Mendes, L. (2016) – “Editorial – Educação e Territórios: reescalonamentos a partir das lentes da (des)centralização”, Apogeo, n.º 48, pp.2-5.

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apogeo Revista da Associação de Professores de Geografia

Sumário Editorial – Educação e Territórios: reescalonamentos a partir das lentes da (des)centralização | Luís Mendes .......................................................... 2 1. Constituição da República, Regionalização e Recentralização da Educação | Jorge Martins...................................................................... 6 2. Educação, Municípios e Estado: a Regulação da Educação num contexto de Descentralização e Multiterritorialidade | Elvira Tristão............. 14 3. Descentralização político-institucional no Brasil e em Portugal: repercussões na municipalização e gestão local da educação | Donaldo Bello Souza e Dora Fonseca Castro .......................................................... 20 4. A relação escola – municípios e o desenvolvimento sustentável em Portugal: Duas propostas educativas | Helena Bernardo e Sérgio Claudino..................................................................................................... 31 5. Que intervenção dos municípios portugueses na educação? As Cartas Educativas | Pedro Santos Lopes............................................... 37 6. O que são ou devem ser os Conselhos Municipais de Educação? | Clara Freire da Cruz............................................................................................. 48 7. Os TEIP: do reforço escolar à intervenção territorial | Pedro Abrantes e Cristina Roldão........................................................................................ 56 8. Não à Municipalização da Educação! | Vanessa Silva................................. 62

Editorial FICHA TÉCNICA apogeo | n.° 48 | julho 2016 Diretor Pedro Damião Comissão de redação: Emília Sande Lemos Ana Cristina Câmara Maria Vitória Albuquerque Miguel Inez Soares Clara Rocha Maria Helena Magro Maria Helena Lobo Maria Laurinda Pacheco Maria Isabel Gingeira Isabel Amorim Costa Colaboradores convidados: Jorge Martins Elvira Tristão Donaldo Bello Souza Dora Fonseca Castro Helena Bernardo Sérgio Claudino Pedro Santos Lopes Clara Freire da Cruz Pedro Abrantes Cristina Roldão Vanessa Silva Luís Afonso Propriedade: Associação de Professores de Geografia Bairro da Liberdade, Impasse à Rua C, lote 9, loja 13 1070-023 LISBOA Tel.: 213 861 490 Fax: 213 850 374 E-mail: [email protected] [email protected] Página da Internet: www.aprofgeo.pt Produção gráfica: Plátano Editora, S.A. Tiragem: 900 exemplares ISSN: 0872-2544 Depósito Legal: 21206/89 Preço: 6 euros Foto da capa: Vila Franca de Xira (Miradouro de Monte Gordo) © Ana Cristina Câmara

Educação e Territórios: reescalonamentos a partir das lentes da (des)centralização Pensar a educação geográfica numa perspetiva de cidadania territorial é também refletir sobre os processos, as formas e as práticas de como se constroem e produzem os territórios da educação. Esta é a visão que norteou a organização deste número especial temático da Apogeo, que versa precisamente sobre a importância de compreendermos melhor a relação que se estabelece entre os territórios e a educação que estes arquitetam, especialmente num período em que os conceitos de «municipalização» e «descentralização», na continuação da «autonomia», se propõem a propósito da Escola Pública portuguesa, mas desprovidos de prévia e atenta revisão e reflexão, sobretudo com o envolvimento daqueles a quem mais esta mudança pode interessar e afetar: as comunidades educativas a nível local. Não se pretende que este número se esgote na problemática da descentralização educativa, mas que a discussão se estenda às forças, figurinos e arquiteturas territoriais que a educação assume no plano local, às quais não é alheio o clima de austeridade pelo qual o país passou recentemente. A reflexão inicia-se com o texto de Jorge Martins que desenvolve os diferentes níveis de administração pública educativa no território português e demonstra como na impossibilidade de verdadeira descentralização na educação, e num contexto de crise austeritária, as Comunidades Intermunicipais e as Associações de Municípios têm emergido como novos protagonistas neste processo. Estes não constituem uma instância de poder verdadeiramente democrático intermédio entre administração central e local, mas dotados de vultuosos meios financeiros comunitários, acabando por assumir-se como um nível de articulação, coordenação e planificação entre (e de) vários poderes. Assim, diz o autor, o governo regionaliza sem regiões, pois a delegação de competências concretiza-se através da celebração de contratos inter-administrativos, ou seja, de parcerias público-público entre duas partes da administração (poder central e poder local, governo e municípios) com poder político e financeiro muito desigual, para além de que, sem envolver as escolas e os agrupamentos escolares na celebração dos contratos, o governo parece estabelecer um novo paradigma recentralizador na administração do sistema. Na parte final do seu artigo, o autor denuncia como o aprofundamento recente da reorganização da rede escolar responde não a interesses de democracia de proximidade, mas a questões de ratios de eficiência e eficácia na gestão e funcionamento dos serviços públicos, prementes num contexto de crise simultaneamente económica e do Estado-Providência. Também para Elvira Tristão, a descentralização das funções de provisão educativa para a periferia do sistema, designadamente por via da promoção da autonomia das escolas e da descentralização de competências para as autoridades territoriais de dimensão regional ou municipal, parece tratar-se de um processo que acompanha uma maior reestruturação das funções do Estado, pelo menos desde os anos 80. Na visão da autora, mais do que um processo de recentralização, assistimos a uma tentativa de equilíbrio entre a centralização e a descentralização, num país como Portugal, onde o sistema educativo tem sido tradicionalmente centralista, de tradição napoleónica, e onde as tentativas de descentralização são tímidas e configuram um processo moroso. Assim, longe do que aparentemente parece ser um efetivo recuo da intervenção estatal no setor da educação, a definição dos objetivos estratégicos e a avaliação e controlo do sistema educativo permitem constatar que, apesar do Estado declinar as suas responsabilidades de provisão educativa, acaba por reforçar o seu poder de controlo sobre o sistema, pois adota o papel de regulador e de supervisor, deixando para as instâncias locais a provisão da educação. Por exemplo, diz a autora que o reforço do poder da administração central tem sido concretizado por via da definição prescritiva das metas educativas e da intensificação da avaliação externa das aprendizagens e das escolas e agrupamentos. No artigo seguinte, Donaldo Bello Souza e Dora Fonseca Castro discutem, sob perspetiva comparada, alguns aspetos da descentralização político-institucional no — 2 —

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Brasil e em Portugal, refletindo sobre as repercussões deste processo na municipalização e gestão local da educação. O processo no Brasil tem-se feito por imposição de decisões vindas do poder central ou simples transferência de encargos, sem que exista a transposição conveniente dos meios e recursos necessários e a garantia de participação efetiva da sociedade por meio de conselhos, com representação popular e poder deliberativo. Ao mesmo tempo, descentralização parece confundir-se com desconcentração, sobretudo se este segundo conceito se operacionalizar como uso instrumental e funcional do primeiro, num contexto de contenção das despesas públicas, assim como de intensificação da abertura do país ao capital financeiro internacional e às tendências da privatização. A exemplo do que veio a suceder no Brasil, em Portugal, apesar do marco significativo em termos legislativos que a promulgação da Lei de Bases da Educação em 1986 representou para o desenvolvimento das ideias de participação e descentralização, a verdade é que o ímpeto se esgotou numa mera desconcentração, quando nos anos seguintes se intensificou a transferência de competências da administração central para estruturas de gestão intermédia, designadamente: as Direções Regionais de Educação e os Centros de Área Educativa. Estas estruturas foram utilizadas pela administração central para retomar o controlo quase absoluto sobre o sistema educativo, mais uma vez revelando a natureza centralizadora de um Estado controlador.

Souza e Castro, apoiando-se numa vasta e profunda revisão da literatura e nos marcos jurídicos e normativos que vieram regular o processo de descentralização da educação em ambos os países, problematizam de forma crítica a dicotomia entre – como referem os autores noutro estudo seu – a «exigência legal e a exequibilidade real», ou seja, as contradições entre o plano dos discursos político-normativos e os planos da ação desenvolvidos na realidade local, que apenas tornam a descentralização reclusa de retóricas desprovidas de aplicação prática, enviesando o desenvolvimento do processo. Helena Bernardo e Sérgio Claudino explicam como os municípios portugueses têm assumido um conjunto crescente e diversificado de competências educativas a partir de delegação do poder central (top-down), num contexto contemporâneo em que as reivindicações sociais de participação e de administração têm feito emergir o poder local e municipal como interlocutor e sujeito de intervenção dos processos educativos. Os autores, com base em conclusões da tese de mestrado de Helena Bernardo, com orientação de Sérgio Claudino, pretendem perspetivar a sustentabilidade territorial local, analisando-a a partir da forma de como os municípios intervêm em contexto educativo. Neste sentido, torna-se relevante tanto o levantamento de projetos/programas de boas práticas que os municípios promovem, como as representações que diversos atores educativos têm face a essa intervenção. No seguimento dos textos anteriores, e mediante a publicação do DecretoLei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro de 2015, que estabelece o regime de delegação de competências nos municípios e

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entidades intermunicipais no domínio de funções sociais, os autores consideram relevante dar continuidade a uma série de questões de partida: Existe um desempenho específico dos municípios na definição e implementação de políticas de educação? Como têm sido concretizadas as suas políticas educativas? Como construir a cidade/município educador, em que todos os atores com responsabilidades educativas são chamados a participar no desenvolvimento sustentável local? Bernardo e Claudino propõem-se responder a estas questões através de uma reflexão teórico-prática que se fundamenta na discussão do conceito de administração local relacional aplicada ao campo das comunidades educativas, especificamente, às dos municípios educadores. Os autores concluem que o país continua a caracterizar-se por um sistema educativo centralizador, o que acaba por estrangular a iniciativa local/municipal. Na maioria dos casos, a intervenção municipal é percecionada pelos atores educativos de forma instrumental e as parcerias a estabelecer com e nas comunidades escolares surgem, aparentemente, pela incapacidade manifesta da esfera da Administração Central na resolução de problemas no setor. Na linha desta conclusão surge também o artigo de Pedro Santos Lopes que, mesmo reconhecendo a falta de tradição no nosso país de intervenção das autarquias locais na administração da educação, pois, historicamente, constata-se a pouca ou quase reduzida expressão da extensão das suas competências educacionais; não deixa, todavia, de considerar inequívoco o princípio que a escala municipal é indispensável na organização e administração do sistema educativo e de que os municípios portugueses têm gradualmente consolidado o seu papel neste âmbito. Neste artigo, Lopes vai estabelecer uma linha diacrónica, assinalando os principais momentos históricos da crescente intervenção dos municípios na administração da educação, aspeto que considera fundamental para o sucesso da reforma educativa em Portugal, enquanto alternativa ao paradigma da centralização, que tem caracterizado o panorama do nosso sistema educativo nos últimos 150 anos. Porém, o autor vai centrar-se com mais atenção nas possibilidades abertas com a publicação do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro, mais tarde alterado pela Lei n.º 41/2003, de 22 de agosto, e que regulamenta os Conselhos Municipais de Educação e aprova o processo de elaboração da Carta Educativa. Defende que a crescente intervenção municipal na área da educação não é apenas uma consequência direta da evolução da legislação neste campo, mas antes é justificada pelas carências reveladas por esse mesmo sistema e pela incapacidade manifesta pelo Ministério da Educação para responder, de modo contextualizado, aos problemas das diferentes regiões e localidades do país. Aplica-se, neste caso da administração territorial do campo da educação, o princípio da subsidariedade: concessão de um determinado grau de autonomia a uma autoridade que se encontra subordinada (poder local) a uma instância hierarquicamente superior (poder central), com vista a uma resolução mais eficaz e eficiente dos problemas e das necessidades à escala do plano onde se originam. À semelhança de outros contributos neste número da Apogeo, para Pedro Lopes a participação das autarquias na educação, por meio de elaboração e produção da Carta

Educativa, surge associada a imperativos de natureza económica, relacionados com a escassez de recursos ao nível das instituições educativas e com a mobilização dos recursos criados ou já existentes nas comunidades, embora não sejam de menosprezar as motivações de índole política relacionada com a participação, definição e conceção de projetos educativos à escala local. No entanto, conclui que a dimensão económica deste processo prevalece em relação à dimensão política, uma vez que as autarquias participam numa perspetiva de otimização e rentabilização de recursos, embora sejam menos solicitadas a participar na tomada de decisões ao nível de política educativa. Clara Freire da Cruz propõe-se, no texto seguinte, a uma reflexão sobre o papel dos Conselhos Municipais de Educação (CME) na regulação local da educação. Serve-se da investigação que desenvolveu sobre os CME para referenciar os limites e as potencialidades destas instâncias na regulação dos territórios educativos. O estudo do programa de institucionalização dos onze CME da Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo nas suas sequências de ação pública permite-lhe considerar que a diversidade e a complexidade destas entidades à escala nacional resultam da variedade dos processos de construção desta política em cada espaço local, dos seus diferentes regimes de conhecimento e da ação dos múltiplos atores, principalmente das autarquias e dos seus autarcas, das escolas e dos seus professores. E é em função desta diversidade que avança com as três tipologias de CME, substantivamente identificadas: pela ausência; pela conformidade; pela estratégia/diferenciação. A partir destas tipificações, Freire da Cruz equaciona a questão política central de saber o que são ou devem ser os CME, perspetivando as vantagens e os inconvenientes de cada um dos processos de regulação do espaço educativo local. Esta autora também defende que um processo genuíno de descentralização no sistema educativo português não se constrói por automatismo legislativo, exigindo, pelo contrário, sólidas plataformas ou instâncias de racionalização e de mediação, capazes de gerir as tensões e dinâmicas complexas de uma ação pública onde se confrontam diferentes agentes educativos, parceiros sociais, entre outros stakeholders, com interesses e perspetivas muitas vezes divergentes e conflituais. Este é o fio condutor do texto de Freire da Cruz, ancorado empiricamente nas diferentes tipologias de CME e, especialmente, naqueles que sobressaem do universo estudado por comprovarem as suas potencialidades como espaços de partilha de competências, de gestão de conflitos e de cultura de mobilização de saberes e de aprendizagem política. É a esta «cultura do território» e «cidadania local» que parecem estar alienados os projetos que surgiram desde o fim do século passado abrangidos pelo Programa dos Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). Esta é a linha condutora da crítica traçada por Pedro Abrantes e Cristina Roldão no texto incluído também neste número da Apogeo. Os projetos TEIP têm um papel importante na territorialização das políticas, precisamente, fomentando nos agentes locais uma reflexão sobre quais os processos educativos que existem e podem existir em territórios específicos excluídos ou marginalizados económica e sociourbanisticamente. O programa tem como objetivos a melhoria da qualidade das aprendizagens traduzida

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em sucesso educativo dos alunos, através do combate ao abandono e insucesso escolar, de uma orientação educativa e transição qualificada para a vida ativa, por meio do reforço do papel da escola como elemento central da vida comunitária. Um dos aspetos críticos do programa começa logo pelo facto do figurino dos TEIP ter surgido por solicitação da administração central, sem que as dinâmicas locais existentes, tanto as que potenciam a construção de projetos educativos comunitários como as que podem constituir verdadeiros obstáculos, fossem efetivamente tidas em conta. Os TEIP parecem ter sido delimitados com base na urgência relativa dos problemas dos estabelecimentos de ensino, sendo entendidos como espaços de «compensação», em que é enfatizada a dimensão escolar, sendo que o território passa a ser apenas equacionado como problema. Outro ponto fraturante que parece impedir a compatibilidade entre intervenção prioritária e territorialização de políticas educativas neste domínio é o de que, em países como Portugal, as escolas sempre foram controladas historicamente a partir de um centro políticoadministrativo, pelos que especifidades locais e regionais parecem ter ficado diluídas e até mesmo deslegitimadas, em prole de do mito de uma identidade nacional. A própria ênfase registada pelos autores no que concerne às ameaças e estrangulamentos (pontos fracos) dos territórios em causa, em detrimento das potencialidades, aquando do diagnóstico, tende a revelar uma lógica de intervenção «assistencialista», que coloca obstáculos à adequabilidade e sustentabilidade das intervenções e ao empowerment dos atores locais, sendo este último, justamente, um pilar primordial da territorialização do programa TEIP. Embora seja alvo de considerações em alguns dos artigos deste número da Apogeo, é no texto de Vanessa Silva que encontramos a análise mais crítica do Decreto-Lei n.º 30/2015, promulgado no âmbito do «Programa Aproximar Educação» que o XIX Governo Constitucional de Portugal (21 de junho de 2011 a 30 de outubro de 2015) lançou e que encetou uma descentralização por via de delegação contratual de competências na área da educação e formação, dos serviços atuais do Estado para os Municípios. A autora desconstrói as condições de desempenho, o modelo de financiamento, as matérias a transferir e elabora uma profunda crítica a todos os princípios do processo, argumentando que este não é um processo de verdadeira descentralização, mas sim de uma mera delegação de competências (ou seja, desconcentração administrativa), estabelecida em sede de um instrumento de contratualização – contrato interadministrativo de delegação de competências. Silva explica de que forma o processo de «descentralização» pressuposto neste modelo administração da educação é uma fraude e tende a centralizar mais do que a descentralizar. O ponto de partida é de que não se evidencia, na prática, apenas uma transferência de competências do poder central para o poder local, mas sobretudo de deveres e encargos. Trata-se sim de uma desconcentração centralizadora, pois na hora da verdade, são muito mais fortes os fatores centrípetos do que os centrífugos. Este processo, advindo já de 2008 (com a transferência de competências no âmbito da ação social, transportes escolares e atividades de enriquecimento curricular),

tem vindo, na verdade, a impor uma transferência forçada de encargos, subordinando as autarquias a meros executores das políticas definidas pela administração central, desrespeitando o princípio da autonomia do poder local, e desaproveitando as reais possibilidades que o princípio da subsidiariedade comporta. Para Vanessa Silva, trata-se de um processo que revela o progressivo desinvestimento imposto ao sistema público de educação, num clima de crise económica e austeridade financeira, como fica evidente através da experiência dos diferentes processos de transferência e delegação de competências para os municípios, expondo a diferença existente entre os recursos transferidos e os custos reais suportados para suprir as necessidades decorrentes do exercício dessas competências. Esta é, aliás, uma tónica comum em praticamente todos os textos: a da associação da descentralização e municipalização da educação à emergência de um paradigma neoliberal no que toca ao governo da educação em Portugal. As tendências de descentralização, municipalização ou autonomia no campo da educação não parecem estar só ao serviço de uma gestão mais democrática e participante dos diferentes atores e agentes na vida da escola e no quadro institucional da política e da administração educacional, mas, sobretudo, de princípios de eficácia e eficiência, e maximização de recursos no funcionamento dos estabelecimentos de ensino enquanto serviço público, cujos custos na despesa geral do Estado urge limitar, face às exigências de um contexto austeritário de crise económica como a que vivemos. O paradigma neoliberal na gestão e administração do sistema educativo defende a descentralização numa lógica emancipatória e de localismo progressista, empreendorismo dos recursos e mobilização/ participação das competências das comunidades locais, tudo vetores-chave na «democracia da proximidade», mas na verdade, parece esconder tendências recentralizadoras de controlo mais eficaz, das periferias supostamente autónomas, por parte do poder central. Parece-nos uma problemática pertinente e que se afigura urgente discutir, sobretudo quando parece ter persistido nestes últimos anos um grande vazio de discussão e interpretação pública dos fenómenos em curso, no meio académico, especificamente, e na comunidade de geógrafos, de forma mais ampla. Por conseguinte, este número reúne contributos oriundos de diversas áreas científicas, que não apenas os da geografia, condensando esforços de diversos especialistas na matéria, reconhecidos a nível nacional e internacional, de forma a promover um esclarecimento objetivo, crítico e reflexivo em torno da temática. Esperamos que o desafio se cumpra, a bem de territórios mais educativos. Luís Mendes1

1 Este será o último número da revista a ser divulgado simultaneamente em formato de papel e digital. Doravante, por decisão da Assembleia de Sócios, a revista será editada exclusivamente em formato digital.

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ANÁLISES E REFLEXÕES

1. Constituição da República, Regionalização e Recentralização da Educação Jorge Martins Universidade Lusófona do Porto (ULP) e Centro de Investigação e Intervenção Educativa da FPCE da UP Email: [email protected]

O contexto constitucional e a administração pública educativa local Tendo presente as disposições da Constituição da República Portuguesa (CRP) sobre os vários níveis de administração pública, constata-se que o ordenamento constitucional do território e da administração educativa não contempla alternativas às regiões administrativas (ainda inexistentes) que não sejam as associações de autarquias locais que, hoje, apenas podem ser Áreas Metropolitanas ou Comunidades Intermunicipais. Nem umas nem outras, contudo, representam um nível intermédio de poder próprio entre as administrações central e local, com escrutínio democrático e com governação eleita, e com atribuições e competências constitucionais originárias. Tal facto, associado ao crescente desenvolvimento de mega-agrupamentos escolares, tem reforçado o cariz acentuadamente centralista do Estado português, que legitima e determina o centralismo ainda hoje dominante, através de novas formas, na administração educativa. Vejamos quais são os limites constitucionais para a administração pública da educação e para os respetivos níveis de ordenamento. A CRP, nos Princípios Fundamentais, estabelece que Portugal é um Estado Unitário que respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular (os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas, dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprios) e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública (AP). Em educação, determinando que é tarefa fundamental do Estado assegurar o ensino e a valorização permanente da língua portuguesa, a CRP esclarece, no capítulo dos Direitos e Deveres Fundamentais, que é garantida a liberdade de aprender e ensinar, que o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou

religiosas, que o ensino público não é confessional e que é garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas. Estas garantias são retomadas no capítulo dos Direitos e Deveres Culturais, onde encontram a explicitação dos seus objectos e objectivos. Assim, no Art.º 73.º, a CRP esclarece que todos têm direito à educação e à cultura e que o Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva. Mas é nos artigos seguintes que a CRP estabelece as obrigações do Estado na promoção do objectivo de que «todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar» (CRP, Art.º 74.º, 1 e 2). Estas obrigações vão desde o dever de assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito e criar um sistema público de educação pré-escolar, até estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino e inserir as escolas nas comunidades que servem, estabelecendo a interligação do ensino e das atividades económicas, sociais e culturais. Assim, o Estado fica obrigado a criar uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população, mas reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo e estipula a democraticidade no acesso ao ensino superior e o estatuto de autonomia das universidades. Ao mesmo tempo, determina a participação democrática no ensino esclarecendo que os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei que deverá regular as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das

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instituições de carácter científico na definição da política de ensino (Art.º 77.º, 1 e 2). Quanto ao regime autonómico insular, que é estabelecido no Título VII da CRP sob a designação genérica de Regiões Autónomas, importa referir que, em matéria de educação e ensino, com uma única exceção respeitante à legislação sobre «Bases do Sistema de Ensino», que é da reserva absoluta de competência da Assembleia da República (CRP, Art.º 164.º, i)), os poderes das regiões autónomas abrangem todas as matérias (e domínios) enunciadas no respetivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania (Idem, Art.º 227.º). Finalmente, sobre o Poder Local, de que trata o título VII, a CRP esclarece que este diz respeito às autarquias locais que, fazendo parte da organização democrática do Estado, são definidas como pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas (CRP, Art.º 235.º, 1 e 2). O texto constitucional estabelece diferentes categorias de autarquias locais e remete para legislação própria a divisão administrativa do território. No continente, as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas. Nas grandes áreas urbanas e nas ilhas, a lei poderá estabelecer, de acordo com as suas condições específicas, outras formas de organização autárquica. As atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, são reguladas por lei1, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa. A CRP refere que as autarquias locais, embora tenham património e finanças próprios, têm um regime de finanças estabelecido por lei que visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau (Idem, 238.º), mas salvaguarda a tutela administrativa que consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos. Os municípios podem constituir associações e federações para a administração de interesses comuns, às quais a lei pode conferir atribuições e competências próprias e participam, por direito próprio, nas receitas provenientes dos impostos directos, embora também disponham de receitas tributárias específicas. Quanto às regiões administrativas, para existirem têm que ser criadas por lei e simultaneamente2, o que ainda não aconteceu. Esta lei definirá os respectivos poderes, a

composição, a competência e o funcionamento dos seus órgãos, podendo estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma. Ainda sobre a descentralização administrativa, a lei constitucional refere que a AP será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática. Para estes efeitos, a lei ordinária deverá estabelecer adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de acção da Administração e dos poderes de direcção, superintendência e tutela dos órgãos competentes. No entanto, a lei ordinária pode criar entidades administrativas independentes (Idem, 267.º). Importa agora referir brevemente as atribuições das autarquias locais, matéria inscrita na Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro, que hoje estabelece o regime jurídico das autarquias locais e que aprova o estatuto das entidades intermunicipais, os regimes jurídicos do associativismo autárquico e da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e que revoga grande parte da legislação anterior sobre aqueles assuntos3. Presididas pelo princípio da promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respectivas populações, em articulação com as freguesias, as atribuições dos municípios manifestam-se, entre outros, nos domínios do equipamento rural e urbano, da energia, dos transportes e comunicações, da educação, do património, cultura e ciência, dos tempos livres e desporto, da saúde, da ação social, da habitação, do desenvolvimento e do ordenamento do território e urbanismo (Lei 75/2013, Art.º 23.º). As competências associadas àquelas atribuições podem ser de consulta, de planeamento, de investimento, de gestão, de licenciamento e controlo prévio e de fiscalização, sendo que a prossecução das atribuições e o seu exercício devem respeitar os princípios gerais da descentralização administrativa, da subsidiariedade, da complementaridade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos, bem como da intangibilidade das atribuições do Estado. À Assembleia Municipal cabe deliberar sobre a criação do conselho municipal de educação, mas cabe-lhe também discutir e aprovar o plano de atividades e o

1  Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro

3 A Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro revoga vários artigos e cláusulas do Código Administrativo, do Decreto-Lei n.º 78/84, da Lei n.º 159/99 e posteriores alterações, da Lei n.º 169/99 e posteriores alterações e do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de dezembro e posteriores alterações.

2 Decisão dependente do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta direta (referendo) de alcance nacional e relativa a cada área regional (CPR, Art.º 256, 1) que ainda não ocorreu.

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orçamento municipais, bem como o relatório de atividades e as contas, o que corresponde a uma possibilidade politicamente relevante de influenciar a atividade municipal, em particular no domínio educativo. À Câmara Municipal cabe especificamente organizar e gerir os transportes escolares e deliberar no domínio da ação social escolar, designadamente no que respeita a alimentação, alojamento e atribuição de auxílios económicos a estudantes (Art.º 33.º, gg) e hh)). Têm, contudo, importantes competências no domínio da conceção e planeamento do sistema educativo local, no domínio da construção e gestão de equipamentos e serviços (construção e equipamento de jardins de infância e escolas do ensino básico, contratação e gestão de pessoal não docente e gestão de refeitórios) e no domínio do apoio aos alunos e às escolas, entre as quais avulta a organização e apoio de atividades complementares de ação educativa, ou seja as atividades de enriquecimento curricular no 1.º ciclo e a componente de apoio à família nos jardins de infância. Refira-se que nem todas estas competências são universais, já que dependem da contratualização de competências entre o Estado e cada município, o que desde logo levanta problemas face às disposições constitucionais, estabelecidas nos artigos 73.º e 74.º, já referidas anteriormente. Quanto à atividade das freguesias, as suas competências próprias na área da educação são escassas, mas podem assumir bastante importância no caso das competências que muitos municípios lhes delegam. Podendo ser instituídas associações públicas de autarquias locais para a prossecução conjunta das respetivas atribuições (previstas na CRP, Art.º 247.º, 253.º e 267.º), o normativo que se tem vindo a referir (Lei 75/2013) estabelece como associações de autarquias locais as Áreas Metropolitanas (AM)4, as Comunidades Intermunicipais (CIM), bem como as associações de freguesias e de municípios de fins específicos, sendo que só a área metropolitana e a comunidade intermunicipal são entidades municipais e que as associações de autarquias locais estão sujeitas ao regime de tutela administrativa (Idem Art.º 63.º e 64.º). As CIM existentes são pessoas colectivas de direito público, constituídas por municípios localizados numa ou mais unidades territoriais definidas com base nas Nomenclaturas das Unidades Territoriais Estatísticas de nível III (NUTS III). Estas unidades territoriais constam do Decreto-Lei n.º 68/2008, de 14 de abril, que as definiu para efeitos de organização territorial das associações de municípios e respetiva participação em estruturas admi4 A Lei n.º 44/91, de 2 de agosto, criou as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, que integraram os municípios da respetiva área ou região de influência.

nistrativas do Estado e nas estruturas de governação do Quadro de Referência Estratégico Nacional 2007-2013 (QREN) (DGAL, 2011). De acordo com a Lei 75/2013, as atribuições das AM e das CIM são várias e vão desde participar na elaboração dos planos e programas de investimento público com incidência na sua área territorial promovendo o planeamento e a gestão da estratégia de desenvolvimento económico, social e ambiental do território abrangido, até articular os investimentos municipais de caráter territorial e participar na definição de redes de serviços e equipamentos de âmbito intermunicipal. Cabe-lhes igualmente assegurar a articulação das atuações entre os municípios e os serviços da administração central em várias áreas, nomeadamente na rede de equipamentos de saúde, na rede educativa e de formação profissional, na mobilidade e transportes, na promoção do desenvolvimento económico e social e na rede de equipamentos culturais, desportivos e de lazer. Através do conselho metropolitano e do conselho intermunicipal, compete-lhes aprovar os planos, os programas e os projetos de investimento e desenvolvimento em várias áreas, nomeadamente no ordenamento do território, na saúde, na educação e na cultura e desporto. Sobre a descentralização administrativa, a lei n.º 75/2013 determina que ela se concretiza através da transferência por via legislativa de competências de órgãos do Estado para órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais, tendo como objetivos a aproximação das decisões aos cidadãos, a promoção da coesão territorial, o reforço da solidariedade inter-regional, a melhoria da qualidade dos serviços prestados às populações e a racionalização dos recursos disponíveis, sendo que «no respeito pela intangibilidade das atribuições autárquicas e intermunicipais, o Estado concretiza a descentralização administrativa promovendo a transferência progressiva, contínua e sustentada de competências em todos os domínios dos interesses próprios das populações das autarquias locais e das entidades intermunicipais, em especial no âmbito das funções económicas e sociais» (Idem, Art.º 111.º; 112.º e 113.º). De cariz acentuadamente economicista, aquela lei estabelece que o Estado deve promover os estudos necessários de modo a que a concretização da transferência de competências assegure, entre outros, os seguintes requisitos: o não aumento da despesa pública global; o aumento da eficiência da gestão dos recursos pelas autarquias locais ou pelas entidades intermunicipais; os ganhos de eficácia do exercício das competências pelos órgãos das autarquias locais ou das entidades intermunicipais e a articulação entre os diversos níveis da administração.

