprovação e
não é conveniente porque o Plano Director aí prevê isto assim, assado»
o governo perguntava à Câmara: «O que é que diz o Plano Director e
e parece que o França Borges fez assim um gesto um bocado enfadado e disse «Oh Sr. Engenheiro Guimarães Lobato! Já várias vezes me tem
muitos problemas de expropriações de terrenos.
evocado aqui essa circunstância do plano estar em desacordo com as
E então pôs o problema ao Serviço: «Aprova-se ou não se aprova?
resoluções que nós pretendemos aqui. Ora devo dizer: para a parte
Leva-se ao governo ou não se leva ao governo a aprovação do plano?»
viária muito bem, quanto ao resto o meu curso de brigadeiro chega-me
Então propunham que se criasse uma Comissão de pessoas conhecedoras, que dessem um parecer sobre o Plano Director. E com
75
esse parecer se decidiria. Participaram nesse parecer todos os grandes
O meu colega Amorim não quis. Eu, como funcionário da CML era
urbanistas dessa época, entre arquitectos e engenheiros (o Raúl Lino, o Jorge Segurado, o arquitecto Ramos da escola do Porto, o Faria da
Meyer-Heine.
Costa, entre outros).
Havia nessa altura um homem que era Director-Geral dos Serviços de Urbanização, que era o Eng. Sá e Mello que era um homem
CC | Eu sei que o Robert Auzelle também foi convidado para fazer parte...
muito conhecido e que era um factótum do Duarte Pacheco e depois
JNT | O
Robert Auzelle foi convidado. Ele disse: «Sim, Senhor, eu tenho
continuou em funções, porque ele é que era um homem com interesse
muito gosto mas não tenho tempo, nem posso. Posso mandar aí um
- esquisito, estranho, muito calado, mas uma pessoa séria, decente e
colega meu que analise as peças que há e depois, com os elementos
com vontade. À maneira daquela época, as coisas tinham que passar
que ele me arranjar, eu farei um parecer que se juntará ao parecer da
por ele. Ele também tinha indicado umas pessoas, e assim foi. Começá-
Comissão». Foi aceite.
mos. Num andarzinho que a Câmara tinha alugado em Lisboa, na Rua
E então decidiram pôr o Plano Director do Lobato exposto numa
Castilho e começou a fazer-se a revisão do Plano Director.
sala com a parte escrita também, tanto que foi distribuída a esses senhores todos, que se reuniram nessa sala em sessão. Depois começaram a fazer uns quantos relatórios, que às tantas
A ideia era: revisão do Plano Director. A pouco e pouco foi-se transformando. Transformou-se praticamente num plano novo. Levou muitos anos a fazer, foi uma experiência interessante.
me passavam para a mão (que era eram redigidos pelo arquitecto
Entretanto, convém saber como, ou porque é que, apareceu o
Carlos Ramos) para eu com a minha dactilógrafa passarmos aquilo a
Plano do Lobato. No Estado Novo houve um movimento de renovação,
escrito (tinha que se ter muito cuidado porque as coisas eram manus-
isso é inegável, nomeadamente nas questões urbanísticas, quer ao
critas). Mas aquilo lá ia andando e entretanto aparece o arquitecto Ivan
nível das povoações quer das terras. E nessa época a população estava
Jankovic, que era francês, descendente de eslavos. Desatei a fazer com
76
n.8 | Janeiro 2012
Ur
ele toda a observação nessa grande sala onde estavam expostas todas
eram centros administrativostodos mais ou menos estáveis. Tudo era
as coisas do plano. Ao mesmo tempo que ele tomava conhecimento
estável, tudo era sem grandes oscilações ao longo do tempo. Mas
do que era aquilo, dávamos passeatas pela cidade para ele conhecer o
adivinhavam-se novos tempos. E na altura em que surgiu o Duarte
sítio. Ele ia-me pedindo coisas, ia-me sugerindo coisas...
Pacheco e essa renovação, foi o regime ditatorial saído do 28 de Maio
Foi muito engraçado, porque um belo dia aparece o Auzelle
que a conseguiu. Fez a chamada Revolução Urbanística. Talvez não
naquela coisa toda e faz o seu trabalho e a partir daí todos tinham
houvesse cá gente para isso, e foi feito apelo ao De Groër. O De Groër
ideias, sabiam fazer e o que é que era necessário. Porque nestas coisas
fez o plano de Lisboa, houve outros também...
é preciso haver alguém que arranque para se desencadearem as ideias. Então o meu Director (com o beneplácito do França Borges), propôs ao Auzelle tomar ele conta do Plano Director.
CC | O De Groër que tinha sido professor do Faria da Costa. JNT |
Sim, o Faria da Costa, que tinha feito o curso em Paris e tinha
«Não posso. Os meus compromissos... Não posso.»
chegado com ideias. O Faria da Costa fez várias coisas dentro desses
«E então e não dá homem por si?»
planos do De Groër.
«Talvez. Há lá um colega meu, em França, que é uma pessoa
No fundo, o Plano De Groër foi um pouco o que os Dinamarque-
muito competente. Talvez ele aceite.» «Então fale-lhe você.»
que era a mão aberta: o centro, no punho da mão, e depois os desen-
«Se vocês me escreverem uma carta... sim senhor.»
volvimentos a seguir. O De Groër faz um pouco a mesma coisa em
E assim foi. Lá foi feito um convite formal e o Auzelle falou com o
Lisboa, criando um sistema de grandes vias radiais e circulares, com a formação de um grande parque para a cidade, que começou por ser
sendo cá assegurado o gabinete de apoio na Câmara. Tudo foi aceite. Um senhor muito surdo, alto, olhava por debaixo dos óculos...
Lisboa - e era para ser feito pelas Câmaras de Lisboa, de Oeiras e de Sintra. Acabou por evoluir para Monsanto, sendo apenas feito pela
apoio cá. Um dia o meu Director chama-me a mim e ao arquitecto
CML.
Muito curioso: se vir um plano dessa época há-de reparar que o
houve um período de uma certa interrupção em todos estes sistemas.
Parque de Monsanto era rodeado por uma estrada para ter um acesso
Claro, continuaram a fazer-se os planos pelo país e as aprovações
a toda a volta, e a essa estrada concorriam as grandes circulares de
de planos, mas também aconteceu outra coisa muito complicada que
Lisboa, que eram três exteriores e três interiores. Parece-me que ainda
foi a migração maciça das pessoas do campo para a cidade. A cidade
hoje se chama 2ª circular à segunda exterior. Todas elas iam bater nessa
não consegue aguentá-las e dá-se a emigração para o estrangeiro.
estrada de Monsanto. Era abrir o Parque à cidade. Cada grande via era
Sangrias e movimentações enormes de população, as características
uma circular da cidade à volta do centro, eram seis arcos de circunfe-
de toda a população a alterarem-se permanentemente e a certa altura,
rência, teóricos, que iam embater nessa circular de Monsanto que
também com a guerra, com as estagnações com tudo aquilo, com o
também dava circulações para fora, porque em parte era virado para a
movimento de África e depois a guerra de África. Altera-se completa-
cidade.
mente todo o regime de funcionamento da nação portuguesa dessas épocas.
reagrupamento da função governamental de Lisboa, de maneira que
Com o Lobato veio o pós-guerra e essas ideias inglesas das
aquela Avenida que é prolongamento da António Augusto de Aguiar,
cidades humanizadas. Veio essa forma de fazer os Olivais, já diferente
que era uma das radiais, se prolongasse a direito, e saísse no Vale do
da forma primeira que foi a do Areeiro e Alvalade. Apesar de que
Forno que é um vale transversal, na costeira Norte de Lisboa, em
Alvalade já foi um aggiornamento fantástico para a época, mas era
direcção a Loures. Era o eixo da cidade, era o eixo de composição do
compartimentado: lá estão as casas de renda económica, por um lado;
plano. E na parte Norte de todo esse plano, seria o reagrupamento das
os prédios de aplomb, por outro... Enfim, mas mesmo dentro disso era
funções governamentais, ministeriais em Lisboa. Nunca chegou a ser
uma zona já bastante aberta. Quando chegou aos Olivais foi completa-
realizado.
mente aberta, foi repensar a ideia de quarteirão.
O Duarte Pacheco criou para a Câmara de Lisboa um fundo de
Com o arquitecto Meyer-Heine a ideia era fazer uma simples
compra e venda de terrenos. Isto é fundamental. Como acumulou as
revisão do plano, mas acabou por ser uma grande revisão. Posso
funções de Ministro das Obras Públicas e de Presidente da CML, criou
dar-lhe dois exemplos da forma como o Meyer-Heine interveio. Naque-
esse fundo e entregou-o à Câmara de mão beijada. E com ele, a Câmara
la zona de Alfama e Mouraria, a Câmara andava há anos a comprar e a
de Lisboa comprou, expropriou: o Parque de Monsanto, os terrenos do
expropriar terrenos. A Mouraria era uma zona fechada. A Avenida
aeroporto, e muitos outros terrenos em Lisboa. Mas fundamentalmen-
Almirante Reis tinha sido feita no século XIX e chegou ali e parou,
te estes dois grandes pólos: o aeroporto e a zona do parque municipal,
porque não conseguia chegar ao centro, à Praça da Figueira, uma vez
porque, também nessa altura começou a desenvolver-se a aviação e a
que a Mouraria era um bairro velho, tipo Alfama. Foi decidido romper
fazer-se os aeroportos municipais, de iniciativa municipal e não estatal.
essa barreira e prolongar a avenida até à Praça da Figueira. A única
Com esse fundo a Câmara deveria fazer urbanizações e vender
coisa que existe feita desse plano do De Groër é o Hotel Mundial que
terrenos urbanizados. Com o dinheiro devia investir em novos terrenos
fazia parte do conjunto de edifícios previstos. Havia uma grande praça
e urbanizá-los. Durante muito tempo a Câmara teve o comando dos
ali por trás do Hotel Mundial (uma grande praça, sensivelmente no
terrenos em Lisboa e dos preços, porque era periódica e muito
sítio onde está hoje) e onde havia duas vias que iam para a Baixa, para
frequente a realização de hastas públicas de terrenos, com planos
a Praça da Figueira; havia a Almirante Reis que desembocava desde o
aprovados, por vezes até com projectos aprovados, e então o preço
Norte e havia uma celebérrima rede de túneis à volta da Baixa que foi
dos terrenos dos negócios particulares tinha que seguir os preços dos
feita pelo Faria da Costa. Começava no Largo do Corpo Santo, de nível,
terrenos das hastas públicas. Houve uma altura em que isso foi muito
e ia em túnel, dos Restauradores até sensivelmente ao Éden. Aí andaria
mal visto porque se achava que era especulação da Câmara. Nunca foi.
de nível. Recomeçava do lado de lá, do lado do correio (outra vez em
Pelo contrário. Era uma arma realmente admirável para a Câmara,
túnel) e ia abrir, nessa praça do Martim Moniz, ao lado da Bertrand,
porque expropriava e comprava os terrenos a preços muito baratos e
Norte-Sul. Do lado oposto, haveria novamente uma via de túnel que
vendia lotes a preços confortáveis, não deixando subir estupidamente
passava por baixo do Castelo de São Jorge, do morro do Castelo, e ia
o valor da especulação particular. Isso manteve-se durante uma série
abrir no Campo das Cebolas.
de anos. Com isso foi feito o aeroporto, foi desenvolvido Monsanto e foram feitas as grandes vias, principalmente na zona dos Olivais. Entretanto, morre o Duarte Pacheco. Há a guerra. Portanto,
Era um circuito, para tentar tirar o trânsito de passagem da Baixa, com as praças no início e no fim, e as duas do meio (Restauradores e Martim Moniz) como distribuidoras.
77
Entrevista ao Arquitecto JOSÉ NICOLAU TUDELLA | Catarina Camarinhas
Uma proposta do plano também importante na altura, era o
Entretanto isto foi andando e quando chegou o Meyer-Heine,
Foi aprovado, nunca chegou a ser construído. Tinha alguns problemas.
preparavam-se para vender os primeiros lotes de terreno dessa grande
Curiosamente quem deu com o primeiro grande problema foi o França
praça. Havia maquetes feitas, plantas, planos e projectos de edifícios.
Borges, numa sessão com o Meyer-Heine. Às tantas, muito entusiasma-
Foram perguntar ao Meyer-Heine o que é que ele achava. E ele: «Este vosso plano deve ser um plano de há vinte anos que foi posto na gaveta.»
tudo, da parte que substituía, depois com os terraços para mostrar uma solução com a outra, o aspecto de uma coisa e de outra, as suges-
E parece que estou a ver o meu Director: «Espere lá... É! Começou-se exactamente há vinte anos!»
tões que dava), disse ele: «Também concordo com isso tudo. Mas ouça lá: eu hoje, vou pela Almirante Reis até à Baixa e não dou por coisa
«Então olhe, tem todos os problemas de um plano que é velho,
nenhuma. E vocês, que diferença é esta de terreno aqui em baixo ao
com vinte anos, e que vocês vão agora começar. O que sei é que se
pé...» Fomos medir, e eram onze metros! «O quê? Eu tenho que descer
fosse feito hoje, não era nada disto, com certeza.»
e subir escadarias de onze metros num sítio onde eu actualmente não subo, nem desço?» -
so.»
E realmente esse primeiro plano dava essa parte interessante, que era a parte humanística dos espaços criados, mas por outro lado
Foi o primeiro ano de trabalho local dos Planos Gerais que se estavam a desenvolver no Plano Director.
havia a desumanização de uma diferença muito grande, pontual, em altura, na parte baixa.
Uma crítica que ele fazia: «Vocês não sabem o problema que têm
Outro problema que foi posto ao Meyer-Heine nessa altura e que
no Marquês de Pombal? Então e agora querem criar outro do outro
também conformou o Plano Director, é que se estava a fazer o Plano de
lado e mesmo às portas da Baixa, em vez de ser afastado, como é o
Prolongamento da Avenida da Liberdade que era uma faixa central, tal
Marquês de Pombal? Já viu o que é isto: a Almirante Reis - uma entrada
como lá está. O que lá se encontra é uma criação do Keil do Amaral
de um lado, outra entrada do outro, mais duas entradas para a Baixa.
ainda do tempo do Duarte Pacheco. Mas aquilo, queiram ou não, é a
Isto tudo a debitar e a circular à volta de uma praça. Vocês nunca mais 78 Ur
se vão safar. E depois há outra coisa...» Era uma grande praça rectangu-
existe. Estudos urbanísticos com o Faria da Costa e com o Cristino da
lar, com edifícios altos. Pediu uma régua e assentou num canto até ao
Silva. Plano em que do lado de lá do Alto do Parque Eduardo VII haveria
canto oposto da Praça e disse «Vocês vejam o ângulo de vista: o Castelo
umas ruas divergentes para distribuição. Parte delas ainda hoje
n.8 | Janeiro 2012
existem. É o Bairro Azul, que deveria ter outro bairro idêntico ao lado, e prédios altos. Esta praça podia ser feita aqui, em Paris, em Viena, em
passaria por baixo do Alto do Parque. Aquele muro que lá está, era o
Vladivostok, em qualquer lado do mundo, tanto faz. Quando vocês
buraco por onde se faria o arco do túnel para o outro lado. A partir do
têm aqui uma coisa maravilhosa que é este espectáculo todo à volta
Alto do Parque Eduardo VII, faria um “S”, desviava para a direita e depois
das colinas, que é uma coisa interessantíssima, com o castelo de um
para a esquerda, passava por cima da Praça de Espanha e retomava o
lado, o morro da Pena no outro, com a Graça, pendurado sobre isto
tal eixo principal do plano do De Groër, que lá no fundo teria, mais
tudo.»
tarde, lá para Carnide, essas tais recomposições ministeriais.
E então assim foi: ele fez um plano em que a Almirante Reis era
O Meyer-Heine olhou para aquilo e disse: «Isto é terrível». Em
prolongada ao nível do terreno, mas, ao mesmo tempo, era criado um
cima da Praça de Espanha aquilo era um viaduto. E depois por cima da
Mundial, há uma grande descida. Mantendo o nível (que ele propôs e
Parque Eduardo VII, por baixo do Alto do Parque e depois metia por
nós desenvolvemos), a Almirante Reis passava a ser naquela parte,
aquela zona central do parque até ao Marquês de Pombal.
Gulbenkian, fazia um viaduto. Depois entrava no túnel, por baixo do
unicamente uma ligação à Baixa, desnivelada, por baixo desse grande
«Vocês vão meter uma auto-estrada no centro da cidade. Porque
plateau que ao mesmo tempo tinha o estacionamento, que não era
nesta estrada não há nenhuma saída. Uma pessoa que entre numa
enterrado, era à superfície. Na parte superior, toda a modelação de
coisa destas, para lá da cintura ferroviária (ao pé do Hospital Escolar),
volumetrias era também reduzida, isto é, comparável ao tamanho do
nunca mais sai. A única saída que tem (porque vai em ponte, depois
que está construído nas encostas. Pretendia-se fazer uma cidade
em túnel, depois dentro de um parque), é no Marquês de Pombal.
pedonal por cima do estacionamento e da circulação.
Vocês vão fazer uma injecção directa de trânsito no Marquês de
Pombal.
A ideia foi transformar o antigo sistema de radiais e circulares que
«Vocês vão meter uma auto-estrada no centro da cidade. Porque
atirava tudo para o Marquês de Pombal, introduzindo uma espinha de
nesta estrada não há nenhuma saída. Uma pessoa que entre numa
peixe, isto é, uma super-via, eixada pelo principal acesso Norte, e pelo
coisa destas, para lá da cintura ferroviária (ao pé do Hospital Escolar),
principal acesso Sul, que estivesse fora de todo o sistema da cidade
nunca mais sai. A única saída que tem (porque vai em ponte, depois
mas que fosse cruzada por todas as radiais e por todas as circulares. Era
em túnel, depois dentro de um parque), é no Marquês de Pombal.
portanto um distribuidor. Quer dizer: quer se viesse pelo Norte, pelo
Vocês vão fazer uma injecção directa de trânsito no Marquês de
Sul ou por qualquer uma das outras, percorria-se o eixo Norte-Sul e
Pombal que vai rebentar com aquilo tudo.» Ficou tudo muito admirado, porque realmente o juízo do Meyer--
saía-se naquela que lhe desse mais conveniência para o seu destino seguinte. Como ela corta todas as radiais...
Heine, mais uma vez estava certo. E depois também lhe disseram: «Pronto, proponha você uma nova forma».
CC | Que é a situação que está hoje. JNT |
...Exactamente... Ainda hoje está pouco usado o eixo Norte-Sul.
E daí nasceu o estudo que faz parte do Plano Director em que, em
Devia ser mais explicado e certas ligações feitas que proporcionassem
vez da Avenida da Liberdade ser prolongada pela faixa central, era por
mais tudo isso, porque há muito trânsito que escusava... está claro com
aquelas faixas laterais que estão hoje pavimentadas, era calçada à
o tempo, há uma parte central do eixo Norte-Sul que é muito natural
portuguesa com umas arvorezinhas. Duas faixas separadas, uma de
que tenha que ser ampliada, que tenha que ter mais vias.
cada lado, que atravessam de nível o Alto do Parque Eduardo VII.
