MENOS FOLCLÓRICO E MAIS HI-TECH: identidade, cultura e consumo na construção do “novo étnico” pelo jornalismo de moda brasileiro

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MENOS FOLCLÓRICO E MAIS HI-TECH: identidade, cultura e consumo na construção do “novo étnico” pelo jornalismo de moda brasileiro1 LESS FOLK AND MORE HI-TECH: identity, culture and consumption in the construction of the “new ethnic” by Brazilian fashion journalism Fernanda Martinelli 2

Resumo: Este artigo tem a proposta de investigar as representações da identidade étnica no jornalismo de moda, considerando as complexas relações entre produção e consumo de expressões culturais na sociedade contemporânea. Parte de uma problematização dos conceitos de cultura e identidade para analisar como, havendo diferenças culturais, se estabelece um sistema de comunicação, uma rede de significados (Geertz, 1978) que organiza a produção material da moda e também a sua produção simbólico-midiática. Nesse sentido esta pesquisa é uma tentativa de compreender como identidade e cultura se constituem enquanto matéria-prima para o jornalismo de moda, a fim de produzir discursos de consumo. Palavras-Chave: Consumo 1. Moda 2. Cultura 3. Abstract: This paper investigates the representations of ethnic identity in fashion journalism, considering the complex relationships between production and consumption of cultural expressions in contemporary society. Is starts with a reflection about the concepts of culture and identity to examine how, in a context of cultural differences, a communication system is established, or a system of meanings (Geertz, 1978), that organizes the material production of fashion and also its symbolic-media production. In this sense, this research is an attempt to understand how culture and identity are constituted as a “raw material” for fashion journalism to produce discourses of consumption. Keywords: Consumption 1. Fashion 2. Culture 3.

1. Introdução Este artigo é a versão preliminar de uma pesquisa recém-iniciada que tem a proposta de investigar as representações da identidade étnica no jornalismo de moda considerando as 1

Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Consumos e Processos de Comunicação do XXIV Encontro Anual da Compós, na Universidade de Brasília, Brasília, de 09 a 12 de junho de 2015. 2 Professora Adjunta da FAC-UnB / PPGCom, linha de pesquisa Jornalismo e Sociedade. Doutora em Comunicação e Cultura pela ECO-UFRJ. Email: [email protected]

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complexas relações entre produção e consumo de expressões culturais na sociedade contemporânea. Parte de uma problematização dos conceitos de cultura e identidade para analisar como, havendo diferenças culturais, se estabelece um sistema de comunicação, uma rede de significados (Geertz, 1978) que organiza a produção material da moda e também a sua produção simbólico-midiática. Trata-se de uma tentativa de compreender como identidade e cultura se constituem enquanto matéria-prima para o jornalismo de moda, a fim de produzir discursos de consumo. De uma forma recorrente, ao falar da alteridade e da diferença cultural, o discurso jornalístico demarca zonas de contato onde as culturas interagem. Esses enquadramentos frequentemente evidenciam desafios que estão carregados de demandas “étnicas”: conflitos religiosos, migrações e deslocamentos, direitos humanos que se pretendem universais, transformações nos papéis sociais das mulheres e das crianças são alguns exemplos. Em todos esses casos, o discurso da mídia atravessa as temáticas com a pretensão de explicar o mundo e as diferenças (MARTINELI e GUAZINA, 2012). Não por acaso Hall afirma que “hoje, a mídia sustenta os circuitos globais de trocas econômicas dos quais depende todo o movimento mundial de informação, conhecimento, capital, investimento, produção de bens, comércio de matéria prima e marketing de produtos e idéias” (HALL, 2005, p. 2). Da mesma forma que a mídia fala das diferenças em contextos onde o discurso sobre a identidade étnica é enquadrado em termos de um conflito explícito, como mencionado acima, também observa-se a recorrência de um discurso sobre o étnico em diversos meios de comunicação que tratam de assuntos como as viagens, a literatura, as artes, a arquitetura, a gastronomia, as modas do vestuário e da indumentária. Subjaz, na abordagem desses temas, uma forma de construção social de identidades que, na contemporaneidade, são marcadas pela hifenização: afro-brasileiro, ítalo-americano, indo-europeu, luso-africano, francoasiático, entre outros. O que, então, essa hifenização significa? Será que a dimensão nacional perdeu a primazia na produção da identidade desses grupos sociais? Será que isso significa uma absorção das diferenças e homogeneização cultural em um contexto de globalização? As respostas parecem ser complexas, o presente artigo busca investigar esses processos a partir de uma análise sociocultural e política da mídia. Mais especificamente, a proposta aqui é investigar as tendências do consumo pautadas pelas narrativas midiáticas da identidade étnica estruturadas na abordagem cotidiana da moda de vestuário e indumentária. Serão discutidos os significados do étnico na moda a partir da análise dos editoriais da revista Vogue Brasil. A