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Salvaguardando que o Estado, as autarquias locais e as entidades intermunicipais devem articular entre si a prossecução das respetivas atribuições, a mesma lei permite que, para o efeito, aquelas possam recorrer à delegação de competências: os órgãos do Estado podem delegar competências nos órgãos das autarquias locais e das entidades intermunicipais e os órgãos dos municípios podem delegar competências nos órgãos das freguesias e das entidades intermunicipais. Com o atual governo, a delegação de competências concretiza-se através da celebração de contratos inter-administrativos, sob pena de nulidade (Idem, Art.º 120.º), ou seja, de parcerias público-público entre duas partes da administração (governo e municípios) com poder político e financeiro muito desigual. Deste modo, sem envolver escolas e agrupamentos escolares na celebração dos contratos, o governo estabelece um novo paradigma recentralizador na administração do sistema.

2. Mudar o paradigma centralista: não basta «regionalizar» e «municipalizar» Tendo em conta o ponto anterior que, de alguma forma, caracteriza os níveis de administração pública educativa, a principal questão (controversa) que se coloca é a de avaliar as eventuais vantagens e inconvenientes na mudança do «velho» paradigma centralista da educação para um modelo que privilegia outros níveis de decisão e administração, através do reforço da intervenção dos municípios e das suas associações e, em complemento, através do reforço da dimensão e autonomia das próprias unidades escolares. No quadro constitucional atual e estando bloqueado o processo de regionalização política e administrativa desde o referendo negativo de 1998, a primeira opção restringe-se ao reforço do papel das freguesias e municípios e suas associações. Parece ter sido esta a opção do atual governo, impondo uniões de freguesias, delegando novas competências nos municípios e favorecendo as CIM e AM no acesso aos fundos comunitários. O reforço da intervenção educacional dos municípios é polémico, não só junto dos executivos camarários, com uma vasta experiência de administração sectorial sem contudo terem beneficiado dos meios financeiros necessários, mas também junto das associações profissionais e sindicais e da população em geral, que encaram com alguma desconfiança a possibilidade de a administração central se afastar do seu papel de regulador das garantias constitucionais, assim dando livre curso a um «municipalismo educativo», microregulado, apenas com

poderes delegados por contrato e, por isso, limitado na resposta aos princípios constitucionais e europeus5. Por outro lado, nos últimos três ou quatro anos, no contexto da crise austeritária em curso, têm emergido como novos protagonistas as CIM e as AM. Não constituindo uma instância de poder democrático intermédio entre administração central e local, mas dotados de vultuosos meios financeiros comunitários, acabam por assumir-se como um nível de articulação, coordenação e planificação entre (e de) vários poderes, apenas por isso capazes de gerar economias de escala. Assim, o governo regionaliza sem regiões. No quadro daquela crise e da diminuição dos encargos do Estado, a organização político-administrativa complexificou-se de tal modo que os objetivos da sua reforma6 são agora reformatar as competências dos diferentes níveis das divisões administrativas através de novas atuações dos municípios, das CIM e AM, e dos agrupamentos de escolas, procurando a designada eficiência da gestão pública com o intuito de gerar economias de escala no seu funcionamento (o que pressupõe que não deveriam sobrepor-se nem repetir-se nas suas funções, o que não está assegurado). ESTADO (Administração central e desconcentrada) CIM e AM (Administração Local s/ competências originárias)

MUNICÍPIOS (Administração Local c/ competências originárias)

AGRUPAMENTOS (Administração desconcentrada) Nota: Na figura, as setas representam transferência e delegação de competências originárias

A figura mostra os níveis de administração educativa e os fluxos recentes de transferência de competências: as CIM e AM deveriam receber competências (e meios financeiros, técnico-jurídicos e humanos) do Estado (da administração central, desconcentrada ou não) e dos 5  Princípios explícitos na Carta da Governação a Vários Níveis na Europa. 6 Ver Documento Verde da Reforma da Administração Local, Gabinete do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, versão 2.40 Setembro/2011.

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municípios, de modo a terem um campo de ação bem claro e delimitado, que evitasse as sobreposições de competências. Ao mesmo tempo, as escolas (os agrupamentos) perdem competências e atribuições para os municípios. Face à crise e à complexificação da administração pública, a questão mais controversa tem sido a redistribuição de atribuições, competências e meios financeiros, no âmbito das diversas administrações. Essa redistribuição deveria permitir, por um lado, a esperada articulação promovida pela CIM/AM entre os municípios e os serviços da administração central e, por outro lado, soluções para uma mais eficiente gestão dos recursos públicos nas áreas identificadas, tendo como critério prioritário a melhoria da prestação dos serviços às populações. Ora, o que as políticas públicas sectoriais vão demostrando, nos últimos anos, é uma menor e menos qualificada intervenção nesses domínios, quer por parte da administração central (sobretudo ao nível das entidades que deviam promover a desconcentração), quer por parte da administração local e das suas associações. Uma possibilidade de superação destas dificuldades passaria pela identificação dos domínios e dos modos de relacionamento, tanto institucionais como informais, entre municípios, CIM e AM, governo, administração central, agrupamentos escolares e estruturas associativas locais, ligadas ao desenvolvimento económico e social (incluindo a educação e a cultura), ao ordenamento e planeamento do território, ao emprego, à mobilidade e aos transportes. A este diagnóstico integrado, intersectorial e multinível, deveriam corresponder políticas de negociação e concertação bem como ações públicas também intencionalmente integradas. De qualquer modo, mesmo estando longe essa visão integrada, mas tendo em conta a experiência já desenvolvida pelas CIM e os resultados de vários estudos já elaborados, é possível identificar um conjunto de áreas e competências da administração central que poderiam ser exercidas prioritariamente pelas CIM, para além do que já fazem nas questões relacionadas com a gestão de Programas de Apoio ao Desenvolvimento Regional7, nomeadamente (o texto que se segue tem por base as propostas inscritas no Estudo – Piloto Comunidades Intermunicipais8): Transporte escolar: hoje os municípios já asseguram o exercício desta competência, no entanto, com o alar7 Nomeadamente na participação no processo de contratualização da gestão de fundos estruturais. 8 DGAL (2011). Estudo-Piloto Comunidades Intermunicipais. Relatório final. Documento Verde da Reforma da Administração Local, Gabinete do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, versão 2.4 Setembro / 2011.

gamento da escolaridade obrigatória para o 12.º ano, o transporte escolar ganha importância e dimensão pelo que se deverá ponderar o seu exercício à escala intermunicipal numa lógica de intermodalidade, de economia de escala e redução de custos. O transporte escolar reforça a importância de uma eventual gestão do transporte público ao nível intermunicipal sendo que neste aspeto existe necessidade de transferir para as comunidades intermunicipais a gestão dos transportes públicos. Gestão de refeitórios escolares e ação social escolar: atualmente os municípios fazem a gestão integrada dos refeitórios e da ação social escolar apenas no 1.º ciclo, mas seria desejável estender aquela gestão à nova escolaridade obrigatória, potenciando desta forma a capacidade de gestão intermunicipal nesta matéria, com o intuito de um melhor aproveitamento dos técnicos, dos equipamentos e da estabilidade dos recursos humanos afetos. Gestão de equipamentos e de pessoal não docente: está previsto no âmbito dos novos contratos, delegar nos municípios e para todos os ciclos de ensino tanto a gestão do edificado escolar como a gestão do pessoal não docente. No entanto, esta gestão integrada poderia ganhar escala e eficiência se fosse realizada ao nível intermunicipal. Tal transferência implicaria, a montante, a transferência de poderes de planeamento e gestão das redes de oferta de educação e formação secundária para as CIM e as AM. Na perspetiva anterior, assume especial significado a possibilidade das cartas educativas poderem ser elaboradas no âmbito intermunicipal, com o intuito de promover a planificação da rede de oferta de educação e formação pública, cooperativa e privada, numa base territorial de NUT III. Esta questão prende-se com a reorganização da rede escolar que a administração central está a levar a cabo tendo em vista a racionalização do parque escolar e dos futuros investimentos ao nível de novos equipamentos. A reorganização da rede escolar com base em Cartas Educativas Intermunicipais permitiria evitar sobreposições significativas quer na oferta educativa e de formação profissional, quer na recuperação do edificado escolar e na redução de custos com transporte escolar. A existência de ganhos de escala com a transferência de competências para as CIM faz sentido se houver uma redução nas despesas inerentes ao exercício dessas competências nos municípios e na administração central e se, com o aumento da eficiência da gestão, não houver perda de qualidade. Tal aferição só é possível apurando antes o custo de cada uma das competências nos municípios.

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A determinação de custos da educação em cada município é difícil dadas as disparidades existentes para ofertas de serviços idênticos, devido às diferentes prioridades políticas que cada município legitimamente define. Por exemplo, existem municípios que apresentam um valor residual na gestão de transportes escolares enquanto outros, pertencentes à mesma CIM, apresentam valores substancialmente maiores, mas que têm forte justificação local. A questão anterior mostra que a transferência de competências para as CIM pode ter efeitos perversos, na medida em que tenderá a existir uma igual prioridade na satisfação das necessidades no conjunto dos municípios que as integram. Daí a importância da negociação entre Estado, Municípios e CIM, sobre a natureza das novas competências das associações, que devem ser de coordenação intermunicipal e não de direção e, sendo originariamente municipais, só devem ser transferidas por meio da delegação formal de competências. Estas dificuldades não devem impedir que, ao nível intermunicipal, se desenvolva o planeamento integrado da rede de provisão de serviços públicos de proximidade, que assegure níveis de acesso e qualidade adequados à evolução de cada território intermunicipal num determinado horizonte temporal, apostando desta forma na reorientação de cartas intermunicipais enquanto instrumentos de integração de políticas e ações públicas de âmbito social, educativo, desportivo e de equipamentos de desenvolvimento económico.

3.  Mudar o paradigma centralista: não basta promover maiores agrupamentos No ponto anterior referimos que a principal questão (controversa) que hoje se coloca é a de avaliar as eventuais vantagens na mudança do «velho» paradigma centralista da educação para um modelo que privilegia outros níveis de decisão e administração, através do reforço da intervenção dos municípios e das suas associações e, em complemento, através do reforço da dimensão e autonomia das próprias unidades escolares. Ao contrário dos anos 909, os sucessivos governos das últimas décadas implementaram, por razões diversas que se prendem com o papel do Estado, processos 9 Nos primeiros 20 anos da democracia em Portugal, a principal tarefa do Estado em matéria de educação consistiu em fazer chegar a todos a escolarização, alargando-a nos segmentos a montante e a jusante da curta escola obrigatória herdada do fascismo. Até ao final da década de 90 coexistiram políticas que claramente favoreciam a autonomia, a descentralização e a territorialização educativa (TEIP, rede pública de educação pré-escolar) com outras que mantinham a centralização férrea do sistema (concursos nacionais de recrutamento de professores e educadores).

de recentralização política e administrativa da educação por via da integração forçada de escolas dos vários níveis de educação e ensino. Inicialmente, ainda sem as pressões austeritárias produzidas pela crise da dívida que iria manifestar-se entre nós em 201110, aquele processo caracterizou-se pela combinação, aparentemente paradoxal (Lima, 2007), de estratégias de reconcentração levadas a cabo pela formação generalizada de agrupamentos de escolas horizontais (abrangendo apenas o 1.º ciclo do ensino básico e as ofertas de educação pré-escolar) e verticais (integrando os três ciclos do ensino básico), mas de pequena e média dimensão humana e geográfica, com estratégias de desconcentração previstas num novo reordenamento da rede de ofertas educativas que pressupunha novos graus de autonomia às escolas agrupadas e nova delegação de competências para os municípios. Em 2003, na esteira da estratégia de territorialização educativa do final dos anos 9011, os argumentos então aduzidos pelo governo12 para a rápida implementação deste reordenamento privilegiavam o favorecimento de um percurso sequencial e articulado dos alunos abrangidos pela escolaridade obrigatória (9.º ano ou 15 anos de idade) numa dada área geográfica, a superação de situações de isolamento de estabelecimentos e a prevenção da exclusão social, o reforço da capacidade pedagógica dos estabelecimentos que integravam o agrupamento e o aproveitamento racional dos recursos, bem como «a garantia da aplicação de um regime de autonomia, administração e gestão e a valorização e o enquadramento de experiências» (Despacho n.º 13.313/2003). Tudo isto representava um investimento público na educação nunca anteriormente conseguido (médias de 5,2% do PIB entre 2002 e 2005 e 4,3% entre 2005 e 2008) a que se seguiram, entre 2008 e 2010, valores novamente ascendentes (entre os 4,5% e os 5% do PIB, respetivamente). A avaliação positiva deste investimento manifesta-se no relatório do Conselho Nacional de Educação de 2012, onde são destacados resultados interessantes em matéria de qualidade e equidade da educação: «a democratização do acesso a todos os níveis de ensino é uma realidade; há um crescente reconhecimento internacional da qualidade dos nossos diplomados; os resultados dos testes internacionais realizados pelos alunos Portugueses são acentuadamente melhores, quer em termos de equidade (PISA 2009), quer em termos 10 Crise financeira, conhecida como «Crise do Subprime», que atingiu o ponto alto nos Estados Unidos em 2008. 11 Barroso, 2003. 12 XV Governo Constitucional, 2002/2004, presidido por Durão Barroso sendo Ministro da Educação David Justino.

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de qualidade, designadamente em matemática, leitura e ciências no 1.º ciclo do ensino básico» (CNE, 2012, p.9). Contudo, a partir de 2011, tal como noutros países europeus sujeitos a medidas de redução do défice e da dívida, assistimos a uma das estratégias mais fortes do processo austeritário de «ajustamento financeiro, económico e social», que consiste na reconfiguração do Estado feita através da redução das suas finalidades sociais (educação, saúde e segurança social) e da capacidade de resposta qualificada dos seus diversos serviços. Com este objetivo, o anterior XIX Governo, em matéria de administração educativa, desenvolve um programa de desinvestimento e de transferência do serviço público para o sector privado em nome dos «ganhos de eficiência»13 Se o desinvestimento é patente no relatório que acompanha o Orçamento de Estado para 2013, onde se verifica que a despesa em educação desce para os 3,8  % do PIB, um valor idêntico ao de 1989, a crescente desresponsabilização estatal e a simultânea preparação da transferência do serviço público de educação para os designados «stakeholders» manifesta-se através da diminuição da oferta pública em todos os níveis, dos despedimentos significativos de pessoal docente e não docente e dos novos aumentos do número de alunos por turma, fatores que contribuem para o declínio generalizado da qualidade educativa e dos resultados escolares. Neste programa de reforma e limitação da ação do Estado, ação essa considerada uma das principais razões da crise socioeconómica atual, a teoria da «escolha pública» e as suas consequentes conceções elitistas de democracia jogam um papel determinante na emergência do mercado da educação e formação e na reconfiguração do Estado como Estado-avaliador, supervisor ou estratega. Segundo Licínio Lima, «[é] exatamente neste contexto que a provisão de educação por parte do Estado cede o seu lugar à defesa do princípio da “livre escolha”, pretensamente capaz de libertar os indivíduos das sobredeterminações estatais e de regenerar as aprendizagens individuais, finalmente consideradas úteis e responsáveis, competitivas e competentes, legitimando diferentes estatutos, destinos e papéis sociais a partir da “ideologia da competência”, tal como a produção de novas desigualdades sociais» (Lima, 2013, p. 3). Com a mesma justificação da melhoria dos «ratios de eficiência», o governo reforça o controlo centralizado das despesas de funcionamento das escolas e da administração educativa em geral, através do designado «aprofundamento do processo de reorganização da rede es-

colar»14 que consiste em criar novas «unidades orgânicas de administração escolar» (idem), de maior dimensão, por agregação dos anteriores agrupamentos, todos entretanto já verticalizados no âmbito da educação pré-escolar e dos três ciclos do ensino básico, com as escolas de ensino secundário que coexistiam com aqueles agrupamentos em situação de não agregação. Surgem assim os designados mega-agrupamentos (unidades com mais de 2500 alunos) cuja escala administrativa, financeira e de relevância sociopolítica, permitem, por um lado, a dispensa das anteriores direções e das estruturas desconcentradas da administração educativa (as direções regionais de educação), e por outro lado, permitem e aconselham o controlo remoto, frio e anónimo, realizado através da intensificação do uso de meios eletrónicos de gestão das principais variáveis educativas sistémicas (desde as matrículas e o número de alunos por turma, até ao recrutamento de professores e pessoal não docente, passando pelo planeamento da oferta da rede escolar e pelo fornecimento de bens e serviços). Importa referir, no entanto, que este passo em direção ao abismo técnico-burocrático do sistema público aproveitou as políticas de contraciclo desenvolvidas entre 2009 e 2011 pelo XVIII Governo que, em matéria de educação, conduziram a despesa novamente ao patamar médio dos 5% do PIB15 e que, em termos de reconfiguração da rede, já se propunham «adaptá-la progressivamente ao objetivo de uma escolaridade obrigatória de 12 anos para todos os alunos», adequando as condições das escolas «à promoção do sucesso e ao combate ao abandono escolar» através de «percursos sequenciais e articulados para os alunos abrangidos numa dada área geográfica», configurando-se assim os primeiros grandes agrupamentos inter-ciclos e inter-níveis de educação e formação.

Conclusões Iludindo as finalidades do ordenamento constitucional da administração educativa assiste-se hoje a um processo de pseudo-descentralização realizado não só através das Áreas Metropolitanas e das Comunidades Intermunicipais, mas sobretudo através do reforço da delegação de competências nos municípios e da concentração desmedida de escolas em agrupamentos. Ora, nem as CIM nem as AM representam um nível intermédio de poder próprio entre as administrações 14  Despacho n.º 5634-F/2012, de 26 de Abril de 2012.

13 Ao contrário da eficácia de um processo, característica que relaciona os objetivos com os resultados, a eficiência mede a relação dos meios postos ao dispor desse processo com os resultados obtidos.

15 Sobretudo pelo efeito conjugado das diversas medidas de renovação de instalações (edifícios), de equipamentos, de mobiliário e de material didático levadas a cabo pela em presa pública Parque Escolar.

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central e local, com escrutínio democrático e com governação eleita, e com atribuições e competências constitucionais originárias que só as regiões administrativas terão. Embora possam favorecer a coordenação intermunicipal e o planeamento integrado da rede de provisão de serviços públicos de proximidade, que assegure níveis de acesso e qualidade adequados à evolução de cada território, aquelas associações de municípios apenas representam hoje novas instâncias de controlo e acesso a financiamentos europeus para projetos educacionais que se mantêm, em termos de decisão, na esfera da administração central, assim contribuindo para o novo processo de recentralização da administração pública. Ao mesmo tempo, os mega-agrupamentos constituem outra dimensão forte daquela recentralização. As anteriores escolas de ensino básico e secundário deixam de existir enquanto estabelecimentos de ensino com projeto educativo, registo administrativo e órgãos próprios e passam a ser partes periféricas do nível agrupamento, publicamente representado pela respetiva sede e diretor que apenas responde perante plataformas informáticas detidas pela administração central. Conclui-se que ambas as dimensões – «regionalização/municipalização» e formação de mega-agrupamentos – têm reforçado o centralismo político-administrativo do Estado português que urge mudar tendo em vista o cumprimento das metas constitucionais.

Referências bibliográficas Barroso, João (org.) (2003), A escola pública. Regulação, desregulação, privatização, Porto, Asa. Conselho Nacional de Educação (2012). Relatório «Estado da Educação em 2012. Autonomia e Descentralização». Lisboa, CNE. DGAL (2011). Estudo Piloto Comunidades Intermunicipais. Relatório final. Documento Verde da Reforma da Administração Local, Gabinete do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, versão 2.4 Setembro / 2011. DELOS Lima, Licínio C. (2007), «Administração da educação e autonomia das escolas», in Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (org.), A educação em Portugal (1986-2006): alguns contributos de investigação, Lisboa, Conselho Nacional de Educação. Lima, Licínio C. (2009), «A democratização do governo das escolas públicas em Portugal», Sociologia: revista da Faculdade de Letras do Porto, 19 (2009) 227-253. Lima, Licínio (2013). «Democracia, Estado Social e Defesa da Educação Pública». Congresso Democrático das Alternativas. Porto, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da U.P. Lima, Licínio C, «À ponta da baioneta, as escolas são transformadas em repartições», em http://www.fenprof.pt/ Default.aspx?aba=27 acedido em 03.02.2014; Lima, Licínio C, «Licínio Lima escreve sobre o processo de recentralização política e administrativa da Educação», em http://www.fenprof.pt/Default.aspx?aba=27, acedido em 03.02.2014.

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2. Educação, Municípios e Estado: a Regulação da Educação num contexto de Descentralização e Multiterritorialidade Elvira Tristão Professora do ensino básico e secundário Doutoranda em Educação, especialização de Administração e Política Educacional, no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa Email: [email protected]

Introdução As reformas educativas iniciadas por volta da década de 1980, na generalidade dos países ocidentais, fazem parte de um processo de reconfiguração das funções do Estado. Nesse pacote de medidas administrativas, está incluída a descentralização das funções de provisão educativa para a periferia do sistema, designadamente por via da promoção da autonomia das escolas e da descentralização de competências para as autoridades territoriais de dimensão regional ou municipal. Num processo em que aparentemente se verifica o recuo do Estado na provisão da educação, a definição dos objetivos estratégicos e a avaliação e controlo do sistema educativo garantem o equilíbrio entre a descentralização e a centralização. Assim, longe de assistirmos a um recuo da intervenção estatal, constatamos que o Estado declina as suas responsabilidades de provisão educativa, mas reforça o seu poder de controlo sobre o sistema. Em Portugal, onde o sistema educativo tem sido tradicionalmente centralista, de tradição napoleónica, a descentralização das competências na área da educação tem sido um processo longo, de evolução lenta e não raras vezes alvo de discórdia entre os atores sociais (Martins, 2014), em particular autarcas e professores. Este processo de descentralização obedece a uma lógica territorial que é portadora de duas visões em permanente tensão: a aplicação, no plano local, de políticas concebidas centralmente e outra que concebe as políticas públicas como espaço de construção de políticas de território e de coesão social. A transição de uma visão de políticas associadas a diferentes modos de olhar para o território e para a territorialização das políticas de educação suscitam três eixos de questionamento: 1.º Eixo: Os municípios protagonizam os processos de descentralização, substituindo uma visão de território

nacional pela de território local, no sentido da territorialização localista das políticas? Ou fazem parte de uma nova realidade de territorialidade multiescalar com várias formas de inserção num contexto de multiterritorialidade que complexifica a lógica territorial (Haesbaert, 2004)? 2.º Eixo: Com o processo de transferência de competências para os municípios, assistimos à criação de condições para a construção local de políticas educativas municipais, contribuindo para a diferenciação territorial e para a diminuição da coesão social constitucionalmente estatuída? Ou assistimos a processos que, sob pretexto da descentralização e das autonomias locais, reforçam a capacidade de controlo do Estado-nação que conserva para si a definição de objetivos e a sua avaliação? 3.º Eixo: No âmbito do processo de transferência de competências para os municípios, será linear a ideia de que se trata efetivamente de um processo de municipalização da educação, com a retirada do Estado-nação das suas funções constitucionalmente previstas no domínio da educação? Ou assistimos antes a uma reconfiguração dos modos de regulação do Estado, adotando este o papel de regulador e de supervisor, e deixando para as outras instâncias a provisão da educação?

1. O processo de descentralização com enquadramento supramunicipal Neste lento processo de descentralização, feito de avanços e impasses, o «localismo» – modalidade de descentralização proposta por Ferrer (1994) – tem tido, no contexto nacional português, um papel preponderante. A regionalização, prevista na Constituição da República Portuguesa, permanece há cerca de três décadas no plano das intenções, num impasse determinado por um referendo popular que a rejeitou e por fortes reservas por parte das instituições políticas. Neste impasse,

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as instituições supramunicipais como as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (de nomeação governativa) e as Comunidades Urbanas ou Intermunicipais (tributárias do associativismo municipal) vão desenvolvendo uma certa regionalização mitigada, mantendo o equilíbrio entre os poderes da administração central e o dos municípios. Atente-se, por exemplo, no facto de as unidades territoriais sub-regionais, a partir de 2003 – as comunidades urbanas – resultarem das suas antecessoras associações de municípios e, em 2007, voltarem a ser designadas enquanto Comunidades Intermunicipais, de acordo com um regime jurídico que, revogando as comunidades urbanas, reforça o conceito de intermunicipalidade. Estas, por sua vez, terão tido origem nas características endógenas do território geográfico partilhado, e nas interdependências decorrentes da atividade humana. Daqui poderíamos inferir, numa visão cultural do território, que a uma unidade territorial de base concelhia com identidade própria se justapõe um território composto por um conjunto de municípios que, por sua vez, também terá uma identidade própria. Mas a questão poderá exigir uma outra leitura. Na realidade, o associativismo municipal emergiu enquanto coligação de interesses em torno dos financiamentos comunitários, a partir da segunda metade da década de 1980. Este fenómeno dá conta da emergência de uma nova relação entre as lógicas territoriais, sendo evidente a influência da lógica supranacional na relação do municipal com o supramunicipal. A história do associativismo intermunicipal dos Municípios da Lezíria do Tejo ilustra bem esta motivação essencialmente pragmática. A Associação dos Municípios da Lezíria do Tejo (AMLT) foi criada em 1986 (um ano depois da assinatura do tratado de adesão de Portugal à CEE), afirmando um dos seus principais fundadores, 20 anos depois, que «os municípios não são ilhas nas quais o poder é pertença das populações, que possa ser exercido de forma isolada, isto é, com dispensa de relações de complementaridade e intermunicipalidade» (Ganhão, 2007, p. 11). O objeto da associação era promover estudos, elaborar e gerir projetos e planos comuns nos domínios da cultura, da educação, da informação, saúde, segurança social, urbanismo, defesa do meio ambiente e das infraestruturas com vista ao desenvolvimento económico, social e cultural das populações da sub-região da Lezíria do Tejo. A Associação de Municípios da Lezíria do Tejo (AMLT) foi constituída em Janeiro de 1987 e dela faziam parte os Municípios de Almeirim, Alpiarça, Azambuja, Cartaxo, Chamusca, Coruche, Golegã, Rio Maior, Salvaterra de Magos, Santarém e Vila Franca de Xira. Hoje em

dia fazem parte desta associação 11 municípios, tendo Vila Franca de Xira passado a integrar a Área Metropolitana de Lisboa. Desde 1994, a AMLT, a CULT e a CIMLT dedicam-se sobretudo à gestão de recursos financeiros do FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento Estrutural Regional), afetos a programas operacionais regionais, desempenhando aí um papel relevante. Uma avaliação intercalar do Quadro Comunitário III salientou como vantagens da contratualização com Associações de Municípios as seguintes: produção de reflexão estratégica territorial por parte dos eleitos locais; concertação de investimentos municipais e intermunicipais entre autarquias locais; os ganhos de eficiência; o robustecimento institucional das entidades supramunicipais que contratualizam, bem como a institucionalização das relações entre as autarquias locais; a forte taxa de absorção dos recursos comunitários e o bom nível de preparação dos projetos candidatos a financiamento (CULT, 2007). No que respeita às atribuições das comunidades urbanas, a Lei n.º 11/2003 de 13 de Maio estipulava a «coordenação das atuações, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades, entre os municípios e os serviços da administração central» (alínea c), número 1, artigo 5.º) em áreas diversas entre as quais é referida a Educação. Para além desta competência, é referida a «articulação de investimentos», o «planeamento e gestão estratégica, económica e social» e a «gestão territorial». Com o novo enquadramento jurídico, os estatutos da CIMLT preveem «assegurar a articulação das atuações entre os Municípios e os serviços da Administração Central» em áreas onde é referida a «rede educativa e de formação profissional». Os estatutos preveem ainda, entre outras atribuições, «exercer as atribuições transferidas pela Administração Central e o exercício em comum pelos Municípios que a integram». O financiamento comunitário para a construção de equipamentos educativos constituiu um forte incentivo à cooperação intermunicipal, neste domínio. Por um lado, as entidades elegíveis ao financiamento eram os municípios e não a administração central, em virtude da tendência europeia para as políticas de descentralização baseadas no princípio da subsidiariedade entre o Estado e as autoridades locais. Por outro lado, o Estado central português, ao determinar a obrigatoriedade e as regras da elaboração da carta educativa municipal, mantinha centralizado os macro poderes de planeamento, pese embora a atribuição tivesse sido transferida para os municípios. Estes dois fatores levaram a que a Comunidade Urbana (mais tarde Comunidade Intermunicipal) empreendesse conjuntamente o projeto da elaboração das cartas

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educativas municipais dos municípios da Lezíria do Tejo – situação que se repetiu por muitas outras comunidades intermunicipais. Deste modo, esta instância tinha, não só maior capacidade negocial na contratualização do projeto a especialistas do planeamento estratégico, por via da lógica das economias de escala, como também garantia equilíbrios sub-regionais no processo de «regateio» do financiamento comunitário. O que se passou no domínio da educação não foi muito diferente das motivações que levaram os municípios a aceitar a transferência de competências noutros domínios da administração do território. Mais do que os traços identitários, resultado natural da contiguidade territorial cuja delimitação poderá ter tido a ver com condicionantes geográficas de fronteira como rios ou cadeias montanhosas, a principal alavanca quer da descentralização de competências para os municípios, quer para a emergência do intermunicipalismo, foram efetivamente as oportunidades de financiamento para as infraestruturas desejadas pelas comunidades de cada território municipal. Este cruzamento de um olhar a partir do local com a perspetiva do sub-regional tem como objetivo a constatação de que, neste processo não linear de descentralização, surgiram novos atores e novas redes de governança (Defarges, 2003; Gaudin, 2002), que, como é o caso da comunidade intermunicipal, põe em negociação o local e o sub-regional, ora com o nacional ora com o supranacional – a União Europeia. Nesta interdependência multidimensional entre atores políticos, julgamos poder existir uma «realidade sociológica» (Baptista-Machado, 1984) supramunicipal que resultará de uma diversidade de identidades locais em interação entre si e destas com outros níveis de governança. Esta perspetiva «decorre da constatação de uma deslocação da regulação centralizada para uma regulação multipolar, marcada pela desmultiplicação e pelo policentrismo dos níveis de ação com fortes interdependências entre os numerosos e diferenciados atores» (Comaille, 2006: p.418). Numa tentativa de resposta provisória ao nosso primeiro eixo de questionamento, e de acordo com a proposta de Haesbaert (2004), podemos estar a assistir a um fenómeno de multiterritorialidade, de uma territorialidade plural globalizada – simultaneamente de territorialização e desterritorialização – que necessita de ser interpretado em diversas escalas.