Ora, sob o ponto de vista viário, a estrutura fundamental do Plano do Meyer-Heine é um grande eixo Norte-Sul que engrena no
A Malhoa do lado sul, direito a Campolide, passava por cima daqueles acessos à estação de Campolide e ia ter à radial da Buraca.
acesso à ponte sobre o Tejo e na Avenida de Ceuta para a marginal de Lisboa, e a Norte engrena para a auto-estrada do Norte. Corta todas as radiais e circulares. Uma delas é a radial de Sintra, que se prolonga em
Entretanto tinha aparecido mais uma peça importantíssima que
Campolide com um grande cruzamento. Existiam os outros todos do
foi a ponte sobre o Tejo. Mais um tapamento de Monsanto com uma
plano do eixo Norte-Sul, e aquele é um deles. Mas é muito importante
via reforçada (além da de Ceuta), uma auto-estrada de Almada até
e é a entrada da cidade. Tradicionalmente a cidade sempre foi criada
Campolide.
para ter uma entrada por mar (era o Terreiro do Paço) e depois foi-se
Mas era uma evidência, uma existência que não era possível
criando aquele eixo monumental da cidade com o Terreiro do Paço, a Baixa, o Rossio, a Avenida da Liberdade, e o Parque Eduardo VII. Com
acesso por sul que não existia, porque antigamente era só os barcos.
esta nova hipótese criava-se o eixo de terra, ou seja, do Sul, viramos à
Ora, essa via, a primeira coisa quando foi feita a ponte sobre o Tejo,
direita, Avenida da Liberdade, Alto do Parque; vindo de Sintra, é seguir
terminou naquele nó monumental que ainda hoje existe ali em
a direito o mesmo caminho; vindo do Norte, ou da cidade Norte ou da
Campolide.
auto-estrada do Norte, o mesmo caminho de encaminhamento para o
Meyer-Heine arquitectou um plano em que prolongava parte
centro. Com um perigo, que era o tal acavalar a cidade com esta
desse caminho na antiga estrada do De Groër até Campolide
acumulação bruta de trânsito. E por isso o plano tem dois elementos
(transformada em via rápida pelo Lobato), prosseguindo em frente,
fundamentais também: esse prolongamento da Avenida da Liberdade,
passando em frente do Jardim Zoológico (o que lá está!), indo até à 2ª
isto é, desde o Alto do Parque até Campolide, há uns terrenos imensos,
circular, passando desnivelada em Sete Rios, cruzando a 2ª circular e
que ainda hoje a única ocupação que têm é essa Avenida Malhoa, mas
prosseguindo para o norte... hoje já vai até ao Lumiar.
de resto são imensos terrenos e, com uma excepção de umas casinhas
E portanto, fazer um super-sistema. No Plano Director não havia
ou outras na Rua de Campolide, são todos camarários, no centro da
a auto estrada do Norte, não havia a ponte Vasco da Gama, era ligar à
cidade. Repare, é uma pressão incrível. Porque se você quiser fazer um
auto-estrada do Norte. Não com a ideia que Lisboa fosse uma cidade
círculo que abarque a cidade de Lisboa, pega no compasso, põe a
que fosse para atravessar o trânsito de Norte para Sul do país. Nunca! A
ponta seca em Campolide e faz um círculo: abarca-lhe a cidade toda.
ideia nunca foi essa. Foi acusado, às tantas, mas foi estúpido porque
Quer dizer, aquilo é o centro dos centros de Lisboa. E portanto, aí era
nunca tal...
densamente construído, um segundo pólo comercial, como a Baixa!
79
Entrevista ao Arquitecto JOSÉ NICOLAU TUDELLA | Catarina Camarinhas
abaixo, paralelamente à Avenida José Malhoa.
Fazer do Alto do Parque até Campolide uma área fortíssima de actividades terciárias. Para quê? Exactamente para que o trânsito que
exemplo, e do mercado abastecedor da cidade de Lisboa. Eram instala-
vinha de fora, o da cidade e o da Avenida da Liberdade, se orientasse
ções modelares o que era a atracagem da Sacor: perfeita. E a quantida-
eminentemente para ali. Era uma Avenida urbana tipo Avenida de Roma e onde se deveria fazer essa tal recomposição ministerial que no
aquilo... O mercado abastecedor da cidade era um mercado que tinha
Plano De Groër estava pensada para o Norte, para Carnide. Não era
sido feito de propósito ainda no tempo do Duarte Pacheco, já a seguir ao Duarte Pacheco. Uma instalação modelar, com dezoito hectares de
grande zona. Naquela zona de Campolide e meio da Estrada da Luz até às
terreno. A tudo isto se chamou (em nome da especulação imobiliária que é o que é), chamou-se degradação. Diversas fábricas que ali existiam, todas em bom estado, a funcionar e a dar actividade. E agora? Agora a actividade são as rendas das casas. Três fábricas? Ah! Aí há
às funções terciárias importantes. No prolongamento da Avenida da Liberdade, estaria outro eixo. Entre um e outro, e servindo ambos, a
Aquela brincadeira da Expo apregoada aí por todos os sítios... Primeiro: não é centro de coisa nenhuma porque agora veja,
estação central dos caminhos-de-ferro. Quer dizer: aquele centro da cidade era todo apetrechado para
aquilo está encravado entre a linha de caminhos-de-ferro e o rio. Não há zona portuária, não há zona de actividades. O caminho-de-ferro é uma barreira. A seguir tem os Olivais que é um bairro de habitação,
onde era o núcleo desse segundo centro administrativo, e a distância
depois o aeroporto, não sei que mais... aquelas arribas da Avenida
daí até Queluz, é a mesma.
Gago Coutinho. O único acesso daquilo é a segunda circular. É o único
Ou seja, o que é que acontece actualmente é que toda a gente
acesso para tudo em Lisboa é a segunda circular e não há mais nada! Por isso: o não fazer o centro administrativo, o não fazer o prolon-
que quer ir mais longe ou mais perto, entra na cidade e penetra na
gamento da Avenida da Liberdade, o fazer em segunda opção o metropolitano para a Pontinha, fazer em primeira opção o metropolitano
80
movimentos da cidade para lá. Ao mesmo tempo todos de manhã para Ur
um lado, todos de tarde para o outro. Está a ver a diferença?
n.8 | Janeiro 2012
O que é que entretanto se fez, tudo às avessas? É o maior desen-
para o Lumiar, para Entrecampos e Campo Grande. Campo Grande não, Cidade Universitária, segunda circular. O que é que deu? Deu exactamente o desarrumar de tudo isto e sem solução à vista.
volvimento do metropolitano no eixo mais carregado tradicional que é
O Plano do Meyer-Heine foi o único plano aprovado em Lisboa.
o da Avenida Fontes Pereira de Melo e da Avenida da República. Claro,
Depois disso tem-se feitos estes planos municipais, chamados. Eu
que com o grande desenvolvimento do metropolitano e desses sítios,
costumo dizer que é o plano da maior vila de Portugal, porque em
sem desenvolvimento nenhum nessa outra parte. Porque o que se
equipamentos o máximo que trata é liceu e mercado. Já nem mercado,
pretendia era que fosse o Estado que criasse um grande pólo, que
porque já nem há mercados. Não há uma coisa que fazia parte do
fosse o grande dinamizador – chamar para aí actividades. Não! O
Plano Director que era a chamada função capital. É uma função na
Estado desatou a comprar andares e prédios nas Avenidas Novas, a
cidade de Lisboa que mais nenhuma cidade em Portugal tem, como
escorraçar a população e a instalar os escritórios em cozinhas e em
Paris tem e mais nenhuma cidade francesa tem.
dispensas de casa e depois a comprar prédios e a fazer prediozinhos de Praticamente desde o início do século, houve uma série de urbanistas,
lote de quarteirão. Se me souber dizer onde é que é o Tribunal de
CC |
Contas neste país, se me souber dizer onde é que é a Bolsa de Lisboa,
sobretudo franceses, que trabalharam em Portugal. Primeiro o Agache, o De
se me souber dizer onde é que é o Ministério da Agricultura...
Groër... Depois o Auzelle que o arquitecto já conheceu... Qual é que era a visão
Não há estrutura nenhuma porque foi toda espatifada, e a
que se tinha nessa altura desses urbanistas franceses virem a Portugal? Eu
recomposição que se resolveu fazer um belo dia, foi no extremo
penso que o Auzelle foi muito bem recebido. O Meyer-Heine tinha apoio
oriental da cidade, a Expo, com os piores acessos que se possa imagi-
político? Era uma pessoa que trabalhava à vontade? Como é que se passava?
nar. Nem é possível remendá-los. E a Expo fazendo-se como? Dizendo--
JNT |
se que aquilo era uma zona degradada e passou a ser reconvertido
apolítico! Nunca teve qualquer relação com política. Era um homem
para Expo.
que se apaixonava pelo seu trabalho, gostava do seu trabalho. Era
O Meyer-Heine trabalhou sempre à vontade. Era um homem
professor, entretanto reformou-se de funcionário do Ministério das
zonas um pouco mais do que se fizesse para habitação. As azinhagas
Obras Públicas francês. Fez o Plano do Languedoque, por exemplo, o
(praticamente já não as há, mas nessa altura havia muitos terrenos
Plano de Marselha, e creio que também fez o Plano de Hanói. E
livres, quintas) eram terrenos considerados rurais, para os quais era
qualquer coisa nas Antilhas. Depois trabalhou muitos anos em Paris.
estabelecido um mínimo, já não me lembro quanto, mas 5m3/m2 para
Reformou-se e ficou professor de “Recherche Urbanistique” na Univer-
não interessar as pessoas em construir. Mas, isso foi tudo sempre muito
sidade de Aix-en-Provence. Era um homem de saber e de ciência que
mal sinal para o Plano Director, porque ninguém quer fixar o valor de
até velho continuou como professor, sempre com funções também
preços de terrenos.
didácticas juntamente com a sua parte técnica. Nunca houve aqui nenhuns problemas políticos.
CC | O Plano do Meyer-Heine tinha um trabalho muito interessante sobre os
hectares-tipo, que era uma espécie de análise prévia, em termos metodológiCC | E havia uma ideia de continuidade, por exemplo em relação ao trabalho
do Eng. Guimarães Lobato?
cos. JNT | O Meyer-Heine começa a trabalhar em 64 para 65. Ou seja, entre os
Há sempre continuidade de uns para os outros. Do Agache não
censos de 60 e de 70. E um dos grandes confrontos que nós tivemos foi
conheço muita coisa. Do De Groër há uma continuação para o plano
exactamente essa dificuldade. É que estávamos a meio do decénio e os
do Eng. Lobato. A base é a mesma, quer a viária, quer a densidade
dados estatísticos utilizáveis (que eram de 60), depois dos problemas
decrescente para as pontas, que consistia no plano do De Groër. Essa
todos de África, das migrações para Lisboa, e das emigrações para as
mantém-se no plano do Guimarães Lobato, no entanto ampliada e já
colónias, para França, para os Estados Unidos, para o Canadá e para a
com a ideia de serem necessárias densidades mais fortes, devido às
Alemanha, estavam desactualizados.
JNT |
pressões das populações e tudo o mais. Procurámos utilizar uma densidade uniforme (que é a única parte do plano que nunca foi aceite), tentando com isso, evitar a especulação. A cidade era dividida em unidades de ordenamento pela grande malha viária primária. Cada unidade de ordenamento tinha grandes dimen-
CC | Tinha sido um período de muita mobilidade, não é? JNT |
Estava-se perfeitamente às aranhas, isto não pode ser. E então
quem deu o tom aos hectares-tipo foi o Auzelle. Quem inventou o tal Jankovic que era o coca-bichinhos dessas coisas e que trabalhava
sões, suponha Alvalade mais o Areeiro mais um pedaço, era uma
com o Auzelle. Mas o Auzelle com o Jankovic, que inauguraram esse
unidade de ordenamento; Chelas, era outra unidade de ordenamento;
sistema, creio que na Martinica. Eu lembro-me do Jankovic me falar
Campo de Ourique com mais outros pedaços de Campolide, outra
nisso e dizer: «Você está a ver, a gente chegar a uma ilha, andámos de
unidade de ordenamento. Eram áreas muito grandes que funcionavam
avião ou de helicóptero por cima daquilo. E agora? E... dados?» E então
como uma espécie de cidades básicas, com os seus equipamentos
resolveram, enfim, talvez com plantas que tinham da área, criar uns
todos que eram previstos para aquela população pré determinada.
grandes quadrados e depois isto dá para mais ou menos....
Fizeram-se estudos não só cá em Lisboa, mas também fora de Lisboa, nos bairros novos, e por fora em cidades estrangeiras, em bairros bem concebidos, e viu-se que havia um parâmetro que foi o que nós adoptámos, que era seguido de uma maneira geral. Consistia em 5m3/m2 de terreno. Depois de retirar uma parte para via pública e uma parte para logradouro, uma parte para equipamento. Pretendia-se acabar com a especulação. Porque o valor dos terrenos era todo o mesmo: 5m3/m2. A qualidade do terreno dava uma certa variação ao preço base. Tem uma excepção: 8m3/m2, uma sobre-valorização em sítios onde a Câmara e o plano entendessem que devia haver zonas comerciais, se a construção fosse para comércio. Em Lisboa os alinhamentos comerciais são permanentes ao longo de todas as ruas. A ideia era criar alguns pólos, e dar a essas
81
método dos hectares-tipo foi o Auzelle, que eu penso até que foi esse
CC | Para ter um retrato do território. JNT | Um retrato que deve representar a totalidade, desde que se faça a
conversão. Eles usaram isso e acharam que lhes deu bom resultado. Quando o Auzelle veio fazer o plano do Porto, resolveu fazer a mesma coisa. Fez também hectares-tipo no Porto. Disseram que também com bons resultados, que a coisa lhes assentou. Mas eles só procuraram nos hectares-tipo dois ou três fenómenos que utilizaram para ter umas ideias sobre população... não me lembro agora... CC | Talvez usos... aquelas coisas mais características. JNT |
Talvez. Sei que, com as conversas que eu tive com o Jankovic, e
Entrevista ao Arquitecto JOSÉ NICOLAU TUDELLA | Catarina Camarinhas
No Plano Director do Meyer-Heine fizémos de outra maneira.
depois com o Auzelle e com o Meyer-Heine e um colega meu que eu
directamente, efectivos. A cidade tinha nessa altura, segundo os
tinha chamado para trabalhar connosco, o Martins Barata, um homem
censos de 60, 800000 habitantes. Inquirimos 10% da população,
muito interessante, entre diversas actividades é bombeiro voluntário,
portanto foi uma análise muito forte.
passando por ser arquitecto até pintor mas assim de categoria superior e urbanista...
Foi apurado aquilo tudo, com resultados interessantíssimos... e às tantas começa a dúvida, começam a pôr-nos dúvidas. Que garantia é que nós temos...? E as áreas? Aqui há quartéis, de espaços verdes, onde
CC | E autor de um livro sobre Lisboa também... JNT |
Sim, sim... é matemático, fez um curso de economia nos Estados
Unidos. É um homem assim do outro mundo. E eu, quando tive esse problema do Plano Director, disse: «Oh pá, tens que vir!» Não queria, mas veio. E foi assim um braço direito que eu tinha na Câmara, naquela equipa. Mediu-se a cidade de Lisboa, e em cima da cidade, pelo conhecimento que cada um tinha da mesma, descrevemos umas áreas irregulares. O que é que é Campo de Ourique? O que é que são as Avenidas Novas? O que é que é Chelas? O que é que são os Olivais? O que é que é Carnide? O que é que é Os feitios, os perímetros, o cálculo. A mesma coisa por aí fora: para o centro, Mouraria, Alfama, Madragoa, a zona do Bairro Alto. Onde é que termina o Bairro Alto? Onde é que começa a Madragoa? Portanto, dividiu-se aquilo tudo em porções e depois agora: onde é 82 Ur
que será aqui uma zona mais característica da Madragoa como Madragoa? Qual será a zona de Campo de Ourique que é melhor estudar e que represente “elas por elas” o bairro de Campo de Ourique? E então
n.8 | Janeiro 2012
desenhámos quadrados de um hectare para serem comparáveis. Foi assim que orientámos a área que achámos, através da nossa sensibilidade, que realmente representava quer pela população, quer pelo aspecto e densidade da construção, quer pelo número de vias, quer pelos comércios. Dividiu-se a cidade nesses setenta e tal ou oitenta e tal hectares (com um hectare em forma de quadrado, com 100x100 para serem comparáveis) e sobre isso foi procurar ver-se a população, as actividades, as ligações casa-trabalho, onde trabalhavam, que meios de transporte utilizavam e os aprovisionamentos. E, simultaneamente, o que correspondia aos dados dos censos de 60, para a cidade e para a um desses quartéis. Nesse quartel do meio punham-se os dados que se conheciam dos censos de 60 para a cidade e para a freguesia: população, mobilidade, actividades, os movimentos viários... E depois por fora os daquele hectare. Os bombeiros, os nossos inquiridores, eram pessoas bem recebidas. Fomos a todas as portas dentro daquele hectare. Inquirimos toda a gente. Claro, uma pessoa em cada família. Conclu-
não conta nada disso. São áreas que não têm esta população, estamos aqui a ver sítios de população líquida. fenómeno: população, actividades... e curiosamente deu-nos sempre o seguinte: um desvio para mais de 13%, em média em todos eles: 13,8, 14, 12,7... sempre à volta de 13,9% o desvio para mais. Ora nós estávamos cinco anos à frente dos censos, a meio do decénio e sabíamos que tinha havido, com as emigrações, movimentos e acumulações muito grandes de população. E portanto, era natural que houvesse população a mais. Mas achámos que era estranho dar sempre o mesmo erro. Então concluímos que não havia aos perímetros tirar-lhes aquilo que não era população, e refazer as contas para os sítios que efectivamente deveriam corresponder a esses tais hectares ampliados à área respectiva. Deu-nos uniformemente um desvio de 9%. Aí dissemos, sem dúvidas nenhumas: isto é realmente o aumento que aconteceu nestes cinco anos, entre o censo do INE e o nosso. Isso serviu imenso para ter a noção exacta do universo com que se estava a trabalhar. Por exemplo: o hectare mais sobrecarregado de população que nós encontrámos foi Alfama. Sabe qual era a densidade de população daquele hectare? Não eram 2000, eram 1998 habitantes. Eu tenho pensado muita vez nisso, porque se for lá hoje, se for fazer os mesmos inquéritos, aquilo deve estar quase vazio. Na questão da distribuição do equipamento: foi uma escolha a fazer. E a escolha que se fez foi que se sobrecarregassem de equipamentos as urbanizações a desenvolver, dentro dos parâmetros que se entenderam. Nunca nada disso foi seguido. E o resultado é o que se vê. Nessa altura ainda havia uma coisa linda: os barcos do Tejo. Ainda grande parte da actividade do Porto de Lisboa era de barquinhos que faziam a cabotagem: do sal, do lixo, das carnes, de lenha, tanta coisa, do carvão... e de mercadorias de barcos. Isto implicava, está claro, mão-de-obra. E peixe. O peixe vinha todo das docas... uma actividade intensíssima. Esses bairros marginais, como Alfama, tinham uma população imensa e muito activa. Em Alfama, desde que o Porto de Lisboa acabou funções desse tipo, e os barcos começaram a atracar todos e depois melhorou a capacidade dos guindastes e dos entrepostos, toda aquela gente foi dispensada, esvaziando-se a zona ribeirinha
do Tejo. Por exemplo, a certa altura estávamos malucos porque, no hectare tipo, referente à zona de Alcântara, havia uma quantidade de gente que trabalhava noutro local. Mas nós perguntávamos onde, sítio, porque queríamos ver, efectivamente. «Trabalho no Poço do Bispo.» «O Poço do Bispo é muito grande, em que sítio?» «Trabalho em Benfica.» «Benfica é muito grande. Mora aqui. E vai trabalhar onde?» Queríamos ver a mobilidade da população, para saber exactamente onde é que eles iam, por causa dos transportes. Achámos uma coisa estranhíssima: a grande quantidade de gente que vivia em Alcântara e que ia trabalhar para o Beato. Esquisito. O que é que acontece? É que a CUF tinha os sabões, as massas, os azeites, umas coisas quaisquer, em Alcântara, e a população estava perto do seu local de trabalho. Com a transferência da fábrica para o Beato – aquela malta não saiu de casa, porque as rendas de casa não são transaccionáveis, não é? É o tal problema de estarem congeladas desde o tempo do Salazar: é que ninguém muda de casa em Lisboa. Claro que isso é um cancro tremendo para a cidade. De maneira que o movimento era daquela gente que teve o seu local de trabalho em Alcântara e passou a ter no Poço do Bispo, percorrendo então a cidade toda de um lado para o outro. O inquérito revelava coisas interessantíssimas deste tipo. O Plano do Meyer-Heine assentava num princípio: deviam fazer--
83
cidade, e depois progressivamente os estudos parcelares até aos estudos de pormenor. Isso nunca chegou a ser feito, nunca... E nunca nenhuma Câmara o quis, nem nenhum serviço, nem nenhum particular, nem ninguém o queria. É como os partidos, as pessoas não querem. Querem é rédea livre e especulação para a frente. Eu acho que é muito sedutor ser Presidente de uma Câmara ou ser Câmara. O sujeito quer é mãos livres e acha o técnico um chato. Quer que ele esteja ali à disposição quando precisa, e que tenha tudo, mas ao mesmo tempo se o técnico lhe vai pôr paus à roda... os seus princípios... a Câmara e os seus Presidentes da Câmara não querem, não gostam. Gostava ainda de dizer uma coisa sobre o Plano Director, porque é um sinal e é triste: o Estado nunca quis assumir esse tal centro administrativo entre Benfica, Carnide e a Luz. Só houve uma entidade particular que o quis assumir. E veja o êxito. O Belmiro de Azevedo é que entendeu. É aqui. Ele foi pô lo no sítio que nós tínhamos determinado que era o pólo onde convergia tudo, e é um êxito. Tudo o que se fizesse lá, seria um êxito, com certeza. Quer dizer: ele percebeu! Foi o único.