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escolha dessa revista se dá pela sua centralidade global e nacional como referência de moda. Enquanto o recorte midiático demarca referenciais de cultura, gênero, mídia, trabalho e consumo, o recorte brasileiro demarca um nível de institucionalização da produção material e simbólica da moda caracterizado pela ampliação da interação política, econômica, produtiva e cultural entre o país e diversas partes do globo. A definição de “étnico” empregada aqui tem como base a abordagem de Barth (1998). O antropólogo norueguês defende que “as distinções étnicas não dependem de uma ausência de interação social e aceitação, mas são, muito ao contrário, frequentemente as próprias fundações sobre as quais são levantados os sistemas sociais englobantes” (1998, p. 186). Em outras palavras, Barth parte da premissa de que “étnico” é uma categoria de atribuição e identificação dada pelos próprios atores que integram um determinado “grupo étnico”, ou seja, existe uma característica de interação e afinidade entre as pessoas pertencentes ao grupo. Barth enfatiza, ainda, a importância das fronteiras para compreender as dinâmicas de grupo, e dinamiza a identidade étnica ao conceber que ela sofre transformações a partir das relações que se estabelecem tanto entre sujeitos quanto grupos. Esse processo demarca zonas de inclusão e de exclusão, definindo quem está inserido no grupo e quem está fora, de modo que "os atores usam identidades étnicas para categorizar a si próprios e outros, com objetivos de interação" (p. 194). Ao identificar esses processos de categorização e interação a fim de definir o “eu” e o “outro”, Barth demarca que os grupos étnicos são vistos como uma forma de organização social. A noção de identidade, por sua vez, tomamos emprestada de Hall (2003; 2005) e dos demais referenciais dos estudos culturais britânicos, que politizam a questão ao considerar que: É precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas. Além disso, elas emergem no interior do jogo de modalidades específicas de poder e são, assim, mais o produto da marcação da diferença e da exclusão do que o signo de uma unidade idêntica, naturalmente constituída, de uma “identidade” em seu significado tradicional – isto é, uma mesmidade que tudo inclui, uma identidade sem costuras, inteiriça, sem diferenciação interna. (HALL, p. 109-110)

Hall prossegue argumentando que “é apenas por meio da relação com o Outro, da relação com aquilo que não é, com precisamente aquilo que falta” – ou seja, com o seu exterior constitutivo, em suas palavras, que a identidade pode ser construída. (ibdem). Em outro

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trabalho, mas conectado com a mesma problemática, Hall discorre sobre como a diferença é constitutiva dos processos globalizantes, ainda que a heterogeneidade cultural muitas vezes seja mercantilizada:

A cultura global necessita da “diferença” para prosperar — mesmo que apenas para convertê-la em outro produto cultural para o mercado mundial (como, por exemplo, a cozinha étnica). É, portanto, mais provável que produza “simultaneamente” novas identificações “globais” e novas identificações locais do que uma cultura global uniforme e homogênea. (HALL, 2005, p. 4)

A seguir serão discutidos alguns enquadramentos da moda na revista Vogue Brasil, ilustrativos para problematizar essa produção mercantil da alteridade demarcada por Hall, e que se dá fortemente através do discurso jornalístico.

2. A produção simbólica do étnico na moda brasileira Em outubro de 2007, a edição brasileira da revista Vogue estampa em sua capa a foto de uma modelo branca e loira com dreadlocks coloridos e a seguinte chamada: “O Novo Étnico. Mix Global. Vogue dá a receita para montar um look urbano com o melhor da moda de vários lugares do mundo” (FIG. 1).