2. O  processo de descentralização de

competências para os municípios

Apesar da emergência destas novas instâncias de governança que ligam o local simultaneamente ao regional,

ao nacional e ao supranacional, os municípios continuam a constituir a «rede institucional mais capacitada para conceber, animar e coordenar políticas públicas ao nível local e para potenciar a participação» (Martins, 2014, p.28). De facto, no domínio da educação, os três pilares da descentralização, como refere Martins (ibidem) continuam a ser a administração central, as autarquias locais e as escolas e agrupamentos. A partir da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei 46/86, de 1 de outubro) e da primeira fase de transferência de competências para os municípios (Lei 159/99, de 14 de setembro), a intervenção municipal na educação tem sido progressivamente ampliada. Primeiro, a partir dos finais da década de 1990, como define Martins (2014), com os municípios no papel de «protagonistas da diferenciação educativa» através das políticas de expansão da educação pré-escolar e da componente de apoio à família, dos conselhos municipais de educação, das parcerias com as escolas, da criação de dispositivos de formação profissional ou de atividades de complemento curricular. Mais tarde, a partir de 2005, com o «modelo contratualizado de transferência de competências» que reforçou a repartição de competências entre a administração central e os municípios, com prejuízo para a autonomia das escolas e dos agrupamentos de escolas. Para além de mitigada e incompleta, a descentralização pode não passar, efetivamente de um processo de simultânea recentralização. De facto, sobretudo a partir de 2011, a par da tendência para reduzir o quase monopólio do Estado na educação (atribuindo ao setor privado mais expressão a pretexto da liberdade de escolha), o reforço do poder da administração central tem sido concretizado por via da definição das metas educativas e da intensificação da avaliação externa das aprendizagens e das escolas e agrupamentos. Desta maneira, o Estado reserva para si funções de supervisão e de regulação, delegando para a periferia do sistema e para o setor privado as funções de provisão da educação. O processo de descentralização para os municípios tem sido caracterizado pela assimetria das dinâmicas municipais. A diversidade dos contextos tem, de facto, dado origem a diferentes graus de intervenção por parte dos municípios. Neste aspeto há a considerar dois tipos de diferenças: as que têm a ver com as opções estratégicas dos responsáveis municipais e as que se prendem com a dimensão e localização dos territórios concelhios. Nas diferenças diretamente relacionadas com as dinâmicas municipais, existem aqueles que, desde cedo, viram na transferência de competências uma oportunidade para desenvolver políticas de desenvolvimento territorial, sustentadas por políticas educativas de âmbito municipal, e os que foram aceitando, com reservas, as novas

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Wcompetências como uma inevitabilidade. No segundo tipo de diferenças, por um lado, temos os municípios com maior poder político, económico e financeiro, com capacidade para dar continuidade ao investimento em políticas de educação localmente construídas; por outro lado, temos os municípios que, não tendo alargado, com algum grau de autonomia, a sua intervenção na educação, aceitam as suas competências em territórios educativos onde se registam maiores taxas de abandono e de insucesso escolares. Nestes últimos, para além de termos uma intervenção municipal menos presente, verificam-se maiores bolsas de pobreza e de altas taxas de desemprego em virtude de uma localização ora de periferia relativamente aos grandes centros urbanos ora de interioridade, com baixa densidade populacional e/ou envelhecimento demográfico. Assim, apesar da pequena dimensão do território nacional, as políticas de descentralização têm, por um lado, promovido a desregulação da educação e esta condição, por seu turno, tem sido fator de desigualdades nas ofertas educativas ao dispor dos cidadãos portugueses. Não se trata somente de uma desregulação que proporciona desigualdades entre o setor privado, mas também de desigualdades entre os territórios. Como refere Barroso (2006b, p. 58), «a existência de múltiplos espaços de microrregulação local produz um efeito “mosaico” no interior do sistema educativo nacional que contribui para acentuar não só a sua diversidade, mas também a sua desigualdade». De acordo com Pinhal (2005), a intervenção municipal na educação tem vindo a desenvolver-se tanto por via das competências legais, como no âmbito daquilo que o autor designa por «não competências». Estas últimas áreas de intervenção não dizem diretamente respeito ao conjunto das competências setoriais, da educação formal (escolar), mas enquadram-se no conjunto das competências municipais, tanto no domínio da educação não formal e informal, mas também na possibilidade de desenvolver políticas de cooperação, em parceria, com as instituições com atividade no domínio da educação. Quanto às competências, Pinhal divide-as em competências de conceção e planeamento do sistema educativo local; construção e gestão de equipamentos e serviços; e apoio aos alunos e às escolas. Apesar da intervenção municipal ter vindo a aumentar, fruto das sucessivas transferências, esta tem sido centralmente condicionada e tem ocorrido sobretudo nas margens da escola. Embora, no âmbito do regime de autonomia das escolas e agrupamentos de escolas, os conselhos gerais tivessem tido reforçada a representação das autarquias, em regra, esta ainda tem uma condição de exterioridade em relação aos demais atores escolares. Este estatuto

de uma espécie de exterioridade dos representantes autárquicos é simultaneamente percecionado quer pelos outros atores, quer pelos próprios autarcas. Apesar de terem visto aumentar as suas responsabilidades, ainda não conquistaram um grau de legitimidade na tomada de decisão diretamente proporcional àquelas. Assim, como refere o estudo realizado nos municípios da Lezíria do Tejo (Tristão, 2009), os conselhos gerais de agrupamento ou de escola são, para a maioria dos eleitos locais, um palco político onde estes se sentem pouco à vontade. Muitos encaram este órgão como uma instância de apoio às direções. Quanto aos conselhos municipais de educação, na Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo, o estudo citado concluía que as reuniões dos conselhos municipais de educação são encaradas como encontros determinados por lei, com atores com quem os eleitos locais interagem noutros contextos, onde a informação funciona praticamente em circuito fechado, sem que daí resulte qualquer informação para a comunidade de uma forma geral. A cooperação esperada por parte dos parceiros resume-se à aprovação dos planos propostos pelos eleitos locais (cartas educativas, planos anuais de transportes escolares, por exemplo), na maioria dos municípios. São uma minoria os que encaram estes encontros como um palco político para a construção coletiva de sentidos e de soluções para a intervenção na educação. Se no plano da participação e do planeamento conjunto a ação pública está limitada ao estrito cumprimento dos normativos legais e a uma atividade de fraca intensidade em circuito fechado, no seio do conjunto de atores convocados para os órgãos de consulta e planeamento (conselho municipal de educação e conselhos gerais de escola e agrupamento de escolas), já no plano do investimento em infraestruturas e do apoio social aos alunos (transportes, refeições, subsídios económicos para material escolar, complemento de apoio à família e escola a tempo inteiro) a intervenção dos municípios é não só mais visível como constitui uma exigência das comunidades escolares por via da assunção de responsabilidades decorrente da transferência de competências. No entanto, é no plano da educação não formal e da educação informal que os municípios não só dão mais visibilidade aos seus programas de ação, como tomam a iniciativa de os pôr em prática. Os serviços educativos a funcionar nos equipamentos municipais (bibliotecas, museus, cineteatros e centros culturais), a organização das atividades de férias para crianças e jovens em idade escolar, os programas para a ocupação dos tempos livres das populações séniores, os diversos programas de promoção da qualidade de vida dos munícipes, ilustram bem o protagonismo que a educação não formal tem na

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intervenção municipal. Trata-se de uma intervenção municipal que, no domínio educativo, investe vigorosamente nas modalidades de educação não formal e informal, em complementaridade da educação formal que é deixada exclusivamente às escolas. Efetivamente, poderíamos, em guisa de resposta ao segundo eixo de questionamento, afirmar que a generalidade dos municípios assume políticas educativas locais, privilegiando na sua intervenção as dimensões da educação não formal e informal, mantendo, em relação à educação formal, um estatuto de parceiro com corresponsabilidade nas funções de aprovisionamento que dizem respeito aos recursos espaciais, materiais, de apoio à ação educativa. Essa ação educativa, no que diz respeito à gestão do pessoal docente, à organização e gestão curricular, à avaliação e definição do projeto educativo e curricular é, pois, responsabilidade das escolas concebidas num duplo estatuto: por um lado, o de serviço periférico do Estado, por outro lado, o de comunidade escolar cujo projeto obriga a uma abertura à comunidade educativa composta por pessoas e instituições que com ela mantêm as relações instituintes da sua autonomia. A condição de irreversibilidade do processo de descentralização para a esfera municipal cria a ilusão de que assistimos a um processo de municipalização da educação, com a consequente naturalização da ideia de um inevitável fracionamento do Estado Social e da criação de subsistemas educativos diferenciados. Teríamos, desta maneira, os municípios a substituir o papel do Estado nas áreas sociais, como é o caso da educação, com naturais prejuízos para a coesão social dos portugueses e para a igualdade de oportunidades. Contrariar esta tendência de matriz neoliberal implica, por um lado, o reforço das funções de regulação institucional do Estado, através da definição de objetivos para o sistema educativo nacional e da avaliação sistemática da ação educativa. Por outro lado, implica que os municípios conquistem legitimidade e atribuam um sentido coletivo à intervenção municipal na educação. Em jeito de conclusão, retomamos a ideia de multiterritorialidade para defender que o localismo municipal não é um substituto do Estado-nação, mas antes permite processos de regulação local que ajustem as políticas educativas ao contexto territorial mais próximo, num processo de inserção por encaixe que garanta a autonomia dos agentes locais através de relações de interdependência. Considerando os três pilares da descentralização portuguesa, teríamos, assim, a autonomia da escola, a autonomia do município, a autonomia dos territórios supramunicipais e a autonomia do Estado nacional. E, assim, todas estas escalas estariam em relação com o supranacional, num contexto de europeização e de glo-

balização. A sustentar a autonomia de cada um dos territórios – no sentido político, administrativo e de relação de poderes – teríamos como princípios a subsidiariedade e a corresponsabilidade baseada no compromisso. A legitimidade institucional dos municípios permite-lhes ter um papel de charneira nesta realidade multiescalar, pela autonomia acrescida que lhes é conferida pela carta europeia das autonomias locais e pela abrangência de intervenção que lhes está atribuída enquanto «pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução dos interesses próprios das populações respetivas» (artigo 235.º da Constituição da República Portuguesa). Detendo um estatuto privilegiado, de mediador, num sistema de regulação multipolar, de funcionamento reticular, compete ao município desenvolver as suas orientações estratégicas para o território municipal, no domínio da educação, em estreita correlação com os territórios envolventes (supramunicipais e nacional) e com as demais áreas de desenvolvimento territorial. A intervenção municipal na educação deve conferir coerência às políticas de desenvolvimento territorial. Na área da educação, essa coerência faz-se pela articulação entre a intervenção nas três modalidades de educação: educação informal, educação não formal e, em subsidiariedade com as escolas e com o Estado, a educação formal (escolar). Esta articulação deve ainda estender-se ao papel que a educação tem no conjunto das áreas administradas pelo município. Os princípios de subsidiariedade e corresponsabilidade baseada no compromisso garantem, não só a coerência interna ao território municipal, mas também a intervenção do Estado nacional que, no papel de metarregulador das regulações locais, deve ser o garante da coesão social que representa o pilar dos territórios nacionais. Ao nível das escolas, seria desejável uma regulação de tipo sociocomunitária (Barroso, 2005) com três grandes categorias de intervenientes: o Estado que, com legitimidade democrática, garantiria a igualdade, a equidade e a eficácia do sistema; os alunos e pais que, com legitimidade de cidadania, participariam no controlo social da escola; e os professores, com a legitimidade do profissionalismo militante, a quem compete a prestação de um serviço público. O município, cuja legitimidade é democrática, tem para além das competências funcionais que há décadas têm sido transferidas, o importante papel de fomentar as relações de interdependência e de dar coerência às políticas setoriais na sua integração com o território, este com o duplo sentido de comunidade de pertença e recurso ao desenvolvimento pessoal, social, económico e também de cidadania.

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Nestas últimas formulações, damos resposta ao nosso terceiro eixo de questionamento. Uma nova realidade política e sociológica, à escala global, parece relativizar o papel do território nacional. Os Estados-nação fortalecem as suas interdependências com o supranacional e descentralizam para o infranacional, criando a ilusão de que enfraquecem, e, com isto, promovem a ideia da sua desterritorialização. Em vez disso, numa realidade multiterritorial (Haesbaert, 2004), de sistemas multipolares de regulação (Comaille, 2006; Lascoumes & Le Galès, 2007), os Estados reconfiguram os seus modos de atuação. Passamos, assim, do Estado Educador ao Estado Regulador (Barroso, 2006a). Nesta nova realidade, os municípios têm simultaneamente uma intervenção na provisão, em subsidiariedade com os demais intervenientes, assim como na regulação, no papel de animador e coordenador territorial.

Referências Bibliográficas Baptista-Machado, J. (1984). Participação e Descentralização, Democratização e Neutralidade na Constituição de 76. Coimbra: Livraria Almedina.

Ganhão, A. J. (2007). Desatar os nós e estabelecer os laços. In I. Letras (Ed.), 20 anos de associativismo municipal na Lezíria do Tejo. Santarém: CULT. Gaudin, J.-P. (2002). Pourquoi la gouvernance? Paris: Presses de Sciences PO. Haesbaert, R. (2004). O mito da desterritorialização: do «fim dos territórios» à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Lascoumes, P., & Le Galès, P. (2007). Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Colin. Martins, J. (2014). O Portugal Democrático e a Relação dos Municípios com a Educação: balanço e perspetivas. Educação, Sociedade e Culturas(43), 25-44. Pinhal, J. (2005). Os municípios e a provisão pública da educação. In J. A. Costa, António NetoVentura, Alexandre (Ed.), Políticas e gestão local da educação. Aveiro: Universidade de Aveiro. Tristão, E. (2009). As políticas Educativas Municipais: estudo extensivo nos municípios da Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo. Lisboa: Universidade de Lisboa.

Barroso, J. (2005). Políticas educativas e organização escolar. Lisboa: Universidade Aberta. Barroso, J. (2006a). A Regulação das Políticas Públicas de Educação: espaços, dinâmicas e atores. Lisboa: Educa, Unidade de I&D de Ciências da Educação. Barroso, J. (2006b). O Estado e a Educação. A regulação transnacional, a regulação nacional e a regulação local. In J. O. Barroso (Ed.), A regulação das Políticas Públicas de Educação. Espaços, dinâmicas e atores. Lisboa: Educa. Comaille, J. (2006). Sociologie de l’action publique. In L. Boussaguet, Jacquot, SophieRavinet, Pauline (Ed.), Dictionnaire des PolitiquWWes Publiques (2ème ed.). Paris: Sciences PO Les Presses. CULT. (2007). 20 anos de associativismo municipal na Lezíria do Tejo (I. Letras Ed.). Santarém: CULT. Defarges, P. M. (2003). La gouvernance. Paris: Presses Universitaires de France. Ferrer, F. (1994). Niveles de descentralisación educativa en Europa: estado, region, município y escuela. In A. Villa (Ed.), Autonomia Institucional de los Centros Educativos: presupuestos, organización y estratégias. Bilbao: Universidade de Duesto.

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3. Descentralização político-institucional no Brasil e em Portugal: repercussões na municipalização e gestão local da educação Donaldo Bello Souza Pós-Doutor em Política e Administração Educacional pela Universidade de Lisboa e Professor Associado na Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FE/UERJ) – Brasil. Email: [email protected] Dora Fonseca Castro Pós-Doutora em Administração Educacional pela Universidade de Aveiro e Professora Adjunta na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto (ESE/IPPorto) – Portugal. Email: [email protected]

Introdução Conforme discutido por Souza & Faria (2004, 2003), as reflexões acerca dos ideais descentralizadores têm transitado entre uma visão relativamente otimista do papel do Estado neste processo e o protagonismo acentuado da sociedade civil, entendidos como espaços separados e opostos, ocorrendo identificações imediatas da democracia com toda e qualquer ação descentralizadora da prestação de serviços públicos pelo Estado, em contraposição às concepções que associam as formas centralizadas de sua gestão ao autoritarismo e à ineficácia estatais. Todavia, há o reconhecimento de que o fenômeno político da descentralização depende, sobremaneira, do contexto histórico e sociopolítico de cada realidade a que se relaciona, definidor, portanto, de seu grau e amplitude (Veneziano, 2002). Nesta perspectiva, a viabilidade da descentralização de políticas públicas na área social se encontra mais dependente da natureza dos vínculos estabelecidos entre as burocracias públicas e as possibilidades de controle e acompanhamento por parte da sociedade, do que propriamente em relação à estrita esfera governamental, responsável pela promoção e execução de tais serviços (Martins, 2001; Abreu & Sari, 1999). A qualidade desses vínculos, tanto no âmbito do relacionamento entre os entes federados, como na esfera do binômio Estado-Sociedade, é que irá implicar, portanto, uma maior partilha de poderes (descentralização) ou, ao revés, a ocorrência de um simples deslocamento de

competências, atribuições e encargos (desconcentração) (Abreu, 2002; Souza; Carvalho, 1999; Cassasus, 1995). Assim, passa-se à compreensão de que o fenômeno da descentralização, por si só, não poderia produzir as profundas transformações esperadas, nos mais variados níveis, como exemplo: equidade social e entre regiões; maior democracia, participação sociopolítica e representatividade das instituições; desenvolvimento econômico sustentável local; inserção nos mercados internacionais e, em especial, acentuada eficiência do Estado na prestação dos serviços públicos (Veneziano, 2002). Conforme sinalizado por Arretche (2002b), na França, esperou-se que a descentralização viesse a implicar ampliação dos meios de participação política; na Itália, que pudesse vitalizar os governos regionais, estes debilitados pelo excesso de centralização do Estado, neste caso unitário; na Bélgica e Espanha, que contribuísse para o avanço em direção ao federalismo (Arretche, 2002b). Na década de 1980, a descentralização veio igualmente a ser considerada como forma de superação da centralização e do autoritarismo herdados, no Brasil, da ditadura militar (1964-1985) (Arretche, 2002b; 1999) e, em Portugal, do Estado Novo (1933-1974) (Formosinho & Machado, 2000; Pires, 2003), de modo a propiciar a convergência entre democratização e eficiência da gestão pública. Assim, a descentralização se constituiu em programa de alguns governos tanto em Estados unitários, nos quais o poder central possui autoridade política, fiscal e militar, cuja autoridade local se dá por delegação do poder central, quanto federados, nos quais os governos central e

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locais são independentes entre si, gozando de soberania nas suas respectivas competências, por exemplo, na formulação de políticas, como no caso da educação (Arretche, 2002a; 2002b). Trata-se, entre outros, do caso do Brasil e Portugal, o primeiro, de organização de governo federada, enquanto que o segundo unitária. Na área da educação, estudo pioneiro de Both (1991; 1997), que estabelece, em dado momento, comparações entre a descentralização entre Brasil e Portugal1, ressalta que a tradição administrativa nesses países, devido à centralização do poder – no Brasil, nas esferas dos governos central e estaduais, enquanto em Portugal, em termos do governo central –, implicaram atuação diminuta do município na administração pública, em especial naquela área. Todavia, este autor constata que a administração da educação local foi marcada, especialmente nos idos de 1980, por grandes diferenças entre esses dois países, pois, enquanto o município (conselho) português tinha sua presença na área educacional preponderantemente na «edificação e gestão de equipamentos e na prestação de serviços no âmbito da ação social» (Both, 1997, p. 55), o órgão similar brasileiro viria se movendo na progressiva oferta da educação pública, notadamente do Ensino Fundamental2. Mais recentemente, Souza & Martinez (2010; 2009) apontam que os estudos comparados Brasil-Portugal na área da gestão da educação vêm expondo tanto aproximações, quanto distanciamentos entre essas duas realidades, trazendo à vista processos de descentralização da educação fortemente dependentes do contexto histórico e social de cada um desses países, confirmando o entendimento de que o grau e qualidade do relacionamento entre o poder central e local e entre esses e a participação da sociedade civil se portam como importantes aspectos da municipalização e gestão da educação. O presente artigo visa a discutir, sob perspectiva comparada, alguns aspectos da descentralização político-institucional no Brasil e em Portugal, tomando por foco de análise suas repercussões nos processos de munici1 Embora a comparação Brasil-Portugal não tenha constituído questão central do estudo de Both (1991; 1997), cujo peso encontra-se posto na discussão sobre a municipalização do Ensino Fundamental brasileiro, o autor dedica um de seus capítulos à comparação do grau de autonomia administrativo-educacional vigente à época em municípios de ambos os países, com foco em seus ensinos fundamental (Brasil) ou básico (Portugal). 2 A Educação Básica no Brasil refere-se ao primeiro nível do ensino escolar, que antecede ao ensino superior, compreendendo três etapas: a Educação Infantil (para crianças de zero a cinco anos de idade), o Ensino Fundamental (para alunos de seis a catorze anos de idade) e o ensino médio (para alunos de quinze a dezessete anos de idade), sendo, todavia, obrigação do Estado garantir os meios para que os jovens e adultos que não tenham frequentado a escola segundo esta relação idade-etapa educacional possam acelerar seus estudos e alcançar formação equivalente à Educação Básica.

palização e gestão local da educação, apoiando-se na revisão da literatura pertinente e nos marcos jurídicos e normativos que vieram regulá-la em ambos os países, problematizando, com isso, a dicotomia entre a difusão do seu ideário e a materialização, de fato, no campo das políticas públicas educativas locais. Dividido em quatro seções, a próxima aborda as relações entre a descentralização e a municipalização da educação, sendo sucedida pela análise de suas vinculações com a gestão local da educação de forma a culminar na seção conclusiva do artigo3.

Descentralização e municipalização da educação Em linhas gerais, é possível afirmar que foi somente na segunda metade dos idos de 1990 que, coincidentemente às reformas educacionais em curso no Brasil – pós-Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n.º 9.394, de 23 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996) –, se observou um apelo sistemático à adoção de medidas descentralizadoras de algumas das competências do governo central português no campo educacional, em que pese o fato de a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) n.º 46, de 14 de outubro de 1986 (Portugal, 1986) tê-la preconizado em meados da década anterior, em paralelo a propostas também de participação e autonomia (Afonso, 2000; Lima, 2000). No Brasil, a Constituição Federal (CF) de 1988 (Brasil, 1988), a par de um conjunto extenso de avanços que trouxe para a vida nacional, veio suscitar algumas importantes mudanças na legislação educacional, indo ao encontro das expectativas da sociedade brasileira em torno da elaboração de normas mais adequadas às transformações democráticas inauguradas no país a partir dos anos de 1980, em que pesem as tensões políticosociais e partidárias que se faziam presentes desde 3 Este estudo resulta de adaptação de outros dois artigos de nossa autoria (Souza; Castro; Rothes, 2013; Souza; Castro, 2012), todavia agregando algumas novas reflexões sobre a sua problemática, de modo a atender ao honroso convite efetuado pelos editores deste prestigioso periódico português. Deriva da efetivação de investigação de maior amplitude, denominada «Os Planos Municipais de Educação (Brasil) e as Cartas Educativas Municipais (Portugal): perspectiva comparada entre as Regiões/Áreas Metropolitanas do Rio de Janeiro e do Porto» (cf. Souza & Castro, 2011), em processo de execução, desde o mês de outubro de 2011, via convênio de cooperação acadêmica internacional entre o Núcleo de Estudos em Política e História da Educação Municipal da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEPHEM/ FE/UERJ) e o Centro de Investigação e Inovação em Educação da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto (inED/ESSE/IPPorto). Tem por objetivo central a análise comparada em torno da gestão democrática da educação e da relação entre os poderes central e local, sob coordenação acadêmica, no Brasil, do Prof. Dr. Donaldo Bello de Souza, e, em Portugal, da Profa. Dra. Dora Maria Ramos Fonseca de Castro.

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a Assembléia Nacional Constituinte (ANC), expressão do conflito de interesses que marca a diversidade socioeconômica e, por conseguinte, sociopolítica no Brasil. No campo da educação, apesar das demandas sociais existentes, a regulamentação dos dispositivos constitucionais de 1988 só foi realizada oito anos depois, por intermédio da promulgação da LDBEN n.º 9.394/1996, cujo texto não apenas ratificou a organização sistêmica já praticada em larga medida em algumas regiões do país, como normatizou a condição de sistemas «autônomos» atribuída aos municípios por aquela CF. Com isso, a organização anterior, que considerava apenas três esferas governamentais (federal, estadual e Distrito Federal), passou a integrar este quarto ente federado, apontando para a autonomia relativa de seus respectivos sistemas4 e, ainda, diferenciando-os quanto às incumbências e prioridades, advogando, contudo, a prática do regime de colaboração entre eles. Com isto, a colaboração passa a assumir caráter obrigatório na organização dos sistemas de ensino no país, com vista, especialmente, à minimização dos riscos de uma fragmentação desregulada da organização da educação nacional entre os sistemas de ensino (da União, dos estados e do Distrito Federal), agora incluindo os sistemas municipais, já que, a partir de então, a autonomia passava a ser extensiva, pelo menos formalmente, a todos os entes federados. Tal conceção de colaboração passou formalmente a prever ações conjuntas entre os entes federados, abarcando, por exemplo: a divisão de responsabilidades pela oferta do Ensino Fundamental; o planejamento educacional (planos de educação5 e censos escolares); a superação de decisões impostas ou a simples transferência de encargos, sem que houvesse o repasse devido dos meios e recursos necessários; e, ainda, a garantia de participação da sociedade por meio dos conselhos, com representação popular e poder deliberativo (Abreu & Sari, 1999; Oliveira & Santana, 2010). Entretanto, este regime vem se realizando e em meio a um contexto no qual a translação de responsabilidades tem levado não à cooperação, mas a um quadro de concorrência entre os entes federados, marcado por múltiplas dificuldades para a sua difusão, como: i) a ausência de regras institucionais que aprofundem o estímulo a práticas cooperativas entre os entes federados; ii) a precariedade dos dados e informações sobre a realidade escolar no país; iii) a tradição 4 Sobre sistemas educativos em geral e, em particular, no Brasil e em Portugal, veja-se Souza, Duarte & Oliveira (2015). 5 Sobre os planos de educação nacional e infranacionais no Brasil, veja-se Souza & Martins (2014).

autoritária nas relações intergovernamentais, aqui caracterizada pela tendência à centralização e concentração do poder decisório nas esferas federal e estaduais; iv) a carência de espaços oficiais de coordenação, barganha e deliberação conjunta entre as instâncias federadas, em que pesem as iniciativas tanto do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) quanto da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) nessa área (Souza & Faria, 2004; 2003; Duarte, 2002; Machado, 2002; Abicalil, 2001; Abreu & Sari, 1999). Já na década de 1990, as políticas governamentais passaram a adotar o caminho da racionalidade financeira (Saviani, 1999), implicando redução dos gastos públicos e do tamanho do Estado, assim como a intensificação da abertura do país ao capital financeiro internacional. A partir disso, o uso instrumental do conceito de descentralização passou a ser, majoritariamente, aplicado como desconcentração (Cassasus, 1995), implicando processos de privatização, terceirização ou publicização dos serviços públicos (Adrião & Peroni, 2005; 2008), com forte apelo às práticas sociais voluntárias de apoio à escola, de caráter tipicamente assistencial (Calderón & Marim, 2003), mas com elevado controle dos níveis superiores do governo sobre os fluxos financeiros e as transferências de recursos intergovernamentais (Gonçalves, 1998), visivelmente ancorado na manutenção da centralização normativa e política em relação à instância executora (Montaño, 2003; Vieira & Farias, 2007). Contudo, conforme mais adiante evidenciado, no Brasil, ao contrário de Portugal, o processo dito descentralizador tenderá a repercutir, mais rapidamente, numa maior responsabilização direta do município na captação de recursos para o atendimento de suas próprias demandas, no monitoramento de gastos e na inspeção do cumprimento das metas federais e/ou estaduais estabelecidas, agora não unicamente pelo poder público local, mas, também, pela via da responsabilização da sociedade civil (Jacobi, 2008; Menezes, 2001; Nogueira, 1997). Por seu turno, a análise relativa aos processos de desenvolvimento da descentralização da educação em Portugal revela que, a partir de finais dos anos de 1980, começou a esboçar-se uma clara intenção de a administração educacional abandonar a prática de tomada de decisões uniformizantes em nível central (Formosinho & Machado, 2000), herança do período do Estado Novo em Portugal (1933-1974), neste último caso momento no qual a relação autoritária do poder central com a escola veio a atingir o seu auge, implicando, entre outros aspectos, retirada dos poderes dos municípios sobre a administração das escolas primárias (Pires, 2003). A publicação da LBSE n.º 46/1986 pode ser tomada como um marco significativo, em termos legislativos,

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para o desenvolvimento das idéias de participação e descentralização, na medida em que recusa o modelo burocrático e centralizado de administração na sua forma concentrada. Formosinho & Machado (2000) também dão-nos conta de que esta lei define os princípios a que deveria obedecer à administração e gestão educativa ao nível central, regional autônomo, regional, local e de estabelecimento. Esta LBSE, que, segundo Lima (1992), à época, obteve consenso entre os partidos políticos, acabou, no entanto, por contribuir para a implementação de medidas destinadas à promoção de formas de desconcentração dos serviços de educação em Portugal e não necessariamente descentralizadoras, a exemplo do que veio a acontecer, igualmente, no Brasil. Em prol da descentralização anunciada em vários normativos legais, na década de 1990, intensificou-se apenas a desconcentração da educação com a transferência de competências da administração central para estruturas de gestão intermédia: as Direções Regionais de Educação (DREs) e Centros de Área Educativa (CAEs). Nestes termos, o Decreto-Lei n.º 141, de 26 de abril de 1993 (Portugal, 1993) determinou que as DREs constituíssem serviços regionais do Ministério de Educação (ME), dotados de autonomia administrativa, que viessem assegurar a orientação, coordenação e apoio às escolas de ensino não superior ao nível regional. Para Afonso (2006), essas DREs passaram a representar instâncias de regulação intermédia da educação, ao passo que os CAEs, um prolongamento das estruturas anteriores que, em seu conjunto, acabaram por contribuir para a manutenção de uma lógica de funcionamento ainda hierarquizada e burocratizada. Com o reordenamento escolar e o surgir de novas tipologias organizacionais, observa-se uma sobreposição das competências e funções dos vários órgãos de gestão dos diferentes níveis de decisão. Possivelmente devido a esse fato, mas também, porventura, em virtude da assunção (em especial no plano dos discursos políticos) da autonomia dos agrupamentos de escolas, os CAEs, estruturas de gestão intermédia e periférica, começaram a extinguir-se, ficando apenas em funcionamento as várias DREs. Assim, em termos esquemáticos, podemos identificar diferentes níveis de gestão da educação em Portugal: ao nível central, os serviços do ME (serviços da administração central); ao nível regional, as DREs e, na instância local, os Agrupamentos de escolas, embora na fase de formação destes últimos, aqueles outros níveis não tenham se mostrado facilitadores do processo de descentralização da educação (Pinhal & Dinis, 2002), uma vez que a administração central os utilizou para retomar o controle quase absoluto sobre o sistema educativo, mais

uma vez revelando a faceta de um Estado centralizador, controlador e burocrático. Contudo, estudos realizados ao nível da administração educacional (Costa, 2007; Lima, 1992) levantam algumas dúvidas a respeito do quadro ora traçado. Várias investigações realizadas no plano da ação dos atores, nas diferentes instâncias das organizações educativas, vão mostrando que a ação se pode afastar do estabelecido ou do previsto. Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que, à margem das estruturas formais que apontam para cadeias hierárquicas que promovem regulações no sentido descendente vertical e que à partida dificultariam o desenvolvimento da autonomia das organizações educativas, uma face mais oculta e que diz respeito às dinâmicas reais dos atores sociais, parece revelar muitas ambiguidades e contradições, mostrando que os processos de desenvolvimento de autonomia não são movimentos lineares dependentes exclusivamente das estruturas formais. Em determinadas realidades, parecem emergir regulações no sentido das periferias para os centros de poder instituídos, e que nos remetem para a consideração da existência de outros centros de decisão e de espaços de autonomia administrativa e pedagógica. Com o Decreto-Lei n.º 7, de 15 de janeiro de 2003 (Portugal, 2003), foram reativados, apenas ainda no plano legal, os Conselhos Municipais de Educação (CMEs) no país, com algumas debilidades no que diz respeito à representatividade das diferentes forças sociais, econômicas e políticas do território educativo, mas, em alguma medida, tendendo à valorização da «capacidade política, de decisão e gestão dos municípios portugueses» e contribuindo para a «concretização de um poder local mais forte» (Formosinho & Machado, 2005, p. 152). Atualmente, numa lógica de redução de estruturas e de racionalização de recursos, perspectiva-se a extinção das DREs, ao mesmo tempo em que se discutem possibilidades de transferir algumas competências destas estruturas para os poderes locais (municípios), conforme será destacado mais adiante.