Entrevista ao Arquitecto JOSÉ NICOLAU TUDELLA | Catarina Camarinhas
se os estudos das unidades de ordenamento, das grandes áreas da
Ur
ENTREVISTA ao Engenheiro LUÍS GUIMARÃES LOBATO t Entrevista realizada a 30 de Setembro e 4 de Outubro de 2005, no âmbito de investigação para doutoramento em urbanismo na Universidade de Paris - Sorbonne. 84
Catarina Luísa Teles Ferreira Camarinhas * BIOGRAFIA Nascido em Macau em 1915, formou-se em engenharia civil em
a coordenação dos estudos do metropolitano de Lisboa, a canalização
1938, no Instituto Superior Técnico, instituição onde, mais tarde, foi
da ribeira de Alcântara e o estudo da viabilidade da travessia do Tejo
Professor Catedrático. Ingressou, no mesmo ano, no quadro técnico da
por uma ponte suspensa.
Câmara Municipal de Lisboa, a convite do engenheiro Duarte Pacheco.
Nesta entrevista, realizada em 2005, o engenheiro Luís Guimarães
Colaborou na execução dos Bairros do Restelo, Alvalade e Olivais e do
Lobato refere-se exclusivamente à sua participação como coordenador
Parque Florestal de Monsanto, coordenou o Plano Director de Lisboa
do Plano Director de Lisboa de 1958.
entre 1954 e 59, tendo dirigido o Gabinete de Estudos de Urbanização encarregue da elaboração desse plano e dos planos integrados de urbanização, de transportes e de habitação. Foi Director do Serviço de Projectos e Obras da Fundação Calouste Gulbenkian, tendo sido responsável pela concepção e execução do Centro de Arte Moderna Dr. Azeredo Perdigão. Entre 1969 e 1998 foi Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian. Colaborou intensamente no lançamento da Universidade Católica, pela qual foi agraciado com o Doutoramento Honoris Causa. associado a importantes projectos técnicos de interesse local, regional e nacional, como o aeroporto de Lisboa, a barragem de Castelo de Bode,
*
Arquitecta e Urbanista | Professora Auxiliar da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigadora CIAUD-FA
Catarina Camarinhas |
Como iniciou a sua carreira como técnico da Câmara
Municipal de Lisboa? Luís Guimarães Lobato | Em 1938, aos 23 anos, fui indicado pelo Engenheiro
Duarte Pacheco para fazer parte da nova equipa técnica da Repartição de Obras Municipais – encarregue das grandes obras da cidade de Lisboa. Trabalhei nessa Repartição até 1950, período este em que na Câmara, sob a nova orgânica de Duarte Pacheco, fiz três provas públicas de promoção. Eram provas escritas e orais, presididas por um júri, que integrava um professor universitário. E assim consegui a minha promoção sucessivamente até à 1ª classe, julgo que por volta de 44-45. A partir dessa altura, tinha terminado a minha carreira técnica e começou a minha carreira, digamos, de nomeação. Fui nomeado chefe da Repartição onde eu trabalhava, na Câmara Municipal. Tudo isto se passou na Câmara Municipal, entre os anos 38 e 46, se não me engano. Comecei por ser o chefe do Serviço de Estudos e Projectos Novos, na Repartição de Obras Municipais, e aí participei na construção do novo aeroporto, nos grandes acessos a Lisboa, na preparação de base dos acessos à Exposição do Mundo Português e em várias grandes obras da cidade, como... agora falou-se muito, na canalização da ribeira de Alcântara de que eu fui autor do projecto e depois dirigente da primeira parte da construção. Em 1943 (uma das últimas realizações de Duarte Pacheco antes de morrer), fui nomeado delegado da Câmara Municipal para estudar, com a Carris, os transportes da cidade, depois da guerra. Em 1946, portanto, a minha carreira técnica propriamente dita, na Câmara Municipal, terminou, com todos estes trabalhos. A partir dessa altura, ainda no fim dos anos 40, participei na construção da Barragem de Castelo de Bode e nos arranjos circunscritos à barragem, quer dizer: os acessos, a aldeia de trabalho, os estaleiros, enfim, todas as infraestruturas e fui autor da central hidroeléctrica. Depois disso, fui Director-Geral do Metropolitano para a construção da primeira fase do metropolitano. Nessa altura, por virtude das exigências na construção do metropolitano, nos seus contactos com as companhias concessionárias, surgiu a necessidade da Câmara Municipal fazer uma revisão completa do Plano Director. Até então a Câmara Municipal orientava-se pelo chamado plano De Groër, superintendido pelo De Groër, mas elaborado pelo arquitecto Faria da Costa e o Keil do Amaral, que eram os arquitectos da Repartição do Planeamento. Nos anos 50 fui contratado como consultor pela Câmara Municipal de Lisboa para fazer a revisão do Plano Director. Para continuar a trabalhar na Barragem de Castelo de Bode, pedi a minha demissão da Câmara Municipal. Criou-se então um gabinete chamado Gabinete de Estudos de Urbanização, em que trabalharam arquitectos, engenheiros, sociólogos, etc. e elaborou-se o Plano Director que ficou pronto em 1958.
Entretanto o Coronel Salvação Barreto convidou-me para VicePresidente da Câmara, cargo que exerci durante dois anos, até à saída dele e ainda algum tempo com o General França Borges. Ora bem, o que aconteceu é que o General França Borges não tinha uma cultura suficientemente desenvolvida para perceber a grande diferença entre ser Presidente da Câmara de Torres Vedras e ser Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Daí, haver, de facto, entre mim e ele, uma confrontação grande de ideias, sobretudo porque eu tinha feito o Plano Director de Lisboa e uma das coisas que não podia aceitar de maneira nenhuma, era a resolução de problemas factuais. Fazer a urbanização da cidade com a resolução de pequenos problemas factuais é o mesmo que estar a estragar uma cidade. De modo que, ao fim de uns meses, pedi a minha demissão e saí. Deixei o lugar de Vice Presidente da Câmara Municipal. Mas como surgiu em mim, digamos a ideia de uma preparação básica em planeamento, planeamento geral e sobretudo planeamento urbano, isso resultou das exigências de construção dos grandes acessos a Lisboa, da melhoria da rede viária em Lisboa, da melhoria, digamos assim, das autorizações de remodelação dos quarteirões e portanto, a necessidade de me embrenhar a fundo, nos problemas de planeamento urbano, de urbanização. Para esse efeito, estive em Inglaterra no fim da guerra. Ainda assisti ao fim da guerra em Inglaterra. CC | Portanto, antes de elaborar o Plano Director de Urbanização? LGL | Antes de elaborar o Plano Director de Urbanização. Mas discuti as remodelações e as reconstruções que os grandes arquitectos ingleses estavam a fazer. Passei lá uns meses. Tive ocasião de ser, digamos atendido, e fazer parte das reuniões de arquitectos e engenheiros, como seja por exemplo para o planeamento de Londres, pelo Lord Holford, pelo Sir Lesley Martin, pelo arquitecto Bill Allen que foi director do UIA. Assim, embrenhei-me a fundo na prática, na aplicação, nas novas ideias do urbanismo. Ah! Ia-me esquecendo do Patrick Abercrombie que foi o autor do Plano de Reconstrução de Londres. O Lesley Martin era professor em Cambridge, o Lord Holford em Oxford, o Bill Allen era do UIA. Ah! E ainda o Prof. Johnson Saint-Andrews da Escócia. Depois disso tive muitos contactos e reuniões com o arquitecto Rasmussen, um homem que fez de facto um plano extraordinário de ampliação da cidade de Copenhaga e a propósito do metropolitano, tive várias ocasiões de trabalhar com ele e com a equipa que estava a fazer a remodelação, a reconstrução da cidade de Copenhaga. Também tive ocasião de trabalhar com os arquitectos alemães da reconstrução da cidade de Hamburgo e com os da cidade de Frankfurt. Para ter exactamente uma ideia global, completa, de qual era a orientação geral do pós-guerra na Europa.
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CC | E nessa altura tinha alguma ideia de que iria trabalhar em planeamento,
Isso deu como azo de eu insistir fortemente, com o Ministro de então,
fazia parte dos seus objectivos? Mas ainda não tinha nenhum convite?
engenheiro Arantes e Oliveira, para a elaboração de um Plano Regional
LGL | Fazia parte dos meus objectivos, na altura, porque ainda estava na
de ocupação da chamada Península de Setúbal, isto é, desde a margem
Câmara Municipal, e depois foi na altura em que comecei a tratar do
sul do Tejo, até Setúbal. Esse plano foi feito, por um engenheiro, agora
Plano Director, para fazer qualquer coisa sobre urbanismo, mas que
cujo nome não me recordo, mas que era uma pessoa capaz, e (a parte irrisória dos tempos), foi chumbado o Decreto-Lei e o planeamento na
Em Itália, trabalhei muito com o arquitecto Franco Albini, que
Câmara Corporativa tendo o Francisco de Moura como relator, porque
foi o director da Escola de Milão e de Veneza, autor de vários trabalhos
entendia que não se devia fazer planos e deixar a ampliação um bocado
de urbanização em Milão e em Roma e de novos edifícios e novas
à mercê da liberdade, digamos assim, de realização de arquitectura. E
construções, entre elas, por exemplo, o Museu Etrusco de Roma.
isto deu como resultado, como conhece, o caos actual da margem sul
síntese do que deveria ser o Plano de Urbanização de Lisboa,
bem calculada. E portanto, em planeamento urbano, aconteceu.
para manter as características da cidade de Lisboa, porque, como sabe, Lisboa pode ser considerada a cidade extrema do arranjo, da arquitectura urbanística, do arranjo da cidade mediterrânica/atlântica. Porque o Porto já é nitidamente uma cidade de arranjo e arquitectura atlântica. Lisboa ainda era o terminal, digamos, desta faixa sul da Península Ibérica e chamemos-lhe assim, de toda a arquitectura mediterrânica que vinha desde a Grécia e terminava – devia terminar! – em Lisboa. Lisboa tinha nessa altura características, que eu entendia que da 86 Ur
parte antiga se deveriam manter o mais possível, por razões históricas, razões turísticas e razões ambientais, donde toda a parte central de Lisboa, simplesmente o Plano Director previa a revisão e a renovação
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das construções de bastantes arruamentos e a substituição de alguns blocos de construção que não estavam em condições, mas dentro do mesmo espírito, digamos, da arquitectura mediterrânica/atlântica. De modo que isso serviu-me de base para elaborar o Plano de Urbanização de Lisboa.
que é uma pena, podia ter sido uma grande região bem planeada e Na questão de Lisboa, quando eu deixei a Câmara Municipal de Lisboa, o General França Borges tinha ideias completamente diferentes, provenientes talvez da sua experiência de cacique da Câmara Municipal de Torres Vedras. O Plano Director, que estava para aprovação, na Câmara Municipal, para depois seguir para o Ministério das Obras Públicas, foi mandado arquivar, porque ele não queria sujeitar-se às regras previamente estabelecidas por outrem. E pronto, a partir daí, devo dizer que eu estive 25 anos sem pôr os pés na Câmara Municipal de Lisboa, e completamente desiludido sobre o que ia acontecer e aconteceu na cidade: foi o caos urbanístico nas novas áreas e a degradação das áreas antigas. Entretanto, os meus amigos ingleses convidaram-me para fazer uma conferência em Londres, no RIBA. Sabe o que é o RIBA? CC | Sei. LGL | ...no
RIBA e sobre o planeamento da cidade de Lisboa porque era
Mas como também tinha trabalhado bastante com o corpo
considerado, no fundo, o primeiro plano síntese de urbanização, a
de Pontes e Calçadas de França que estava nessa altura a elaborar
seguir à guerra mundial. E isso valeu-me ser eleito membro honorário
o planeamento geral da França, tive a oportunidade de também
no RIBA em meados dos anos 50. Fui, até chegar agora o Siza Vieira, o
apreender (estudar e ver na prática) a aplicação de ideias importantes
único português que era membro honorário no RIBA.
na questão do planeamento geral, sobretudo à volta dos grandes aglomerados urbanos. Daí, eu ter... Como estava na Câmara Municipal não podia ter
CC | E sem ser arquitecto, ainda por cima. LGL | E sem ser arquitecto! De facto, fui. E fui a várias reuniões depois no
RIBA sobre os problemas da urbanização e do planeamento a seguir com os Ministros, chamei-lhes à atenção da necessidade de elaboração
à guerra. Eu devo dizer que eu gostei sempre das artes, fazia uma
dos planos regionais de Lisboa, Porto e das grandes cidades.
leitura muito grande da evolução arquitectónica das cidades. Eu trazia
Isto deu como resultado, ainda, porque entretanto, eu fui o autor e digamos assim, da viabilidade da travessia do Tejo por uma ponte suspensa. Não vou entrar nos pormenores porque é que não podia ser de outra maneira, a solução técnica.
isso como cultura geral. Facultou-me muito o meu contacto e o meu convívio e trabalho mesmo de equipa com os arquitectos. A realização em que eu participei no planeamento e depois na execução, cá em Lisboa, dessas novas ideias de planeamento urbano,
pós-guerra, estão consubstanciadas no Bairro de Alvalade onde
existente, a construção das escolas, dos centros de saúde, enfim de toda
trabalhei com o Faria da Costa e o Keil, na parte de planeamento,
a parte foram reservados os locais e os terrenos para tudo isso. Houve
o Jacobetty Rosa, na parte da habitação e depois, enfim, vários
um grande trabalho de reunião com todas as entidades oficiais para
arquitectos da altura, que tinham de facto uma cultura bastante boa,
podermos fazer esses calculos. Estudámos também o próprio ensino,
foram os autores das construções privadas, dos lotes.
com o Ministério da Educação. Eu tinha estudado a fundo o modelo
Houve uma parte que foi construída pela Câmara Municipal,
inglês e ainda me parece actualmente o melhor modelo que temos
com o apoio financeiro das Caixas de Previdência, porque eu defendi
na Europa, com as diferenças (as fases sobretudo, dos ensinos básicos,
sempre a tese de que a cidade não podia ter núcleos segregados.
dos ensinos preparatórios), e os terrenos necessários para construção
Quer dizer, a cidade devia ser um todo, com uma integração das casas,
das escolas primárias, das escolas técnicas, profissionais e dos liceus e
das habitações da população, digamos, de nível superior, com as
das Universidades. Para os Serviços de Saúde tínhamos estabelecido
outras de nível médio e de nível inferior. Tanto assim que criaram-se
a localização dos novos hospitais a construir e a localização dos
fundações para manterem e construírem casas de rendas bastante
terrenos que então ainda estavam livres, destinados aos Centros de
baratas e acessíveis exactamente à gente de fracos recursos. E assim
Saúde, correspondentes (eu agora já não me lembro) a um número
fez-se a grande experiência do Bairro de Alvalade que terminou, por
que na altura foi estudado e estabelecido pelo Serviço de Saúde, de
assim dizer, uma era da Câmara Municipal de 20 anos, [incipiente?],
uns milhares de habitantes. O único exemplo que temos é o Centro de
começada pelo engenheiro Duarte Pacheco.
Sete Rios que foi construído exactamente de acordo com esse plano. Enfim, isso foi o que na altura nós realizámos, nós planeámos,
A decisão do Bairro de Alvalade foi tomada pelo Presidente da
mas que exigia, como existe em todas as cidades europeias, uma
Câmara, depois de dois anos de planeamento e de estudo feitos em
continuidade e um trabalho especializado dos técnicos encarregados
conjunto pelos Serviços e que, depois, uma vez aprovados na Câmara
de toda a parte de estudos e que não têm nada que ver com a
Municipal, esses trabalhos preliminares, foi possível elaborar todos
parte operacional, porque não há tempo para os técnicos da parte
os planos de execução e os programas de execução que permitiram
operacional poderem reflectir, pensar e elaborar os planos. Portanto,
lançar o Bairro de Alvalade. Essa é que é a parte importante.
a parte toda de planeamento, deve ser total e completamente
Actualmente, o que acontece é que não há essa continuidade
independente, mas simultaneamente ligada à parte operacional para
porque em primeiro lugar os Serviços não detêm uma continuidade
traduzir no plano a experiência, a prática e a crítica operacional dos
dos seus trabalhos, porque por aquilo que eu vejo e leio, as orientações
serviços.
são mudadas de 4 em 4 anos, pelo tal indivíduo que chega de fora, que
Enfim, tudo isso estava previsto no Plano de 58. Tinha esse
normalmente e correntemente percebe muito pouco de urbanização,
grande defeito: é que os serviços passavam a ter uma estrutura que
a não ser daqueles interesses pessoais ou outros, de especulação da
defendia a cidade e que evitava a realização de projectos factuais, dos
cidade.
planos factuais, que é o que passou a haver praticamente em toda a
…
cidade de Lisboa, com pequenas excepções.
Porque no Plano Director que eu elaborei... quando eu digo
E isso é que é, de facto, pena, e sobretudo porque era muito
elaborei, apenas... com uma grande equipa de arquitectos, de
preciso olhar para toda a estrutura social da cidade para depois poder,
engenheiros, de sociólogos, de historiadores, que davam sempre o seu
de facto, fazer o planeamento e estudar as coisas.
parecer e as suas coisas, e os próprios serviços da Câmara que davam
Desse plano ficou a ideia de erradicar de Lisboa a indústria
o seu parecer sobre o que se ia elaborando para o Plano Director. Mas,
mais pesada, e manter pequenas áreas de indústria média e indústria
como ia a dizer, é que no Plano Director de Lisboa e por verificação
pequena, porque uma cidade tem que viver. Precisa desses apoios, das
das grandes deficiências que existiam no equipamento social que é
pequenas coisas. Foi o que fizemos em Alvalade, em que há, de facto
fundamental para a vida de uma cidade, não estava nada previsto.