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FIGURA 1 – Capa da revista Vogue em outubro de 2017 FONTE - VOGUE, 2007

No interior, a revista explica: “a mistura entre navy e étnico está em alta, moda praia cheia de glamour, bolsas com texturas de animais, apache chic (...)” como sendo referenciais desse novo étnico, e apresenta um editorial fotográfico com a mesma modelo da capa nas ruas de Salvador, posando ao lado de uma mãe-de-santo, de capoeiristas, dos Filhos de Gandhi e segurando uma criança negra no colo. Quatro anos mais tarde, em 2011, nova edição da Vogue, também no mês de outubro (FIG. 2), anuncia, em sua capa, a emergência do “novo étnico” que, de acordo com a chamada, é “menos folclórico e mais hi-tech”, e assim “o tribal vira uniforme urbano e anuncia o novo étnico”. Desta vez a modelo da capa, também branca e loira, posa para um editorial nas dunas de Cumbuco, no Ceará, vestindo “peças de inspiração safari, feitas com materiais naturais”, que “ganham um verniz hi-tech e a companhia de bijoux superpoderosas”.

FIGURA 2 – Capa da revista Vogue em outubro de 2011 FONTE - VOGUE, 2011

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Na sequência, um outro editorial intitulado “Cacique Hi-Tech” (FIG. 3) anuncia que “o esporte couture ganha novos ares e tempero tropical com grafismos inspirados nas tribos do Xingú” (sic).

FIGURA 3 – Editorial da revista Vogue em outubro de 2011 FONTE - VOGUE, 2011, p. 326-333

Em 2014, o site da revista na internet exibe com destaque um tutorial com o título “Inspiração tribal, étnico invernal: o passo a passo das tranças do inverno: Marcos Proença mostra, em vídeo, como reproduzir os penteados com pegada étnica que foram hit no inverno 2015 da Chanel e no verão 2014 de Antonio Berardi” (FIG. 4).

FIGURA 4 – Tutorial online da revista Vogue

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FONTE - VOGUE, 2014

Ainda em 2014, outros dois editoriais da Vogue Brasil em sua versão impressa realizam novos enquadramentos do étnico: o “Étnico gelado” (FIG. 5) e o “Étnico navajo” (FIG. 6). Como a própria revista informa, a moda “continua apostando no étnico, a diferença é que mudou a latitude” (Vogue, 2014a, p. 44).

FIGURA 5 – Matéria publicada na revista Vogue em julho de 2014 FONTE - VOGUE, 2014a, p. 44

FIGURA 6 – Editorial da revista Vogue em agosto de 2014 FONTE - VOGUE, 2014b, p. 107

As edições da Vogue Brasil apresentadas acima e o tutorial no site exemplificam a veiculação de conteúdos marcadamente associados a identidades étnicas sempre de modo relacional, e vinculados à ideia de exótico (na moda, étnico é o Outro), mas que inserem mediações determinadas pelo sistema de consumo que evocam familiaridade e desejo ao se relacionarem com significados que “atualizam” o étnico, como a tecnologia, a contemporaneidade e a urbanidade. De uma forma geral, nas representações selecionadas o étnico é traduzido e fetichizado na moda feminina nas páginas da revista, o que converge com o que Hall define como “multi-cultural drift” (HALL, 2013, p. 269). Isso significa que, mais do que uma hibridização cultural que celebre a diversidade, os enquadramentos do

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étnico na Vogue Brasil evidenciam a persistência de padrões racializados de representações3, assim como as ambiguidades que demarcam novas formas de pertencimento e de exclusão. 3. Considerações finais A moda é pensada, desde sua origem etimológica, como “modo” ou “maneira” de produzir e usar os objetos da cultura material. É compreendida, no âmbito deste trabalho, também como discurso, processo histórico, econômico e sociocultural. Sua dinâmica se transforma profundamente a partir da modernidade e se consolida, no século XX, também como um processo midiático. Nesse sentido, vincula-se estreitamente ao jornalismo, pois a partir do advento dos meios de comunicação de massa, a moda – ou as modas – não existem mais fora dessa conexão, de modo que o jornalismo passa a ser, nessa dinâmica, um elemento constitutivo e inseparável da moda. A moda está irremediavelmente inserida na “cultura da mídia”, como entendida por Kellner (2001), e tanto “molda” identidades a partir desse lugar de difusão, quanto se constitui pela apropriação de referências culturais diversificadas, que são o substrato da sua produção estética e política. Isso remete à “perplexidade” e à “complexidade” abordadas por Ana Enne quando reflete sobre as possibilidades de construção de significados no campo da cultura e os conflitos que isso implica: Se a mídia é hoje, universalizando valores e apresentando múltiplas imagens acerca do mundo, um lugar de ampliação das possibilidades de identificação, como tão bem indica Kellner, é também lugar claro de poder econômico e político. Nesse sentido, esvaziar as discussões acerca da construção das identidades de paradigmas políticos, evitando pensar em ideologias, em hegemonia e dominação, é também uma forma de simplificar processos complexos. Se a modernidade permitiu a relativização dos parâmetros de identidade, conferindo liberdade e autonomia aos indivíduos em suas configurações e representações, isso se deu em sociedades de classe, com posições claramente demarcadas em termos ideológicos. E a mídia ocupa posição chave nesse jogo. Assim, é preciso lembrar que as identidades são tanto representações como materialidades, mas se constituem, principalmente, no campo discursivo. (ENNE, 2006, p. 25-26)