Descentralização e gestão local da educação Conforme anteriormente visto, a CF de 1988 (Brasil, 1988) outorgou autonomia relativa aos municípios brasileiros, cujos reflexos na área da educação vieram implicar possibilidade de formulação e regulamentação de suas próprias políticas educacionais, com reflexos diretos na cobertura, especialmente no âmbito das primeiras duas etapas da Educação Básica (Educação Infantil e Ensino Fundamental). Naquele momento, marcado por fortes reações ao centralismo do regime militar dos anos

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de 1960 e 1970, e apesar da pluralidade de interesses, definiram-se importantes tendências de valorização do poder local, reiteradas, alguns anos após, no campo da educação, pela nova LDBEN n.º 9.394/1996. Dessa maior autonomia, pelo menos proclamada, emergiram inúmeros desafios à gestão da educação municipal pública no Brasil, quer em termos das novas relações que viriam a ser estabelecidas junto aos demais entes federados – por exemplo, pela via do regime de colaboração –, quer no que concerne aos vínculos a serem (re)estabelecidos com a sociedade civil local, particularmente no que remete à participação popular em órgãos colegiados diversos. Contudo, foi nos idos de 1990 que se observou, com maior nitidez, a estruturação de novas redes associativas (Gohn, 2001), entre as quais a criação de conselhos nas diversas áreas das políticas públicas do país, amparados por ampla base legal, assumindo diversos formatos e funções, sendo caracteristicamente compostos por representantes do poder público e da sociedade civil como, por exemplo, as iniciativas que se relacionam à criação dos conselhos de direitos, de assistência social, de saúde, de educação, entre outros. No campo da Educação Básica local, disseminam-se, na esfera dos seus sistemas municipais, os Conselhos Municipais de Educação (CMEs) e os Conselhos de Acompanhamento e Controle Social (CACS) (Souza, 2006). No caso dos CMEs, por exemplo, as perspectivas gerencialistas, que se disseminaram no país a partir dos idos de 1990, os tomaram enquanto órgãos de atuação colegiada, capazes de possibilitar prestações de contas do poder público à sociedade (accountability), enquanto que para a «tradição política autoritária constituiriam entidades concorrentes na competência normativa e, possivelmente, intervenientes sobre a eficácia das decisões do executivo» (Souza, Duarte & Oliveira, 2013, p. 24). Em contrapartida, para os setores ditos progressistas da sociedade brasileira, esses Conselhos passaram a representar a possibilidade de efetivação dos princípios de gestão democrática da educação. Apesar de os CMEs não virem a dispor de regulamentação nacional específica em torno da sua criação e funcionamento institucional e sociopolítico, o que significa que, entre outros aspectos, não vieram a se tornar obrigatórios ao nível local, a sua disseminação vem se mostrando ampla no país. Na prática, inúmeros problemas relacionados à criação, implantação e funcionamento institucional e político local dos CMEs, e também dos CACS, vêm sendo revelados pela literatura correlata. Levantamento sobre algumas das investigações que tomam esses órgãos colegiados por alvo, realizado por Souza & Vasconcelos (2006), identificou que os estudos existentes se preocupam sobre-

maneira com a qualidade da participação da sociedade civil em ambos os Conselhos, caracteristicamente débil, sugerindo certo descrédito em relação às possibilidades de funcionamento regular dessas instâncias, assim como em relação à possibilidade de estarem contribuindo de modo efetivo para o processo de emancipação social local. Em outro levantamento mais recente, Souza, Duarte & Oliveira (2013, p. 48) constataram que as investigações sobre os CMEs, independentemente da região em que se encontra localizado o município, trazem à vista a «ausência de um projeto político de Estado (ao nível federal, estadual e local) voltado para a autonomização dos CMEs. Justamente ao revés, estes órgãos se tornam reféns das políticas de governo, comprometendo, por conseguinte, o ideário da gestão democrática da Educação Básica propalado desde a segunda metade dos anos 1980 [..]». Pelo fato desses Conselhos não terem localmente emergido em decorrência de uma tomada de consciência sociopolítica local, e sim por força de lei federal e/ou municipal, em larga medida podem ser tomados como expressão de políticas que visaram a desoneração do Estado de sua obrigação para com a área social, transferindo determinadas responsabilidades para a sociedade civil, de modo particular apelando para sentimentos como os de solidariedade, como no caso do trabalho voluntário que se realiza em muitas instituições escolares públicas (Calderón & Marim, 2003). Na esfera da gestão escolar (e não mais ao nível da gestão dos sistemas educativos), novos arranjos de gestão escolar irão surgir, pelo menos declaradamente orientados segundo princípios da gestão democrática, com foco na construção da autonomia administrativa, pedagógica e financeira dessas instituições e, em paralelo, propugnando o envolvimento crescente de professores, de funcionários, de alunos e de seus pais, a par da comunidade local, especialmente por intermédio de determinadas estruturas de gestão colegiadas, como os Conselhos Escolares (CE), os Conselhos de Classe e de Série, os Grêmios Estudantis, entre outros, ou pela via da construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da instituição escolar. No entanto, de acordo com Souza (2011, 2010) a problemática da gestão democrática da escola vem sendo tratada de modo não necessariamente crítico como, por exemplo, no que remete às discussões sobre a descentralização e a participação sociopolítica, pois frequentemente ocorre a associação direta entre descentralização, democracia e participação social, como se houvesse uma mútua e imediata dependência entre essas dimensões – conforme nos alerta Nogueira (1997) –, o que leva alguns autores, mediante a identificação empírica de um ou outro desses aspectos, a considerar os demais impli-

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citamente presentes ou necessariamente ausentes nos seus contextos de investigação. De qualquer modo, ainda são muitos os desafios e dificuldades existentes no Brasil em torno da participação sociopolítica também na instância escolar, seja na perspectiva de se aumentar a gama de representatividade em seu interior, de modo a incluir sujeitos de diferentes idades, saberes e gênero – embora se reconheça que, quanto maior a quantidade de membros por categoria, menor as possibilidades de participação –, seja em termos do reconhecimento das tensões que marcam tal processo, particularmente diante da ingerência política de determinados órgãos pertencentes ao sistema local de educação, como, por exemplo, as próprias Secretarias Municipais de Educação (SMEs). Tradicionalmente, o processo decisório esteve centrado na direção da instituição escolar, o que significa não ser fácil o seu deslocamento para a esfera coletiva, embora se reconheça que se trata de uma questão processual e não imediata. Já em Portugal, a revolução de 25 de abril de 1974 marca o início do período denominado de renovação ideológica. Os ideais da democracia emergem procurando desenvolver a participação, a cooperação e partilha de poderes ao nível social e educativo. O regime autoritário obstaculizava o desenvolvimento da autonomia local, configurando os municípios como prolongamentos do poder central. A Constituição da República Portuguesa de 1976 (Portugal, 1976) vem institucionalizar o regime democrático desencadeado por esta revolução, consagrando a descentralização administrativa como garantia do exercício democrático do poder (Formosinho & Machado, 2005), de modo a favorecer o desenvolvimento dos territórios e dos órgãos de poder local. Em matéria de valorização da escola democrática, e no que diz respeito ao discurso político-normativo, podemos salientar, além da LBSE, a Lei n.º 31, de 9 de Julho de 1987 (Portugal, 1987). Lima (1992) entende que os conteúdos democráticos e participativos estão muito presentes na LBSE, ao passo que Formosinho & Machado (2005, p. 115) consideram que esta última lei inclui «uma distribuição de poder nas decisões educativas, através da descentralização dos órgãos e da participação popular na definição da política e na direção e gestão dos estabelecimentos de ensino». No artigo 43 da Lei n.º 31/1987, podemos ler que o sistema educativo é constituído por estruturas de âmbito nacional, regional autônomo, regional e local, salientando-se que estas estruturas deveriam ser descentralizadas e desconcentradas. Em termos gerais, dizemos que neste diploma passam a estar previstas formas de descentralização e desconcentração da administração educativa, promovendo a possível regionalização do território nacional.

A par dos processos de regulação transnacional por que veio a passar Portugal junto com demais países da Comunidade Europeia (CE), em especial a partir dos anos de 1990, com forte apelo à autonomia local, o Decreto-Lei n.º 115-A, de 4 de maio de 1998 (Portugal, 1998), que instaura o Regime de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas em Portugal, veio também contribuir para a valorização do espaço local, ainda que não numa perspectiva de território, mas caracteristicamente situada ao nível da escola. A partir daí, é possível afirmar que os órgãos de gestão das unidades organizacionais educativas passam a contar com uma presença mais significativa de membros da comunidade educativa, quer no Conselho Pedagógico, quer na Assembléia de Escola. Mais recentemente, o Decreto-Lei n.º 75, de 22 de abril de 2008 (Portugal, 2008) veio reforçar esta situação, pois prevê, ao nível do Conselho Geral (órgão de topo das escolas/Agrupamentos de escolas), a integração de várias dimensões da comunidade educativa, incluindo elementos dos municípios. Ao mesmo tempo em que se sucediam mudanças significativas, em termos legislativos, ao nível da gestão dos estabelecimentos de educação, iam, paralelamente, ocorrendo mudanças nos órgãos de gestão num plano mais territorial. Em 1998, são formalizados os Conselhos Locais de Educação (CLE), preconizados como órgão fundamentalmente consultivo, com a vocação para formulação de pareceres, recomendações e propostas, ficando, contudo, limitado na sua ação, uma vez que passa tipicamente a se caracterizar, em muitos dos casos, pela legitimação do que já fora decidido ou mesmo implementado na esfera de outros órgãos (Santos, 2004). Em substituição ao CLE, surgiu, com a publicação do Decreto-Lei n.º 7/2003, o CME, que regulamenta, também, a criação e desenvolvimento das Cartas Educativas. Este «novo» órgão continua a ter um papel predominantemente consultivo, como o seu antecessor. Estudos realizados, recentemente descrevem o CME como um órgão com pouco poder de coordenação das políticas educativas locais e que continua a ter um papel direcionado para a legitimação de decisões ou ações já tomadas ou em curso. Contudo, Oliveira (2009) entende, num estudo recente, desenvolvido junto aos CMEs no distrito de Aveiro, que há consenso no entendimento do CME como instrumento fundamental ao serviço da descentralização. O mesmo autor adianta que, «de uma maneira geral, pode-se concluir que este órgão necessita de conquistar o seu próprio espaço e a sua legitimidade no ‘terreno’» (Oliveira, 2009, p. 116), visando superar algumas ambiguidades e dotá-lo «de maior capacidade de articulação/coordenação» (id.).

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Nestes últimos tempos, temos vindo a assistir a algumas ações que nos permitem afirmar que estamos no caminho da afirmação da desconcentração de poderes em matéria de educação. Têm vindo a estabelecer-se acordos e protocolos entre o ME e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) sobre várias matérias, nomeadamente a partilha de responsabilidades no que diz respeito à ação social escolar, à oferta formativa, à gestão dos transportes, refeições, espaços e equipamentos escolares e à própria construção das Cartas Educativas. A exemplo disso, em 2004 foi celebrado um Protocolo entre aqueles órgãos que parte da assunção do Decreto-Lei n.º 7/2003 como «passo fundamental no sentido da concretização da descentralização administrativa na área da educação», constituindo-se como um normativo capital para a «execução da descentralização e territorialização de políticas educativas, para o que conta com dois instrumentos fundamentais: o conselho municipal de educação e as cartas educativas.» O protocolo contempla a articulação entre a administração central, central desconcentrada e cada um dos municípios para a elaboração e aprovação do modelo das Cartas Educativas, assim como em relação às regras de criação, desenvolvimento e monitorização das mesmas. Em termos gerais, a territorialização ou municipalização da educação em Portugal vem revelando, em diversas investigações, que: i) a intervenção do município é ainda limitada (Pinhal, 2004); ii) a descentralização é essencialmente uma figura de retórica (Barroso, 1999; Formosinho & Machado, 2004); iii) a organização e as medidas tomadas têm sido avulsas, ambíguas e, muitas vezes, contraditórias; iv) tem existido uma política ambígua no que diz respeito à territorialização educativa, criando ao nível local tensões entre as escolas/agrupamentos de escolas e municípios (Guedes, 2002; Machado, 2004); v) a regulamentação dos CMEs constitui um retrocesso em termos de «participação contextualizada» (Cruz, 2007, p. 69) e que, em última instância, vi) tem vindo a contribuir para controlar o desenvolvimento das políticas educativas definidas pelo poder central (Oliveira, 2009; Ribeiro, 2005). Ao nível das unidades organizacionais escolares (escolas não agrupadas ou agrupamentos de escolas), recentemente, o Decreto-Lei n.º 75/2008 veio reforçar a participação da comunidade local em Portugal, pois prevê, ao nível do Conselho Geral, a integração de vários membros da comunidade educativa, incluindo aqueles das câmaras municipais. Contudo, tal como ressalta Barroso (2011a, p. 34), na «ausência de um processo claro de descentralização, a intervenção das autarquias na gestão interna das escolas acaba por ter um efeito reduzido e não ser muito valorizada pelos próprios au-

tarcas». Este mesmo normativo viria a consagrar a liderança unipessoal na figura de diretor, acabando com os conselhos executivos, órgãos de natureza colegial, implicando considerar a existência de um recuo na gestão democrática da escola portuguesa. A importância que é atribuída, «nos normativos legais, ao reforço da liderança formal unipessoal bem como a necessidade da sua responsabilização pelo desempenho da instituição anuncia o abandono, em termos legislativos, das lideranças colegiais partilhadas» (Castro, 2011, p. 17). A um só tempo, o recuo ao nível da gestão democrática nas escolas vem determinar que as lideranças intermédias (como os coordenadores de estabelecimento e coordenadores de departamento) sejam nomeadas pelo diretor, deixando por isso de ser eleitas pelos seus pares. Todavia, a figura de diretor como uma liderança forte tem vindo a revelar que, na prática, e devido a múltiplos jogos de poder, o diretor pode ser considerado uma liderança formal mais forte para dentro da organização e mais fraca para fora dela, se comparada com o «velho» conselho executivo (Barroso, 2011b; Lima, 2011b), pondo em risco o desenvolvimento de processos efetivos de autonomia e de desenvolvimento de políticas educativas locais, e tendo em conta a participação sociopolítica. As incongruências entre o plano dos discursos politico-normativos e o plano da ação desenvolvido pelas medidas tomadas pelo poder central acabam por não permitir avanços significativos no processo de desenvolvimento do poder local. O discurso da racionalização, que acaba por imperar, tem criado tensões entre o global e o local, o que, para alguns autores, tem contribuído mais para a recentralização do que para a almejada descentralização. Formosinho (2005, p. 26) entende que a «Administração central tem vindo a ‘vender’ desconcentração por descentralização, combinando uma retórica descentralizadora com normativos meramente desconcentrados (ou mesmo recentralizadores)». O discurso político que vem legitimando o desenvolvimento do poder local tem, também, vindo a mudar. Gradualmente e por influências das lógicas gerencialistas, fruto das políticas neoliberais que têm vindo a ganhar força na Europa, o discurso da descentralização parece servir a «novos» princípios. A participação das comunidades para o desenvolvimento de um «bem comum» dá agora lugar a princípios de natureza gestionária, como a necessidade de modernização, de competitividade, de concorrência, de eficácia e eficiência, nos moldes propugnados pelo ideário neoliberal. Apesar de haver um discurso político-normativo favorável ao desenvolvimento da descentralização e territorialização das políticas educativas, podemos perceber que o processo é comandado pelo poder central, que continua

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a regular, fortemente, os órgãos e instrumentos de gestão educativa ao nível local. A este respeito, Baixinho (2008, p. 6) diz-nos que, «ao limitar, pela imposição da lei, a composição do CME, presidência e distribuição de serviço, o Estado centraliza juridicamente e impõe uma normalização nacional para este órgão», o mesmo acontecendo, acrescentamos nós, com as Cartas Educativas, tendo em vista que, para a sua criação, desenvolvimento e monitorização, o Estado tem vindo a determinar os atores, processos e instrumentos.

Considerações finais À guisa de conclusão, é possível afirmar que as contradições que vêm demarcando os processos de descentralização da educação no Brasil e em Portugal caracterizam a própria natureza desses Estados que, embora distintos (no Brasil, de estrutura federativa, e em Portugal, unitária), possuem muitas leis supostamente democráticas, embora tendam a manter práticas autoritárias seculares e excludentes, não garantindo, até o presente momento, a possibilidade de uma emancipação local qualificada, quer do ponto de vista dos sistemas de ensino e de suas unidades escolares, quer no que remete a uma maior participação social no processo decisório, de forma a inclinar-se para uma democracia de caráter cooperativo. Em que pesem algumas diferenças substantivas, a descentralização da educação e o desenvolvimento de políticas educativas ao nível local no Brasil e em Portugal parecem ter, agora, um novo enquadramento. A descentralização ressurge a partir dos anos de 1990 como a possibilidade de Estado mínimo e mercado máximo, percebendo-se um afastamento das ideias da difusão da democracia participativa e do desenvolvimento dos territórios numa perspectiva sociocomunitária. A participação e a colaboração, portanto, passam a ser associadas no discurso político-normativo a termos como competitividade, eficácia e eficiência, constituindo-se, dessa forma, em instrumentos ao serviço das lógicas gerenciais neoliberais, revelando que a democratização, embora não abandonada, sofre ressignificações coerentemente à racionalidade econômica hegemônica que organiza/desorganiza o modo de produção capitalista atual, a par dos múltiplos sentidos aos quais as concepções de democracia, histórico e socialmente, estiveram sujeitas. As diferentes faces da autonomia identificadas por Ferreira (2012), bem como as lógicas de autonomia indicadas por Barroso (2011a), ajudam a perceber como a gestão democrática veio sendo resignificada em ambos os países, dando a entender que ainda se está mui-

to afastado da lógica sociocomunitária e da autonomia sensata que permitiriam possivelmente o desenvolvimento de processos mais democráticos e emancipatórios, contribuindo, em consequência, para uma gestão mais participativo-democrática no campo da política e administração educacional. As medidas que vão sendo implementadas pelo poder central, agora aliado das forças do mercado, acabam por despolitizar, em ambos os países, os processos de autonomia e descentralização, deixando em destaque a visão instrumental e tecnocrática, condicionando dessa forma o desenvolvimento de movimentos emancipatórios das periferias diante dos centros de decisão, não obstante marcados por profundas contradições nas e pelas quais, social e historicamente, se pode atuar.

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4. A relação escola – municípios e o desenvolvimento sustentável em Portugal: Duas propostas educativas. Helena Bernardo Professora da Escola Secundária Manuel Cargaleiro Email: [email protected] Sérgio Claudino Professor do IGOT – Universidade de Lisboa Email: [email protected]

1. O novo desafio educativo dos municípios portugueses em época de crise A municipalização da educação é um tema de amplo debate desde o século XIX (Carvalho, 1986) e que está na ordem do dia. Dando continuidade à legislação aprovada em 2013 (Decreto-Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro), já em 2015 o governo português aprovou a transferência de numerosas competências educativas para os municípios (Decreto-Lei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro), perante muitas reservas dos mesmos e a discordância pública de organizações sindicais dos professores. Entretanto, tem-se assistido a um inexorável processo de construção de alargados Agrupamentos de Escola, em tempo de crise facilmente justificados pela otimização de recursos humanos e financeiros. Ecoa já distante, mas contínua pertinente, a Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento, aprovada em 2009 (Despacho n.º 25931/2009, de 26 de novembro), que centra a educação para o desenvolvimento na transformação social e na mobilização dos diversos atores. É neste contexto e naquele, mais geral, de participação pública alargada nos processos de decisão territoriais (Ferrão, 2010), que se insere o debate em torno da relação escola-municípios, tendo em vista a construção de uma geografia pautada pelo desenvolvimento sustentável. Em Portugal, com algumas poucas exceções de escolas do ensino secundário (onde o processo de integração já se iniciou), a maioria dos estabelecimentos escolares do ensino básico e do pré-escolar partilha órgãos de gestão e espaços através dos Agrupamentos de Escola1 1 Unidade organizacional, dotada de órgãos próprios de administração e gestão, constituída por estabelecimentos de educação pré-escolar e escolas de um ou mais níveis e ciclos de ensino, que conta superar as situações de isolamento e reforçar o acesso e a gestão de recursos pelos estabelecimentos que o integram (adaptado do Artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril).

(AE). Tal enfatiza a necessidade de compreender as relações que se estabelecem no território municipal entre os principais atores do ensino público formal (professores, autarcas, técnicos superiores camarários com competências na área da educação, alunos e encarregados de educação), quando a descentralização educativa ainda é incipiente. Com assinalável persistência, o poder político central aposta na abertura da escola à comunidade, como sucede através do Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário, de 2008, onde se assume ser indispensável promover a abertura das escolas ao exterior e a sua integração nas comunidades locais2. Este esforço de abertura à comunidade foi concretizado, sobretudo, através da implementação de Conselhos Municipais de Educação e da elaboração de Cartas Educativas concelhias. Os municípios portugueses têm assumido um conjunto crescente e diversificado de competências educativas pela via legal, pois as reivindicações educativas da sociedade democrática têm feito emergir o poder local e municipal como interlocutor e sujeito de intervenção dos processos educativos. Em tempo de crise económica são necessários, ainda mais, novos atores e/ou renovadas ideias. Segundo Bernardo (2007), na defesa da sua tese de mestrado, a sustentabilidade territorial local pode ser analisada pela forma como os municípios intervêm em contexto educativo, tornando-se relevante tanto o levantamento de projetos/programas de boas práticas que estes promovem, como as representações que diversos atores educativos têm face a essa intervenção. Com a publicação do D.L. Decreto-Lei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro de 2015, que estabelece o regime de delegação 2 Diário da República, 1.ª Série, n.º 79, de 22 de abril de 2008, Decreto-Lei n.º 75/2008, p. 2342.

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de competências nos municípios e entidades intermunicipais no domínio de funções sociais, reforça-se a ideia de municipalização da educação. É relevante, assim, dar continuidade à interrogação sobre se há um desempenho específico dos municípios na definição e implementação de políticas de educação? Como têm sido concretizadas as suas políticas educativas? Como construir a cidade/município educador, em que todos os atores com responsabilidades educativas são chamados a participar no desenvolvimento sustentável local? Estas são algumas das questões que estão em aberto. Questões que devem servir de pretexto à reflexão de todos os que desejam uma escola inclusiva.

2. Uma escola inclusiva, uma escola de todos e para todos Bernardo (2007) defende que a escola inclusiva pode e deve ser potenciada quando os projetos educativos locais envolvam maioritariamente escolas públicas de diferentes ciclos de ensino e outras instituições educativas. A título de exemplo, de acordo com a investigação de Bernardo (2007), Almada e Seixal investem significativamente no Plano de Ação Cultural (PAC) e no Plano Educativo Municipal (PEM), respetivamente, envolvendo toda uma diversificada comunidade educativa municipal. Contudo, identifica-se uma reduzida reflexão e grande desmotivação na participação dos diferentes atores educativos no território local. De acordo com a mesma investigação, os fóruns educativos surgiram mais da iniciativa municipal (Fórum Seixal Saudável, receção à comunidade educativa, Fórum da Juventude, comemorações várias, etc.), que de diligências das próprias instituições escolares. A fraca autonomia, a falta de verbas próprias, os problemas sociais, a falta de tempo para outras atividades formativas dos protagonistas educativos, o quotidiano planificado e vivido nas escolas públicas e a reduzida mobilização da sociedade civil face aos atuais desafios educativos, trazem para a esfera pública muitas das fragilidades do nosso sistema educativo escolar. Ao restringir as decisões mais importantes ao poder (político e) administrativo do Ministério da Educação, reduz-se o papel dos protagonistas educativos a executores. Esta situação é ainda mais evidente nas escolas secundárias, onde a preparação académica dos alunos para o ingresso no ensino superior acaba por ser assumida como uma das principais prioridades educativas. Como exemplo, veja-se o protagonismo dado pelos media aos rankings das escolas ou/e processo de avaliação/reflexão interna/externa das escolas segundo as médias dos exames nacionais. Na construção de projetos educativos escolares e na decisão política educativa municipal e nacional, importa

criar espaços de diálogo para os principais intervenientes locais, valorizando-se os Conselhos Municipais de Educação – cuja atuação deve ser particularmente transparente, mobilizadora e conhecida de toda a comunidade local. Contudo, o historial dos Conselhos Municipais de Educação revela diversas ambiguidades e problemas na sua implementação, desde logo o elevado desconhecimento pela generalidade da comunidade educativa. As Cartas Educativas devem ser instrumentos de planeamento e gestão territorial participados, com uma mais ampla consulta pública e um maior investimento em soluções de rede educativa participada/negociada entre diferentes atores. A maior ou menor intervenção no processo de desenvolvimento sustentável local depende, fundamentalmente, dos diferentes agentes educativos e das instituições com vocação educativa – na prática, a maior ou menor abertura da escola ao meio. Nos seus projetos educativos, há comunidades escolares com alguma prática de trabalho em rede, enquanto outras revelam dificuldade em estabelecer, por exemplo, parcerias. As parcerias a constituir dependem dos recursos humanos e físicos disponíveis localmente e das instituições em presença, revelando cada município diferentes disponibilidades. Continuamos a viver num sistema educativo centralizador, que acaba por estrangular a iniciativa local/ municipal. Na maioria dos casos, a intervenção municipal é percecionada pelos atores educativos de forma instrumental e as parcerias a constituir e a trazer para dentro das comunidades escolares (quando existem) surgem, aparentemente, pelo esgotamento provocado pela falta de resolução de problemas da esfera da Administração Central. Na construção de municípios cada vez mais educadores, leia-se com maior protagonismo na intervenção educativa, são necessários maiores e melhores investimentos no parque escolar e na vida social das famílias, de forma a dar respostas à oferta e procura educativa. Tendo presente os desajustamentos da oferta educativa da escola pública (Enguita, 2008), impõe-se a escola a tempo inteiro, com maior espaço para a inclusão de iniciativas da sociedade civil, mais parceiros que se queiram associar à Escola e maior protagonismo das autarquias, cujas competências tenham correspondências nos respetivos recursos financeiros. O atual regime jurídico facilita a prossecução destes objetivos, mas será ineficaz sem uma nova cultura relacional à escala local.

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3. Em tese: Duas propostas educativas 3.1. A Administração Local Relacional. A facilitadora de processos educativos complexos! Segundo Bernardo (2007) propõe-se a construção de uma administração local relacional (Figura 1), em que a administração local lidere projetos amplos e operativos, com uma conceção integral das ações sobre a cidade e o município, com capacidade de gerar legitimidade e redes locais.