(ou havia; agora parece-me que já há muito pouco, mas havia), uma área destinada justamente a esses apoios que a população necessita
CC | Portanto, isso no Plano De Groër. Está a referir-se ao Plano... LGL |
Estava muito pouco previsto. E assim no plano de 58, foi previsto
para toda a cidade, em proporção com o número de habitantes
porque, evidentemente, um pequeno arranjo de qualquer coisa não exige que o habitante vá até fora da cidade. De resto, isto foi notado em todas as cidades europeias depois da guerra.
87
Entrevista ao Engenheiro LUÍS GUIMARÃES LOBATO | Catarina Camarinhas
…
CC |
Posso colocar-lhe uma questão? Como é que via na altura o Plano
é que não deixasse de criar áreas de trabalho fora da cidade e junto
anterior, o Plano do De Groër?
às áreas de desenvolvimento urbano para evitar a deslocação diária e
LGL | O Plano De Groër, serviu sempre, enquanto não se concluiu o Plano
pendular a Lisboa de centenas de milhar de pessoas. Este foi um dos
de 1958, como um plano orientador, um plano que era seguido e que,
erros crassos da urbanização, digamos a partir dos anos 50, quando
quando colidia... quando os estudos estavam feitos e se chegava a uma
começou a expansão da cidade, em que, de facto, se criaram os grandes dormitórios da cidade, ainda por cima com um planeamento
Plano De Groër era, digamos, substituída pela nova mancha estudada.
ad hoc, um planeamento de ocasião, que as Câmaras iam fazendo para poderem construir os prédios, sujeitando-se às pressões, etc.. Quando
Mas portanto, tinha uma admiração por esse trabalho? Em termos
na realidade era absolutamente necessário criar nessas novas áreas
de objectivos era uma continuação com o plano anterior ou queria
centros de trabalho, de organização, de indústria, exactamente para
CC |
radicalmente mudar aquilo que eram os objectivos... LGL |
Não, havia sempre... Houve sempre uma ideia de continuidade!
num centro de trabalho e um dormitório fora de portas. [interrupção]
E de melhoria! E de criação dos casos novos. É preciso ver que nos anos 40 a Câmara Municipal de Lisboa possuía 2/3 dos terrenos livres daquilo que era preciso fazer em relação às previsões no Plano De Groër – fazer os novos planos e as novas realizações. Porque é preciso ver-se que o Plano De Groër era um Plano Geral! Não era um Plano Director orientador, no pormenor, de como a cidade devia evoluir. Há esta grande diferença entre o Plano De Groër e o Plano de 1958. É que o Plano De Groër foi um Plano Geral, das grandes linhas, digamos 88 Ur
assim, de traçado de desenvolvimento da cidade. Em 1958 aquilo que se pode aproveitar – e foi quase tudo – do Plano De Groër nessas grandes linhas, foi completado exactamente
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pelo estudo e pelo planeament CC | Que eram as malhas, não é? LGL | As malhas, exactamente. A cidade foi dividida em grandes malhas,
e as circulações foram estabelecidas de acordo com essas malhas.
... muito interessado, dentro de uma equipa fortemente interessada, em que fazíamos as coisas todas, conhecíamos a cidade toda a palmo, quarteirão por quarteirão. Tudo isso estava no Plano Director, chamando a atenção para as necessidades de cada quarteirão, de cada zona. É claro que me causou uma grande desilusão, a forma como depois o poder político quis actuar como executivo na urbanização. O que é um erro total, evidentemente. CC | Como é que surgiu esse convite para elaboração do Plano Director? Ele
surgiu do trabalho que estava a fazer ou foi uma coisa que veio do exterior? LGL |
Eu vou-lhe dizer em primeiro lugar, como é que as coisas se
passam. Acho que é conveniente, sobretudo no seu caso, pensarmos um bocado na evolução do planeamento. CC | Exactamente. É precisamente esse o objectivo da tese. LGL | Evidentemente, como não podia deixar de ser, Portugal ou Lisboa
As malhas foram previstas de acordo com as grandes circulações e a
(e o Porto, as principais cidades) acompanharam um pouco o que
distribuição da população que diariamente se desloca para os seus
ia pela Europa, digamos assim. Até à idade moderna, normalmente as cidades, ou os arruamentos, eram executados no sentido de
as razões da habitação de uma parte da população. …
facilitar a visita aos monumentos, aos mosteiros, às igrejas. Não havia propriamente uma ideia de planeamento, a não ser a meio da Idade
Eu chamei várias vezes a atenção para o que se estava a passar
Média, onde já aparecia na Itália, mas ainda dentro da mesma ideia,
com a Grande Lisboa. Não se olhou justamente às necessidades
quer dizer, as ruas mais largas, tinham por objectivo facilitar a visita
acomodações necessárias aos níveis de trabalho dos habitantes.
foi a grande chamada aos centros urbanos da população rural e foi
O que deu como resultado haver uma diminuição da população de
a criação quase geométrica, digamos, das construções com as ruas
aos grandes monumentos. Depois veio a Revolução Industrial e aí
Lisboa e um aumento extraordinário da periferia. Porque no Plano Geral a recomendação que nós fazíamos - a Câmara Municipal não podia ter interferência nos municípios circunscritos à cidade, mas sim só recomendações sobretudo ao Ministério das Obras Públicas –
realizado pelos franceses, os Campos Elísios e toda a urbanização da
margem direita, do chamado XVIeme bairro. E portanto aí já há um
fazer um planeamento mais completo, já inspirado pelos novos
sentido urbano de distribuição, enfim não posso dizer social, mas
planeamentos de reconstrução das grandes cidades da Europa e por
de distribuição da população, com os seus acessos e as suas coisas e
isso mesmo, eu fui encarregado de proceder a essa realização. Essa
deixou de ser uma obrigatoriedade de planeamento o acesso rápido e
realização continuou, tanto quanto possível, a concretização dos
fácil aos grandes monumentos.
traçados do De Groër mas também a execução dos empreendimentos, de novos traçados de saídas de Lisboa e de circulação na cidade.
foi-se para o planeamento então das necessidades (sobretudo depois
Ao fazer isso também surgiu a necessidade de começar a definir
da primeira guerra mundial), do lançamento das vias de comunicações
as malhas urbanas da cidade para assegurar um melhor habitat, uma
e transportes, de uma habitação mais social, com integração de classes,
melhor comodidade de vivência na cidade e simultaneamente do
enfim, tudo isso começou a dar lugar ao planeamento.
ponto de vista social, um melhor encadeamento entre a habitação, e
É assim que surge em Lisboa, depois o plano de Ressano Garcia
a realização de trabalho, fosse ele de serviços, fosse ele de pequena e
– foi o primeiro, chamemos, da repercussão da revolução industrial
média indústria, e também criando pequenas áreas da cidade, jardins
em Portugal... Com a abertura da Avenida da Liberdade em que se
e portanto, zonas de lazer como tinha sido tradição anterior de Lisboa.
seguiram as ideias francesas dos Campos Elísios, cujo nome do autor agora não me recordo. Deu azo ao planeamento de Ressano Garcia. O Ressano Garcia que chegou com uma experiência que se afigura ainda hoje bastante boa, de planear uma cidade nova em Moçambique que foi Lourenço Marques. Depois disso, nos princípios do século XX, foi-se seguindo sempre a ideia de Ressano Garcia de planeamento nas áreas novas e nas áreas velhas, que se tratava somente de uma reconstrução e de uma melhoria do habitat das populações. Depois da primeira guerra mundial, começou-se a verificar que Lisboa estava, digamos, atrofiada. A região tinha crescido e havia dificuldades de comunicações e transportes. Foi quando o arquitecto De Groër foi convidado, pela mão do arquitecto Faria da Costa que então se estava a doutorar na Sorbonne. Isto deu-se em fins dos anos 30, (o Plano De Groër era de 36), ainda antes da presidência
Porque houve uma tradição, pode-se dizer mais ou menos ibérica, mas principalmente em Portugal, em que todas as pequenas cidades, os centros urbanos, etc., tinham o seu Rossio. Ainda hoje, nalguns restos das antigas povoações que foram integradas em Lisboa e que hoje constituem, digamos, pequenas áreas urbanas da cidade, ainda se mantém essa ideia do Rossio. Por acaso, temos aqui um ao pé que é o Rossio de Palma. Havia em Chelas, havia na Graça, essas pequenas praças em roda das quais se vivia, havia convivência e a vida integrada do comércio e pequena indústria. E foi isso que se pensou que era necessário planear para Lisboa, a seguir à primeira guerra mundial, foi a base do plano de 1958, com a definição das grandes malhas da cidade, por sua vez, com a definição em cada malha da cidade das condições de vida da população e simultaneamente uma melhoria total do planeamento das necessidades sociais e das exigências educativas da população. Portanto, isto é a evolução que levou a este plano. …
de Duarte Pacheco. No entanto Duarte Pacheco aproveitou o Plano De Groër que era principalmente um plano definidor dos acessos principais à cidade de Lisboa e das circulações principais dentro da
CC | Só voltando um bocadinho atrás: o arquitecto Faria da Costa ou alguma
cidade. O Duarte Pacheco, avançou com o plano De Groër mas já num
das pessoas que trabalhou no plano anterior do De Groër, trabalhou depois
conceito de concretização e de realização, que nem sempre coincidiu
consigo no Plano de 58?
rigorosamente com os grandes alinhamentos... [interrupção]
Quando o Duarte Pacheco assumiu a presidência, evidentemente que quis pôr em execução, e como disse, concretizar em matéria de empreendimentos, a realização dos grandes traçados do De Groër, de saída das cidades, das circulações na cidade e uma primeira definição, talvez até sem darem por isso, das malhas urbanas da cidade.
LGL |
Não, ou por outra, houve uma sequência de trabalho. Com
a organização de Pacheco, (porque a Câmara não tinha essa organização), criou-se a Repartição de Urbanismo e as várias repartições especializadas e portanto, uma íntima colaboração ao elaborar o plano com, digamos, sobretudo as chefias das repartições permitiu exactamente que o plano pudesse integrar as realidades da cidade, chamemos-lhe assim.
E isso serviu de orientação durante quatro ou cinco anos, durante a guerra mundial. Mas depois por um lado, com desenvolvimento
89
CC |
Porque é que acha que o Faria da Costa não foi convidado para
de Lisboa, durante a guerra e com o desenvolvimento do arrabalde
colaborar consigo nesse plano, uma vez que ele tinha sido também um
de Lisboa, (da área regional de Lisboa), verificou-se que haveria que
dos autores, quase, do plano anterior?
Entrevista ao Engenheiro LUÍS GUIMARÃES LOBATO | Catarina Camarinhas
Em face disso, depois da experiência, chamemos-lhe francesa,
O que aconteceu é o seguinte (já expliquei no outro dia): os serviços estavam saturados de trabalho, não podiam dispensar pessoas. Podiam dispensar auxílios, podiam dispensar conselhos, podiam chamar a atenção e fazer a apreciação. De modo que utilizava principalmente os apoios das repartições de planeamento e por exemplo dos arruamentos, para esse efeito. E na parte de planeamento que foi a parte mais importante, interveio o arquitecto Faria da Costa, que ainda lá estava, o arquitecto Keil do Amaral e o Jacobetty Rosa, por exemplo, e outros que trabalhavam na repartição de planeamento, da Planta da Cidade, que se chamava assim, e urbanização. De modo que isso deu como continuidade. E à medida que se ia desenvolvendo o plano, iam sendo ouvidos os restantes serviços, desde como já disse os arruamentos, os esgotos, a higiene urbana. Porque nessa altura a Câmara é que fazia e tinha na mão toda a organização da limpeza da cidade que de facto, foi um trabalho muito bom, que levou Lisboa perfeitamente a par (e em muitos casos melhor ainda), do que a maior parte das cidades europeias. … Porque esse plano de 1958, para as grandes malhas e no interior das malhas, já previa a correcção dos traçados e as previsões justamente dos estacionamentos e de lazer, de jardins. De modo foi assim que o trabalho se fez. Depois a seguir à minha saída, confesso que (a minha desilusão, LGL |
90 Ur
como já disse foi grande), me desliguei completamente de Lisboa. CC |
Eu peço desculpa de o estar a fazer repetir-se. Não é essa a minha
intenção. Mas ainda não percebi muito bem uma coisa que é o seguinte:
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o arquitecto Faria da Costa tinha tido um protagonismo grande no plano anterior, e ele tinha sido o autor do Plano de Alvalade que era um plano importante do Duarte Pacheco, também. Se... LGL | Não. Não foi do Duarte Pacheco. Alvalade já... CC | Sim, do período do Duarte Pacheco.
...não tem nada que ver com o Duarte Pacheco. Alvalade foi uma coisa que nasceu, por efeito da guerra, já depois da morte do Duarte Pacheco e por proposta, devo dizer (porque tem que se dizer a verdade), do serviço de urbanização, de acordo com o nosso plano, o novo Plano Director, porque havia aquela área imensa da cidade que era ainda uma área rural cultivada, trigo! Eu ainda me recordo de andar por lá, aquela zona toda de Alvalade era campo. De modo que foi – e isso teve, digamos a aquiescência do Coronel Salvação Barreto LGL |
– quando se fez esse plano. CC | Mas
certamente, também foi um plano importante dentro da Câmara
Porque é que ele depois foi de certa maneira afastado desse trabalho tão importante que era o Plano Director de Urbanização? Porque ele não participa directamente no plano, só através das próprias repartições como acabou de referir.
CC |
LGL | Quem, o arquitecto Faria da Costa? CC | Exacto.
Não desenhou o plano, não colaborou directamente consigo
no Plano. LGL |
O Faria da Costa depois não trabalhou directamente comigo no
plano, fazia a apreciação dos planos. CC | E porque é que acha que isso aconteceu? Porque é que foi tomada essa
opção? LGL | O problema era este. É que de facto, o Faria da Costa era a pessoa chave na urbanização e na operação diária, dia-a-dia, de aprovação dos projectos, dos lotes, de tudo quanto se fazia. Ele era a pessoa que, com o engenheiro Vasconcelos e Sá, tinha a parte permanente da operação da cidade. Não tinha portanto tempo para outra coisa, mas
prestou a sua colaboração. CC |
Estou a perceber. Portanto era uma questão de ir buscar uma outra
pessoa... LGL |
Foi uma questão de haver tempo e disponibilidade das pessoas
para... CC | Se dedicarem àquele trabalho em exclusividade.
Pois, é claro. Foi a razão por que eu fui convidado para fazer o plano, porque o Faria da Costa disse que não tinha tempo e não podia. Não sei porquê, isso por qualquer razão pessoal, não faço ideia. Mas foi por essa razão que eu fui convidado para fazer o plano. A revisão. Mas eu é que entendi que a urbanização não podia deixar de ter uma continuidade e não podia deixar de aproveitar as pessoas que estavam
LGL |
dentro dos problemas da cidade. CC | A equipa que estava a coordenar nessa altura era muito extensa e tinha
pessoas de áreas muito diferentes, não era? Como é que era a coordenação de tantas pessoas nessa equipa? LGL | Quando
criei o chamado Gabinete de Estudos de Urbanização fui buscar os arquitectos que me foram indicados como tendo participado em pequenos estudos de urbanização. É claro que a par disso, fui buscar alguns novos engenheiros e formá-los exactamente nas estruturas de construção, digamos das infra-estruturas da cidade e a par disso (isso é que foi a novidade), foi ter convidado também sociólogos
que teve algum sucesso também na época, penso eu.
e especialistas em educação, etc., a prestarem a sua colaboração na
LGL | Foi.
elaboração já mais pormenorizada do plano, nas malhas, etc..
CC |
E essa coordenação desses gabinetes todos e dessas personalidades
todas de áreas tão diferentes era fácil? LGL | Isso
coube-me a mim e devo dizer que essa coordenação correu muito bem. As pessoas estavam... era tudo gente nova, toda a gente a
CC |
E nessas reuniões diárias com o Presidente da Câmara ele nunca lhe
dava nenhuma indicação? Concordava... LGL |
Dava. Trocava impressões com ele, ele dava orientações,
concordava, não concordava... porque há muitas questões subjectivas.
formar uma equipa, a trabalhar intensivamente e pormenorizadamente. CC | Mas, portanto, nessas indicações ele também estava a passar as ideias
desenvolver aquele trabalho tão grande em tão pouco
tempo, ao fim e ao cabo, não é? Tinha que ser com uma equipa coesa. LGL | Eu não sei se conhece o plano de 58. CC | Sim, eu consultei-o no Gabinete de Estudos Olisiponenses. Uma série de
volumes, não é, alguns cinco ou seis volumes, mais as peças desenhadas. LGL | E conheceu portanto a distribuição por malhas, uma racionalização
da construção entre o número de habitantes e a área ocupada. Viu isso tudo? CC | Vi. Estive a consultar com cuidado.
E a forma como isso se podia fazer através até de curvas de aplicação rápida, justamente em qualquer caso em que se previa uma nova urbanização, inclusivamente até a construção ou a reconstrução de um prédio... enfim, tudo isso foi estudado pormenorizadamente. Quer dizer, a cidade foi estudada de lés a lés, por uma equipa, pormenorizadamente, em que foram registadas as condições dos arruamentos, as condições das construções existentes e de acordo com a orientação já do plano, estabelecidas as viabilidades de reconstrução, de ampliação ou de construções novas, em relação ao número de habitantes previsto para a malha e em relação ao número
LGL |
dele ou não?
Sim, também estava a passar a experiência dele. Isso era muito importante. A questão toda, por exemplo... O grande e o grave problema de Lisboa sempre, e continua a ser, e que se estabeleceu infelizmente a seguir à guerra em Lisboa é o problema da especulação. É que a especulação dos terrenos, é a especulação das dimensões das edificações urbanas e é aquilo que se deu definitivamente, que foi o não se ter muito em conta as necessidades do equipamento social da cidade. … Porque é claro, ninguém aceita uma cidade como a nossa, onde um centro de saúde esteja num terceiro andar ou num segundo andar, como acontece hoje em dia. Em prédio alugado. … Não se ligou nenhuma às recomendações do plano de 58, de reserva dos terrenos LGL |
em cada malha para esses efeitos das necessidades sociais. CC |
Gostava também de lhe perguntar um outro aspecto. Depois do
plano estar pronto, foram convidadas uma série de entidades exteriores à Câmara, entre as quais um urbanista francês que era o Robert Auzelle, para emitirem parecer sobre o Plano Director de Urbanização.
Não, tinha a força política do Presidente da Câmara. E devo dizer da vereação. O Presidente da Câmara e a vereação deram-me força total à realização. É evidente que periodicamente e quando digo periodicamente, talvez duas ou três vezes por ano, fazia uma exposição do estado de andamento das coisas, à vereação. Dava lhes uma ideia, um conhecimento do que era planeamento, do que era urbanização. Ao Presidente da Câmara devo dizer que era quase diário, mas à vereação
Não. O Plano depois de estar pronto em 58, como não podia deixar de ser, foi apresentado ao Presidente da Câmara e à vereação. O Presidente da Câmara não tinha (eu não gosto de dizer isto porque o senhor já morreu, eu deixei de ter relações com ele, etc.) mas isto é do ponto de vista técnico... Uma das razões porque eu me desliguei completamente da Câmara foi por ver que era completamente impossível. Depois de tanto trabalho de estudo, de verificação, de distribuição, quando se lhe explicou tudo na Câmara Municipal, ele acabava sempre por perguntar: «Mas porque é que o senhor pôs aqui 5 andares e ali na outra malha estão 8 andares?» e coisas assim deste tipo. É claro que é muito difícil estar a explicar sem explicar as razões das raízes do urbanismo, a questão dos arruamentos, a questão dos espaços, a questão, sobretudo, do relacionamento do número de habitantes de uma malha com o número de habitantes da cidade. Se quisermos ter uma cidade equilibrada e não especulada, completamente. Por exemplo, esta era uma das questões que ele não percebia. Depois, evidentemente, para fazer um plano tínhamos de partir de certas premissas, entre elas, por exemplo, o que seria a cidade de
dava conhecimento.