Pensar a moda como produção cultural implica entendê-la como produção midiática (KELLNER, 2001; ENNE, 2006) e como uma força de produção e reprodução da vida, dos indivíduos e da sociedade, inscrita na totalidade do processo social e inseparável da vida 3

Vale mencionar, ainda, que a edição de outubro de 2011 traz uma matéria na editoria de beleza intitulada “Xô piaçava”, sobre métodos para “recuperar” (ou alisar) cabelos crespos (p. 278).

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material (WILLIAMS, 1960, 1979, 2000). E nesse sentido a cultura da moda pode ser compreendida, ainda, como uma forma de pensar o social (ibidem). Na articulação entre jornalismo e moda investigada aqui, as construções culturais são construções identitárias tanto dos artefatos de moda quanto dos indivíduos, e enquadram a produção de identidades também como uma produção capitalista e midiática. A identidade dos produtos é definida em processos criativos que passam tanto pela combinação de elementos materiais quanto pelas construções discursivas das narrativas publicitárias e do discurso jornalístico, além dos usos sociais dos bens. No caso do jornalismo de moda, este guarda muitas semelhanças com o discurso publicitário porque, entre outras coisas, explica o significado simbólico e reforça o valor das marcas e/ou estilos. A identidade dos indivíduos é discursivamente construída em narrativas de si, que são frequentemente, mas não exclusivamente, ancoradas nos usos que os sujeitos fazem dos objetos de consumo da cultura material. Casos nos quais as identidades – das coisas e das pessoas – têm um caráter processual em função do tipo de relação que se estabelece nas interações sociais entre os indivíduos, e destes com os bens de consumo materiais e midiáticos. O panorama descrito acima dialoga com a perspectiva trazida por Motta, que considera “a geração de sentidos pelo texto jornalístico não apenas a partir do processo de enunciação da notícia enquanto linguagem, mas também toma em consideração a re-criação de sentidos pelo leitor do jornal, ouvinte ou telespectador dos noticiosos das emissoras de rádio e televisão” (MOTTA, 2002, p. 11). Tal perspectiva demarca o seguinte: uma abordagem antropológica da notícia, um entendimento de que a notícia é um produto cultural cuja magnitude vai além do ato de informar, situando o indivíduo na complexa sociedade contemporânea. Para nós, as notícias assumem uma forma narrativa, uma contraditória narração logomítica da história contemporânea. Por um lado, são informativas (ainda que impregnadas de elementos das ideologias e dos imaginários de quem a produz). Por outro lado, essas mesmas notícias instigam a imaginação dos leitores-receptores, que trazem para o ato de leitura toda a memória cultural de que são portadores” (ibdem).

Isso coloca muitos planos de análise para aprofundar a problemática aqui investigada, os quais são aqui estudados não em termos de julgamento das ações dos sujeitos, mas como uma tentativa de compreensão da sociedade, enquanto se recria, e do capitalismo, enquanto se transforma. Esta situação remete ainda ao pensamento de Hall expresso por Sovik quando afirma que “identidades são situações” (SOVIK, 2003; HALL, 2003). Remete também à