Rede de Tecido empresarial Local com ligação às Escolas Profissionais

Rede de Movimento Associativista: Social, Cultural e Desportivo

Rede de Escolas Públicas Básicas e Secundárias Rede de outras Instituições com vocação Educativa Administração Local Relacional

Redes de Municípios: Educadores Saudáveis e Sustentáveis

Rede parceiros consultores/ /Conselhos Municipais: Educação, Social, Segurança

Figura 1 – Proposta de Administração Local Relacional. Fonte: Bernardo (2007, p.221)

Como administração relacional, a administração local pode e deve criar as condições para agilizar a relação dos agentes educativos, assegurando o imprescindível compromisso de todos os interlocutores, para que se desenvolvam relações estáveis e consensuais, que permitam desenvolver um ou mais projetos educativos locais. A ideia básica é a de que a administração local se converta numa entidade promotora de dinâmicas sociais, com o objetivo principal de articular os diferentes agentes com impactes no território, em direção a um desenvolvimento sustentável, que crie e promova redes educativas locais, desde que estas sejam consensuais nos diferentes territórios educativos. Assim sendo, a participação dos atores/protagonistas deve ser assegurada. À escala local, as propostas educativas nacionais devem ser consensuais e

mobilizar os diferentes agentes, nomeadamente todos os profissionais do ensino, técnicos municipais e autarcas. Como refere Machado (2005, p.256), «esta ideia projeto de cidade a que corresponde um projeto educativo comum à Escola e ao território atribui ao município uma função educadora, com uma centralidade equivalente às funções tradicionais dos municípios». A centralidade da função educadora requer um modelo organizativo que permita, por um lado, a coordenação entre os diferentes grupos e entidades e, por outro, o melhor aproveitamento dos recursos existentes – em direção a um novo paradigma relacional, de serviços de ação comunitária (Villar, 2001). Afasta-se de uma conceção beneficente e assistencial da ação do município, de ajuda pontual, assim como de uma dimensão organizacional que, partindo do pelouro da educação do município cria serviços sociais próprios, sem articulação com o restante tecido social. O modelo organizacional do município/cidade educadora perfila-se a partir da descentralização político-administrativa. Segundo os princípios que norteiam a Carta das Cidades Educadoras, os municípios, leia-se educadores, que a subscreveram têm por principais responsabilidades e tarefas: – Definir uma política que inclua todas as modalidades de educação formal e não formal e as diversas manifestações culturais, fontes de informação e vias de conhecimento da realidade que se produzam na cidade (princípio 5); – Possuir informação precisa sobre a situação e as necessidades dos seus habitantes (princípio 6); – Tomar medidas com vista à supressão de obstáculos de qualquer tipo ao uso e benefício das ofertas educativas da cidade e da concretização do princípio da equidade, designadamente em relação a pessoas com dependência no planeamento urbanístico de equipamentos e serviços (princípio 8); – Avaliar o impacto das ofertas culturais, recreativas, informativas, publicitárias ou de outro tipo e as realidades que as crianças e jovens recebem sem qualquer intermediário. Oferecer espaços de formação e de debate, incluindo intercâmbios entre cidades (princípio 14); – Promover projetos de formação destinados aos educadores, em geral, e aos indivíduos que intervêm na cidade, sem estarem conscientes das funções educadoras (princípio 15); – Prever programas formativos nas tecnologias de informação e comunicação dirigidos a todas as idades e grupos sociais a fim de combater as novas formas de exclusão (princípio 20). Pretende-se, pois, potenciar as possibilidades da concretização educativa da cidade, clarificando o papel dos diferentes agentes. Do ponto de vista organizacional, na

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ANÁLISES E REFLEXÕES

construção do município educador, antevê-se o risco da burocratização do sistema/projeto e da concentração hegemónica de competências oferecidas aos municípios. Este cenário dá expressão ao município centralizador, substituto local do Estado central centralizador, afastando-se da perspetiva dos princípios enunciados na Carta das Cidades Educadoras, designadamente o de que Todos os habitantes de uma cidade terão o direito de desfrutar, em condições de liberdade e igualdade, os meios e oportunidades de formação, entretenimento e desenvolvimento pessoal que ela lhes oferece3. Os municípios ditos educadores, através da citada administração local relacional, devem promover um conjunto alargado e diversificado de experiências que estimule a relação entre as instituições em presença – rede de tecido empresarial, rede de movimentos associativistas, rede de consultores, rede de municípios, rede de Escolas públicas e rede de outras instituições com vocação educativa não formal (Figura 1). Torna-se evidente, segundo Alfieri (1994, p.34), que ao território «não se pode pedir a mesma intencionalidade formativa que à Escola, assim como à Escola não se pode pedir que assuma as mesmas valências de autenticidade, naturalidade, polissemia e complexidade que são inerentes à realidade externa». Nesta perspetiva, é pertinente que autarcas com responsabilidades de política educativa municipal e técnicos municipais conheçam melhor as representações territoriais que os protagonistas educativos têm do seu próprio território local. Numa dinâmica de rede de escolas, os seus protagonistas, em conjunto com a administração municipal/local, deverão conceber estratégias pedagógicas que permitam aos estudantes redescobrir o território local onde estudam e vivem, corrigindo e contribuindo para a diversificação de perceções territoriais, designadamente através de programas/ações educativas diferenciadas. Neste contexto, reduz-se o papel do Ministério da Educação na regulação, através de incentivos de mecanismos de avaliação externa das comunidades escolares onde devam estar presentes todos os parceiros educativos e onde se faça a avaliação de projetos educativos escolares, numa ótica de Projeto Educativo municipal/local. À administração local relacional caberá pôr em contacto agentes educativos que melhor possam responder às solicitações das comunidades escolares no sentido do reforço da qualidade educativa das mesmas.

3  Artigo 1 da Carta das Cidades Educadoras, Génova, 2004.

3.2.  Os indicadores escolares e municipais/ Agenda 21 Escolar Segundo Bernardo (2007), em tese, a melhoria da sustentabilidade territorial e qualidade de vida dos cidadãos exige indicadores escolares e municipais construídos em processos participados e com uma tripla função: informar, responsabilizar e melhorar o sistema educativo. O atual contexto organizativo das instituições educativas portuguesas, integradas em Agrupamentos de Escolas, é favorável a uma metodologia de trabalho que, potencialmente, pode ser mais participativa e favorecer a existência de processos participativos do tipo Agenda 21 escolar (A21E), nomeadamente, ao nível da construção do Projeto Educativo do Agrupamento de Escolas e Territórios Educativos. Entende-se, aqui, a A21E como o equacionamento de problemas que afetam o desenvolvimento sustentável da própria comunidade escolar. O desenvolvimento local sustentável deve ser equacionado como global, integrado, endógeno, centrado sobre os seres humanos, acentuando aspetos como a cultura, o ambiente societário e ambiental, a política e a educação cívica. Todos os espaços escolares/ educativos surgem como lugares de referência para o desenvolvimento de estratégias que promovam o respeito pelos princípios do desenvolvimento sustentável, numa perspetiva de cidadania. Na construção de projetos educativos escolares, de acordo com os princípios da sustentabilidade, todos os parceiros são desejáveis, designadamente, o movimento associativo juvenil e jovem, que pode e deve servir de modelo positivo/ construtivo a outras gerações. Todos os que vivem esta escola, segundo o papel que nela exercem, têm direitos e deveres para com a mesma. A escola exige, assim, tempo de reflexão e trabalho cooperativo na construção de um projeto educativo onde a participação de cada um e de todos é relevante. Na elaboração de uma A21E podem ter-se, como finalidades, por exemplo: i) elaborar e desenvolver um plano de ação escolar, hierarquizando os problemas mais urgentes e/ou que sejam mais facilmente solucionáveis; ii) estabelecer objetivos para a resolução de problemas específicos escolares; iii) inventariar os diferentes aspetos da vida escolar de forma a identificar os problemas, a sua origem e localização; iv) analisar o grau de coerência das práticas de ação socioeducativas e sócio ambientais com a ação individual e coletiva dos seus membros; v) suscitar o compromisso e a participação da comunidade educativa no desenvolvimento específico de subprojectos do projeto educativo da escola (agrupada/ não agrupada); e, ainda, vi) definir instrumentos para realizar o seguimento e avaliação de ações preconizadas no projeto educativo de escola ou do Agrupamento de

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Escolas. A implementação de processos de A21E deve contribuir para a construção de uma cidadania ativa, para adotar a terminologia atual da União Europeia4: para além de cidadãos do futuro (como é habitual ouvirmos), os estudantes são cidadãos do presente. Os mais jovens estão, regra geral, mais recetivos a novas informações e encontram-se numa fase onde as mudanças de comportamento são mais prováveis. É condição essencial no processo de A21E que todos se possam ouvir e que todas as ideias possam ser discutidas.

4. Desenvolvimento sustentável: a convergência de atores A atual dinâmica de descentralização de competências educativas para os municípios e para as escolas públicas não garante, por si só, a participação comunitária no desenvolvimento integral e sustentável de territorialização de políticas educativas (Enguita, 2008, p.102). Contudo, esta descentralização de competências educativas para as instituições educativas e para os municípios, a participação das comunidades locais, o investimento educativo nacional/local e a aferição/regulação do Ministério da Educação no sucesso/insucesso educativo das comunidades educativas locais são essenciais para o reforço do Desenvolvimento Sustentável Nacional (Figura 2).

Ministério da Educação

Administração Local Relacional

Instituições Educativas

Descentralização Investimento Educativo Participação Comunitária Desenvolvimento Sustentável Figura 2 – Modelo de desenvolvimento sustentável de âmbito educativo Fonte: Bernardo (2007, p.230).

Como afirma Moreno (2002, p.457), a descentralização «significa que os contributos para o desenvolvimento 4 Conclusões do Conselho de 12 de maio de 2009 sobre um quadro estratégico para a cooperação europeia no domínio da educação e da formação («EF 2020»), Jornal Oficial da União Europeia, C 119/2119/9, 28.05.2009 e http://ec.europa.eu/education/lifelong-learning-policy/doc28_en.htm, consultado em abril de 2010.

local passam a depender mais de novas e acrescidas responsabilidades, em função de contratos sociais inspirados em princípios éticos construtivistas, de subsidiariedade e de solidariedade». Os municípios educadores e o Ministério da Educação podem enveredar esforços para aferir e avaliar o sistema educativo nacional, seja na sua dimensão mais relacional, seja na sua própria instrumentalização. Na linha de Paulo Freire (1971, p.69), a educação é comunicação, é diálogo. Na construção de um modelo concetual de desenvolvimento sustentável de âmbito educativo em Portugal, emergem como protagonistas educativos, desde logo o Ministério da Educação, as instituições educativas (nomeadamente as escolas públicas, sem retirar protagonismo ao ensino privado) e a administração local/municipal. É da convergência de interesses, por vezes divergentes, e das potencialidades de todos que se pode construir a desejada sustentabilidade territorial. Impõe-se uma mudança de atitudes, comportamentos e mentalidades, para que a gestão do território e das instituições não seja exclusiva, de apenas um setor da sociedade.

5. Um desafio coletivo É necessário continuar a equacionar estratégias de gestão do território que mobilizem as instituições da sociedade civil e dos poderes institucionais. A escola surge, no século XIX, não tanto como expoente de uma sociedade civil dinâmica, mais como expressão do Estado Nacional que pretende construir o seu aparelho ideológico (Claudino, 2015). Naturalmente, será sempre difícil o processo de entrosamento das escolas com as comunidades locais. O território é muito mais do que um espaço de intervenção setorial: é um quadro de aplicação integrada de políticas públicas, orientadas para atingir objetivos de desenvolvimento económico, social, cultural, ambiental e de desenvolvimento individual. As estruturas organizacionais tradicionais – setorizadas, compartimentadas e segmentadas, nomeadamente no âmbito municipal e escolar – dificilmente podem dar respostas integradoras a um projeto educativo local mais abrangente. O desenvolvimento a partir das bases, endógeno, e o alargamento das bases da democracia surgem como os principais pilares de uma metodologia de planeamento e ordenamento territorial local mais participativa e menos tecnicista, burocrática e centralizadora. O processo de estabelecimentos de uma cultura de parcerias é necessariamente demorado, obrigando a várias instâncias de negociação, devendo existir incentivos especiais às escolas que promovem parcerias e processos de auscultação e aos municípios que se assumam como educadores. À sociedade civil é essencial

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a prática democrática, pois alarga o alcance e o estilo reivindicativo para além do interesse representativo formal característico da sociedade política. Movimentos sociais, associações e outros agentes educativos podem mobilizar novos atores e levantar novas questões. Impõe-se a continuação de investigações mais aprofundados sobre a ação educativa de órgãos e serviços da administração local, com o objetivo de verificar quais as suas limitações e potencialidades na definição e implementação do que poderão ser políticas educativas integradas de nível local que garantam desenvolvimento sustentável local, melhor qualidade de vida dos cidadãos, exercício de uma cidadania mais ativa, corresponsabilizada e solidária. Mas este é um desafio que interpela a escola, a própria universidade (com responsabilidades crescentes na formação docente e na investigação educacional), o poder central, o município – que nos interpela, afinal, a todos.

Referências Bibliográficas ALFIERI, F. (1994) Políticas xuvenis e administracións públicas. Congresso Galego da Xuventude. Santiago de Compostela: Xunta de Galicia, pp. 9-46 BERNARDO, H. (2007) Municípios, Educação e Desenvolvimento Sustentável. Representações e ações dos atores educativos nos municípios do Seixal e Almada. Lisboa: Dissertação de Mestrado em Planeamento Ambiental e Ordenamento do Território, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. (Policopiado) CARVALHO, R. (1986) História do Ensino em Portugal, desde a fundação da nacionalidade até o fim do regime de Salazar-Caetano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. CLAUDINO, S. (2015) A Educação Geográfica em Portugal e os Desafios Educativos. Giramundo, Revista de Geografia do Colégio Pedro II, vol. 2, n.º. 3, pp.7-19. ENGUITA, M. F. (2008) «Será pública a escola pública?» In J. Paraskeva (org.) Educação e Poder. Abordagens críticas e pós-estruturais. Edições Pedago, Mangualde, pp. 97-108. FERRÃO, J. (2010) Governança e Ordenamento do Território. Reflexões para uma Governança Territorial Eficiente, Justa e Democrática. Prospectiva e Planeamento, vol. 16, pp.129-139. FREIRE, P. (1971) Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra. MACHADO, J. (2005) «Cidade Educadora e coordenação local da educação» In J. Formosinho, A. Fernandes, J. Machado e F. Ferreira (org.) Administração da educação: lógicas burocráticas e lógicas de mediação. Edições Asa, Porto, pp.225-264. MORENO, L. (2002) Desenvolvimento Local em Meio Rural. Caminhos e Caminhantes. Dissertação de Doutoramento em Geografia Humana e Planeamento Regional e Local, Lisboa: Universidade de Lisboa. (Policopiado) VILLAR, M. B. (2001) A Cidade Educadora. Nova perspetiva de organização e intervenção municipal. Lisboa: Instituto Piaget.

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5. Que intervenção dos municípios portugueses na educação? As Cartas Educativas Pedro Santos Lopes Mestre em Educação – Área de Especialização em Administração Educacional Agrupamento de Escolas João de Araújo Correia – Peso da Régua Email: [email protected]

Introdução

Autonomia e participação

A intervenção das autarquias locais na administração da educação não tem tradição em Portugal. Historicamente, constata-se a pouca ou quase reduzida expressão da extensão das suas competências educacionais. Porém, as relações entre o poder local e a educação vêm assumindo uma grande relevância enquanto objeto de estudo da investigação das Ciências da Educação e da Sociologia das Organizações Educativas, mas também enquanto fenómeno politicamente reconhecido. A emergência de algum protagonismo municipal na resposta a solicitações do seu contexto legal tem tornado mais percetível a observação deste fenómeno. É inequívoco que os municípios portugueses são intervenientes essenciais na organização e administração do sistema educativo, pelo que pretendemos, neste artigo, estabelecer uma linha diacrónica, assinalando os principais momentos da crescente intervenção dos municípios na administração da educação, aspeto considerado fundamental para o sucesso da reforma educativa em Portugal, constituindo-se como alternativa ao paradigma da centralização tão característico do nosso sistema educativo nos últimos cento e cinquenta anos. A crescente intervenção municipal na área da educação não é uma decorrência direta e linear da evolução da legislação sobre a administração do sistema educativo, mas antes é justificada pelas carências reveladas por esse mesmo sistema e pela incapacidade manifestada pelo Ministério da Educação para responder, de modo contextualizado, aos problemas das diferentes regiões e localidades do país. A resposta a desejos e necessidades urgentes da população e a consciência crescente do valor da educação como condição do desenvolvimento local explicam que esse envolvimento tenha ganho considerável incremento em muitos municípios.

Neste contexto, não deixará de ser relevante analisar o grau de autonomia e de participação de que dispõem os municípios na definição das políticas públicas locais, nomeadamente em matéria de educação. O debate em torno da questão da autonomia tem constituído, a par com as problemáticas da participação, da inovação e da qualidade, o núcleo duro das áreas de discussão que tem orientado, nos últimos anos, a definição das políticas educativas. O conceito de autonomia está intimamente relacionado com a ideia de auto governo, ou seja, com a faculdade que os indivíduos ou as organizações têm de se orientar por regras próprias, pressupondo liberdade e capacidade de decisão. A autonomia é considerada um conceito relacional, o que leva a que a sua ação se exerça num contexto de interdependência e num sistema de relações. Na lógica weberiana, falar de autonomia significa que a ordem social não é imposta por alguém exógeno ao processo – o que, a acontecer, levaria a que estivéssemos perante uma situação de heteronomia -, mas sim pelos seus próprios membros, isto é, significa retratar a capacidade que qualquer sociedade tem, independentemente da sua extensão, de se autogovernar e de autorregular. Na perspetiva da administração pública, o termo autonomia ocorre habitualmente com um duplo sentido quer quando se refere a serviços públicos que se revestem de caráter autónomo, não sujeitos aos procedimentos burocráticos do Estado, quer quando pretende designar determinados corpos administrativos com competências próprias, como os municípios. Nesta linha, tenha-se presente que os municípios dispõem, constitucionalmente, de autonomia para o livre exercício da sua ação nos domínios das suas atribuições, sobretudo em matéria de educação.

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Por outro lado, os estudos recentemente desenvolvidos, tendo como referência o envolvimento dos municípios na educação, têm deixado claro a diversidade dos níveis de participação registados, que variam consoante a heterogeneidade e dimensão das várias autarquias. Aparentemente, a participação das autarquias na educação surge associada a imperativos de natureza económica, relacionados com a escassez de recursos ao nível das instituições educativas e com a valorização dos recursos criados ou já existentes nas comunidades, assim como a motivações de índole política relacionada com a participação, definição e conceção de projetos educativos e com a articulação existente em muitos casos entre as escolas, pelo que podemos falar numa participação convergente. No entanto, a dimensão económica prevalece em relação à dimensão política, uma vez que as autarquias participam numa perspetiva de otimização e angariação de recursos, embora sejam menos solicitadas a participar na tomada de decisões ao nível de política educativa.

A intervenção dos Municípios na Educação Em Portugal, é com a Reforma Pombalina do Ensino, desenvolvida entre 1755 e 1772 e que atingiu em grau diferente o ensino universitário, o ensino secundário (liceal e profissional) e o ensino primário e, ainda, a administração do ensino, que encontramos a definição de políticas públicas de educação, com domínio do Estado, caracterizada pela centralização do sistema educativo, situação que perdura até aos nossos dias. A Revolução Liberal de 1820, além das muitas alterações que provocou na estrutura económica, social e política do país, trouxe ao municipalismo responsabilidades acrescidas no domínio da educação, instrução e ensino. Mas só em 1832 é que se vai notar mais concretamente o papel dos municípios nas reformas da instrução pública, já que a ação das Câmaras é agora considerada em paralelo com o de outras instituições. As Câmaras Municipais contribuíam para o pagamento das gratificações aos professores, suportavam o aluguer de casas para escolas e habitação dos professores, bem como a aquisição de material didático para os alunos. Nesta época, foram várias as figuras do regime liberal que advogaram o envolvimento municipal na educação. Foi o caso de D. António da Costa, grande defensor da descentralização, que preconizava a passagem da instrução primária para a responsabilidade do município, pois constituiria uma medida que ajudava a generalizar a instrução popular, indo ao ponto de recomendar que os

poderes públicos aplicassem os meios ao seu alcance para montar um sistema de educação local. Será, no entanto, a partir de 1878, com António Rodrigues de Sampaio, que se corporiza uma reforma administrativa descentralizadora, com o alargamento das competências e autonomias municipais. As Câmaras ficavam com o encargo de dotar e manter a instrução, princípio que se concretizou na construção de escolas, na criação de cursos de alfabetização, na nomeação e remuneração de professores e na concessão de subsídios aos alunos. Porém, manteve-se o afastamento das Câmaras de qualquer superintendência administrativa na gestão dos edifícios escolares e em relação a competências pedagógicas, curriculares e inspetivas. Mantinha-se, portanto, uma visão concordante com a concepção de Estado-Educador, segundo a qual os municípios e os cidadãos tinham sobretudo deveres e não direitos educativos. Esta tentativa de reforma do ensino viria, no entanto, a ser prejudicada pela insuficiência financeira dos cofres do Estado e pela carência crónica de recursos dos municípios. O liberalismo português tinha uma conceção restritiva do município quer quanto à sua representatividade política, quer quanto à sua autonomia perante o poder central com consequências na intervenção educativa municipal. Com o advento da Primeira República, a educação escolar torna-se um objetivo primordial, já que, no pensamento republicano, seria através dela que se conseguiria atingir e consolidar a democratização e modernização do país, sendo a educação moral e cívica o trampolim para a sua consecução e a escola laica, um dos princípios basilares da República. A inclusão da educação cívica nos currículos tornou-se num instrumento indispensável para estabilizar o regime, um fator de legitimação do poder e, não menos importante, numa condição para assegurar a sobrevivência do jovem regime republicano. A escola era vista como a nova igreja cívica do povo e o professor, como sacerdote do ensino, o apóstolo laico a quem se impunha o sacratíssimo dever de formar o novo cidadão. A educação escolar tinha, assim, uma finalidade diretamente política, uma finalidade democrática, na qual colaboravam os municípios que procuravam reaver a sua administração a fim de continuarem a obra da descentralização. Para o desenvolvimento do pensamento ideológico sobre a organização da educação durante a Primeira República, é incontornável referir os contributos de João de Barros que defendia a ideia de entregar às câmaras municipais a vertente administrativa do ensino primário, e, de António Sérgio, que desenvolveu a ideia da organização municipal como modelo de referência para a organização da escola.

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A reforma de 1911 parece uma reedição do projeto de Rodrigues Sampaio de 1878. As Câmaras Municipais eram responsáveis pela construção das escolas infantis, pelo recenseamento de todas as crianças em idade escolar, medida essencial para combater o analfabetismo, pela criação de cursos noturnos, missões escolares, cursos dominicais e outros análogos, para extinção do analfabetismo. O poder local era ainda responsável por despesas com os serviços de instrução primária, nomeadamente, ordenados dos professores, as rendas de casa, a aquisição de mobiliário e material escolar, a reparação e conservação dos edifícios das escolas. Seriam as Câmaras a nomear, transferir e demitir os professores. A descentralização do ensino era, para o governo, um desígnio político que foi bem recebido pela maioria dos pedagogos e ideólogos republicanos, que defendiam que a entrega de competências educativas aos eleitos locais libertaria o aparelho de Estado de uma fonte permanente de conflitos e obrigariam as Câmaras a procurar os recursos necessários para a manutenção e desenvolvimento da rede escolar, contribuindo, assim, para a redução dos desequilíbrios regionais e para um controlo mais rigoroso das práticas de ensino. Importa, no entanto, sublinhar que, durante o regime republicano, o papel dos municípios na educação nunca foi uma questão pacífica, tendo motivado reservas dos vários intervenientes no processo: dos municípios, devido à falta de recursos para sustentarem o sistema educativo; e dos professores, pela desconfiança que manifestavam, dado o conhecimento que tinham da situação financeira das autarquias, receando a falta de pagamento dos salários e de ficarem enquadrados por uma rede de clientelas locais. Também as imagens de corrupção, caciquismo e incompetência levavam a classe docente a não ser muito favorável à transferência de competências para os municípios. Este ensaio de descentralização do ensino terminaria abruptamente com a ditadura sidonista. Durante o Estado Novo, Salazar, na sua cruzada centralizadora, acabou por fazer substituir na administração das escolas a intervenção local pelo poder central, mantendo, na responsabilidade do município, a reparação e conservação das infra-estruturas escolares. A presença autoritária do Estado é uma das características dominantes da política educativa no período de 1933 a 1974. Vislumbram-se linhas de continuidade que se prolongam por todo o período de vigência do Estado Novo, as quais se traduzem na adoção de quatro grandes perspetivas: uma lógica de compartimentação do ensino, manifestada na separação dos sexos e dos grupos sociais, bem patente nas medidas contra os princípios integradores da coeducação ou da escola única; uma conceção de realismo pragmático, que tenta ajustar a oferta institucional à

procura social da educação, conduzindo a uma espécie de nivelamento por baixo das aprendizagens escolares; uma política de centralismo administrativo do sistema educativo, concretizada por via de um reforço dos mecanismos de inspeção e de um controlo mais apertado dos corpos docentes e dos reitores dos liceus; e uma atitude de profissionalização do professorado, levada a cabo através da desvalorização das bases profissionais e científicas da atividade docente. O regime democrático instituído na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974 veio alterar significativamente esta realidade, impulsionando também os municípios portugueses a uma maior intervenção na educação. Desde logo, consagrou constitucionalmente um novo enquadramento dos municípios na organização política do país, restaurando o princípio da autonomia municipal, reforçando consideravelmente as suas receitas e conferindo-lhes uma intervenção mais ativa na educação. As autarquias locais, munidas de legitimação constitucional, mas também legitimadas democraticamente pelo mandato das populações, têm assumido um papel decisivo na determinação de modelos e processos de desenvolvimento onde assumem particular dimensão as questões educativas. No domínio da Administração Educacional, vários autores que têm dedicado as suas reflexões a esta temática, tal como Licínio Lima, António Sousa Fernandes, João Barroso, João Pinhal ou Eurico Lemos Pires, vêm advogando, em várias instâncias, uma maior descentralização de competências da administração central para as autarquias locais em matéria de educação, uma maior valorização e uma participação mais efetiva dos municípios quer no desenvolvimento da educação, quer na própria administração das escolas, evitando, porém, a sua municipalização. Podemos mesmo estabelecer três fases distintas desta intervenção dos municípios na educação, desde 1974 até aos anos mais recentes; desde 1974 até à publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986; desde 1986 até ao XII Governo Constitucional em 1995, presidido pelo Partido Socialista; desde 1995 até à atualidade. Durante esse período, a participação do município na administração e gestão da educação foi-se consolidando e alargando num percurso que passou por três fases onde foi sucessivamente considerado: um serviço periférico de apoio à educação infantil e básica obrigatória; um parceiro privado com uma função supletiva em relação ao sistema educativo público; e, um participante público na promoção e coordenação local da política educativa. Como seria moroso proceder neste enquadramento a essa evolução diacrónica, detemo-nos com mais pormenor nas possibilidades abertas com a publicação

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do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro, mais tarde alterado pela Lei n.º 41/2003, de 22 de agosto, que regulamenta os Conselhos Municipais de Educação e aprova o processo de elaboração da Carta Educativa. Seguindo os princípios teóricos do Programa de Governo, este normativo visava suprir algumas lacunas criadas pela Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, relativamente à regulamentação dos conselhos municipais de educação e à elaboração da Carta Educativa. Importa analisar, com algum detalhe, a importância destes instrumentos no contexto mais geral das políticas educativas.