Lisboa com a sua população passados já x anos.
total da população prevista para Lisboa. CC |
E já agora que estamos a falar de equipas. Os políticos, também
trabalharam nesse processo todo? LGL | Não, os políticos não intervieram em nada. CC |
Não. Portanto deram-lhe total liberdade criativa. Mas tinha apoio
político para fazer o plano, não é? LGL |
LGL |
91
Entrevista ao Engenheiro LUÍS GUIMARÃES LOBATO | Catarina Camarinhas
CC | Conseguiram
…
portanto não era importante. E por outro lado, o caso de Madrid era um
E portanto, essa cidade principal, esse núcleo importante, não deveria absorver excessivamente a população do país como estava a começar a acontecer e aconteceu nos países europeus. E então, no plano (de 58 e pela primeira vez, porque nunca isso
de Madrid. Hoje em dia, com os meios técnicos modernos, etc., já conseguiram, já têm uma lei, mas têm uma população excessiva. E têm permanentemente problemas de transportes, de consumos, de
habitacional em Lisboa 1200000 habitantes, cerca de 10% do que
ensino, de vida social, etc.. E é isso que é urbanismo. É tentar evitar isso.
viria a ser possivelmente a população portuguesa, 12 milhões de
É procurar que haja um aglomerado urbano vivendo socialmente em
habitantes.
boas condições. E isto era muito difícil estar permanentemente a explicar a toda
Tinha também a intenção, e a experiência das outras cidades,
a gente. …
Obras Públicas, sem ter logrado resultados: é que havia e houve sempre, a tendência para o empolamento da região, quer dizer, os centros urbanos, a cidade de Lisboa, do Porto, etc., se nós quisermos
CC | O que eu gostaria de saber era se está recordado de como é que correu
aplicar uma analogia, uma analogia da lei de Newton, há uma atracção
o processo de pedir pareceres, nomeadamente ao Auzelle, que era um
de pólos e portanto a população tem tendência a dirigir-se ao pólo
urbanista muito conhecido nessa altura, e a quem foi pedido parecer sobre
mais importante.
o seu plano.
Portanto era absolutamente indispensável estabelecer um
92
n.8 | Janeiro 2012
Pediram-se esses pareceres, pediram-se essas condições.
Pediram-se também às Obras Públicas, mas devo dizer que nós
como fulcro principal o centro urbano, o aglomerado urbano de
estávamos em conceitos de urbanização, em conceitos de urbanismo,
Lisboa com 1200000, para uma população do país de 12 milhões, caso
muito mais avançados que os serviços de urbanização das Obras
contrário a cidade com o país, podia reduzir-se a dois grandes pólos e
Públicas que estavam ainda na fase da resolução de forma factual,
os outros todos muito pequenos: Lisboa e o Porto.
coisa que o Pacheco quis começar a evitar quando exigiu que todos
Estas coisas também foram explicadas e também não foram Ur
LGL |
planeamento com a respectiva população na região de Lisboa, tendo
os concelhos tivessem o seu plano de urbanização, coisa que até hoje
entendidas porque me perguntaram «Então porque é que em Madrid
ainda não aconteceu. Chamam um P.D.M. ou coisa que o valha, mas que
há 12 milhões de habitantes na cidade?» Eu disse «Olhe, é porque
está muito longe de ser propriamente um Plano de Urbanização. De modo que, devo dizer que em 58, o país tinha dois planos aprovados.
da população.» Várias destas perguntas que eram extremamente difíceis de estar a explicar e muito relacionadas com uma cultura
Isso é muito importante saber-se.
geral das coisas que é necessário ter, que é preciso depois para
CC | É dramático.
compreender o que é o planeamento urbano. Porque é que se faz o
LGL |
planeamento urbano? Não é só fazer ruas e calçadas e esgotos e meter
viveram e vivem até hoje, perfeitamente na resolução factual. E desde
metropolitanos. É um problema de vivência da população. Saber
que entre a resolução factual, entra a corrupção – que pode ser passiva
como estabelecer um estado social para um determinado valor da
e pode ser activa, pode ser por simpatia, não estou sempre a falar da
população. É isso que se tem que fazer.
corrupção material, mas eu chamo corrupção a este estado de coisas.
É. Porque assim todos os nossos concelhos (todos do país!),
Não podia deixar de passar de pontos básicos de partida mas muito relacionados com o que se estava a fazer (tentar fazer!) nas
CC | Compreendo. Por acaso, isso foi um outro aspecto que eu achei muito
capitais europeias. E nós ainda íamos a tempo de podermos estabelecer
importante naquilo que me disse...
esses relacionamentos.
LGL |
Enquanto em Madrid, já iam por aí fora com uns grandes prédios e as grandes coisas. Fizeram apenas uma urbanização de tipo de grande
Por exemplo uma coisa: Conhece o Largo do Rato? Conhece a
parte de trás do edifício do Partido Socialista? Atrás vê um bloco em meia-lua, redondo, não vê isso?
evolução, sem terem em conta muitas dessas coisas. Porque eu sabia isso, estava em contacto com eles. E que estavam a refrear e a tentar
CC | O do Teotónio Pereira?
fazer. Em todo o caso, é preciso ver que a Espanha tem 40 milhões e
LGL | Sim, aquilo lá para trás.
CC | O das Águas Livres, não é?
LGL | Não, eu penso que é sempre bom ter 50% de alguma coisa do que
LGL | Enquanto eu estive na Câmara, eu nunca aceitei aquilo porque foi
um aproveitamento dos quintais das moradias e todo aquele conjunto até às Águas Livres passou a ficar na sombra. É claro eu saí da Câmara e uns meses depois vi que estava tudo a ser construído. De modo que são estas coisas que um plano, de facto, pode evitar. Mas, evidentemente,
100% de nada. Enfim, o plano, não sei, não conheço depois a aplicação, nem o resto, não faço ideia nenhuma, nem sei o que é que se passa, só recentemente, depois do 25 de Abril é que o arquitecto da Câmara Municipal, que estava a trabalhar justamente também a convite, no PDM, que agora não me recordo o nome, o actual presidente do CCR
não pode ser por influências pessoais que as coisas se passam.
de Tejo...
Exacto. Uma coisa que eu achei muito interessante naquilo que me
disse da última vez foi que, de alguma forma, a negação do seu plano, também tinha sido intencional. Quer dizer essa ausência de planeamento nos anos que se seguiram em Lisboa, era intencional, não aconteceu por acaso. Porque às vezes tem-se a ideia...
Faça-se essa grande justiça ao General França Borges: sem qualquer experiência de uma grande cidade, sem cultura geral, sem cultura, sobretudo, de urbanização e de urbanismo, cercado por um grupo de pessoas que faziam pressão e que diziam que o meu plano era um plano de loucura, que não podia ser, as pessoas deviam ter liberdade de construção, mais isto, mais aquilo, mais aqueloutro. E ele coitado, com aquela cultura de Torres Vedras, acedeu. Acedeu de tal maneira que mandou destruir todos os exemplares do plano de 58. LGL |
Não sei se sabia? CC | Não, não sabia. LGL | Existem talvez... foram salvos dois ou três planos. Eu, por acaso, um
dos meus colaboradores, salvou o plano. Porque entretanto eu tinha ido para Vice-Presidente da Câmara e tinha deixado gente a trabalhar no plano e a conclui-lo. E depois entrou, à tripa forra, o Meyer-Heine. O que queria... Enfim, também, [?] na vida, na questão das profissões. O Meyer Heine
CC | O engenheiro Fonseca Ferreira, não é? LGL | O engenheiro Fonseca Ferreira! É que me pediu umas conversas (como me está agora a pedir) para o PDM. Mas fora disso não sei bem o que se passou. Só critico a questão do Norte-Sul porque via construir e queria saber. Uma das ideias, por exemplo, que eu tinha no plano, era continuar a dar à cidade a sua característica mediterrânica e atlântica. Foi um trabalho doido que eu tive para criar aquela praça de Sete Rios que foi necessário cortar um bocado do Jardim Zoológico, foi necessário cortar umas coisas. Pois. É isto. É por aí que eu conheço o Norte-Sul. Estragaram aquela parte da cidade porque ali uma grande placa arborizada ou ajardinada que surge exactamente na sequência da Praça de Espanha e depois deveria criar-se outra coisa aqui para os lados... Havia o Largo da Luz, havia essas coisas a melhorar, havia várias coisas dessas na continuidade destas. Eu ainda na altura via e só dei duas voltas em Telheiras e naquelas zonas novas - fiquei completamente decepcionado com todo aquele planeamento que já não deve ser do Meyer Heine, foi já uma coisa
espontânea, a chamada urbanização espontânea. CC | Telheiras?
Eu acho que é um plano da EPUL também, não é? Tem por
base um plano da EPUL.
metropolitano e estava a funcionar em boas condições, as linhas
Sim, não sei. Depois da EPUL quem é que se ocupava daquilo, não faço ideia nenhuma. O que é facto é que foi uma pena, porque inclusivamente estava elaborado... Porque havia malhas que não tinham nada, como essa de Telheiras. E então fizeram-se planos orientadores dessas malhas. Para criar malhas novas e muito inspiradas na experiência de Alvalade. [Interrupção: foi mostrado o livro mais recente sobre a obra do
de carro eléctrico até Carnide. Porque nessa altura a urbanização só
engenheiro Guimarães Lobato, a ser lançado em Novembro de 2005]
o que queria era fazer o plano, ganhar uns milhares de contos que lhe pagaram e pronto! E foi-se embora! E acabou-se! E por exemplo um dos erros que considero crassos do plano Meyer-Heine é esta via Norte Sul porque é exactamente dentro de uma política geral de transportes, a facilidade de acesso à cidade, ao aglomerado principal, quando se estavam a prever as linhas de
LGL |
chegava até mais ou menos Carnide, um bocado mais para cima. [interrupção] CC | Só
uma pergunta ainda. Referiu-me o plano do Meyer-Heine que tem
CC |
Além desta escala nacional que é extremamente interessante de
certeza de trabalhar, o senhor engenheiro trabalhou também na escala regional com o engenheiro Miguel Rezende, não foi? No Plano Director da
aspectos com os quais não concorda, mas apesar de tudo acha que era
Região de Lisboa?
um plano que ia buscar ideias suas também? Portanto, de alguma forma
LGL |
também havia um recuperar do plano anterior.
porque não queria, de maneira nenhuma, porque estas questões são
Não, não. Apenas fiz as recomendações e depois abstive-me
93
Entrevista ao Engenheiro LUÍS GUIMARÃES LOBATO | Catarina Camarinhas
CC |
sempre muito delicadas nas Administrações Públicas, julgar que nós estávamos a querer intervir na Administração Pública. Apenas foi uma recomendação dizendo: nós estamos a fazer isto, pedimos que tenham atenção para que a Região de Lisboa tenha um desenvolvimento capaz, planeado, urbanístico, etc.. Infelizmente nada se fez e a gente tem essas coisas aí por todo o lado da cidade, nem vale a pena dizer, em Cacém, sei lá. Tudo por aí fora! Até os arruamentos. Aquilo cresceu
New Deal, porque era um vale do tamanho de Portugal, completamente abandonado, esquecido e América. Mostra como isto pôde ser feito. A outra coisa também com muito interesse foi o exemplo do Plano do desenvolvimento do Sul da Itália, mas depois meteu-se a política e o plano nunca foi feito.
à moda da Idade Média. CC |
Portanto não considera essa colaboração com o engenheiro Miguel
Rezende importante? Acha que foi uma coisa um pouco exterior ao plano? LGL | Foi uma falha muito grande.
Não devia ser. Mas simplesmente o que acontece é que há muito poucos políticos com cultura geral, cultura de planeamento.
CC | Uma falha muito grande em que aspecto?
E predomina, de facto, o político cidadão que julga tudo pelo caso factual, muitas vezes sem perceber porque é que aquele fez ali um
LGL |
Foi uma falha muito grande não ter havido um planeamento
regional. Acima dos planeamentos camarários, municipais. CC | Ah! Exacto porque nunca foi aprovado, esse plano. Mas, portanto, a sua
colaboração nesse plano não a considera muito marcante.
Não, não, nã Transportes também recomendei que as linhas de Cascais e de Sintra deviam ser transformadas em metropolitanos regionais, a linha de Vila Franca devia ser também um metropolitano regional e depois construir transversais nesse ângulo entre Sintra e Vila Franca. Criando prolongamentos de metropolitano, criando construções locais e planeando, sobretudo, a integração da população com as suas habitações com os serviços, com a pequena e média indústria, etc., LGL |
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Ur
CC | A política é inimiga do planeamento? Não devia ser, não é?
da cidade, sem necessidade de vir diariamente a Lisboa. Quem diz isto para a margem Norte, diz para a margem Sul e foi uma das grandes iniciar-se imediatamente o planeamento de toda a área da margem sul do Tejo até Setúbal, coisa que também não se fez. Hoje vemos a margem Sul com uma urbanização completamente caótica. E foi uma pena porque foi uma urbanização toda nova a partir mais ou menos dos anos 50 e que estava em condições de se poder fazer. Não se fez, Agora infelizmente isso está a acontecer sem planeamento, à volta das cidades que se estão a expandir, à volta das vilas que também se estão a expandir, e depois há todo o planeamento regional por exemplo ao longo da Costa, etc., o Algarve que foi um desastre completo, etc.. Bom, de facto, é preciso ver o que se passa no mundo. Uma das coisas, que vale a pena ler, embora já lá vão mais de 50 anos, é a documentação sobre o TVA (Tennessee Valley Authority) que foi o
LGL |
prédio com seis pisos e eu só posso fazer quatro aqui. Sem saber que há uma razão de base fundamental para esse efeito.
Ur
RECENSÕES Vasco Massapina Leonel Fadigas, Lisboa: Edições Sílabo, 2010 149 pp., 13€, ISBN 978-972-618-595-6
Resultado de uma investigação densa, demorada e permanente,
para que se garanta o evolucionismo e a ligação espacial entre o
explica-nos o autor o processo urbanístico, por palavras simples, pelo
“natural” e o “inerte”, explicando que o processo urbanístico “não
que se trata de um livro que se dirige ao público em geral.
é só uma forma de produção de solo urbano, mas também pode ser a
A importância da integração daquele elemento fundamental da
estruturação da paisagem”.
cidade a que os ignorantes chamam “o verde”, isto é, do Ambiente no Ordenamento e no Planeamento, é explicada de uma forma exemplar,
sobre as perversidades provocadas pelo antagonismo entre solo rural
A primeira parte, embora se possa considerar quase doutrinária,
Consequência desta dicotomia inconveniente, demonstra-
as cidades correspondem
nos a instabilidade existente entre “territórios de transição”, os
a formas de vida em sociedade e à formalização de estruturas sociais…”
imediatamente próximos da cidade, mas ainda com optimismo
– sem receio e com muito optimismo face a um alerta humanista,
aponta-nos que “as paisagens rurais têm capacidade para integrar nos
dispondo-se a rever os modelos urbanísticos estafados “até aqui
tecidos urbanos emergentes trechos da sua imagem e identidade, quando
dominantes”, como refere, explicando que a “sustentabilidade social é
o crescimento das cidades se faz em contexto de continuidade cultural,
condição de sustentabilidade ambiental e de qualidade de vida”. Equações
persistindo as referências antropológicas que ligam as populações às
dum mesmo sistema. Induz-nos a questão da necessidade da “inversão do modelo”,
suas origens e aos territórios que ocupam
mais uma vez a falsa oposição entre o construído e o não construído,
95
demonstrando a importância que tem o determinismo da política, que
veemência explica que “as cidades deixaram de ser elementos pontuais
deve ter em consideração e valorizar a “continuidade morfogenética”,
na paisagem global, para serem elas próprias elementos que determinam a organização da paisagem”.
para novos parâmetros urbanísticos, objectivos e mensuráveis.
96 Ur
Para que não restem dúvidas, prova-nos como o ordenamento
Dissertando sobre as referências do território e as matrizes
do território é uma questão estratégica do desenvolvimento
escondidas da cidade contemporânea, ao invés de nos propor as
económico, utilizando vários exemplos e autores, desde o século XIX
habituais “hortinhas urbanas” como receita, propõe-nos a emergência
até á actualidade.
da agricultura urbana e dos parques agrícolas, como nova e futura
Na última parte do livro apresenta-nos propostas, revelando-se
realidade social face á crise, e à qual os ditos “parques industriais” não
assim um maior interesse nesta obra de indispensável leitura também
deram resposta, outrossim, provocaram gastos de energia e consumos
para os nossos autarcas…
inconvenientes. Já na segunda parte, se assim podemos dizer, propõe-nos essa
sendo quase herético nesta sensível matéria, natureza que considera
nova tese que contraria a rigidez da fronteira “perímetro urbano X
ser uma entidade morfológica, através da criação de corredores
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um novo padrão a ter em conta na morfologia urbana ”, e introduz novos parâmetros como componentes
ambiental), provando que o Urbanismo, como escreve, “é muito mais
do desenho e do urbanismo, onde sobressai a “estrutura ecológica
do que regras de concepção e de desenho do espaço”, não hesitando em
urbana”. Reactualiza o conceito de “continuum naturale”, ainda como
citar Santo Agostinho: “A cidade é os homens e não as casas…”
componente natural urbana, sugerindo análises novas do território, a) Relação entre os ecossistemas do espaço rural e da periferia; b) Relação entre os ecossistemas da periferia e do interior;
e outros conceitos: a) De multiuso, referindo que as questões rurais devem ser
c) Redução do “efeito de ilha”. a relação entre o espaço
b) De Continuum naturale, como expressão de rurbanidade. ”.