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construção de identidade como um campo de possibilidades (VELHO, 1994) que pode ser pensado pelos jogos de poder colocados em pauta por Hall (2003) e Becker (2007) como disputas que são também discursivas. Essa discussão envolve o jornalismo de moda como produção cultural e identitária em jogos de poder e encontra aderência no exemplo de Sovik sobre a representação da identidade brasileira “para gringo ver”, quando colada à criação de moda e mediada pelo discurso midiático: [...] o Brasil é um país em que há uma indústria de moda, que não está fora de lugar, mas nasce em um país em que se preza a aparência. Às vezes, esse traço se afunda na obrigação de uma beleza padrão, mas vinte anos atrás, quando a indústria da moda ainda não era onipresente no mundo, se observava mais claramente nas ruas um consenso que, mesmo sem ter dinheiro para comprar roupas fashion, era bom se vestir com gosto e atenção a detalhes. Ou seja, quando visto de fora, o Brasil não é particular por ser pobre, mas por ser um país estrangeiro; sua indústria de moda nasce de sua cultura, não é fruto da globalização dos costumes. São diferenças que não passam pelas identidades raciais brasileiras tradicionais ou pelo fato da concentração de renda e da pobreza generalizada. Indicam uma infinidade de possíveis relatos a fazer sobre a singularidade interessantíssima do Brasil. (SOVIK, 2009, p. 79-80)

A indústria da moda brasileira começou a ganhar visibilidade internacional quando falou de si mesma evocando uma cultura ou identidade “original”, no sentido de nativa. Quando o Brasil se assume como diferente diante dos grandes centros produtores de moda, assunção que se estrutura com o uso de estereótipos,

estilizando temas como alegria,

tropicalismo e sensualidade, encontra sua “raridade”. Quando a moda brasileira olha para si mesma com a lente “dos gringos”, nas palavras da autora – ao invés de só olhar para as modas dos gringos tentando replicá-las aqui –, encontra sua assinatura e legitima a etiqueta made in Brazil. Quando os criadores de moda no Brasil se projetam como estrangeiros, encontram a sua “magia”, nos termos do que foi descrito por Bourdieu e Delsaut (2002) como uma “alquimia social”. Neste ponto cabe demarcar que esta pesquisa constrói, do ponto de vista metodológico, uma ponte entre a comunicação, os estudos culturais e a antropologia do consumo que se desenvolveu a partir do final da década de 1970. Os referenciais teóricos e etapas metodológicas são diversificados, dialogam e se complementam, convergindo com o que Douglas Kellner (2001) denomina teoria multiperspectívica. Trata-se de modelo analítico dos fenômenos sociais contemporâneos baseado em uma teoria social crítica que combina

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elementos de diversas teorias sociais a fim de realizar um mapeamento mais detalhado do objeto, uma vez que toda teoria tem suas limitações. A proposta de Kellner sugere interlocuções que são úteis para o trabalho aqui realizado. Como o próprio autor aconselha, esse empreendimento é planejado sem esquecer que “é preciso escolher as teorias que serão desenvolvidas, segundo as tarefas que devam ser cumpridas” (2001, p. 40). A multiplicidade de referenciais se justifica pela complexidade social cada vez maior de diversos aspectos que organizam a vida contemporânea, entre eles as práticas de consumo. Sobre a atual configuração social, repleta de fluxos não lineares de informação e sentido, desenraizamentos, comunicação que circula em alta velocidade em escala planetária, constantes inovações tecnológicas e um ambiente urbano cada vez mais heterogêneo e intercultural, Canclini pergunta: “onde encontrar a teoria que organize as novas diversidades?” (2005, p. 15). Nesse sentido, a metodologia qualitativa que orienta o prosseguimento desta investigação pretende incorporar, ainda, mapeamento e análise de programas televisivos e blogs sobre moda, de modo que o recorte contemple a produção e o consumo de moda nos meios impressos, eletrônico e digital. Esse panorama permitirá, ainda, traçar um comparativo entre esses diferentes espaços de produção considerando suas particularidades como, por exemplo, o fato do blog ser um espaço de produção mais “autoral”, bem como as recentes transformações estruturais no jornalismo (ADGHIRNI e PEREIRA, 2014a; 2014b) que impactam a produção analisada aqui. Vale demarcar, ainda, que o método descrito aqui privilegia um estudo sobre como comunicação, cultura e consumo se constituem mutuamente. A intenção é compreender dinâmicas socioculturais presentes na produção jornalística de moda que definem identidades, gosto, estilos de vida, formas de pertencimento e também configuram desigualdades, considerando a notícia como um construto envolto em contradições (MENDONÇA, 2013).

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