A Carta Educativa No normativo em apreço, estabelece-se que a Carta Educativa é, a nível municipal, o instrumento de planeamento e ordenamento prospetivo de edifícios e equipamentos educativos a localizar no concelho, de acordo com as ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo em vista a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento demográfico e socioeconómico de cada município. Na perspetiva da administração educativa, mais concretamente do Gabinete de Informação de Avaliação do Sistema Educativo (GIASE), criado pela lei orgânica do Ministério da Educação – Decreto-Lei n.º 208/2002, de 17 de outubro, art.º 19.º -, a Carta Educativa é fundamentalmente um instrumento de planeamento. É uma metodologia de intervenção no planeamento e ordenamento da rede educativa, inserida no contexto mais abrangente do ordenamento territorial. Além disso, é, também, um documento técnico-político e um poderoso instrumento de acesso a recursos financeiros. Serve de suporte à decisão política, orientando a expansão do sistema educativo de um determinado território, em função do seu desenvolvimento económico e sociocultural, orientando as decisões relativamente ao investimento em novos empreendimentos ou no encerramento de escolas e às opções pela reconversão e adaptação do parque escolar. Quanto aos objetivos da Carta Educativa, estipulavam-se, entre outros: adequar a rede de estabelecimentos à procura efetiva das ofertas educativas disponíveis; valorizar o papel das comunidades educativas e os projetos educativos das escolas; e promover o desenvolvimento do processo de agrupamento de escolas e garantir a coerência da rede educativa com a política urbana do município. A elaboração da Carta Educativa era confiada à Câmara Municipal, sendo aprovada pela Assembleia Municipal, após discussão e parecer do Conselho Municipal de Educação. O documento integra o plano diretor municipal respetivo, estando, nestes termos, sujeita a ratificação governamental, mediante pa-

recer prévio vinculativo do Ministério da Educação, que se previa que viesse a prestar apoio técnico necessário e a suportar os custos em partes iguais com as câmaras municipais. O decreto previa ainda que o documento fosse obrigatoriamente reavaliado de cinco em cinco anos e sujeito a monitorização, processo que permite acompanhar e controlar o processo de intervenção e identificar eventuais desvios face ao inicialmente previsto. Em dezembro de 2004, o Ministério da Educação celebrou um protocolo com a Associação Nacional de Municípios, no âmbito do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro, com vista à elaboração das Cartas Educativas, procurando, por essa via, intensificar e agilizar o processo dessa elaboração. O referido protocolo estabeleceu os termos da requalificação do primeiro ciclo e aprofundou a descentralização administrativa ao nível da educação. De acordo com este protocolo, a Carta Educativa seguiria o modelo padrão aprovado e seria elaborada por um grupo de trabalho composto por um representante da câmara municipal, um representante do GIASE (Gabinete de Informação de Avaliação do Sistema Educativo) e um representante da Direção Regional de Educação. Neste protocolo, era salvaguardada a hipótese de alguns municípios não conseguirem adotar a metodologia defendida no protocolo, sendo necessário utilizar serviços externos à autarquia. Com este protocolo, uniformiza-se, em todos os municípios, a criação da Carta Educativa, deixando esta de conter as especificidades do concelho em causa. As Cartas Educativas, criadas a partir de dezembro de 2004, seguiram, assim, o modelo proposto pela Associação de Municípios, devidamente acompanhado pela respetiva Direção Regional de Educação. Mais uma vez se manifestava a tendência para a conformidade, para a recentralização do poder de decisão na administração educativa, que controla remotamente o exercício de competências pela administração municipal, que se vê irremediavelmente afastada do promissor papel que julgava deter na conceção do sistema educativo local. Os pressupostos teóricos enunciados no decreto-lei permitem estabelecer uma tipologia de Cartas Educativas, encarando-as como: documento de natureza gestionária e de planeamento; e, como um documento de natureza político-institucional. A Carta Educativa assume uma natureza gestionária e de planeamento porque visa fundamentalmente a racionalização e redimensionamento do parque de recursos físicos existentes e o cumprimento dos grandes objetivos da Lei de Bases do Sistema Educativo e dos normativos daí emanados, sobretudo prever uma resposta adequada às necessidades de redimensionamento da Rede Escolar

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colocadas pela evolução da política educativa, pelas oscilações da procura da educação, rentabilizando o parque escolar; e caminhar no sentido de um esbatimento das disparidades inter e intrarregionais, promovendo a igualdade de acesso ao ensino numa perspetiva de adequação da Rede Escolar às características regionais e locais, assegurando a coerência dos princípios normativos ao todo nacional. Deve, como instrumento de planeamento, permitir aos responsáveis desenvolver uma atuação estratégica, no sentido de orientar a expansão do sistema educativo num determinado território, em função do desenvolvimento económico e sócio-cultural; tomar decisões relativamente à construção de novos empreendimentos, ao encerramento de escolas e à reconversão e adaptação do parque, rentabilizando a funcionalidade da rede existente e a respetiva expansão; definir prioridades; otimizar a utilização de recursos consagrados à educação e evitar ruturas e desadequações da rede educativa à dinâmica social e ao desenvolvimento urbanístico. Nesta linha, pressupõe-se a observância de determinados critérios de planeamento da rede educativa, tais como: a exequibilidade técnica, nomeadamente no que se refere à disponibilização de recursos (humanos, físicos, técnicos e organizacionais) que viabilizem a sua implementação no cenário; viabilidade financeira e social, numa perspetiva de análise custo-benefício ou de custo-eficácia, no curto, médio e longo prazo; e a viabilidade institucional, tendo em atenção particularmente a partilha de responsabilidades entre as diferentes instâncias envolvidas e as fontes e mecanismos de financiamento. Numa lógica de planeamento, o processo tendente à elaboração da Carta Educativa tem de ser articulado com outras iniciativas de desenvolvimento que devem convergir com o planeamento educativo. Ou seja, uma estratégia de desenvolvimento educativo deve ser inserida numa estratégia de desenvolvimento integrado, dado que esta visa criar condições básicas à expressão e valorização das potencialidades diversificadas das pessoas, dos grupos e das instituições. A dimensão gestionária da Carta Educativa está relacionada com a ideia muito cara do taylorismo de que a exequibilidade de qualquer projeto exige uma organização e atuação adequadas. Pretende-se que todos os intervenientes no processo tenham acesso ao máximo de informação disponibilizada, por forma, a anular o perigo da subjetividade que cada um dos intervenientes transporta, ao mesmo tempo que procura contrariar possíveis divergências que condicionem a validade da execução que, para ser bem sucedida, passa por uma série de tramitações processuais, burocráticas e financeiras. Nesta perspetiva, as entidades envolvidas devem

proceder a uma sumária avaliação das suas capacidades: divisão do trabalho, autoridade e responsabilidade, disciplina, unidade de comando, unidade de direção, subordinação dos interesses individuais aos interesses gerais, remuneração, centralização, ordem, equidade, estabilidade e duração do pessoal, iniciativa e espírito de equipa. A natureza gestionária do documento está também relacionada com o facto de a Carta Educativa constituir um poderoso instrumento de acesso a recursos financeiros, tornando imperioso que o acesso aos mesmos exija conhecimento profundo das realidades e apresentação de propostas consistentes. Procurando ser um documento de rigor, pretende, ainda, reduzir a arbitrariedade, a apreciação sumária e subjetiva, as resoluções «conjunturais» e pontuais, que tendem, por vezes, a enfermar as decisões na área da educação. Ao legislar em matéria de Cartas Educativas, o Estado ensaiou um apelo à «descentralização», embora com cuidados políticos e democráticos de não esvaziar a sua chefia, tornando o processo de decisão centralista e burocratizado, exibindo uma autoridade baseada no controlo vertical, monopolista e hierárquico. É o que sucede quando o Estado torna obrigatória a elaboração da Carta Educativa e estabelece prazos para a sua concretização; quando atribui essa competência aos municípios, mas impõe um modelo, «carta piloto» a ser seguida por todos, coartando a iniciativa das autarquias e interrompendo abruptamente dinâmicas instaladas a nível local, decorrentes da feitura das Cartas Escolares em muitos concelhos que seguiram à risca a indicação da Lei n.º 159/99, de 14 de setembro; quando não aceita propostas localmente formuladas de reorganização da rede escolar, que se afastem de forma substancial daquilo que, nesta matéria, é definido centralmente; e quando reserva para si a decisão leonina de homologação ou não da Carta Educativa, colidindo com os princípios da autonomia municipal e de participação dos interesses locais na definição das políticas educativas ao nível municipal. A Carta Educativa, encarada como documento de natureza gestionária e de planeamento, propicia o desenvolvimento de condições para a centralização típica da organização burocrática weberiana, contrariando as proclamações expressas no preâmbulo do normativo que a criou, e abre caminho para a afirmação dos postulados tayloristas da divisão científica do trabalho; a necessidade de racionalização; a aferição dos resultados; a busca da melhor solução; a preocupação com a eficiência e a eficácia e a participação na execução e não na tomada de decisão.

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ANÁLISES E REFLEXÕES

Porém, a Carta Educativa assume uma dimensão político-institucional por dizer respeito a questões de interesse comum, explicitando propósitos ideológicos e políticos que revelam conflitos de interesses e jogos de poder. Considerando a diversidade de atores e interesses, o documento visa conseguir uma relação de equidade entre maiorias e minorias, comprometendo os intervenientes, de forma a que o projeto possa sustentar-se no domínio da crítica, da divergência ou do pluralismo de ideias e de posições. Este processo está intimamente ligado à ideia de descentralização ou à vontade do Estado central abrir um espaço e um tempo de decisão democrática, transferindo responsabilidades e competências para o nível local, melhorando a qualidade da tomada de decisão, aumentando o sentido de responsabilização dos órgãos e das comunidades locais, assim como estimulando a inovação e a participação de todos. É na fase da formulação das propostas que melhor se infere a dimensão política do documento. Essas revelam a expressão da vontade político-institucional de uma estrutura, coadunada com a justificação técnica de uma política pré-definida. As propostas devem ser princípios orientadores de uma ação convergente de muitas instituições e vontades de parceiros sociais com perspetivas diversas da mesma realidade, postulados de uma política democrática e participada, que toma expressão na fase de concretização das propostas, que é também a manifestação da autonomia e da territorialização. As propostas devem ser orientações de política educativa porque esta só se constituirá nas tomadas de decisão e concretização, havendo a necessidade de um prévio entendimento mínimo entre os atores envolvidos sobre os rumos da construção do futuro. Essas orientações contêm avaliações de situação, quantificações e pormenorizações, funcionando, também, como sugestões de ações a desenvolver, depois de caldeadas pelo debate político. A Carta Educativa assume uma configuração mais institucional, já que a validação das análises e das propostas ocorre numa instituição ampla que, de forma organizada, exprime a opinião diversificada dos intervenientes – diretos ou indiretos – nos sistemas educativo e de formação. Essa discussão desenvolve-se num fórum como o Conselho Municipal de Educação, onde se tratam as grandes problemáticas da educação sentidas pelos parceiros sociais e institucionais e prolonga-se nas assembleias dos órgãos autárquicos – Câmara Municipal e Assembleia Municipal -, a quem a lei atribui competências de elaboração e aprovação, exprimindo a legitimidade conferida pela escolha das populações.

O aspeto mais controverso das propostas em discussão passa pelo redimensionamento da rede educativa. Pensar a rede escolar de um concelho é suscitar o debate alargado do funcionamento da ação educativa. Qualquer intervenção na rede educativa deverá expressar a mobilização de toda uma comunidade local que reconhece, no papel dos agentes educativos, os vetores principais da necessária animação, mediação e concertação de vontades, na promoção e procura constante da qualidade e adequabilidade do sistema educativo local aos desafios colocados por uma sociedade cada vez mais exigente com as competências dos seus cidadãos. A Carta Educativa representa muito mais do que um produto finalizado, revelando-se como um compromisso de atuação contínua e conjunta em prol do desenvolvimento de um projeto educativo concelhio, com base na desejada responsabilização partilhada do processo pelos representantes dos cidadãos da comunidade. A intervenção dos municípios sobre a sua rede educativa ultrapassa, por isso, o âmbito legislativo, constituindo-se como pilar fundamental do desenvolvimento local. Expressão de uma visão política, a Carta Educativa encerra um duplo registo. Enquanto produto, traduz-se num documento temporalmente finalizado, enquadrador de uma política educativa concelhia, sustentada por um projeto educativo local de contornos profusamente participados. Enquanto processo, assume-se como em permanente construção e reinvenção, com uma dinâmica pró-ativa em torno de uma federação de ações e projetos, rumo a uma identidade localmente construída, numa crítica constante dos processos, recursos e metodologias mobilizados dentro do sistema educativo local. Como processo aberto e participado e sublinhando a sua natureza política, a Carta Educativa ganharia se fosse sujeita a um período de discussão pública. Este momento, embora não previsto legalmente, poderia desenvolver-se por um período de trinta dias – a exemplo de outros regulamentos municipais -, através da divulgação em jornais locais, ou com a apresentação formal realizada em auditório público do concelho, numa iniciativa aberta a toda a população, o que lhe conferiria maior impacto no processo de elaboração e uma maior aceitação no tecido social local. A nossa análise permitiu-nos aferir que é de grande diversidade a intervenção da autarquia em matéria educativa quer no que diz respeito às competências legais, quer naquilo que resulta da iniciativa própria e da colaboração com as entidades locais. Intervenções ao nível da organização dos transportes escolares, o fornecimento de refeições, o programa da fruta escolar, a colaboração na implementação do desporto escolar e a coadjuvação no projeto de terapia da fala, bem como a organização das

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atividades extracurriculares deixam claro que o município desempenha uma ação fortíssima que o torna um ator principal e fundamental na área da educação do concelho. Por outro lado, para além da colaboração prestada na implementação de projetos de iniciativa das escolas, não é muito forte a participação do município na definição de uma política educativa local. Dotadas de competências meramente funcionais e devido às dificuldades técnicas e financeiras que atravessam muitas câmaras municipais, muitas autarquias de concelhos de baixa dimensão, tal como aquele que nos serviu de estudo, não poderão assumir novas funções educativas muito abrangentes, situação que, em última análise, poderá conduzir ao acentuar de assimetrias profundas. A perceção com que ficamos é a de que a autonomia das autarquias, em matéria de educação, revela-se uma autonomia tutelada, em que a decisão final pertence em absoluto ao Ministério da Educação. As opções tomadas a nível local carecem da decisão política da administração central. Acentua-se, desta forma, o poder da autoridade de uma entidade hierarquicamente superior, numa linha clássica de racionalidade burocrática weberiana. Ganha força uma conceção de poder baseada numa forma superior de controlo, de cima para baixo, inspirada no modelo de organização proposto por Fayol, que impõe a melhor solução na linha do conceito defendido por Taylor. No processo que observámos, o grau de autonomia da administração local no estabelecimento de dinâmicas e implementação de uma política local de educação, face aos normativos legais emanados e produzidos centralmente, é muito relativa, sendo uma autonomia mais funcional, baseada no desenvolvimento e execução de projetos e no exercício de competências, mas não uma autonomia ao nível da tomada de decisões. Na linha do que acontece nas organizações burocráticas, também aqui é nítido que o processo de tomada de decisão ocorre no topo da hierarquia que, a partir da centralização da informação, sintetiza e calcula as escolhas mais racionais. A partir daqui, a autoridade é sucessivamente delegada em níveis organizacionais inferiores, de tal forma que cada nível detém os meios adequados para atingir a sua principal finalidade. Em termos de decisão, a parte da organização que assume maior destaque são as estruturas de topo que pressionam todo o resto da organização, no sentido de uma centralização estratégica. Tudo é previamente decidido e previsto, de modo a retirar todo o caráter de incerteza e a restringir a margem de autonomia dos atores locais. No estudo que empreendemos, suscitou-nos particular atenção o grau de importância conferido a um órgão com a tipologia do Conselho Municipal de Educação, na

definição de uma política educativa local, bem como da sua capacidade em influenciar a efetivação dessa mesma política. No caso vertente da nossa investigação, tivemos a oportunidade de perceber que, embora se reconheça a importância deste órgão na definição das políticas educativas ao nível local e na sua articulação com as políticas definidas a nível nacional, o Conselho Municipal de Educação é visto, fundamentalmente, como um órgão de consulta, chamado a pronunciar-se, de quando em quando, sobre questões mais ou menos determinantes para a política educativa local, como foi o caso da Carta Educativa. Dada a sua natureza consultiva, muitas vezes, as suas determinações e pareceres não têm correspondência com as decisões dos órgãos políticos, como aconteceu neste caso, na Câmara Municipal, na Assembleia Municipal e nas estruturas desconcentradas do Ministério da Educação.

O estudo de caso: Pinhais do Zêzere Para estudar esta problemática, desenvolvemos um estudo que incidiu no processo de elaboração, discussão, aprovação e homologação da Carta Educativa de um concelho que designámos como de Pinhais do Zêzere. Este concelho integra o Território do Pinhal Interior Norte (NUT III) que, por sua vez, se insere na Região Centro (NUT II). O município constitui um território de intermediação e charneira entre um litoral urbanizado, onde um conjunto significativo de cidades médias exerce uma importante e crescente atratividade e um interior marcado pela ruralidade, pelo contínuo despovoamento e subsequente envelhecimento populacional. Dotado de uma elevada centralidade geográfica no espaço regional, com uma área de cerca de 173,6 km2, o concelho divide-se em cinco freguesias e beneficia de boas acessibilidades externas que permitem uma ligação relativamente rápida aos grandes centros urbanos como Lisboa, Porto, Coimbra, Leiria, Castelo Branco, Tomar e Pombal. O comportamento demográfico é caracterizado por uma perda contínua de população, visível em todas as suas freguesias. Este decréscimo populacional foi sobretudo evidente durante a década de 60, resultando numa diminuição superior a 20% entre 1960 e 1970, o que resulta do maior movimento emigratório vivido até hoje em Portugal e que se fez sentir de forma particularmente intensa nas áreas rurais do interior do país. Esta situação pode ser explicada, em parte, pela estrutura económica e produtiva do concelho, ainda muito assente no setor agrícola e com uma fraca expressão industrial, o que tem dificultado a fixação da população, nomeadamente a mais jovem.

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Desde 1970 que o concelho tem registado um saldo fisiológico negativo, que se traduz numa importante debilidade demográfica, uma vez que a capacidade de rejuvenescimento da população concelhia se encontra comprometida. Este panorama adquire contornos ainda mais preocupantes quando confrontado com os valores do saldo migratório concelhio, evidenciando uma dificuldade quer na fixação dos seus habitantes, quer na atração de populações das áreas envolventes. Em consequência, o concelho tem conhecido uma situação de duplo envelhecimento, o que levou a profundas alterações da estrutura da sua pirâmide etária. Assiste-se a um decréscimo dos jovens (grupo etário 0 aos 14 anos), ao mesmo tempo que se dá um alargamento da classe com 65 ou mais anos. Relevante é ainda o facto de se verificar uma diminuição dos ativos jovens (15 aos 40 anos), o que leva a um aumento do índice de dependência dos idosos face aos seus ativos, situação que se afirma como um constrangimento ao desenvolvimento concelhio. O concelho Pinhais do Zêzere apresentava, em 1991, uma taxa de atividade de 35,3%, muito próxima da registada a nível regional. Apesar da sua conjuntura demográfica desfavorável, o concelho apresentou, no decénio seguinte, um ritmo de evolução positivo, o qual se pode comprovar pelo aumento dessa mesma taxa, que passou a ser de 40,6% em 2001. De um modo geral, Pinhais do Zêzere conheceu importantes transformações económicas e produtivas nas últimas três décadas. Os indicadores de emprego, à semelhança do observado em todo o espaço regional, revelaram um certo dinamismo associado às alterações das condições sócio-culturais, nomeadamente o aumento das mulheres no mercado de trabalho, tendo a taxa de atividade feminina conhecido um crescimento de 8,4% no período compreendido entre 1991 e 2001. Uma das transformações mais profundas verificou-se ao nível da estrutura do emprego, cuja evolução tem acentuado o processo de terciarização. Em apenas vinte anos, passa-se de uma situação em que grande parte da população se dedicava à agricultura (46% da população ativa, em 1981) para uma realidade onde a terciarização da base económica foi bastante evidente. Em 2001, mais de metade da população ativa do concelho encontrava-se a trabalhar neste setor de atividade. O setor secundário abrangia, no mesmo ano, 37,8% da sua população ativa, tendo aumentado ligeiramente no último decénio, fruto de alguns investimentos, designadamente nos têxteis. A agricultura concelhia continua a caracterizar-se pela relevância da pluriatividade para a subsistência de muitas famílias e pela existência de explorações muito frag-

mentadas e com uma dimensão média muito reduzida. A condicioná-la, revelam-se vários constrangimentos, sobretudo o crescente envelhecimento da população agrícola, a redução da superfície agrícola utilizável e o facto de o setor se encontrar ainda muito desprovido de níveis razoáveis de mecanização. A estrutura industrial revela-se pouco diversificada e, simultaneamente, concentrada num reduzido número de atividades, tais como os têxteis, madeira, mobiliário e produtos químicos, e claramente dominada pelos estabelecimentos de pequena dimensão. A estrutura do setor terciário por ramos de atividade revela uma predominância acentuada do emprego nas atividades do comércio retalhista e grossista e dos serviços sociais e pessoais (administração pública, educação, saúde, entre outros). Os serviços financeiros, onde se incluem os bancos, as caixas económicas, as cooperativas de crédito, as sociedades de seguros e outras atividades de intermediação financeira são, do conjunto de serviços de apoio à produção, os que detêm uma menor importância relativa. A população de Pinhais do Zêzere apresentava, em 2001, um baixo nível de escolarização, em que apenas 4,1% dos seus habitantes tinha completado o terceiro ciclo do Ensino Básico, registando uma taxa de analfabetismo persistentemente elevada de 14,6%. Também a significativa dispersão do povoamento concelhio, com um elevado número de lugares de pequena dimensão, constitui um elemento condicionador da procura cultural. Sustentada na seriedade e no rigor dos dados estatísticos e numa moldura normativa bastante abrangente, atenta à demografia da população escolar e delineada para um período temporal relativamente longo, a Carta Educativa é entendida como um documento vital para o planeamento e reordenamento da rede educativa concelhia, um instrumento de gestão decisivo para o sistema de ensino local, um verdadeiro Plano Director para a educação no concelho. No caso que tivemos como referência, a Câmara Municipal deliberou abrir concurso público, adjudicando a elaboração da Carta Educativa a uma entidade externa dotada de técnicos de reconhecida competência e com formação académica elevada. Prevalece, assim, o critério da competência técnica, um dos mais característicos das organizações burocráticas. Pretendia-se, fundamentalmente, responder às apertadas exigências colocadas pelo Ministério da Educação, visando a obtenção de um documento capaz de merecer a sua homologação. No fundo, procurou-se garantir um processo de planeamento e decisão estáveis.

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Do acompanhamento que fizemos do processo de discussão, elaboração e aprovação da Carta Educativa do concelho Pinhais do Zêzere, percecionámos o cruzamento entre uma racionalidade burocrática e uma racionalidade política, numa dialética que alternou entre tentativas de afirmação de autonomia por parte do município e dinâmicas de participação dos vários parceiros educativos, imediatamente anuladas pela omnipresença centralizadora da administração educativa. A Carta Educativa foi elaborada e os seus princípios substantivados em obediência à lei e aos critérios impostos pelo Ministério da Educação, através das orientações produzidas pela Direção Regional de Educação, pelo Gabinete de Estudos e Planeamento da Educação e pelo Gabinete de Informação de Avaliação do Sistema Educativo, numa atitude de afirmação do império da lei, fruto de uma racionalidade burocrática. Estava destinada a ser permanentemente avaliada, através de uma monitorização, processo igualmente previsto no decreto-lei, devendo ser atualizada nos planos normativo e no da gestão administrativa e operacional. Aliás, o extenso quadro legislativo apresentado inicialmente não deixa dúvidas quanto à preocupação que houve para que a Carta Educativa estivesse de acordo e em constante observância dos normativos e da lei. A discussão técnica e política em torno da Carta Educativa assentou essencialmente na questão do reordenamento da rede escolar concelhia, com o previsto encerramento de escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico e do decorrente processo de concentração de alunos na sede de concelho em detrimento das freguesias rurais. O debate gerado nas várias instâncias, tais como o Conselho Municipal de Educação, a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal, demonstrou que o processo de suspensão de escolas não foi pacífico e exigiria o envolvimento na sua discussão e no processo de decisão dos atores locais, particularmente das Juntas de Freguesia. Mas, teria sido fundamental, na nossa ótica, uma participação ativa da população, em particular daqueles que seriam atingidos pelas consequências das decisões, cenário que demonstra a oportunidade do entendimento que deixámos vertido noutra fase deste trabalho, da importância que teria, para a democratização do poder local e para a própria legitimação da Carta Educativa, que, antes da fase da aprovação final por parte da Assembleia Municipal, houvesse um momento de consulta pública do documento. No decurso da nossa investigação, ficou claro que, em momento algum, a Carta Educativa foi disponibilizada para consulta pública, donde resultasse a apresentação de sugestões e de propostas de alteração, ao arrepio do que sucede com outros documentos de planeamento municipal, como o Plano Diretor Municipal,

ou mesmo quando se trata de regulamentos municipais destinados a ter eficácia externa. Na construção da Carta Educativa, observámos o desenvolvimento das componentes técnica e política que lhe estão subjacentes e que lhe conferem uma tipologia de natureza gestionária e de planeamento, mas também uma dimensão político-institucional. A componente técnica é muito acentuada na fase de elaboração da Carta Educativa pela empresa escolhida por concurso público, na sua análise pelo Conselho Municipal de Educação e no escrutínio feito pela Direção Regional de Educação antes da emissão do parecer que conduz à homologação. Já a componente política é identificável na fase de apreciação, discussão e votação pelos órgãos autárquicos. Através do recurso à lente política utilizada no estudo das organizações, foi-nos possível descortinar os contornos que envolveram a discussão que antecedeu a aprovação da Carta Educativa nos órgãos municipais, tendo sido aceso o despique no plano político-partidário, motivado, sobretudo, pelos posicionamentos assumidos relativamente às propostas de reordenamento da rede escolar e do encerramento de escolas. Tornou-se evidente a heterogeneidade que caracteriza os diversos atores a quem caberia, em abstrato, a decisão e a conflitualidade que determina os seus interesses e as suas ações. Foi igualmente possível aferir essa imagem das organizações como arenas políticas em que a tomada de decisões no seu interior decorre de acordo com processos de confrontação e negociação, tendo por base os interesses conflituantes e as estratégias de poder desencadeados pelos diversos grupos. É nítida uma propensão para a emergência do conflito, resultante da coligação de interesses, que determinam a definição de jogos de poder por parte dos partidos políticos. Esta lógica tão característica da racionalidade política levou a que, numa primeira fase, a proposta inicial de Carta Educativa apresentada pelo executivo municipal fosse rejeitada no órgão deliberativo, por uma convergência inesperada de votos de alguns setores do partido maioritário e com a oposição de alguns dos presidentes de junta de freguesia. Como haveria de ser reconhecido mais tarde, através de entrevistas, na fase de recolha empírica deste trabalho, o conflito registado, difícil de suportar politicamente, acabaria por melhorar a proposta final, então sim, aprovada por maioria. A forma como decorreu o processo de elaboração, discussão e aprovação da Carta Educativa do Concelho Pinhais do Zêzere permite-nos, também, concluir que estamos muito longe do desejado reforço da autonomia dos municípios na definição de uma política local de educação e que a apregoada descentralização de competências neste domínio da administração central para a

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administração local, embora consagrada na lei, teima em não se concretizar, pelo menos em assuntos com a relevância que assume a definição da rede escolar concelhia. E tal acontece devido ao império da lei e à afirmação do poder normativo formal/racional, exposto com muita clareza no Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro. Com efeito, a Carta Educativa só adquire eficácia depois de ratificada pelo Ministério da Educação, o que só acontece depois de um minucioso processo de depuração produzido pela respetiva Direção Regional de Educação. Secundariza-se, por esta via, o papel do poder local, que se limita à sua execução, mesmo que o cenário resultante do beneplácito da homologação altere completamente o que foi discutido e deliberado localmente. Dada a existência de orientações de cariz nacional que balizam a área de intervenção dos municípios, a Carta Educativa acaba por não expressar a autonomia do município na definição de uma política educativa local, embora teoricamente a devesse expressar. O facto de existirem critérios relativos à rede escolar que foram impostos leva a que a referida autonomia se ache coartada na sua essência. Os vários autarcas que ouvimos referiram, a este propósito, as dificuldades que sentiram em tentar sensibilizar a Direção Regional de Educação para a necessidade de manter algumas escolas abertas, tendo esbarrado em decisões previamente tomadas pela tutela. Nesta sequência, ficou claro que a Carta Educativa do Concelho Pinhais do Zêzere acaba por consubstanciar, ao nível local, políticas de redimensionamento da rede escolar impostas pela administração central, nomeadamente no que concerne à política de encerramento de escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Conclusão Uma das questões que nos suscitou maior reflexão foi equacionar qual o futuro envolvimento dos municípios na definição de uma política educativa local. Com as dificuldades financeiras que os municípios estão a atravessar e com a pressão existente ao empurrar algumas competências para as autarquias, pensamos que, se estas não estiverem atentas, serão expostas a uma maior pressão financeira, pelo que o envolvimento futuro destes municípios na educação pode vir a ser menor. Apesar das circunstâncias não se afigurarem fáceis, em virtude do clima de crispação e desconfiança instalados, não consideramos que seja irremediavelmente catastrofista o quadro em que se inscreve o futuro envolvimento dos municípios na educação. As sinergias geradas a nível local poderão servir de catalisador para um novo paradigma de intervenção.

Afastando a ideia pouco consensual da municipalização da educação, é possível enunciar alguns princípios que sirvam de orientação e referencial para uma política municipal de educação, em especial nos concelhos de baixa densidade, como é o caso do concelho de Pinhais do Zêzere. Assim, o futuro envolvimento do município na educação poderá passar por uma co-responsabilização pelo bom funcionamento do respetivo agrupamento de escolas; pelo desempenho ativo na definição dos contratos de autonomia; pela efetiva monitorização e concretização da Carta Educativa; pela dinamização do Conselho Municipal de Educação, dando eficácia às suas decisões e pareceres; pela participação ativa e qualificada nos órgãos de administração do agrupamento de escolas; pelo apoio prioritário a projetos escolares, em especial aos que privilegiem o combate ao insucesso, exclusão e abandono escolar precoce; pela promoção de projetos partilhados com as escolas em domínios como a educação para a cidadania, a educação ambiental, a educação para a saúde e a educação para a proteção civil; e pela elaboração de orçamentos e projetos educativos municipais que envolvam a participação ativa da população na sua definição e execução.