Trata-se de um livro de referência, que passa a ser “obrigatório”, e onde
Informa-nos sobre a revolução Urbana e o Urbanismo
o leitor, inclusive, encontrará resposta para questões importantes do
Contemporâneo, numa parte do livro que se constitui como um
desenvolvimento e da sustentabilidade e durabilidade territorial, no
interregno teórico de revisão da matéria, não deixando de fazer
período de crise que se atravessa.
uma síntese muito interessante conjugada com o evolucionismo das “classes trabalhadoras”, explicando a origem do atraso português, onde a revolução industrial praticamente não chegou. Com muita
Ur
RECENSÕES O Imperceptível Devir da Imanência: Diana Soeiro * José Gil, Lisboa: Relógio d’Água, 2008 268 pp, 19€, ISBN 9789896410278
SOBRE O AUTOR Deleuze é um autor complexo que, tal como Heidegger, é comum despertar a curiosidade por parte de arquitectos revelando-se no
e siga para a leitura de cada um dos capítulos. O ritmo abranda e a
entanto difícil de aceder. O livro de José Gil propõe ser uma introdução
generosidade do autor é visível, procurando conduzir o leitor da forma
à obra de Deleuze e esta recensão propõe apresentar uma orientação
mais acompanhada possível.
que facilite a leitura do livro, para pensar Arquitectura, a partir de Deleuze. Sobre José Gil pode dizer-se que tendo estudado na Universidade de Paris VII, foi aluno do próprio Deleuze, e que este terá deixado em si uma forte impressão. Os livros que tem vindo a
o pensamento de Deleuze permite. A inteligência, subtileza, rapidez e integridade com que Gil continua e desenvolve o pensamento de Deleuze é admirável revelando uma compreensão rigorosa do que está em causa, sem no entanto perder originalidade. A Introdução difícil, mas sem dúvida permite uma antecipação do que se segue. No
* Goethe, Wittgenstein, Husserl, Deleuze http://pt.linkedin.com/in/dianasoeiro
97
ENQUADRAMENTO E EXPLICAÇÃO BREVE DO ASSUNTO DO LIVRO Tendo em mente um leitor que tenha por formação base Arquitectura
DESEJO, CORPO-SEM-ÓRGÃOS E ESPAÇO O Capítulo 8 talvez seja o mais interessante para um leitor da área da Arquitectura, sendo que no entanto uma verdadeira compreensão
elementar não só dos conceitos como do método seguido por Deleuze – e não esquecer que para Deleuze, cuja forte relação com a fenomenologia permanece ainda por desvendar apesar de a dada altura a ter dispensado, o método é uma questão essencial sendo a partir dele que a criação dos conceitos se torna possível. De forma breve, começa-se por esclarecer o que é pensar e consequentemente como é que é possível começar a pensar sendo que, por alguma razão se assume que todos nascemos a saber fazê-lo e não é assim de todo. Pensar é uma capacidade que se aprende, desenvolve e exercita, segundo um método. Para começar é preciso sair do senso comum (doxa) gerando oposições entre conceitos seguindo uma lógica de negação. Essas oposições não anulam os conceitos mantendo-se num esforço de torsão e tensão, em pleno paradoxo. O fundamento de começar a pensar não é assim fundamento mas “a-fundamento”, um caos que abre para uma esfera de pensamento desconhecida: descobrimos o campo da diferença. Saímos da doxa e neste campo de diferença, pela torsão do paradoxo gera-se o movimento do próprio pensamento semelhante a um movimento sísmico, por vagas. movimento. Pensar, mais do que algo que se aprende, é assim um 98
n.8 | Janeiro 2012
Ur
de casos (conceitos), um confronto constante perante uma rede problemática sempre aberta, uma apresentação do inconsciente e não representação do consciente. Assim, a diferença e a intensidade da diferença desencadeiam o movimento libertador da repetição. E a repetição não é uma repetição do mesmo, é uma repetição com potência criadora. Neste exercício gerador de intensidade e movimento, o acaso
deste não seria possível sem os anteriores. Tendo ultrapassado alguns obstáculos até aí, deste capítulo em diante o ritmo torna-se mais lento e estando já seguros dos conceitos e terminologia deleuziana, podemos desfrutar de forma plena a dinâmica do seu pensamento. É justamente
o seu corpo-sem-orgãos por forma a criar um estilo que se repita nas suas várias obras. (p. 194) Do que é que falamos exactamente? O corpo-sem-orgãos (c-s-o) é antes de mais algo que se começa a fabricar assim que há desejo. É assim algo que é construído. Essa construção consiste numa técnica e não num método ou num processo. Porquê? Porque o c-s-o, ou plano de imanência, é um entidade singular, que permite a eclosão e circulação de singularidades. O c-s-o vem ao de cima, da profundidade do interior dos corpos criando um
plano de imanência consistente e intensivo. (p. 181) Como se constrói então para si próprio um c-s-o? Como transformar o corpo “empírico” numa outra matéria, a matéria do plano de imanência? (p. 182) É aqui que aparece como elemento decisivo o desejo. O desejo, (como diz Freud) mas que cria sempre novas conexões, agenciamentos. “O desejo quer pois, antes do mais, desejar.” (p. 182) Ao desejar compõe, construindo matéria própria, em si próprio. O que trabalha o desejo a partir do interior é a imanência que é a força que faz desejar o desejo. possa desejar. É por isso que é necessário construir um espaço ou um plano em que o desejo circule e se desdobre segundo a sua potência própria. Esse plano é o c-s-o.1 A partir daqui o raciocínio, e o que está
contribuindo para o surgimento de séries divergentes que resultam da torsão dos conceitos, derivando linhas de fuga consequentes de uma implosão do pensamento a partir de dentro. Estas séries divergentes ressoam umas nas outras, dando origem a novas séries, criando um espaço de ressonância expressão própria do movimento do pensamento. Nos Capítulos 5, 6 e 7 José Gil aborda como é que acontece a transcendental, de forma a que este ganhe maior consistência. Para isso, torna a falar da ressonância das séries, de como o vazio ressoa o excesso de uma outra série (p. 106) e de como através destes elementos surge a ideia de superfície. A superfície é topológica e surge enquanto lugar de sentido formando-se a partir da profundidade (do “a-fundamento”). (p. 120, 121) É o movimento do sentido à superfície que faz subir os diversos patamares da profundidade. (p. 121)
em causa, torna-se mais próximo daquilo com que o arquitecto lida tornando-se mais fácil de reconhecer. Este c-s-o, este espaço ou plano, tem primeiro de tudo de ter
consistência suportando a co-existência de elementos heterogéneos, isto matéria trabalhada, transformada. “Construir o c-s-o consiste em determinar a boa matéria, a que convém ao corpo que se quer construir (...). Compor um tal corpo torna-se matéria delicada, quando se pensa
” (p. 184) Não se pode partir senão do corpo próprio, do corpo-organismo. Mas esse corpo próprio é sempre uma interpretação do corpo, pronta a desfazer-se. O corpo empírico, simplesmente empírico, não existe. É
o c-s-o, virtual-real, que é mais real do que o corpo empírico porque é corpo de desejo. (p. 184, 185) (Exemplos de matéria para a construção
movimento da diferença expressiva.” (p. 196) A expressão é trabalhada
do c-s-o que José Gil desenvolve são a pele, o espaço interior do corpo
pelos movimentos de torsão e reversão do corpo (que entre ele próprio em devir-matéria de expressão). “Interior e exterior são atravessados de
e os órgãos-focos de intensidade.) Existem três obstáculos de estratos que se opõem à construção
o nosso corpo é uma casa” se pode
vida.
tornar enigmática porque se vivemos o corpo como uma casa, o que que se queira desfazer destes estratos enfrenta ou loucura ou a morte. Deleuze fala bastante de prudência e ter prudência é que cada um
Tomando a Arquitectura como exemplo da construção e
continue a guardar “pequenos pedaços de estratos ‘ao romper de cada
aparecimento do c-s-o, tanto na sua percepção como na interacção
dia’. Para quê? Para se poder ‘responder à realidade dominante’”. (p. 188)
que temos com uma estrutura, como no processo criativo que leva à
Um exemplo da dissolução do estrato que é o organismo são os rituais de possessão, e de cura, exóticos onde um gesto de
sua concepção, José Gil no nono capítulo faz um ponto de situação do que foi visto até aqui descrevendo-nos o movimento do conceito.
“desterritorialização” (perseguindo uma linha de fuga) desorganiza a para chegarmos ao c-s-o. O c-s-o vai sempre construir-se porque se perca os pontos de referência do espaço e mesmo os sentidos.
estamos condenados a desejar e é por isso que é necessário violentar os nossos estratos para libertar o desejo do interior, do mesmo modo
a subjectividade. (p. 188, 189) Nestes rituais dá-se uma reversão
que é necessário violentar o pensamento para começar a pensar. Para
do interior para o exterior, em que a pele se estende para além do espaço exterior e se torna matéria-energia que atrai e emana afectos
que pela primeira vez nos faz desejar sair de um estrato. Os encontros
e sensações tornando-se órgãos-focos de intensidades, construíndo um c-s-o onde a separação corpo-espírito desaparece. O transe é mantendo sempre um pedaço novo de terra. “O que estas estratégias em movimento o corpo paradoxal permitindo a reversão do espaço
implicam é um contínuo vaivém entre o homem e o meio que as rodeia;
99
(p. 200) O conceito só tem sentido quando se considera a sua conexão
ARQUITECTURA E CORPO-SEM-ÓRGÃOS: VAZIO, REVERSÃO DO
com outros conceitos sendo os seus contornos irregulares. Isto é o que
EXTERIOR EM INTERIOR E CONSTRUÇÃO DE TERRITÓRIO A percepção de um edifício é paradoxal porque é percepcionado
“
com algo que envolve um vazio inconsciente mas sempre presente.
ideia de conceito como algo sempre em aberto. Tudo ecoa em vez de
O vazio é imaginado como não contendo órgãos (vísceras). É por isso
se seguir ou corresponder. Os melhores conceitos são os que fazem
que “[E]ste vazio tem uma propriedade: no saber que temos dele inclui-se o saber que nele podemos entrar (habitar).” (p. 194) O dentro pode
transformar-se em fora com o nosso movimento (entrar no edifício). A percepção de uma obra de arquitectura implica a reversão virtual
entender o conceito é preciso criá-lo porque o processo de criação
do interior no exterior. Reversão que equivale a um rebatimento do
implica imanência do sentido do conceito do plano. (p. 210) Pensar
dentro no fora, constituindo um plano único povoado pelos espaços
a imanência absoluta é pensar no campo transcendental. (p. 214)
do edifício e pelo corpo do espectador. (p. 194, 195)
“A natureza paradoxal do plano de imanência absoluto faz com que ele
Em relação ao processo criativo do arquitecto, nos elementos
exista por si. Quando, precisamente, o sujeito e o objecto “mergulham” na
que selecciona para construir a sua sintaxe, procura construir um
imanência, o plano constrói-se separando-se daquelas instâncias. Adquire
O
a autonomia ontológica e a textura do ser como vida.” (p. 214, 215)
c-s-o do processo criativo da arquitectura é feito por muitas superfícies
No último capítulo é de destacar a abordagem do conceito de
que constituem outros tantos c-s-o”. Este ganha preponderância
ritornelo “máquina de criação do tempo não cronológico” (p. 228) em que
mesmo relativamente à função. O arquitecto subordina as funções
estando nós mergulhados no caos de que se falava no início, através
à expressividade (p. 196) “A casa-abrigo abriga para o ‘conforto’, e o
de um êxtase proporcionado por um ritmo, somos arrancado dele
| Diana Soeiro
”
interior e a constituição do c-s-o. (p. 188-193)
acedendo a um tempo não cronológico. (p. 230) Acedemos assim a um
o leitor pode ler directamente Deleuze e aceder a um dos maiores
ponto zero, a um intervalo, a um vazio em que não se respira e não se
pensadores do século XX. Um privilégio.
pensa. (p. 243) Este conceito é interessante pela relação que faz entre ritmo, vazio e diferença. O espaço intervalar é vazio e não mensurável e é através deste que o ritmo é possível. É a diferença que é rítmica e não a repetição que a produz. (p. 230, 231) – e no fundo percebemos agora melhor como é possível começar a pensar a partir da diferença, sem fundamento, através de um “a-fundamento”. É também pelo ritornelo que se forma o território, jogando-se o jogo do automovimento, com ritmo e repetição. O ritornelo é a forma a priori do tempo que fabrica tempos diferentes, é um prisma, um cristal de espaço-tempo que (p. 239) É através dele que criamos um território sendo que toda a criação de um território implica no começo uma deterritorialização. “Lançamo-nos, improvisamos” (On s’élance, on improvise). Nada nos é dado, senão a força de nos escaparmos.” (p. 235)
DELEUZE E ARQUITECTURA “No plano de imanência, tudo está em devir. E o devir segue uma sequência ético-ontológica; para que possa ter pleno sucesso, a sequência deve “culminar” no devir imperceptível”. Diz Deleuze: “O imperceptível
.” (p. 260) Tudo é devir 100
imperceptível. (p. 260)
Ur
(conceber e habitar): em traços gerias, negar o que se pensa saber
Experimentação é a palavra-chave que une ambos os lados
n.8 | Janeiro 2012
contra o senso comum introduzindo um conceito oposto (negação); no caos criar intensidades singulares sustendo o paradoxo (diferença); transe, onde o não cronológico e o devir se torne imperceptível. Tudo, sempre com prudência e guardando um pedaço de terra. Para se ir, e poder voltar. Estando consciente de que pode implicar um esforço ler “O Imperceptível Devir da Imanência” de José Gil parece-me ser um esforço
bastante compensador. Não é demais dizê-lo, com vista a encorajar o potencial leitor, que José Gil é bastante atencioso e didáctico na exposição percebendo-se também ser um conhecedor de fundo do pensamento de Deleuze – e na verdade é um estudioso da sua obra desde há quase 30 anos – pelo à vontade com que manuseia os seus vários elementos e se move na sua complexidade. Oportunamente, perdermos a orientação ou, melhor ainda, o que nos permite não percebermos mal. É um livro que, propondo-se como uma introdução ao pensamento de Deleuze, cumpre. Depois desta introdução que dá uma visão alargada da sua obra e da evolução do seu pensamento,
1
O paradoxo da imanência acaba por acontecer porque o desejo é já um produzir
enquanto é, construindo um contínuo, e por isso é por natureza hostil à transcendência (em potência). (p. 183). Agradecimento a Nuno Fonseca (IFL-FCH/UNL) pela revisão de texto
Ur
Ur
DIVULGAÇÃO Exposição Lisboa: Planos e Projectos Uma Cidade para as Pessoas Novembro 2009 101
CARTA ESTRATÉGICA DE LISBOA 2010/2024 As bases do novo PDM Planos Enquadradores Carta Estratégica 2010/24
Um compromisso para o futuro da cidade.
Carta Educativa Programa Local de Habitação Estratégia Energética Ambiental
Carta da Saúde
Plano Gerontológico Estudo Dinâmicas Residenciais
Carta Desportiva Plano de Mobilidade
Carta da Cultura
Carta de Risco Sísmico Plano Estratégico da Cultura
Plano Geral de Drenagem
Estudo sobre Emprego e Empresas
Estudo Modelo de Governação
Estudo sobre a Pobreza
102
n.8 | Janeiro 2012
Ur Como recuperar, rejuvenescer e equilibrar socialmente a poppulação de Lisboa?
Viabilizar escolhas ao nível do mercado de habitação Aumentar a diversidade e reduzir as desigualdades Garantir uma atractividade sustentada
Como tornar Lisboa uma cidade amigável, segura e inclusiva para todos?
Tornar progressivamente desnecessário o recurso ao transporte privado Recuperar centros históricos da capital mais periféricos e “problemáticos”
Como tornar Lisboa uma cidade ambientalmente sustentável e energeticamente
Promover energética do Promover a mobilidade sustentável
Como transformar Lisboa numa cidade inovadora, criativa, capaz de competir num contexto global, gerando riqueza e emprego?
a identidade de Lisboa num Mundo globalizado?
sustentado?
Reforçar as actividades intensivas em conhecimento
Adoptar a dimensão metropolitana na estruturação da oferta cultural
Debater e consensualizar as estratégias para o futuro de Lisboa
Valorizar Lisboa no mundo das marcas e da criatividade
Reforçar a dotação de equipamentos de proximidade
Construir um modelo de governança da cidade/região
R património
Desenvolver o duplo processo de desconcentração e descentralização municipal
D cidade Id interesse na cidade Valorizar a mémoria da cidade Valorizar o Tejo
Figura 1 | Carta Estratégica de Lisboa 2010-2024.
Como criar um modelo de governo
e acções urbanas na perspectiva das escalas regional, nacional e internacional
Estratégia de desenvolvimento territorial: 3 prioridades > Revitalizar a cidade consolidada; dos cidadãos; Modelo de Ordenamento do território: 5 princípios > Cidade multipolar; > Reforçar a identidade de Lisboa; > Prioridade à regeneração urbana; > Cidade multifuncional; > Modelo urbano programado e participado;
LISBOA NÃO VIVE ISOLADA Estrutura Ecológica Fundamental: Lisboa e Concelhos Limítrofes.
Mobilidade Metropolitana: comboio, metro, barco, auto-estrada. Amarela Azul Circular Rede de Metropolitano Amarela Azul Circular Vermelha
Rede Rodoviárias de 2º Nível Interfaces Fluviais
Número de pessoas que entram em Lisboa: 1 milhão por dia, 1/3 em transporte individual.
Pólos de emprego na Área Metropolitana
Futuro
Existente
Logística
103 Exposição Lisboa: Planos e Projectos, Uma Cidade para as Pessoas
Rede Rodoviárias de 1º Nível
Figura 2 | Comboios.
Figura 3 | Estação do Oriente.
Figura 4 | Ponte Vasco da Gama.
LISBOA CIDADE VIVA O Plano Verde de Lisboa
Áreas Consolidadas de Lisboa
104 Sistema de corredores estruturantes Ur
Espaços Centrais e Residenciais
Sistema húmido
n.8 | Janeiro 2012
Espaços de Actividade Económicas
O Arco Ribeirinho de Lisboa.
O Património de Lisboa: Toda a cidade é memória Toda a cidade é história
Património de Memória
Área Histórica da Baixa (PDM 1994) Área Histórica Habitacional (PDM 1994) Traçados urbanos até meados do Séc.XX
A IDENTIDADE DE LISBOA: TEJO, PATRIMÓNIO, VIVÊNCIAS BAIRROS
Figura 6 | Mouraria.
Figura 7 | Castelo. Figura 8 | Lisboa, Tejo.
Figura 9 | Cidade.
105 Exposição Lisboa: Planos e Projectos, Uma Cidade para as Pessoas
Figura 5 | Colunas.
NOVO PDM DE LISBOA Áreas de intervenção 1. REABILITAR a zona histórica 2. REGENERAR áreas da cidade, atribuindo-lhes novas funções 3. CONSOLIDAR pequenas áreas existentes de expansão da cidade Novas Mobilidades
Mobilidade Suave Percursos pedonais e ciclaveis
Rede ML Existente (MOPTC/ML): Amarela
Ciclovia Lúdica - Existente
Azul
Ciclovia Lúdica - Proposta
Circular
Ciclovia Utilitária - Existente
Vermelha
Ciclovia Utilitária - Proposta Percursos Pedonais Nível 1 Proposta
Rede ML Proposta (MOPTC/ML):
Percursos Pedonais em Espaço Verde - Proposta
Amarela Azul
Rede Ciclável Proposta Elevadores PDM01 - Zonas 30
Circular Vermelha
PDM02 - Zonas Históricas Pedonais PDM03 - Jardins
Proposta Rede de TCSP Rede ferroviária
Estacionamento Novas Rede Viária
106 Zonas de Estacionamento
Ur
Zonas A n.8 | Janeiro 2012
PREVISTA
Zonas B 1º NÍVEL
Zonas C
2º NÍVEL
Zonas D
3º NÍVEL 4º NÍVEL
Baixa Pombalina
Lisboa Estratégia
Novas Polaridades
Eixos Centrais a Valorizar
PROGRAMA DE INVESTIMENTO PRIORITÁRIO EM ACÇÕES DE REABILITAÇÃO URBANA
O FINANCIAMENTO ESTÁ GARANTIDO?
Recuperar/ Reabilitar/ Relançar a economia de Lisboa
Para retomar as obras paradas por falta de verbas, a Câmara de Lisboa , junto do BEI/
A Câmara Municipal de Lisboa aprovou uma proposta para investimento
assegurou já o
em acções de reabilitação urbana no valor de 120 milhões de euros
IHRU, BPI, CGD e DEXIA, garantindo que todas as obras previstas terão
(2009/2012). O Programa de Reabilitação em Números Edifícios para serviços e instituições públicas ............................................ 30 Espaços públicos a reabilitar ............................................................................ 38 Escolas a Reabilitar ............................................................................................ 58
A QUE SE DESTINA O INVESTIMENTO? O investimento destina-se à execução de cerca de 350 empreitadas
Edifícios a Recuperar ....................................................................................... 293
para reabilitação de 293 edifícios e infra-estruturas. Este investimento
Postos de trabalho ........................................................................................ 5 000
alargado de empresas de construção civil, que se poderão inscrever no
Investimento ....................................................................................120 000 000 €
site da Câmara Municipal de Lisboa, para serem consultadas aquando do lançamento das empreitadas.