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6. O que são ou devem ser os Conselhos Municipais de Educação? Clara Freire da Cruz Instituto de Educação da Universidade de Lisboa / Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF) Centro Educatis Email: [email protected]

1. Introdução No presente texto1 apresento e evidencio as principais conclusões da investigação que realizei sobre os Conselhos Municipais de Educação (CME) em Portugal2. A partir destas inferências desenvolvo um exercício reflexivo com uma racionalidade a posteriori, o que me permite avançar com as tipologias de CME3 referenciadas nos modos diversos como estas entidades se organizam, como funcionam e como intervêm nos diferentes espaços educativos locais. Procuro responder à questão política central de saber o que são ou devem ser os CME no quadro atual da descentralização e da territorialização da educação. Sirvo-me das três tipologias para ilustrar caminhos diversos de construção desta instância de regulação local de educação e para salientar aquele que se revela mais marcante e orientador do que devem ser estas instâncias de racionalização e de mediação territorial. Neste contexto argumentativo, defendo uma ideia central: a construção de uma ordem educativa local subjacente aos processos «genuínos» de descentralização e de territorialização, não resulta de um automatismo legislativo, nem surge espontaneamente através de processos 1 O presente texto situa-se num registo predominantemente reflexivo e procura descrever e interpretar os processos de regulação local da educação, as tensões e dinâmicas de ação pública em cada território. Para esse fim, recupero e reformulo alguns dos meus anteriores trabalhos, principalmente a comunicação que apresentei no I Seminário Internacional «Educação, territórios e Desenvolvimento Humano» – Universidade Católica do Porto, 23 e 24 de julho de 2015. 2 Esta investigação foi realizada no âmbito do Doutoramento em Educação, ramo da Administração e Política Educacional, desenvolvida no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa – Conselhos Municipais de Educação: política educativa e ação pública, tendo contado com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH/BD/48649/2008). 3 O Conselho Municipal de Educação (entidade institucionalizada pelo Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro e reconfigurada pelo Decreto-Lei n.º 72/2015, de 11 de maio) é uma instância de coordenação e de consulta dimensionada a nível municipal para o acompanhamento da política educativa, no sentido de analisar e acompanhar o funcionamento do referido sistema, numa perspetiva de promover a interação dos agentes educativos com os outros parceiros sociais locais.

intuitivos de geração de consensos. Pelo contrário! Exige instâncias de racionalização e de mediação complexas, tendo em vista gerir as tensões e dinâmicas de uma ação pública onde se confrontam diferentes interesses e perspetivas muitas vezes divergentes. Este argumento é o fio condutor desta abordagem, ancorada empiricamente nas diferentes tipologias de CME e, especialmente, naqueles que sobressaem do universo estudado por comprovarem as suas potencialidades como espaços de partilha de competências, de gestão de conflitos, de mobilização de saberes e de aprendizagem política. Num primeiro momento, irei apresentar, de maneira necessariamente breve, as características desta investigação. Referencio alguns dos seus principais resultados, evidenciando a diversidade e a complexidade dos processos políticos de construção e de funcionamento dos CME. Num segundo momento avanço com as tipologias dos CME. Agrupo-os e descrevo-os, sumariamente, tendo em conta as sequências de ação pública. Estabeleço a diferença entre uns e outros. Realço os mais intervenientes, aqueles que se revelam como instâncias de mediação, implicados na construção de uma ordem educativa local. Finalmente, num terceiro momento questiono «o que são» ou «devem ser» os CME no quadro atual da descentralização e da territorialização da educação. Recupero o argumento inicial para realçar o papel dos CME na construção das ordens educativas locais e o papel dos atores em todos estes processos de regulação da ação pública.

2.  Os CME como política pública de descentralização educativa Os CME resultam de um processo político de mais de duas décadas de descentralização e de territorialização da educação em Portugal. Para estudar este processo tomo como referência a medida política de criação dos

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CME no contexto da descentralização da educação4 e estudo-a na perspetiva de análise das políticas como ação pública, em diálogo interdisciplinar com a história de educação e com a educação comparada5. Abordo esta política a partir de três conceitos centrais – ação pública, regulação e conhecimento6. Olho os CME como uma política pública no domínio da descentralização do sistema educativo7 e entendo-a como uma ação pública multirregulada (Barroso, 2003, 2006a, 2006b) e com uma forte articulação entre conhecimento e política. Adoto um olhar teórico que me permite assumir que uma política não é aquilo que é definido unicamente pelo governo e pela sua administração, antes um processo complexo, com vários níveis e vários atores, transtemporal e translocal. Esta perspetiva de entender o social e a sua regulação, de estudar a política através da ação dos atores (Barroso, 2014; Delvaux, 2007; Lascoumes e LeGalès, 2007 entre outros) orienta todo o processo de investigação, o que me possibilita escrutinar no contexto empírico dos onze municípios da Comunidade Urbana da Lezíria do Tejo (CULT), atual Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo (CIMLT), os modos como neste processo político a ação pública é praticada, a regulação é feita e o conhecimento é mobilizado. Observo e analiso o programa de institucionalização dos onze CME nas suas sequências de ação pública, dando uma especial atenção aos seguintes aspetos: à historicidade dos processos políticos; à construção histórica das ordens 4 Esta abordagem não abrange o estudo da mais recente medida política de reconfiguração dos CME (Decreto-Lei n.º 72/2015, de 11 de maio), enquadrada numa política mais ampla de descentralização administrativa avançada pelo XIX Governo Constitucional, referenciada pelo Programa «Aproximar Educação» e pelos Contratos de Educação e Formação Municipal (trata-se de um projeto-piloto a ser implementado por algumas autarquias, mediante convite do Governo). Não obstante, sempre que o contexto argumentativo me permita, anuncio algumas dessas alterações e equaciono os aspetos que considero mais relevantes. Sobre este assunto ler o Parecer n.º 1/2015 do Conselho das Escolas e o artigo de Licínio Lima (2015) na Revista Questões Atuais de Direito Local. 5 Neste exercício teórico e heurístico concilio duas lógicas de investigação que se cruzam e se complementam: o estudo intensivo, descritivo e monográfico e o estudo extensivo, interpretativo e comparativo. São duas lógicas de investigação atentas à singularidade e à comparabilidade, possibilitando-me, nas mesmas escalas de observação e de análise empírica, cruzar o local, o regional e o nacional. 6 Apresento como autores de referência da perspetiva de análise das políticas como ação pública: Afonso, N., 2003; Barroso, 2003, 2005, 2006a, 2006b, 2013, 2014; Carvalho, 2011; Comaille, 2004; Delvaux, 2007, 2009; Duran, 2010;Hassenteufel, 2008; Lascoumes e LeGalès, 2007; Mangez, 2011; Muller, 2009; Van Zanten, 2004, entre outros. 7  Referencio alguns dos autores portugueses que se debruçaram sobre as políticas de descentralização e especificamente sobre os CME: Barroso, 2005, 2006a, 2006b, 2013, 2014; Cruz, 2007, 2012, 2014; Costa, J., Neto-Mendes, e Ventura, 2004; Fernandes, 2005; Ferreira, 2014; Formosinho e Machado, 2004; Justino, 2012; Lima, 2011, 2015; Pinhal 2006, 2009; Prata, 2008, entre muitos outros.

locais; às representações e às configurações da política nos diferentes espaços locais; ao papel do conhecimento como processo social que estrutura essas mesmas representações; aos regimes de conhecimento locais8; aos mecanismos de multirregulação em diferentes escalas de ação pública; aos sistemas de atores, às suas dinâmicas, aos seus conflitos e aos seus paradoxos. De uma forma muito breve apresento-vos algumas das principais características destas entidades. Os CME são criados em 2003. Para trás ficam as Comissões de Ensino, os Conselhos Locais de Educação: uma outra história (Cruz, 2012, p.101-136). A universalização dos CME está do ponto de vista legal associada à obrigatoriedade de cada município elaborar, a curto prazo, a «Carta Educativa». A complementaridade entre a entidade reguladora da política educativa municipal e o projeto de planeamento e de ordenamento da rede educativa marca o caráter instrumental daquela entidade. Introduz uma outra forma de entendimento e de partilha de competências entre a Administração Central e a Administração Local. Institucionaliza processos de controlo e de supervisão do próprio exercício da política educativa municipal, implicando os atores locais. Os objetivos, as competências, a composição e o regime de funcionamento dos CME definidos pelo Decreto-Lei n.º 7/2003 dão conta destas intencionalidades. Propõem formas de regulação pública participada, mobilizando para tal, agentes educativos e parceiros sociais. Sugerem alterações na organização das relações políticas, baseadas na comunicação e na concertação, no compromisso e na coordenação. Estabelecem novas formas de legitimidade e de representatividade. Atribuem à autarquia a responsabilidade institucional de coordenação do CME, um órgão consultivo, não vinculativo, portanto. Responsabilizam todos os intervenientes pela cooperação, pela articulação das suas intervenções no âmbito do sistema educativo, mas também pela vigilância, promovendo padrões de eficiência e de eficácia. A operacionalização do quadro legal e a definição do regimento interno dão lugar a diferentes configurações dos CME, diferentes estruturas organizacionais e funcionais. Esta diversidade de processos de regulação da ação pública revela as convergências e as divergências no modo como os atores autárquicos e locais entendem os objetivos dos CME e o exercício 8  A noção de regimes de conhecimento locais contextualiza o conhecimento, evocando «o que se sabe», mas também «o que se é» como comunidade local. Estes argumentos servem para defender a relevância dos contextos locais e perceber a relação entre conhecimento e política; dão ênfase especial à história e à historicidade de cada processo político (Cruz, 2012, p.35-38; Mangez, 2011, p.206).

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ANÁLISES E REFLEXÕES

das suas competências, como se apropriam das sucessivas medidas de política educativa, como agem conjuntamente com interdependências múltiplas, como divergem e conflituam, como organizam relações políticas diferentes baseadas na comunicação e na concertação e renovam fundamentos de legitimidade. Os CME vivem destes processos e da diversidade dos atores neles diretamente implicados; vivem do protagonismo das autarquias e dos seus presidentes e do contraponto exercido pelos professores e por outros representantes (nomeadamente os pais), portadores de um capital de importância e de conhecimento; vivem da ambiguidade e da conflitualidade da representação do Ministério da Educação (ME) / Direção Regional de Educação de Lisboa (DREL); vivem ainda do quase apagamento dos representantes dos subsistemas. Nos CME confrontam-se interesses, diferentes legitimidades e múltiplos saberes, com intervenções e registos discursivos diversos (desde os autarcas ao ME, passando pelos professores), mas também há convergências, entendimentos entre os atores. Os modos diversos como os CME se constituem, se configuram e funcionam dão-nos conta do desfasamento entre a norma, a regra e a prática. É nesta tensão permanente entre o controlo e a autonomia (Barroso, 2005), entre o centralismo do ME e os espaços de autonomia experimentada pelas autarquias e pelos atores locais que se constroem os CME, tão diversos quanto são as suas particularidades e os seus contextos locais. Ou seja, os CME não são só o que a Administração Central e o ME querem que sejam. As margens de liberdade dos atores locais, os espaços de regulação autónoma permitem-lhes ser muito mais! E é em função destas tensões e dinâmicas de ação pública que avanço para as três tipologias de CME.

3. As tipologias dos CME: a ausência; a conformidade; a estratégia/diferenciação As tipologias dos CME resultam de um exercício reflexivo com uma racionalidade a posteriori na medida em que convoco os resultados desta investigação para seriar, para agrupar os 11 CME, em função das suas semelhanças e das suas convergências, das suas proximidades referenciadas no modo como a ação pública é praticada, a regulação é feita e o conhecimento é mobilizado. A organização, o funcionamento e a intervenção são os indicadores de análise das tipologias dos CME. Os modos como estas entidades funcionam, como são presididas e orientadas pelos seus autarcas, principal-

mente pelos presidentes de câmara9, como se organizam em plenário e/ou em grupos de trabalho, como reúnem, como debatem as agendas de política educativa, como neles assiduamente participam e intervêm os atores locais, principalmente os professores, os diretores e os pais, todos estes elementos dão-me indicações precisas que me permitem criar três tipologias de CME, substantivamente identificadas: pela ausência; pela conformidade; pela estratégia/diferenciação. Isto significa que encontro entidades que, findo o processo de aprovação das cartas educativas, se esvaziam de qualquer sentido, deixando de reunir, como que «hibernando», pautando-se pela ausência de intervenção; outras reúnem-se para cumprir a norma, para «cumprir a lei» agindo em conformidade; outras ainda afirmam-se pelas dimensões reflexivas e de estratégia pela diferenciação, referenciando-se pela sua intervenção no espaço educativo local, pelo seu contributo na construção de políticas locais. Começo por vos apresentar uma visão geral das reuniões dos 11 CME. Proponho-vos uma incursão pelas suas reuniões e pelos seus debates ao longo de 6 anos letivos. Sugiro a leitura vertical por CME, a partir da qual vos dou a perspetiva quantitativa da regularidade do funcionamento, do espaço de discussão das agendas de política educativa, tanto nacional, como regional e local. Em termos comparativos, este número é um dos principais indicadores do dinamismo de cada CME, do interesse de todos os intervenientes, mas especialmente das autarquias que neles investem, prestando-lhe apoio logístico, convocando as reuniões, propondo uma agenda para a discussão, presidindo e orientando os trabalhos. E é essa capacidade de mobilização que faz a diferença entre os CME: o modo como cada autarca se apropria daquele espaço de diálogo e de debate (para dar continuidade à gestão da educação no seu município e para legitimar as suas decisões políticas), a forma como entende a transferência de competências, estabelece a sua relação com o ME, as escolas e os atores locais, a maneira como gere os conflitos entretanto surgidos explicam a letargia de dois CME e a vida mais ou menos ativa dos outros nove. Todos estes aspetos ajudam a perceber como alguns autarcas encontram na elaboração, no acompanhamento e na aprovação da Carta Educativa, as razões principais, se não as únicas, da existência desta entidade; permitem ainda en9  As perspetivas políticas e cívicas dos presidentes das câmaras e o modo como encaram o espaço da ação pública refletem-se nas formas como equacionam a intervenção política dos CME. Alguns autarcas vêm esta entidade como um espaço de legitimação das suas tomadas de decisão no campo educativo, valorizando a sua dimensão tática e operativa; outros vão mais além e avançam para uma dimensão estratégica e reflexiva, considerando esta entidade de regulação como um espaço de produção de conhecimento que deveria ser capaz de lançar diretrizes orientadoras da política educativa municipal.

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apogeo Revista da Associação de Professores de Geografia

2.º mandato

1.º mandato

Mandato

tender o sentido da intervenção dos CME no contexto da descentralização educativa ao longo dos dois mandatos estudados. A prova de vida dos CME é-nos dada empiricamente por todas estas entidades que sobressaem do universo estudado pela regularidade das suas reuniões,

mas também pela pertinência política das suas agendas. Para completar esta leitura quantitativa e qualitativa, para melhor se percecionar a diferença de funcionamento existente entre o primeiro mandato e o segundo mandato, proponho-vos uma leitura atenta das agendas dos CME.

N.º reuniões dos CME/CUL T Ano lectivo

Almeirim Alpiarça Azambuja Benavente Cartaxo Chamusca Coruche Golegã

Rio Salvaterra Santarém Maior Magos

2002/2003

0

0

0

2

0

0

0

0

0

0

0

2003/2004

1

3

0

3

4

1

2

2

2

2

2

2004/2005

2

1

1

1

3

1

1

3

3

1

5

2005/2006

2

0

2

2

2

2

1

2

4

1

1

2006/2007

1

0

4

1

2

2

0

2

2

0

5

2007/2008

2

0

4

4

1

3

1

2

2

0

1

8

4

11

13

12

9

5

11

13

4

14

Totais

Tabela 1. Número de reuniões dos CME por ano letivo (Cruz, 2012, p.166)

Agendas dos CME

Almeirim Alpiarça Azambuja Benavente Cartaxo Chamusca Coruche Golegã

Transferência de competências Regimentos Intemos

















✘ ✘







Carta Educaliva













Verticalização dos Agrupamentos



Funcionamento das Escolas



Escola a tempo inteiro



Projectos Educativos

✘ ✘

✘ ✘









✘ ✘

Rio Salvaterra Santarém Maior Magos



✘ ✘























































Abandono Escolar



Sucesso, insucesso lnclisciplina



Acção Social Escolar



Transportes Escolares



Requalificação do parque escolar



Encontros Educ./ Projectos Locais

























































Questões da infância e adolescência





Segurança nas escolas





Rede Escolar







Ensino / Formação Profissional

































✘ ✘

Qualidade / custos – público e o privado



Liberdade de Educação



Educação / Sociedade



Tabela 2. Agendas dos CME (Cruz, 2012, p.186)

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ANÁLISES E REFLEXÕES

Esta leitura fornece-nos elementos fundamentais para o entendimento da ação pública gerada em cada um e no conjunto dos CME: permite-nos identificar os temas tratados por conselho e apreciar o dinamismo da coordenação da política educativa por parte de cada autarquia e a resposta de todos os intervenientes; possibilita-nos apontar os temas diferentemente tratados no conjunto dos CME e avaliar as agendas comuns a todos eles ao longo do período em estudo. No primeiro mandato, todos se reúnem e discutem na fase de implantação e organização dos CME, a elaboração dos regimentos internos, a redefinição da rede escolar e a reorganização das escolas, com a verticalização dos agrupamentos, a construção e aprovação das cartas educativas. No segundo mandato, findo este último processo, nem todos mantém a mesma regularidade e nem todos mostram interesse pelos temas de política educativa nacional, regional e local. Os debates em torno da medida política da escola a tempo inteiro e da qualificação/requalificação do parque escolar não entusiasmam todos os conselhos; os contrapontos qualidade / custos dos ensinos público e privado e liberdade de educação apenas mobilizam um dos conselhos, preocupado com o confronto e a concorrência entre diferentes ofertas educativas. Entre uns que deixam de se reunir, abandonando o debate e os outros que se reúnem múltiplas vezes para discutir as agendas de política educativa há grandes diferenças. E são essas diferenças que informam as três tipologias dos CME: a ausência; a conformidade; a estratégia/diferenciação.

3.1. A Ausência A ausência representa o conjunto de CME, de autarquias e de atores locais, para os quais esta entidade serve quase exclusivamente para a elaboração, acompanhamento e aprovação da Carta Educativa. Findo este processo, esvazia-se o sentido político deste órgão, criado, a seu ver, para construir e aprovar este documento estruturante. Estas autarquias não perspetivam os CME para além da Carta Educativa. Não os consideram espaços de legitimação política. Não lhes reconhecem potencialidades para a gestão de conflitos e procura de consensos entre atores, para a mobilização de saberes e aprendizagem política. A partir daí deixam de convocar as reuniões, construir as agendas, promover a discussão colegial. A gestão de competências das autarquias faz-se lateralmente, subvertendo e mesmo ignorando os referenciais normativos e cognitivos do instrumento que institui os CME, esquivando-se desta forma ao controlo da Administração Central. Repare-se como em algumas autarquias as principais medidas de política educativa, sejam as Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC) ou as transferências de competências para as autarquias

se processam à margem de um órgão inicialmente criado para esse fim; veja-se ainda como os atores autárquicos fazem escolhas estratégicas e rejeitam os processos de regulação impostos pelo instrumento de ação pública10; observe-se como os atores locais, os representantes e os convidados deixam de ter a oportunidade de intervir, no entanto, não potenciam os dispositivos de que dispõem para subverter a situação e propor reuniões e discussões extraordinárias.

3.2. A Conformidade A conformidade representa o conjunto de CME, de autarquias e de atores locais, para os quais esta entidade serve para cumprir a formalidade da lei e para concretizar o exercício das competências municipais. Reconhecem este espaço de intervenção tática e operativa, de gestão corrente dos problemas ocasionados pelas sucessivas medidas de política educativa. Uma oportunidade para tomar o pulso às direções das escolas, aos professores, aos pais, aos restantes representantes e o reequacionar de novas ações de intervenção. Dito de outro modo, as autarquias mobilizam os CME quando têm interesse nisso, ditam as agendas políticas, compreendem a importância da participação dos atores, recorrem aos saberes em presença, gerem conflitos e procuram consensos, tomam posições conjuntas, mas criticam o pouco peso institucional e a falta de visibilidade pública destas decisões. Estabelecem as diferenças entre as potencialidades políticas destas entidades e o modo como funcionam. Admitem dificuldades reais na coordenação dos seus CME. Falam dos défices de participação e de responsabilização e associam-nas a vários fatores: o carácter consultivo e não vinculativo11; à própria estrutura organizativa e funcional que relega as direções das escolas para segundo plano, negando-lhes o direito ao voto12; à falta de visão estratégica e de dimensão política dos 10 Falo da obrigatoriedade legal de existência e funcionamento dos CME. 11 No Decreto-Lei n.º 72/2015, de 11 de maio que procede à 3.ª alteração do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro introduzem-se mudanças que alteram a universalidade dos CME, nos seus princípios e nos seus objetivos. Refiro-me ao art.º 9.º que particulariza a possibilidade dos pareceres do conselho municipal de educação serem vinculativos unicamente para as autarquias que celebrem os Contratos Interadministrativos de Delegação de Competências na área da Educação. Uma primeira aproximação analítica, baseada na produção jurídica-normativa, leva-me a referenciar esta medida, como uma instrumentalização dos CME aos contratos interadministrativos (tal como anteriormente o foram às Cartas Educativas). Falta a constatação empírica desta inferência, concretizada no estudo e na análise dos processos de apropriação e de reconstrução desta política em cada espaço local. 12 No Decreto-Lei n.º 72/2015, art.º 5.º os diretores de agrupamentos de escolas e de escolas não agrupadas assumem o papel de conselheiros, logo com direto a voto.

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serviços centrais e regionais do ME; à apatia e à falta de vigilância crítica de alguns representantes; à ausência de comunicação entre representantes e representados; mas também à sua própria incapacidade em gerir a intervenção dos outros e em fazerem funcionar estas entidades não para «fazer de conta», para aprovar o que já está aprovado, mas para refletir e resolver problemas. Muitas destas críticas são corroboradas pelos atores locais, principalmente pelos representantes dos professores, dos pais e diretores das escolas, detentores de um protagonismo que faz o contraponto à hegemonia dos autarcas nos CME. Olham estas instâncias de coordenação e de consulta como espaços propícios (mas nem sempre concretizados) de definição de estratégias, de articulação de intervenções, de uniformização de critérios e de reflexão; reforçam o caráter institucional destas instâncias nas ligações possíveis (poucas vezes conseguidas) entre todos os atores e entidades. Quando afirmam a importância dos CME argumentam a favor das especificidades de cada contexto local e promovem a ligação entre a Administração Central, a Administração Local, as escolas e a comunidade.

3.3. A Estratégia/Diferenciação A estratégia pela diferenciação representa o conjunto de CME, de autarquias e de atores locais, para os quais esta entidade serve para perspetivar estrategicamente o seu espaço de intervenção no âmbito do sistema educativo, para partilhar competências e responsabilidades com o ME e os Agrupamentos, para monitorizar e avaliar as sucessivas medidas de política educativa, para gerir conflitos daí decorrentes e procurar consensos, para criar uma cultura de intervenção e de responsabilidade política, para construir e desenvolver projetos locais. Ao ultrapassarem a dimensão tática e operativa do CME da gestão do dia-a-dia da relação autarquia / escolas, de legitimação das suas tomadas de decisão, avançam para uma dimensão estratégica e reflexiva no sentido de pensar as grandes linhas de intervenção educativa do seu município, congregar todos os intervenientes, mobilizar os saberes práticos, técnicos e científicos para produzir conhecimento traduzível nas avaliações, nas propostas e recomendações, mas também na capacidade de organizar debates públicos sobre matérias educativas e de perspetivar e de enquadrar a política educativa local num contexto mais vasto, no contexto da descentralização e da territorialização da educação. Este espaço de intervenção política conquistado pelos múltiplos atores (principalmente pelos autarcas e pelos professores) permite-lhes valorizar os seus CME, investindo em estratégias de funcionamento diversificado, principalmente em grupos de trabalho. Esta intervenção setorial, mais

restrita e especializada prevê uma maior interligação com os múltiplos atores, com as entidades representadas e com as escolas, o que possibilita ultrapassar diferendos e atingir consensos, em múltiplos processos de operacionalização das sucessivas políticas educativas. Estes CME assumem-se órgãos de intermediação e de concertação de vários poderes, numa lógica de administração da educação, ligados a um dado território e a um dado grupo de pessoas. São aglutinadores e reguladores da ação dos atores, de articulação entre a ordem local e a ordem nacional. São exemplos que sobressaem do universo estudado por se revelarem lugares privilegiados para a construção de políticas educativas locais, espaços de multirregulação, focos de desenvolvimento e de mobilização do conhecimento.

Considerações finais Recupero o argumento inicial para considerar que os CME não resultam de um automatismo legislativo, nem surgem espontaneamente através de processos intuitivos de geração de consensos. Não são, só por o serem! São o resultado de processos complexos de construção das ordens educativas locais, subjacentes aos processos «genuínos» de descentralização e de territorialização. As tipologias dos CME dão-nos a conhecer os modos diversos como se configuram e funcionam, como vivem e como sobrevivem. A grande diferença entre uns e os outros joga-se na capacidade de só alguns se assumirem instâncias de racionalização e de mediação complexas, capazes de gerir tensões e dinâmicas de uma ação pública onde se confrontam diferentes interesses e perspetivas muitas vezes divergentes. A estratégia/diferenciação representa esse grupo de CME empiricamente comprovados como instâncias de mediação, numa lógica de interface e de concertação entre múltiplos atores e vários poderes. São entidades que estrategicamente se referenciam como lugares privilegiados para a gestão de conflitos e procura de consensos, como espaços de multirregulação, como focos de desenvolvimento e de mobilização de conhecimento. É esta dimensão territorial que permite que elas se afirmem como um espaço do que alguns autores designam por «regulação sociocomunitária» (Barroso, 2014) para pôr em relevo a articulação neste processo entre o Estado e a Sociedade. Esta dimensão territorial constitui o material genético destes CME – participação e estratégia – e contribui para a construção de políticas educativas locais. Finalmente, entre o que são e o que devem ser, os CME revelam o seu potencial político e as suas fragilidades organizacionais e funcionais. As críticas e a necessidade de mudança são ideias subjacentes às perspetivas

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ANÁLISES E REFLEXÕES

dos múltiplos atores. Sugerem outros arranjos e outras dinâmicas necessárias para que o CME assuma um papel fundamental na administração local da educação. Estas orientações e recomendações espelham as imagens que os CME (da CULT) e os seus múltiplos atores têm de si mesmos; referenciam as boas práticas de algumas destas entidades e a preocupação de as generalizar aos restantes CME; perspetivam mudanças em que se implicam todos os atores, sujeitos e objetos dos processos de decisão e de operacionalização das políticas de descentralização e de territorialização da educação. Enquanto aglutinadores e reguladores da ação dos atores à escala local, os CME garantem e aprofundam a democracia e contribuem para a construção do espaço educativo local. E estes são alguns dos contributos que esta investigação deixa para o debate atual sobre a Descentralização da Educação. Esclarecer questões e refutar mitos, contribuir para o conhecimento informado sobre o papel dos CME na regulação local da educação.

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Legislação referida Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro, D. R. n.º 12/03, Série I-A – Regulamenta os conselhos municipais de educação e aprova o processo de elaboração de carta educativa, transferindo competências para as autarquias locais. Decreto-Lei n.º 72/2015, de 11 de maio, D.R. n.º 90, 1.ª Série – Terceira alteração do Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro. Decreto-Lei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro, D.R. n.º 30, 1.ª série – Regime de delegação de competências nos municípios e entidades intermunicipais no domínio das funções sociais.

Outra documentação PAE: Programa Aproximar Educação – Descentralização de competências na área da educação – contrato de Educação e Formação Municipal. Disponível em http:// www.sindep.pt/Documentos/Memorando_de_Trabalho_ PAE_Contrato_Educação_e_Formacao_Municipal.pdf Conselho de Escolas. Parecer n.º 1/2015 – O Programa «Aproximar Educação» e os Contratos de Educação e Formação Municipal. Disponível em http:// www.cescolas.pt/pareceres/

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7. Os TEIP: do reforço escolar à intervenção territorial Pedro Abrantes Universidade Aberta & Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL) Cristina Roldão Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL)

O programa público Territórios Educativos de Intervenção Prioritária foi criado no final do século XX e, apesar das incertezas e alterações resultantes das sucessivas mudanças governamentais, tem inclusive alargado a sua área de abrangência. Se, nos primeiros anos, incluía apenas algumas escolas básicas em bairros marginalizados dos subúrbios de Lisboa e Porto, hoje integra mais de 100 agrupamentos de escolas, espalhados por todo o país, num total que se aproxima a 10% da rede escolar pública, incluindo também estabelecimentos do ensino pré-escolar e do ensino secundário. O programa pretende reforçar a intervenção educativa em territórios marcados pela exclusão, com os seguintes objetivos: (a) melhoria da qualidade das aprendizagens traduzida em sucesso educativo dos alunos; (b) combate ao abandono e insucesso escolar dos alunos; (c) orientação educativa e transição qualificada para a vida ativa; (d) papel da escola como elemento central da vida comunitária e, em particular, progressiva coordenação com a ação dos parceiros educativos. Esta intervenção é orientada por um projeto local, desenvolvido pelos agrupamentos de escolas (projeto TEIP) e que, uma vez aprovado pela administração central, permite a alocação de recursos suplementares, durante a vigência do projeto. Numa primeira fase, os projetos locais apostaram na contratação de profissionais socioeducativos – nomeadamente, animadores socioculturais, educadores sociais, psicólogos, assistentes sociais ou sociólogos – responsáveis pela dinamização de um conjunto de serviços e atividades, tanto nos espaços escolares como nos bairros. O alargamento do número de escolas abrangidas, bem como a pressão política (e mediática) para a melhoria dos resultados escolares, sobretudo desde 2007, terão ditado que o programa se passasse a centrar na contratação de docentes que permitisse manter um número menor de alunos por turma, bem como espaços de apoio e reforço das aprendizagens, sobretudo nas disciplinas de Português e Matemática.

O território, numa acepção de ‘unidade’ física e comunitária socialmente construída e dinâmica, constitui hoje uma área central do conhecimento e da intervenção de geógrafos. Neste sentido, os professores do departamento de ciências sociais e humanas estarão, em muitas escolas, entre os profissionais mais capacitados para lidar com esta problemática. Não deixa, por isso, de se estranhar a pouca participação dos profissionais deste campo científico, tanto no programa a nível nacional, como em muitos dos projetos locais em que se tem concretizado.

1. O estudo sobre os TEIP Em 2010 e 2011, coordenámos um estudo sobre os impactos do programa TEIP em sete territórios. As metodologias seguidas e os resultados obtidos podem ser consultados, em detalhe, no relatório final do projeto que se encontra disponível online (Abrantes et al., 2011). Uma discussão teoricamente fundamentada dos principais resultados foi publicada numa revista internacional de referência no campo da sociologia da educação (Abrantes et al. 2013). Em termos muito sintéticos, podemos dizer que o estudo revelou a grande diversidade de contextos abrangidos e de impactos produzidos pelo programa TEIP, o que dificulta as generalizações. Ou seja, os TEIP abrangem territórios de grande exclusão e marginalização social, mas também outros, sobretudo nas edições mais recentes do programa, que estão integrados e se afastam pouco do padrão médio nacional. Além disso, alguns deles revelam resultados escolares muito negativos e a inclusão no programa parece ter tido um impacto reduzido, enquanto outros têm vindo a melhorar de forma significativa os seus resultados. Em qualquer caso, em termos de tendências gerais, podemos dizer que o estudo revela um efeito claramente positivo no combate ao abandono e na melhoria do clima de escola, um efeito mitigado (e muito variável entre contextos) na melhoria

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das aprendizagens escolares e um efeito pouco significativo, na grande maioria dos casos, nas dinâmicas de desenvolvimento local. A partir dos resultados deste projeto, têm sido publicadas análises mais focalizadas sobre a socialização dos jovens (Abrantes e Quaresma, 2013), os técnicos de intervenção social (Abrantes e Teixeira, 2014); papel das lideranças em escolas TEIP (Baptista e Abrantes, 2015). Assim sendo, gostaríamos neste artigo de aprofundar as questões do território e do desenvolvimento local, até porque são aquelas que nos parecem menos resolvidas na maior parte dos TEIP e na qual a intervenção dos professores de Geografia se pode revelar mais decisiva.