QUE OBRAS SÃO PREVISTAS? Além da conclusão de obras inacabadas das megas-empreitadas em vários bairros históricos, permitindo assim o regresso dos seus Reabilitação de edifícios municipais; Recuperação de equipamentos socioculturais; Reabilitação de 5 bairros da Marvila (Lóios, Amendoeiras/ Olival, Flamenga, Armador e Condado) e respectivos espaços públicos (Viver Marvila); Reabilitação de 58 escolas;
PORQUÊ AGORA? Num momento difícil como o que vivemos hoje, um investimento como este traz ainda mais vantagens para toda a cidade. Vai directamente a população da cidade e gerar emprego para cerca de 5000 pessoas, contribuindo assim para relançar a economia da cidade e travar a degradação do seu património.
O QUE FALTA PARA SE CONCRETIZAR? Agora que a proposta foi aprovada pela Câmara, a execução destas Áreas de Intervenção do Programa de Investimento Prioritário em Acções de Reabilitação Urbana
acções está
107 Exposição Lisboa: Planos e Projectos, Uma Cidade para as Pessoas
moradores, o investimento prevê:
pela Assembleia Municipal de Lisboa. LICENCIAMENTO URBANÍSTICO A CÂMARA A FUNCIONAR
MAIS RAPIDEZ E TRANSPARÊNCIA NA GESTÃO URBANÍSTICA Cerca de 3000 processos de licenciamento foram já despachados. A gestão urbanística de Lisboa está a mudar. vida aos cidadãos e aos agentes económicos garantindo mais rapidez, Pela primeira vez, o número de processos despachados foi superior ao número de processos entrados.
108
n.8 | Janeiro 2012
Ur
Processos Entrados
Processos c/ Decisão Final
Exposição Lisboa: Planos e Projectos, Uma Cidade para as Pessoas
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Figura 1| Localização das Áreas de Intervenção.
Ur
109
ÁREAS DE INTERVENÇÃO DA EPUL 1- ECO - BAIRRO DA BOAVISTA / AMBIENTE +/ UM MODELO INTEGRADO DE INOVAÇÃO SUSTENTÁVEL 2 - OPERAÇÃO INTEGRADA DE QUALIFICAÇÃO DO BAIRRO PADRE CRUZ 3- NÚCLEO ANTIGO DE TELHEIRAS
PLANOS DE URBANIZAÇÃO 1- PU - ALCÂNTARA O Plano de Urbanização de Alcântara vai marcar uma nova centralidade de Lisboa, através da disponibilidade de novas áreas de equipamentos, comércio, serviços e actividades de base tecnológica, para além de promover uma estrutura ecológica contínua que relacione o Estuário com o Vale de Alcântara e Parque de Monsanto; Propor soluções que reduzam os efeitos de risco natural, designadamente sísmico e de inundações; estabelecer redes de circulação que se articulem com a Frente Ribeirinha, com os percursos históricos, com os espaços verdes, com os equipamentos e os transportes públicos; favorecer o transporte público promovendo a sua intermodalidade, em especial do transporte ferroviário (linha de 110
Cascais, linha de Cintura e linha do Sul); Favorecer a ligação entre os vários tecidos urbanos fragmentados,
Ur
Figura 2 | Autor / Arquitecto do Plano: Manuel Fernandes de Sá, Lda.
contribuindo para a integração social das áreas menos favorecidas;
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Estudar a zona portuária de Alcântara, no sentido de lhe criar melhor acesso ferroviário e melhor operacionalidade, com a preocupação de redução dos efeitos negativos que esta estrutura poderá causar na área urbana adjacente.
2 O Plano de Urbanização da Área Envolvente à Estação do Oriente pontenciará uma nova centralidade projectando para poente a zona central do Parque das Nações, tendo como principais alavancas a localização na gare do Oriente da estação de Alta Velocidade e o acesso do novo Aeroporto de Lisboa. O Plano prevê a reconversão de antigas áreas industriais que darão lugar à implantação de zonas de serviços, hotelaria e de actividades emergentes como a biotecnologia, as tecnologias de informação e comunicação e a Logística Urbana, bem como funções habitacionais complementares.
Figura 3 | Autor / Arquitecto: Bau - B. Arquitectura y Urbanisme, S.L. (Barcelona); Parque Expo 98, S.A.
O Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade pretende a regeneração deste eixo central da cidade, revalorizando as funções comerciais prestigiadas, a função residencial, localização de actividades terciárias, hotelaria, equipamentos de cultura, lazer e restauração em O Plano visa também a salvaguarda do património cultural e ambiental e vem revelar para o espaço público áreas actualmente privadas nas duas encostas sobranceiras.
Figura 4 | Autor / Arquitecto do Plano: Manuel Fernandes de Sá, Lda.
O Plano de Urbanização Carnide / Luz propõe a reabilitação integrada do núcleo histórico de Carnide, com enfoque na salvaguarda do património arquitectónico e o conjunto de azinhagas e pré-existências de cariz rural. O Plano prevê a reconversão de antigas quintas num Parque Urbano e a localização de um conjunto de novos equipamentos desportivos, de
Figura 5 | Autor / Arquitecto do Plano: CML.
5 - PU VALE DE ST.ANTÓNIO O Plano de Urbanização do Vale de Santo António pretende estruturar a ocupação da área actualmente pouco valorizada através de novos equipamentos sociais, desportivos, educativos e de saúde, bem como a criação de um Parque Urbano.
Figura 6 | Autor / Arquitecto do Plano: Manuel Fernandes de Sá, Lda
Exposição Lisboa: Planos e Projectos, Uma Cidade para as Pessoas
111
acção social, culturais e de saúde.
ÁREA DE INTERVENÇÃO DA SRU OCIDENTAL 1
IDENTAL, SRU
A Lisboa Ocidental Lisboa Ocidental, SRU - Sociedade de Reabilitação Urbana, EEM: > Constituída em Julho de 2004; > Capital integralmente municipal; > Objecto social de promover a reabilitação urbana da sua Zona de Intervenção; > Áreas das Freguesias de Santa Maria de Belém, da Ajuda e de Alcântara; > 90 ha; 1.306 Prédios; 2.983 fracções;
Figura 7 | Intervenção de reabilitação da SRU Ocidental.
PLANOS DE PORMENOR 1 - PP AMOREIRAS O Plano de Pormenor das Amoreiras - é uma área charneira de articulação entre o novo Pólo de Alcântara e o Eixo Central da cidade. Pretende-se consolidar a zona das Amoreiras enquanto área central, 112 Ur
de Ourique e o Complexo das Amoreiras. O Plano estabelece uma nova frente urbana para a Rua José Gomes Ferreira, relocaliza os Bombeiros
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a Rua Carlos Alberto da Mota Pinto e a Rua Silva Carvalho.
Figura 8 | Autor / Arquitecto do Plano: CML.
2
O DA BOAVISTA NASCENTE
O Plano de Pormenor do Aterro da Boavista Nascente - pretende a reconversão e regeneração desta área central, através de espaços públicos, potenciação de equipamentos existentes e a introdução de um novo ícone arquitectónico - a futura sede da EDP.
Freguesia de S.Paulo, contribuindo para a qualidade de vida dos residentes através do adequado dimensionamento dos equipamentos de ensino, cultura e lazer, incrementando assim a atractividade da Freguesia aos níveis económico, turístico, comercial e residencial.
Figura 9 | Autor/ Arquitecto do Plano: João Luís Carrilho da Graça - Arquitectos Lda.
3 O Plano de Pormenor da Avenida José Malhoa - Assumir-se como Centro Terciário Superior da Cidade implica, para a área da Av. José Malhoa, a concretização de diferentes objectivos de que se revela a construção de espaço público de qualidade, constituindo um contínuo urbano, caracterizado por materiais de construção e mobiliário urbano com características contemporâneas que contribuam, de forma determinante, para a identidade do espaço.
Figura 10 | Autor/ Arquitecto do Plano: João Paciência, Arquitectos, Lda.
PP DA BAIXA POMBALINA O Plano de Pormenor da Baixa Pombalina visa a regeneração física, social e económica integrada, assumindo-se como uma actualização do Plano Pombalino que incorpora a respectiva evolução histórica dos últimos 250 anos. Será recuperada uma “Capitalidade” para a 113
Baixa, baseada na centralidade político-institucional, novos espaços
Figura 11 | Autor/ Arquitecto do Plano: CML.
PP EM MODALIDADE SIMPLIFICADA CENTRO DE CONGRESSOS DE LISBOA O Plano d urbanística da área compreendida entre o Edifício da Cordoaria Nacional e o edifício da antiga Standart Eléctrica, na sequência da transferência da Feira Internacional de Lisboa para o Parque das Nações e da implantação no local do Centro de Congressos de Lisboa.
Figura 12 | Autor/ Arquitecto do Plano: CML.
Exposição Lisboa: Planos e Projectos, Uma Cidade para as Pessoas
dedicados à economia do conhecimento, regeneração da função comercial e habitacional, consolidação de um pólo cultural e
6
MATINHA
O Plano de Pormenor da Matinha urbano marcado pela modernidade, bem ancorado nas relações com a envolvente, assegurando a continuidade para o Sul da área do Parque das Nações. O Plano prevê uma nova área habitacional, uso terciário e a nova rio, criando um novo Parque Urbano no qual se localizam elementos de arqueologia industrial a recuperar.
Figura 13 | Autor/ Arquitecto do Plano: Risco, S.A.
7
PARQUE HOSPITALAR ORIENTAL
O Plano de Pormenor do Parque Hospitalar Oriental assume como estratégia a pertinência da regeneração urbana, a partir das estruturas urbanas consolidadas existentes, nas zonas planálticas e zona superior da encosta libertando o fundo do Vale de Chelas. É enfatizada a importância da qualidade do espaço público, palco de relações sociais, 114
bairros, que se desejam cada vez mais articulados socialmente. Colmatar vazios urbanos, programar parcelas expectantes, acertar
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cotas de soleira, eliminar impasses, fomentar atravessamentos, ajustar
promover a inclusão no espaço colectivo, são alguns dos princípios propostos, constituintes do léxico da actual linguagem urbana que se pretende reformadora.
Figura 14 | Autor/ Arquitecto do Plano: C.M.L., JPFC, NPK, ABAP
A criação de novas mobilidades de carácter ligeiro, e o aproveitamento da dinâmica dos novos equipamentos para introduzir a possibilidade de vivências diferenciadas e usos múltiplos, são outras premissas ponderadas à escala da cidade utilizadas na presente proposta.
8
PARQUE MAYER
O Plano de Pormenor do Parque Mayer visa desenvolver ao usufruto dos Lisboetas este místico local lúdico e de cultura. Pretende-se criar novos espaços culturais, reabilitar o Capitólio e o conjunto patrimonial constituído pelo Jardim Botânico e Museus da Politécnica.
Figura 15 | Autor/ Arquitecto do Plano: Arq. Manuel Aires Mateus - Aires Mateus e Associados, Lda
9
PEDREIRA DO ALVITO
O Plano de Pormenor da Pedreira do Alvito visa a reconversão de uma área ocupada por actividades industriais obsoletas e poluentes através da criação de uma malha urbana que aglutine e valorize as áreas de elevado valor arquitectónico e cultural como o Bairro do Alvito e o Complexo Desportivo do Atlético Clube de Portugal. Para tal os objectivos chave de sustentação da proposta serão: Criação de condições para a ocupação com usos habitacionais, 25% de habitação a custos controlados / rendas apoiadas, e usos comerciais e de serviços de vertente criativa e/ou de base tecnológica não poluente; Criação de equipamentos sociais e de apoio ao recreio e lazer, que assegurem as necessidades actuais e futuras;
Figura 16 | Autor/ Arquitecto do Plano: Arq. João Paciência.
Prever a localização de zonas verdes públicas em articulação com percursos pedonais, praças, equipamentos e zonas de estadia e lazer; Valorização da falésia existente a Norte da pedreira, garantindo a sua permanência como estado memorial e interpretando o seu papel cénico; Estruturar a rede viária local em articulação com a rede viária principal, de forma a melhorar as acessibilidades e os índices de mobilidade interna e externa; perspectiva dinâmica e aberta à introdução das novas tecnologias de 115
10
Exposição Lisboa: Planos e Projectos, Uma Cidade para as Pessoas
térmica e energética;
MERCADO DE BENFICA
A Revisão do Plano de Pormenor da Zona Envolvente do Mercado de propõe rematar a malha urbana através de novas ocupações habitacionais e contempla áreas verdes, equipamento social, desportivo e comercial com a valorização do espaço público fronteiro ao mercado. Com esta revisão pretende-se proceder à reformulação da proposta urbanística, procurando soluções para os problemas existentes e detectados ao longo da implementação do mesmo, como seja, o atravessamento do caneiro de Alcântara que condicionou fortemente o desenho na área de intervenção do plano.
Figura 17 | Autor/ Arquitecto do Plano: CML.
LIGAÇÕES 1 DO CARMO Conclusão da ligação Pedonal do Pátio B ao Largo do Carmo e aos Terraços do Quartel da GNR no Carmo - Constitui prioridade do actual executivo a conclusão da ligação do percurso pedonal do Pátio B ao Largo do Carmo e aos terraços do Quartel da GNR no Carmo, aliando a valorização patrimonial desse local à criação de um espaço público de lazer. Trata-se de um projecto estruturante e estratégico para a Baixadas contrapartidas do Casino de Lisboa, que desta forma permitirá concluir o estabelecido no Plano de Pormenor para Recuperação da Zona Sinistrada do Chiado e nos Planos particularizados para esta zona.
Figura 18 | Autor/ Arquitecto do Plano: Arq. Álvaro Siza Vieira.
PERCURSOS 1 116
Percurso Pedonal assistido da Baixa ao Castelo de S. Jorge - A criação do
Ur
de elevação, da Baixa ao Castelo de S. Jorge, que se associa com
percurso de atravessamento pedonal, assistido por meios mecânicos
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a construção de um silo automóvel no antigo Mercado do Chão do Loureiro, constitui uma das prioridades do actual executivo da Câmara.
entre diferentes cotas, segundo uma estratégia que, facilitando a
Figura 19 | Autor/ Arquitecto do Plano: Arq. Álvaro Siza Vieira.
ESTUDOS URBANOS 1 Estudo Urbano Entrecampos / Sete Rios visa a estruturação integrada desta importante área central de Lisboa ancorada nas interfaces de transportes de Entrecampos / Sete Rios. Este estudo propõe a formalização do Corredor Verde de ligação entre o Parque Eduardo VII e Monsanto e uma proposta articulada de espaço público com o desenvolvimento de novos espaços verdes urbanos.
Figura 20 | Autor/ Arquitecto do Estudo: Instituto Superior Técnico.
2 O Estudo Urbano da Avenida de Berna visa consubstanciar os futuros Planos de Pormenor da área através de um plano que, ao invés de uniformizar o local, vá ao encontro do carácter de cada unidade; de proximidade. quer sob a forma de jardins suspensos, como de logradouros ajardinados de domínio público; permeáveis, nomeadamente ao longo de circuitos hídricos originais, bem como uma expressiva e alargada área de espaço público de
Figura 21 | Autor/ Arquitecto do Plano: ARX Portugal, Arquitectos, Lda.
proximidade para lazer, recreio e alguma produção, nomeadamente através da libertação de terrenos do Curry Cabral, a Poente, e da Refer a Norte; Estabelecer a articulação e a continuidade entre eixos potenciais estruturantes, quer ao nível da mobilidade do peão e bicicleta, quer ao nível dos corredores ecológicos.
Exposição Lisboa: Planos e Projectos, Uma Cidade para as Pessoas
117
3 PLANO GERAL DE INTERVENÇÕES DA FRENTE RIBEIRINHA DE LISBOA Plano Geral de Intervenções da Frente Ribeirinha - Objectivos: Criar uma imagem conjunta de toda a frente ribeirinha, onde as sete colinas e a ligação da cidade ao rio são pontos focais, reduzindo o impacto da barreira constituída por grandes sistemas rodo-ferróviários. promover novas actividades culturais, desportivas, lúdicas, recreativas, comerciais e de restauração. Reordenar a mobilidade, privilegiando os meios de locomoção suaves e o transporte colectivo em detrimento do transporte individual, fomentando ligações em rede entre diversos equipamentos, património, espaços verdes e locais de interesse. Utilizar a zona ribeirinha como uma das áreas prioritárias para a revitalização da imagem da cidade. Promover a participação pública no processo de desenvolvimento de Figura 22 | Autor/ Arquitecto do Estudo: CML.
chave.
PROJECTOS 1 Nascido da vontade política da Câmara Municipal de Lisboa e do Estado Português, o centro de artes contemporâneas AFRICA.CONT propõe-se ser uma plataforma para o desenvolvimento de relações de comunicação, cooperação e interacção entre a Europa, os Países paritárias. O seu campo de acção pretende abranger o conhecimento, a compreensão e a criação plural, estendendo-se a todas as manifestações culturais de África enquanto agente da globalidade contemporânea: paisagem, design, teatro, música, dança, literatura, ciências humanas, moda, culinária, incluindo a electrónica e a internet como veículos de comunicação e suportes culturais por excelência da sociedade de conhecimento que caracteriza a contemporaneidade.
Figura 23 | Autor do Projecto: Adjaye Associates Limited Patrocinadora do Estudo:
O projecto de arquitectura delineado fará com que a AFRICA.CONT seja uma cidade de artes dentro da cidade; uma variedade de pavilhões, mas onde existe interesse tanto nos espaços entre os edifícios como nos próprios edifícios. Activando a vida nas ruas ao longo das vias, no jardim e na praça com performances, música, instalações e dança, será uma directa e verdadeira referência à forma como a cultura é vivida 118
em África.
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2 A integração do Capitólio pressupõe uma aproximação cénica ao sítio urbano - O Parque Mayer, e cénica - ao reabilitar o espaço como lugar de teatro. Transformar o Capitólio é repor a sua “grande-sala” e abri-la, lateralmente, para uma grande praça que “encaixa” o espetáculo. Assim o projecto vem capacitar a reconverção e adaptação do espaço, possibilitando múltiplas situações de mutação de relação público/ actores. A “grande caixa” poderá ser transformada numa única “arena”, experimentado os “limites”... explorando múltiplos formatos de espetáculos. A reabilitação do edifício deve repor e melhorar o seu desempenho, atingindo a versatilidade compatível com os níveis de exigência das produções contemporâneas de espetáculos.
Figura 24 | Cine-Teatro do Capitólio.
A “intocabilidade” do Capitólio como peça arquitectónica é retomada na relação “palco” e “caixa” apetrechada com meios técnicos de cena (luz, som e vídeo) que respeitam a expressão arquitectónica, e o conceito das linhas modernistas do edifício.
3 Programa de Reabilitação e Desenvolvimento Integrado de Marvila (CML) e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que tem por objectivo reabilitar uma parte da Freguesia de Marvila que apresenta graves problemas urbanos e sociais.