2. O território como problema Ao estabelecer-se uma política de intervenção prioritária em «territórios educativos» convirá começar por discutir que territórios são estes. Em nenhum dos sete casos analisados, o território é claramente definido nos projetos TEIP e, no decorrer do trabalho de campo, em apenas dois deles se observou uma noção clara, entre os agentes locais, do território a que se referia. No caso B, o projeto é liderado por um pequeno agrupamento de três estabelecimentos de ensino, todos situados num bairro de realojamento social dos subúrbios de Lisboa, fortemente marginalizado e com poucas vias de comunicação com o exterior. No caso C, o projeto está sediado num meio rural, coincidindo o agrupamento de escolas com as fronteiras do município. Porém, nos restantes cinco casos, o projeto TEIP não coincide com um território existente em termos sociais ou administrativos. As suas ações tendem a estar centradas nas escolas que pertencem a um agrupamento, sendo este frequentado por jovens de vários bairros e freguesias. Em muitos casos, existem outras escolas nas imediações que não pertencem ao agrupamento, mas que são frequentadas por jovens dos mesmos bairros e freguesias, e que influem directa ou indirecta na comunidade educativa mais geral daquele território. Por seu lado, se alguns projetos TEIP incluem referências à intervenção com jovens e famílias de certos bairros, estes são frequentemente uma minoria dos estudantes que frequentam os agrupamentos e estas ações são também combinadas com outras que abrangem a totalidade das escolas ou os alunos em situações de vulnerabilidade, qualquer que seja a sua área de residência. Na primeira vaga de estudos sobre os TEIP, vários autores tinham já assinalado como um dos aspetos críticos do programa o facto de os territórios de intervenção terem surgido por solicitação da administração central, sem que as dinâmicas locais existentes, tanto as que

potenciam a construção de projetos educativos comunitários como as que podem constituir verdadeiros obstáculos, fossem efetivamente tidas em conta (Sarmento et al., 2000; Stoer e Rodrigues, 2000; Carvalho et al., 2009; Canário, 2009). Os TEIP parecem ter sido delimitados com base na urgência relativa dos problemas dos estabelecimentos de ensino, sendo entendidos como espaços de «compensação», em que é enfatizada a dimensão escolar e o território equacionado como problema. Tal contradição parece, aliás, ter-se acentuado no alargamento do programa que ocorreu a partir de 2007, num período em que os agrupamentos escolares já estavam criados em todo o país, processo em que a dimensão territorial também foi menosprezada face a outros critérios político-administrativos. Sarmento et al. (2000) defendem mesmo que existe alguma incompatibilidade entre a ideia de intervenção prioritária e a de territorialização das políticas. Contudo, não devemos esquecer que o território é sempre uma categoria dinâmica e problemática, uma construção social e política que, dificilmente, estará ancorada a fronteiras físicas e históricas claramente definidas. E, tal como outras instituições, as escolas têm um impacto significativo na permanente (re)configuração dos territórios. Ou seja, mesmo nos casos em que não correspondem a territórios inicialmente bem definidos, os projetos TEIP podem ter um papel importante na territorialização das políticas, precisamente, fomentando nos agentes locais uma reflexão sobre quais os processos educativos que existem (e quais podem e devem ser desenvolvidos) em territórios específicos. A questão central é que, em países como Portugal, as escolas foram controladas historicamente a partir de um centro político-administrativo, assumindo um papel, sobretudo, de diluição (ou deslegitimação) das especifidades locais e regionais, em prole de uma identidade nacional frequentemente mitificada e, hoje em dia, também de uma estandardização internacional dominada pelas regiões mais poderosas do mundo. Além disso, os professores são colocados pela administração central, e ‘deslocados intermitentes’ que nem sempre têm condições para desenvolver um conhecimento profundo dos territórios nos quais lecionam, sobretudo quando se trata de contextos mais desfavorecidos.

3. Os diagnósticos: ferramenta de transformação ou ritual de legitimação? Os diagnósticos que precedem qualquer relatório podem ser uma oportunidade de atenuar o problema apresentado no ponto anterior, ao implicar um conhecimento e uma reflexão dos agentes locais acerca da realidade

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do território que fundamente a intervenção. Entre os diagnósticos analisados, encontramos um traço comum, nem sempre sustentada com evidências empíricas: a prevalência do enfoque nos problemas sociais e escolares. As oportunidades dos territórios ocupam, comparativamente, um lugar menor, quer em termos do volume de informação recolhida, quer em termos da sua problematização, isto é, da sua transformação numa componente estratégica do projeto, não só na ótica do acesso a recursos para implementação de atividades, mas na definição dos objetivos, estratégias e atividades dos projetos. Um diagnóstico ou uma visão de intervenção exclusivamente centrados nos problemas da comunidade educativa, dificilmente serão capazes de fornecer uma reflexão sobre as potencialidades dos atores locais. A tónica nos handicaps tende a estar associada a uma lógica de intervenção «assistencialista», que coloca obstáculos à adequabilidade e sustentabilidade das intervenções e ao empowerment dos atores locais, sendo este último um pilar da territorialização desta medida política. Por sua vez, diagnósticos e estratégias de intervenção que consigam dar um lugar estratégico aos pontos fortes e potencialidades dos atores locais (instituições, projetos escolares e não escolares, recursos humanos, recursos materiais, interesses, especialidades, etc.) estarão, à partida, em maior consonância com o entendimento do território enquanto espaço de ação coletiva (Guerra, 2003). Contudo, existem diferenças entre os diagnósticos analisados: em alguns, a referência aos pontos fortes e oportunidades locais são pouco problematizadas; noutros, estes aspectos têm um lugar próprio, mas a problematização é escassa; noutros ainda, existe uma articulação entre problemas e potencialidades locais, que evidencia uma concepção mais estratégica desta componente. Esta é uma questão importante para o empowerment das comunidades, famílias e indivíduos alvo dos processos de exclusão social. Se, pensarmos que a exclusão social tem não só uma componente que se prende com a distribuição desigual de recursos socioculturais, de poder político, de capital social, mas também uma que se prende com a dominação cultural e discriminação, isto é o não reconhecimento da legitimidade dos saberes, ações, gostos, etc. destas populações (e imposição de outros referenciais culturais), assim como a atribuição (mais ou menos visivél) de um estigma social, torna-se mais clara a necessidade dos projetos TEIP integrarem, não só os pontos fortes e potencialidades dos atores locais socialmente valorizados (instituições públicas e empresas), mas daqueles que efetivamente estão numa situação de exclusão (Canário, 2009; Power e Gewirtz, 2001).

Ao nível dos diagnósticos e discursos tende a existir «uma visão ultra negativa da população escolar e das suas comunidades de origem» (que por vezes resvala para moralismos, preconceitos raciais), já constatado por outros autores (Canário, Alves e Rolo, 2001) e que contribui para a ideia de que não existem pontos fortes e oportunidades ao nível os atores locais. A persistência de estereótipos sobre as famílias e os alunos está patente, entre outras coisas, na forma como por vezes a não comparência dos pais nas reuniões tende a ser interpretada como desinteresse; os problemas pontuais de toxicodependência, alcoolismo e criminalidade tendem a ser apresentados como regulares; os núcleos familiares que não correspondam ao ‘formato clássico’ são vistos como desestruturados; a dissonância entre as regras da escola e as regras das famílias/comunidades são interpretadas como inexistência de regras e incapacidade de se adaptar a elas; o facto de existirem alunos descendentes de imigrantes transforma-os imediatamente em indivíduos em que a língua materna não é o português. Parte desta questão deve-se à dificuldade em obter dados sobre os atores não escolares e menos institucionalizados e, nomeadamente, sobre as suas potencialidades. Os diagnósticos utilizam em boa medida informação proveniente da gestão administrativa dos agrupamentos referentes ao insucesso escolar, absentismo, indisciplina, abandono e benefício de ASE, sendo visível o trabalho de análise sistemática e pormenorizada destes dados (por ciclos, por disciplina, por escola). Contudo, em alguns dos 7 agrupamentos analisados os atores escolares mobilizaram informação sobre a comunidade educativa não-escolar, existem casos em que foram utilizadas monografias sobre o território (1 dos territórios); dados dos censos e de um CNO local (1); dados de inquéritos anteriormente aplicados às famílias e alunos (3 dos projetos); planos de desenvolvimento do concelho (1). Estes dados foram normalmente recolhidos não com o intuito de fazer um levantamento dos pontos fortes e oportunidades, mas de caracterização (socioeconómica, demográfica) do território, somente em 2 casos é que existiram instrumentos de auscultação direta de informação junto das famílias (em sentido lato e não exclusivamente a associação de pais) e alunos em que é perguntada a sua apreciação face a alguns aspectos do agrupamento. Embora nem sempre as potencialidades dos parceiros institucionais (empresas, universidades, organismos da administração pública, etc.) sejam apresentadas de forma clara, sistemática e estratégica, existe o reconhecimento dos pontos fortes e oportunidades destes atores locais, sendo este aspecto importante para o envolvimento destes atores da comunidade educativa. Contudo, atores institucionais com menor visibilidade social, mas com

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maior proximidade face às populações (associações de moradores, recreativas, de imigrantes, juvenis, religiosas, grupos musicais, etc.) tendem a ter menor destaque.

4. Parceiros há muitos Uma segunda dimensão fundamental na construção de territórios educativos é a cooperação e articulação entre instituições. Como é sabido, as escolas não têm capacidade para assegurar, sozinhas, o desenvolvimento educativo da população de um território. No entanto, existem muitas outras instituições a intervir nos mesmos territórios (ou que podem ser mobilizadas), que necessitam das escolas para atingir os seus objetivos e parte delas têm inclusive valências educativas. Assim, em vez dos desperdícios, tensões e desajustes entre intervenções, torna-se indispensável promover um trabalho em rede. Tal como foi acima referido, os TEIP constituem um programa do Ministério da Educação, obrigatoriamente liderado por estabelecimentos de ensino básico e/ou secundário, o que conduziu frequentemente a uma subordinação da intervenção educativa à ação escolar. No entanto, o nosso estudo mostrou que os projetos TEIP analisados assentam em parcerias entre o agrupamento e várias outras (entre 10 e 30) instituições com intervenção local. Em que medida, estas parcerias participam e articulam-se efetivamente no desenvolvimento socioeducativo do território ou constituem mais «parecerias» formais e circunstanciais (Stoer e Rodrigues, 2000)? Os dados recolhidos permitem-nos constatar que o mais comum é que os parceiros participem na cedência de recursos imediatos (transportes, instalações, recursos financeiros, equipamentos, recursos-humanos) para o desenvolvimento de atividades educativas levadas a cabo pelas escolas. Seria importante que participassem noutras dimensões dos projetos, nomeadamente, na dimensão do planeamento e avaliação, na formação de docentes, na relação com o mercado de trabalho ou na definição de atividades de «contextualização dos currículos». Mas será, ao mesmo tempo, que os recursos e forma de organização do Programa permitem esse investimento mais alargado do conjunto de parceiros? Em dois dos sete territórios observou-se uma dinâmica de parcerias mais consolidada. Têm não só um número elevado de parceiros, que colaboram com níveis de implicação distintos, como tendem a ter um conjunto diversificado de instituições, desde organismos da administração pública, associações locais, empresas e universidades. Enquanto as instituições da comunidade local permitem um trabalho de proximidade com as populações, mobilizando os seus conhecimentos e interesses, a capacidade de colaborar com instituições de âmbito

regional, nacional ou mesmo internacional permitem trazer para o meio local recursos materiais e simbólicos fundamentais para superar os processos de exclusão que os atingem. O estudo mostrou que as autarquias podem desempenhar um papel central, não apenas devido aos seus recursos e responsabilidades, mas também pela capacidade de mobilização de uma rede local de instituições, fomentando uma articulação dos seus recursos, estratégias e objetivos. Mas revelou igualmente que as escolas devem entender estas parcerias não apenas de forma instrumental, no sentido daquilo que as instituições lhes podem dar, mas também numa lógica comunitária, no sentido de compreender como podem as escolas disponibilizar os seus recursos em prole da comunidade local e como se podem ‘organicamente’ conectar com os saberes, interesses, recursos e necessidades da comunidade local. De facto, dos sete territórios observados, estes dois foram aqueles em que os resultados dos alunos se revelaram superiores, tanto na avaliação interna como nas provas nacionais. Também foram aqueles em que um número maior de docentes afirmou que as aprendizagens dos alunos haviam melhorado ao longo do último triénio. Esta associação positiva entre parcerias e aprendizagens dos jovens é ainda mais significativa, se atendermos a que um destes agrupamentos é aquele que tem maior número de estudantes e enfrenta graves problemas de sobrelotação, e o outro agrupamento tem o segundo valor mais elevado em termos de taxa de pobreza, entre os sete territórios analisados.

5. Os alunos e as famílias Outra dimensão central para desenvolvimento de territórios educativos é o envolvimento das populações locais, começando pelos estudantes e as suas famílias. O facto de os diagnósticos dos projetos TEIP atribuírem grande parte dos problemas aos alunos e suas famílias, sendo muito menos referenciadas causas pedagógicas, organizacionais ou estruturais, não apenas distorce a realidade, mas também induz a uma intervenção de tipo assistencialista, pouco voltada para a construção de um território educativo, com base nas potencialidades locais, nos recursos e ensejos destes atores e, pouco capaz de reconhecer verdadeiramente o «valor social» dessas comunidades. Nos sete territórios em análise, a participação dos pais e dos alunos no planeamento das ações tem sido muito residual. No caso dos estudantes, a sua idade e alegada falta de maturidade são os principais motivos utilizados para explicar esta falta de participação, enquanto nos

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casos das famílias, a falta de interesse, a falta de tempo e o fraco associativismo são os principais motivos apontados. Ainda assim, em três dos territórios, a definição do programa de intervenção teve em conta os resultados de um questionário aos estudantes e aos encarregados educação sobre o funcionamento da escola. Num agrupamento, a associação de pais participou na avaliação das ações. E noutro, organiza-se um evento com grande visibilidade local, muito presente nos discursos dos agentes da comunidade. São três dias de atividades recreativas, de convívio e debate, de mostra dos trabalhos dos alunos, professores e de outros profissionais locais (por exemplo, artesãos, pequenos empresários locais), dentro da escola e noutros espaços comunitários. A longevidade desta atividade, a dimensão e a crescente adesão revelam que este é um evento importante na comunidade local, muitos dos trabalhos que os alunos vão realizando ao longo do ano letivo são preparados para esse fim, existe uma grande mobilização de diferentes atores escolares (diferentes grupos disciplinares procuram dar o seu contributo para o evento) e adesão de várias entidades locais e da população em geral. Se a participação de alunos e suas famílias na definição das ações e no acompanhamento da intervenção tende a ser escassa, em alguns dos territórios, o projeto TEIP permitiu uma melhoria das relações entre professores, alunos e famílias, ainda que se possa questionar a sustentabilidade futura desses avanços. Num dos agrupamentos – também aquele em que as parcerias estão mais consolidadas e os resultados têm sido mais positivos – esta mudança tem sido muito impulsionada pela direção do agrupamento e pela associação de pais, o que é reconhecido nos questionários e entrevistas. Um exemplo desta dinâmica é uma atividade que já tem três anos, que teve o impulso da Associação de Pais e que tem como objetivo editar um livro de poesia com poemas de alunos. No 1.º ano, incluiu 12 textos, no 2.º ano 135, e, no 3.º ano, 235 textos. Com o apoio da autarquia financiam a publicação e a festa de lançamento que envolve muitos pais e familiares dos alunos. Num outro território, também marcado por fenómenos de «guetização», a nova equipa diretiva rompeu com autoritarismo que caracterizava a anterior direção e, com o apoio do projeto TEIP, colocou em prática em conjunto de atividades de envolvimento da comunidade. Entre estas, destaca-se a reativação e valorização da associação de pais, como parceiros da escola, o que permitiu criar um programa de integração de alguns encarregados de educação como voluntários na vigilância e animação dos recreios. Apoiou-se igualmente uma professora de artes no desenvolvimento de projetos de arte urbana com a

participação de muitos alunos e grande reconhecimento no bairro. Noutros territórios, embora de forma mais embrionária, observaram-se também atividades de apoio à organização de associações de pais e de reforço das relações entre professores, alunos e famílias, nomeadamente através da dinamização de gabinetes de apoio ao aluno e à família. Contudo, os cortes recentes no financiamento para a contratação de técnicos socioeducativos (Abrantes e Teixeira, 2014) gerou resultados negativos, no fechamento das escolas à comunidade. As atividades com mais sucesso na promoção do envolvimento das famílias parecem partilhar as seguintes características: 1) valorização da componente não escolar e, portanto, de outras dimensões da vida dos pais que não somente o acompanhamento escolar dos seus filhos; 2) aposta em atividades lúdico-pedagógicas em áreas de interesse dos alunos (música, artes urbanas, desporto, etc.); 3) adequação dos horários e dos meios de contacto, valorizando atividades em períodos não letivos; 4) envolvimento de alguns pais que depois apoiam a difusão em toda a comunidade. Em resultado da iniciativa de alguns docentes, foram observadas também algumas assembleias de turma e assembleias de delegados de turma. Em geral, estas assembleias são orientadas para a gestão da indisciplina e raramente para a construção de projetos (de turma, agrupamento, local, etc.). Ainda assim, é reconhecido algum poder aos alunos (sanções, tópicos de reunião, registo, etc.) e providencia-se um espaço de reflexão dos estudantes sobre si mesmos, enquanto membros da comunidade escolar. Será importante que estas práticas de participação coletiva sejam integradas numa estratégia mais geral de envolvimento comunitário.

Notas conclusivas No presente artigo, procurámos contribuir para o conhecimento e reflexão sobre os territórios educativos de intervenção prioritária, aprofundando a sua dimensão territorial e comunitária. Neste âmbito, defendemos que, apesar do projeto apresentar impactos positivos evidentes, ao nível da organização das escolas, da pacificação das relações entre agentes escolares e do combate ao insucesso e abandono escolares, em muitos dos territórios abrangidos, revela ainda muitas fragilidades no âmbito do desenvolvimento territorial e comunitário. Aliás, esta dimensão parece ter vindo a ser preterida, nos últimos anos, no âmbito da estratégia de gestão deste programa. É possível argumentar que a regulação dos comportamentos na escola, bem como o combate ao insucesso e ao abandono escolar, são, em si próprios, um contri-

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buto fundamental ao desenvolvimento dos territórios e das suas populações. Contudo, nem a educação se esgota no trabalho escolar com as crianças e jovens, nem pode ser pensada independentemente da comunidade em que ocorre. Aliás, não se poderá efetivamente falar de territórios educativos de intervenção prioritária se não incluirmos estas duas componentes de uma educação praticada na e para uma comunidade específica. Caso contrário, corre-se o risco de limitarmos o programa a medidas compensatórias e que podem até contribuir para o sucesso escolar de uma parte dos jovens, mas cujo futuro passará mais pela «fuga» ao território de origem do que de desenvolvimento desse mesmo território. A este propósito, será de notar que não se trata de uma escolha entre dois caminhos opostos: os resultados escolares ou o desenvolvimento comunitário. Entre os setes casos analisados, os dois territórios em que, ainda assim, o projeto TEIP revelou um maior enraizamento territorial foram também aqueles em que, inclusive nos indicadores de desempenho escolar, os impactos do programa se revelaram mais positivos. É neste desígnio de criação de efetivos territórios educativos que nos parece que os professores de Geografia podem ter um papel preponderante.

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8. Não à Municipalização da Educação! Vanessa Silva Vereadora da Educação, Juventude e Modernização Administrativa da Câmara Municipal do Seixal Membro do Conselho Nacional de Educação

O Governo anterior definiu um «novo» instrumento a que chama «PAE: Programa Aproximar Educação», e que abre uma «descentralização por via de delegação contratual de competências na área da educação e formação, dos serviços atuais do Estado para os Municípios». É a velha receita de empurrar o odioso da privatização da escola Pública para as Autarquias, escondendo os reais objetivos atrás da palavra «Municipalização». Procurando legitimar o ímpeto de desresponsabilização que parece imperar na administração central, o Governo fez publicar, sem qualquer discussão com a comunidade educativa, o D.L 30/2015 que estabelece no seu art. 2.º: «A delegação das competências prevista no presente decreto-lei concretiza-se através da celebração de contratos interadministrativos, nos termos previstos no regime jurídico referido no artigo anterior. A contratualização da delegação de competências pode ser realizada de forma gradual e faseada, através de projetos-piloto, iniciando-se com um número limitado de municípios ou entidades intermunicipais, o qual pode ser depois eventualmente alargado conforme os resultados da avaliação da implementação daqueles projetos (…)». Fê-lo apesar dos pareceres negativos dos Municípios e da sua Associação Nacional (ANMP), auscultados no âmbito de um processo que, como a própria ANMP refere, não representou mais que o cumprimento de uma formalidade, desprovido, até pelos prazos em que decorreu, de qualquer sentido substancial ou de qualquer vontade de construção de uma solução que não aquela que, pela mão do Governo, se encontrava já gizada. Mais, fê-lo sem explicações que permitissem entender o sentido do regime proposto, sem estudos que o sustentassem e sem um mínimo de fundamentação capaz de permitir, por exemplo, compreender a escolha das áreas abrangidas, das soluções preconizadas ou dos critérios aptos a garantir as indispensáveis uniformidade e universalidade territoriais na construção do processo e na afetação de recursos.

Fê-lo, em suma, sobre a ausência de todos os elementos cuja presença a própria Lei 75/2013 impõe. Assume-se agora claramente a descentralização por via de delegação contratual, como se descentralização e delegação fossem uma e a mesma coisa. Ou seja, tal como em 2006/2007 (contratualização AECs) e 2008/2009 (contratos de execução), dá-se mais um salto qualitativo no ataque ao carater universal, gratuito e de qualidade do ensino, através da municipalização. Repete-se assim erros já anteriormente realizados, sem qualquer tipo de avaliação sobre o impacto desses processos no sistema público de ensino e na qualidade das aprendizagens. Quanto à sua natureza, este não é um processo de descentralização, mas sim de uma mera delegação de competências, estabelecida em sede de um instrumento de contratualização – contrato interadministrativo de delegação de competências (D.L. 30/2015 e Lei 75/2013) – agora com duração de 4 anos, findos os quais se avaliará se passará a definitiva, tendo por base um principio de não aumento de despesa para o MEC, independentemente da real situação da escola/agrupamento. O modelo financeiro é claro, basta ler atentamente o art. 4.º: «Os contratos interadministrativos preveem a transferência dos recursos financeiros necessários e suficientes para o exercício das competências delegadas na entidade local, sem aumentar a despesa pública do Estado. O modelo de financiamento constante dos contratos interadministrativos pode prever incentivos à eficiência da gestão dos recursos públicos, promovendo a otimização da utilização dos meios disponíveis e, eventualmente, repartindo entre o Estado e a entidade local delegatária o produto do acréscimo de eficiência que tenha sido alcançado. « Os pressupostos financeiros enunciados, embora sem valores, aparecem baseados no sub-financiamento e desinvestimento que sucessivos governos têm im-

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apogeo Revista da Associação de Professores de Geografia

posto à escola pública e na experiência de anteriores processos em que se manifestou evidente o diferencial entre os recursos transferidos e os custos reais suportados para o exercício das competências transferidas ou delegadas. A experiência decorrente da transferência em matéria de ação social e transportes escolares, e da assunção em 2006/2007 e 2008/2009 de competências contratualizadas (designadamente no quadro das AEC e dos contratos de execução), é prova suficiente para uma avaliação aproximada do impacto deste processo nos meios e capacidade financeiras dos municípios. No que se refere às condições de desempenho, prevêem-se complexos problemas decorrentes em matéria de exercício de competências e poderes associados a uma intervenção crescente da autarquia no meio escolar, bem como impactos no domínio da própria organização da estrutura municipal para responder não só a novas competências, mas também ao aumento significativo de pessoal, que daí decorreria. Sendo de realçar que este projeto-piloto avança para áreas pedagógicas, como a responsabilidade de contratação e gestão do corpo docente, que levanta, para além dos problemas organizacionais e administrativos, os de capacitação técnica dos municípios. Quanto às matérias a transferir, o elenco é tão vasto, que podemos mesmo dizer que abarca todos os domínios do sistema de ensino, desde a gestão curricular, à gestão pedagógica, passando pela gestão de recursos humanos (mesmo os docentes – veja-se o art. 8.º c)ii e b)ii como exemplo) e financeiros, bem como de equipamentos e infraestruturas. Dá-se um um salto quantitativo e qualitativo, tendo em conta que se pretende municipalizar o cerne da escola, a própria função educativa – o currículo (admitindo mesmo a definição de planos curriculares próprios, num quadro que não aparece nada definido), a função pedagógica e os seus agentes. Não estando assim garantido o caráter universal da escola pública. Não se vislumbra qualquer tipo de articulação entre objetivos estratégicos do projeto-piloto e os princípios e limites orientados da descentralização, se não vejamos: a) É definida a universalidade e a democraticidade do ensino, mas passam a existir «escolas a várias velocidades», os Agrupamentos enquadrados por estes contratos que duram 4 anos, mas que passam já a ter um financiamento distinto do restante sistema público de ensino; b) É estabelecido o não aumento da despesa pública global, quando se sabe que as escolas têm um défice de trabalhadores nos vários níveis de ensino, não têm obras estruturais e de manutenção há

vários anos, acrescendo ainda o desinvestimento do Ministério da Educação nos materiais laboratoriais, desportivos e outros; c) Estabelece-se a eficiência e eficácia na prestação do serviço a um nível mais próximo, fazendo tábua rasa do desinvestimento imposto ao sistema público de ensino, e a experiência dos diferentes processos de transferência e delegação de competências nos municípios, que demonstram a diferença existente entre os recursos transferidos e os custos reais suportados para suprir as necessidades decorrentes do exercício dessas competências. O exercício de competências pelas Autarquias Locais, na área da educação, deve desenvolver-se na observância do princípio da responsabilidade do Estado, no quadro de um sistema educativo nacional concebido e organizado como um elemento da unidade do Estado e da identidade nacional. São evidentes as vantagens de, para este objetivo, concorrerem os vários níveis de poder – local, regional e nacional – num quadro jurídico-institucional claro, com competências legalmente definidas, numa lógica de complementaridade e subsidiariedade, que garanta que cada nível de poder possui as capacidades técnico-políticas para o desenvolvimento das suas atribuições, e simultaneamente os meios financeiros para a concretização das competências de que é responsável. Em Portugal, a ausência de um poder regional tem dificultado a existência de uma política verdadeiramente descentralizadora e de complementaridade. Podemos referir como exemplo – o processo de delegação de competências nos municípios, por via da contratualização, iniciado em 2008, veio impor um processo forçado de transferência de encargos, subordinando as autarquias a meros executores das políticas definidas pela administração central, desrespeitando o princípio da autonomia do poder local, e desaproveitando as reais possibilidades que o princípio da subsidiariedade comporta. O processo de delegação de competências abriu espaço e justificou em muitas situações a privatização de funções educativas, restringiu o caráter universal e gratuito do sistema de ensino, afetou a dignidade da carreira docente, constituiu um adicional fator de novos encargos para as autarquias que se dispuseram a dar o passo da contratualização. Para ir ao encontro do objetivo de valorização e defesa de uma Escola Pública, gratuita e de qualidade, é fundamental que sejam consolidadas e avaliadas as competências já protocoladas de forma universal,

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ANÁLISES E REFLEXÕES

nomeadamente o planeamento local da rede escolar, através da elaboração e revisão das cartas educativas municipais, a construção e requalificação do Parque escolar do 1.º ciclo e JI’s, bem como desenvolvimento dos programas de ação social escolar e transportes escolares. Se após um real processo de análise se concluir que existem materiais a transferir, importa garantir no que respeita à natureza, um verdadeiro processo de descentralização de competências, com base num processo negocial claro entre Administração Central e Administração Local, com a definição de atribuições e competências através de lei habilitante, com respeito pela Autonomia do Poder Local Democrático. No que respeita ao financiamento deve haver uma clara definição de valores de transferência financeira, de acordo com os custos reais das competências descentralizadas, tendo em conta a experiência no quadro dos processos de descentralização e delegação anteriores, e que garanta o correto financiamento da escola pública. As fórmulas de financiamento deverão estra previstas na lei que estabeleça a descentralização. Quanto às condições de desempenho é fundamental que se criem os instrumentos legais que permitam a capacitação das estruturas municipais, no sentido de dar uma resposta técnica adequada às competências transferidas, nomeadamente no que respeita ao recrutamento de pessoal especializado.

Por último, importa relembrar que a Administração Autónoma se encontra sujeita a tutela de legalidade, mas sobre ela não existe qualquer tutela de mérito. Logo nas transferências a realizar deve ser tido em conta o princípio de Autonomia do Poder Local Democrático. E o mais importante, um reforço das verbas do orçamento de Estado destinadas à valorização da Escola Pública, e à prossecução dos princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa de direito de acesso à educação em igualdade a todos os portugueses – Uma Escola Pública Universal. No Município do Seixal não desistimos da luta pela Escola Pública, e por isso desenvolvemos um processo de discussão com a comunidade educativa sobre a municipalização da educação, passando pelo debate em sede do Conselho Municipal de Educação, com as direções de Escolas e Agrupamentos, com a União Concelhia de Associações de Pais, culminando numa sessão do Fórum Seixal – espaço de participação popular e discussão pública do Município do Seixal, e o resultado desta discussão fez ouvir a uma só voz – a rejeição da municipalização da Educação e a defesa da Escola Pública e do direito à Educação!

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