Figura 25 | Autor/ Arquitecto do Programa: CML / DMCRU / Unidade de Projecto de Chelas
Exposição Lisboa: Planos e Projectos, Uma Cidade para as Pessoas
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PROCESSOS DE PLANEAMENTO DESENVOLVIDOS 2007/2009: Planos de Pormenor
Planos de Urbanização PU Avenidade da Liberdade e Zona Envolvente
PP em Malha 14 do Plano de Urbanização do Alto do Lumiar
PU Carnide - Luz
PP Matinha
PU Alcântara
PP Avenida José Malhoa
PU Vale de Santo António
PP Parque Mayer
PU Área Envolvente à Estação do Oriente
PP Baixa Pombalina PP Alto de St. Amaro
Termos de Referência
PP Palma de Baixo
PU Alta de Lisboa PP Bairro de Sete Céus
PP Núcleo da Torre
PP Alto dos Moinhos
PP Campus de Campolide
PP Azinhaga da Torre do Fato
PP Amoreiras
PP Azinhaga dos Lameiros
PP Parque Hospitalar Oriental
PP Quinta do Olival
PP Pedreira do Alvito
PP Galinheiras
PP Aterro da Boavista Nascente PP Lisboa Ocidental - Belém
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PP Casal do Pinto
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DIVULGAÇÃO TESES DEFENDIDAS APÓS 2006: O Urbanismo de Lisboa. Elementos de Teoria Urbana Aplicada. Catarina Luísa Teles Ferreira Camarinhas * 121
SÍNTESE Na primeira parte da tese são apresentadas as bases da produção moderno. Desenvolvida a partir do caso de Lisboa, a pesquisa mostra
urbanística de Lisboa: a constituição dos instrumentos legais de
a construção do paradigma moderno através do estudo dos seus
suporte, a institucionalização do urbanismo, a criação de uma rede
principais actores e planos de urbanização.
de actores alicerçada no Instituto de Urbanismo de Paris, bem como
O urbanismo de Lisboa integra-se num movimento internacional
os principais modelos teóricos que foram sendo adoptados ao longo deste percurso. Na segunda parte é apresentado o produto do urbanismo
as etapas características da evolução das ideologias da cidade: um
moderno, nas escalas regional e municipal, fazendo-se a análise dos XX), caracterizado pelas preocupações higienistas, a criação de parques
principais instrumentos de planeamento desenvolvidos em Lisboa durante o século XX, contextualizada nos seus antecedentes teóricopráticos. O trabalho evidencia a associação entre urbanismo e política,
ideais funcionalistas, a estruturação das acessibilidades e a utilização do zonamento; um terceiro momento regenerador, de reconstrução da
apresentando o urbanismo de Lisboa como um instrumento utilizado
urbanidade, uma nova etapa de preocupações regionais, ambientais
pelo Estado Novo para a construção da sociedade moderna.
e democráticas onde o desenvolvimento sustentável se torna o
A transição democrática vem revelar duas tendências recentes
objectivo central de uma nova cidade que se reconstrói sobre a cidade.
no planeamento urbanístico: o modelo de planeamento sustentável e
*
Arquitecta e Urbanista | Professora Auxiliar da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigadora CIAUD-FA
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a ideia de marketing urbano, ambos associados a um novo paradigma da sociedade pós-industrial onde a gestão urbanística e a política urbana assumem um papel preponderante na (re)construção dos territórios urbanos. No século XX, a cidade constitui-se como lugar de produção do urbano, através de programas de expansão que utilizaram as técnicas o papel da análise urbana e do desenho como métodos, associados ao experimentalismo e à divulgação dos modelos urbanísticos. Os primeiros urbanistas portugueses farão a sua formação no Instituto de Urbanismo de Paris e serão responsáveis pela criação de escolas
autoritários e dos ideais unitários, fazem antever o desenvolvimento de novas teorias urbanas e um novo ciclo do urbanismo.
TÍTULO ORIGINAL: L’urbanisme de Lisbonne. Éléments de théorie urbaine appliquée. INSTITUIÇÃO: Universidade de Paris – Sorbonne. 2009. [A publicar pela Editora L’Harmattan]
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DIVULGAÇÃO TESES DEFENDIDAS APÓS 2006: Formas de Habitat Suburbano. Tipologias e Modelos Residenciais na área Metropolitana de Lisboa Cristina Soares Ribeiro Gomes Cavaco * 123
SÍNTESE O carácter atípico dos assentamentos suburbanos e o modo como
explora o argumento de que regra e modelo
eles têm vindo a dispersar-se no território de forma descontínua e fragmentária, tem levado frequentemente a considerá-los territórios de desordem - sem ordem nem estrutura, sem regra nem modelo; por
(morfológica) importante no reconhecimento da legibilidade e inteligibilidade da forma e estrutura urbanas contemporâneas; contributo fundamental, certamente, quando o que se perspectiva é a
caos e irracionalidade a que melhor dá conta da realidade suburbana?
relação entre dinâmicas morfológicas e políticas públicas.
Com a preocupação de constituir uma nova narrativa das formas da suburbanização, simultaneamente sediada na focagem empírica
Lisboa acolhe a investigação empírica e enquadra os casos de estudo
de casos concretos e num afastamento teórico conceptualmente
(limitados aqui aos concelhos de Almada e Odivelas), a proposta de
abrangente para congregar as múltiplas e heterogéneas expressões
uma tipologia exploratória para as formas de ocupação suburbanas
Neste sentido, ao mesmo tempo que a Área Metropolitana de
na AML, procura introduzir, a partir da organização dos casos de de que os subúrbios não são as realidades desordenadas ou irracionais
estudo em cinco grupos ou categorias (Pegadas de Arranque da
urbana associada aos novos padrões de ocupação residencial
Suburbanização, Fragmentos Poligonais de Expansão, Intervalos Eruditos de Excepção, Arranjos de Pormenor Esporádicos, Operações Urbanísticas de Grande Escala
resultantes das dinâmicas de urbanização recentes, o presente trabalho
que faziam falta à interpretação e leitura destes territórios.
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Arquitecta | Professora Auxiliar da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigadora CIAUD-FA
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Como objectivo último esta tese propõe-se chegar a um conjunto de premissas que, constituindo-se como base conceptual de referência, possam contribuir como linhas estruturantes para, entre outros aspectos, ajudar a estabelecer uma nova condição de legibilidade e
inteligibilidade da forma e espaço urbano contemporâneos. INSTITUIÇÃO: Universidade Técnica de Lisboa, Faculdade de Arquitectura. 2009.
Ur DIVULGAÇÃO TESES DEFENDIDAS APÓS 2006: A Avenida Moderna. Avenue des Champs-Élysées, Regent Street e Avenida da Liberdade. Filipa Roseta Vaz Monteiro * 125
SÍNTESE O que é uma avenida? Quando e porque razão apareceram avenidas
a evitar não só preconceitos generalistas mas também conclusões
na paisagem? Quando é que a avenida se tornou urbana? Que
vinculadas a casos isolados. Os três estudos de caso seleccionados
características fazem com que uma avenida seja diferente de uma rua,
foram: Avenue des Champs-Élysées (Paris), Regent Street (Londres), e
estrada ou boulevard? Que características unem as originais avenidas
Avenida da Liberdade (Lisboa).
seiscentistas às avenidas de hoje?
Com base nas três avenidas seleccionadas, este trabalho
A literatura e as fontes consultadas no decorrer desta pesquisa século XVII, foi reinventada com o liberalismo político e económico do na cidade medieval. As avenidas apareceram e desenvolveram-se a
século XIX e foi utilizada como modelo ao longo do século XX. enquanto instrumento de desenho urbano: é uma tipologia com
revelando o lugar que ainda tem no desenho da cidade de hoje.
carácter inclusivo e multifuncional integrando espaço público, redes
A revisão da literatura existente revela que o entendimento da
de infra-estruturas, natureza e cidade. Este carácter, aliado a uma
avenida enquanto tipologia ou é demasiado geral, negligenciando
escala monumental, permite que a avenida se transforme tacitamente no lugar público de manifestação colectiva de cada cidade. Como
apenas situações isoladas. A metodologia utilizada nesta investigação
lugar público, a avenida consegue adquirir uma condição de memória
assentou na análise comparativa de três estudos de caso de modo
primordial onde todos os eventos políticos, culturais ou sociais
* Arquitecta | Professora Auxiliar da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigadora CIAUD-FA
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relevantes à vida urbana deixam a sua marca. Assim, a avenida de modelos universalmente reprodutíveis, subverte a sua origem cidade, particular a cada comunidade. TÍTULO ORIGINAL: The Modern Avenue. Avenue des Champs-Élysées, Regent Street, and Avenida da Liberdade. INSTITUIÇÃO: Royal College of Art (Londres). 2009.
Ur DIVULGAÇÃO TESES DEFENDIDAS APÓS 2006: A Ribeira entre projectos. Formação e transformação do território portuário, a partir do caso de Lisboa. João Pedro Teixeira de Abreu Costa * 127
SÍNTESE A «Ribeira entre projectos» estuda as frentes de rio industriais com base no caso de Lisboa, centrando-se nos momentos da sua formação
cada, o seu período predominante no tempo:
territorial e da sua transformação urbana.
1. A formação edifício a edifício;
Sendo uma frente ribeirinha plural – no espaço e no tempo –, é
2. A estrutura de molhe, rua e armazém;
composta por múltiplos espaços com lógicas e características distintas,
3. O crescimento não planeado, suportado pelos corredores de
sejam áreas preexistentes ou espaços conquistados ao rio, localizados
acessibilidade;
junto à água ou dela separados algures no tempo. Primeiro ocupada
4. O projecto da companhia industrial;
pela industria da cidade, pelo porto ou pelas novas infra-estruturas de
5. O plano geral do porto, em frente da cidade;
acessibilidade a ambos, esta frente de rio conheceu dinâmicas de uso
6. O loteamento industrial;
variáveis no tempo.
7. O grande complexo industrial autónomo.
padrões comuns de formação e transformação das frentes de rio a transformação da frente de rio pós-industrial, sendo propostos: A. A transformação à escala do projecto de arquitectura; Roterdão, Xangai, Duisburgo e Hamburgo.
B1. A transformação da companhia industrial; B2a. O projecto do grande equipamento colectivo de frente-rio; B2b. A transformação do espaço industrial como novo tecido urbano;
* Arquitecto | Professor Auxiliar da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design | Investigador CIAUD-FA
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B2c. O projecto de espaço público de frente-rio;
o princípio que lhe está subjacente: cada cidade portuária é um caso
C. A transformação do espaço de jurisdição portuária; D1. O projecto especial; D2. O projecto metropolitano.
formas particulares.
dimensões urbanas que, face à tipologia, têm uma presença regular
TÍTULO ORIGINAL:
nos exemplos estudados.
La Ribera entre proyectos.
No estudo das diferentes partes e momentos da frente ribeirinha é assumido, desde o início, que cada exemplo é único e
Formación y transformación del territorio portuario, a partir del caso de Lisboa.
que cada caso é diferente dos demais. O conteúdo das duas partes INSTITUIÇÃO: análise de exemplos distintos em cinco casos diferentes, cada qual
Universidade Politécnica da Catalunha,
com as suas características próprias; “processos”, marca o ensaio de
Escola Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona.
sistematização de diferentes realidades em padrões comuns – com a
2007.
necessária componente de redução. para informar o trabalho sobre outras frentes de rio, sempre assumindo
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DIVULGAÇÃO TESE DE DOUTORAMENTO EM CURSO NA FAUTL: A Arquitectura da Metacidade/Inforpolis Luís Carvalho * 129
SÍNTESE [Facto] Nas últimas décadas assiste-se, no Ocidente, a um processo de
uma nova cidade: a Inforpolis, (Termo encontrado no âmbito da
transição civilizacional, processo do qual resulta a emergência de uma
Dissertação de Mestrado de Planeamento Regional e Urbano da
nova sociedade: a denominada sociedade de informação. abordagem, essa tal cidade da sociedade de informação. [1.º Momento]
O rumo dessa nova cidade será então marcado pela (in)
pelo triunfo urbano e por drásticas alterações dos elementos de
conceito, do seu limite e do seu governo sendo que tripla oscilação urbanística, operacional e política – da qual resulta que a Inforpolis se
referência civilizacional: o estado-nação, a democracia, o capitalismo
torne inconcebível, ingovernável e indeterminável.
No Ocidente essa nova sociedade é decisivamente marcada pela
expansão das tecnologias de informação e do conhecimento (TIC),
e a família. [3.º Momento] [2.º Momento]
Essa tripa oscilação/incapacidade origina, por sua vez, uma outra
Uma das consequências dessa transição civilizacional corresponde
oscilação, esta instrumental, em torno da ideia do Plano. Ou seja, tendo
a uma transição urbana na medida em que, desse processo, emerge
em conta o presente processo de transição civilizacional, torna-se
* Arquitecto | Assistente Convidado da FA-UTL | Departamento de Projecto de Arquitectura, Urbanismo e Design
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obsoleto intervir na Inforpolis (uma entidade da nova sociedade de informação) no quadro do actual sistema de Planeamento Territorial
Universidade Técnica de Lisboa,
(um instrumento da sociedade industrial da Civilização Ocidental).
Faculdade de Arquitectura.
[Conclusão]
Em curso.
A Arquitectura da Metacidade/Inforpolis (título provisório da Tese) linha orientadora da hipótese de trabalho. Isto é, ao assumir o novo paradigma tecnológico assente no binómio informação/conhecimento e uma nova era civilizacional no Ocidente, então, existem certamente novos elementos (que vão para além da linguagem arquitectónica e urbanística contemporânea) que corporizam esse novo produto espacial que está para além do encerramento conceptual de Cidade.
INSTITUIÇÃO:
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DIVULGAÇÃO MASTER ERASMUS-MUNDUS Estudos Urbanos em Regiões Mediterrânicas | EURMed ESPECIALIZAÇÃO NA UTL | FACULDADE DE ARQUITECTURA
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O master “Estudos Urbanos em Regiões Mediterrânicas” forma
análise do território e do projecto territorial. O semestre 3 visa uma
especialistas em ordenamento sustentável, capazes de realizar
especialização e a elaboração de um diagnóstico cuja temática varia
estudos sobre territórios de tipo mediterrânico, marcados por um
por universidade: metropolização (UPCAM), sociologia, políticas
litoral em processo acelerado de urbanização e por um interior em
e estudos territoriais (UG), desenvolvimento do litoral e espaços
plena transformação. O programa “Master Erasmus Mundus” de Estudos Urbanos
(UTL). O semestre 4 visa a concepção de um projecto territorial, a
em Regiões Mediterrânicas resulta de uma parceria entre quatro
redacção de uma dissertação individual, para quem escolhe a via
Universidades: Universidade Paul Cézanne de Aix-Marselha III
de investigação, ou de um relatório de estágio, para quem escolhe
(UPCAM), Universidade de Sevilha (US), Universidade de Génova (UG) e Universidade Técnica de Lisboa (UTL). A sua associação em consórcio confere uma formação de excelência em áreas disciplinares
um ou mais docentes da equipa pedagógica. A língua de ensino é
complementares: o ordenamento do território e o urbanismo
a da universidade de acolhimento (espanhol, francês, italiano ou o
(UPCAM), as ciências políticas, a sociologia e os estudos territoriais
português). Os estudantes seguem a sua formação pelo menos em dois estabelecimentos e devem pois ter o domínio de pelo menos
A formação desenvolve-se em 4 semestres, num total de 120
duas das línguas faladas no consórcio. Serão disponibilizados aos
créditos ECTS. Os semestres 1 e 2 centram-se nos fundamentos da
estudantes cursos de aperfeiçoamento na língua da universidade
de acolhimento, bem como cursos de prática da língua das outras
idiomas do consórcio, a pertinência do percurso de mobilidade e a
universidades programadas na sua mobilidade e ainda curso de inglês.
motivação constituem os principais critérios de selecção.
DIPLOMA
cuidadosa dos elementos a apresentar no processo de candidatura. O
O Master Erasmus Mundus EURmed foi aprovado em 2006 pela
mestrado Erasmus Mundus EURMed oferece actualmente dois tipos
União Europeia, na versão de diploma múltiplo, sendo apoiado
de bolsas para estudantes: (A) para estudantes não europeus e (B) para
O programa é muito competitivo, pelo que se sugere a preparação
em mestrados pré-existentes das quarto universidades parceiras.
estudantes europeus ou não europeus tendo passado mais de 12 anos
No caso da Universidade Técnica de Lisboa, através da Faculdade
na Europa. O Erasmus Mundus oferece ainda bolsas para docentes
de Arquitectura, o EURMed estava integrado no Mestrado em
universitários não europeus.
Reabilitação da Arquitectura e dos Núcleos Urbanos (MRANU) que se extinguiu com a entrada da UTL no processo de Bolonha. Desde
INTERLOCUTORES PARA O CONSÓRCIO EURMED:
2008, o consórcio EURmed decidiu avançar com um diploma conjunto
> Daniel Pinson, Coordenador, Université Paul Cézanne Aix-Marseille III,
EURMed a atrbuir pelas quarto universidades parceiras. Neste sentido,
[email protected]
as universidades inciaram um processo de acreditação do mestrado
> Enrique Lopez Lara, responsável pela Universidade de Sevilha,
EURMed. Em Portugal, o Curso de Mestrado em Estudos Urbanos em
[email protected]
Regiões Mediterrânicas (Erasmus Mundus) foi publicado em Diário da
> Antida Gazzola, responsável pela Universidade de Génova,
República (2.ª série, N.º 234, de 3 de Dezembro de 2010, Despacho n.º
[email protected],
[email protected]
18084/2010), na sequência da sua acreditação e da criação deste 2º
> Isabel Raposo, responsável pela Universidade Técnica de Lisboa
ciclo pela Direcção Geral do Ensino Superior. Em resultado da criação do EURMed em Portugal, a UTL, através
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Outros docentes principais:
da Faculdade de Arquitectura, conjuntamente com as três restantes
> Université Paul Cézanne: Denis BERTHELOT, Michel Chiappero, Hervé
universidades do consórcio, conferem o grau de mestre em Estudos
DOMENACH, Alain LEBIGOT, Alain MOTTE, Bernard PLANQUE
Urbanos em Regiões Mediterrânicas.
> Universidad de Sevilla: Rafael BAENA, José MIRANDA BONILLA, Fernando DIAZ DEL OLMO, Florence ZOIDO
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PROCESSO DE CANDIDATURA
> Universita degli Studi di Genova: Giuliano CARLINI, Daniela RIMONDI
Podem apresentar a sua candidatura os estudantes que tenham
> Universidade Técnica de Lisboa: José AGUIAR, João CABRAL, Catarina
um bacharelato ou licenciatura correspondendo a 180 ECTS, nas
CAMARINHAS, Maria João CARVALHO, Cristina HENRIQUES, Graça
seguintes áreas disciplinares: arquitectura, planeamento urbano e
MOREIRA, Margarida MOREIRA, Fernando PINHEIRO
a engenharia, a sociologia, a antropolgia, as ciências políticas ou o
INFORMAÇÕES E CONTACTOS
direito.
Para dúvidas ou esclarecimentos adicionais, contactar:
O processo de candidatura deve ser enviado para a Universidade
Prof. Isabel Raposo,
[email protected]
coordenadora, contendo:
Prof. Margarida Moreira,
[email protected]
- um formulário (a descarregar do site) que deve ser enviado por e-mail
Prof. Catarina Teles Ferreira Camarinhas,
[email protected]
e em formato papel, por correio;
- carta de motivação; - 2 cartas de recomendação. Os estudantes são seleccionados pelo Comité de selecção do Consórcio Erasmus Mundus Eur-Med, a partir do exame do formulário de candidatura e dos documentos que o acompanham. A excelência do percurso de estudos anterior, o domínio de pelo menos dois dos
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