Mercado do livro brasileiro em Portugal (1850-1914)

Share Embed


Descrição do Produto

O mercado do livro brasileiro em Portugal (1850-1914) Patrícia de Jesus Palma CHC, FCSH/UNL 24.8.2012 – «Mercado do livro brasileiro em Portugal (1850-1914)», comunicação pronunciada no âmbito da Escola São Paulo de Estudos Avançados, que decorreu entre 20 e 24 de Agosto, nas Universidades de Campinas e de São Paulo – Brasil.

A presente pesquisa acerca do mercado do livro brasileiro em Portugal partiu da ideia difundida por escritores brasileiros e portugueses, em publicações lusas, de que em Portugal se desconhecia ou se era indiferente à moderna literatura brasileira. Uma das causas então apontadas para tal ignorância consistiu na falta de fornecimento de livros brasileiros no mercado português. Em Outubro passado, no encontro que decorreu na FCSH-UNL, no âmbito do projecto «A circulação transatlântica dos impressos e a globalização da cultura no séc. XIX», tive a oportunidade de apresentar o livreiro que, em Portugal, não tendo sido o primeiro, foi precursor na publicação de um catálogo dedicado exclusivamente à edição brasileira. Este reportório incluía autores brasileiros, traduções brasileiras de autores franceses, colecções de jogos e outros, e distribuía-se pelas variadas temáticas, intitulando-se Catálogo das Publicações Brazileiras recebidas pela Livraria Internacional de E. Chardron. Estava aberto, como disse Camilo Castelo Branco, o mercado do livro brasileiro em Portugal. Foi um passo relevante para o início do processo de alteração de mentalidade face à produção intelectual vinda da ex-colónia, reconhecendo-se, por um lado, através de um catálogo autónomo, a independência da edição brasileira e, por outro, o momento de estabilização e maturidade dos sistemas literário, editorial e comercial que o Brasil alcançava. Corria então o ano de 1874. Na altura o corpus de análise foi constituído por 16 livreiros, situados entre Lisboa, Coimbra, Porto e Braga, reunindo um total de 27 publicações bibliográficas. O conjunto destacou o pioneirismo de Ernesto Chardron e da Livraria Bertrand, que também comercializou de forma independente a edição brasileira nos anos 70, perante a quase ausência de edições brasileiras nos catálogos dos restantes livreiros. O editor francês, E. Chardron, sedeado no Porto e em Braga não investiu, porém, neste mercado inadvertidamente: respondeu ao apelo de um público, a quem Camilo designou como os «estudiosos», um público restrito, portanto. Destes últimos dois aspectos que referimos, o pioneirismo de Chardron (1874-1885) e o limitado público que visava, surgiram as questões que deram a continuidade a esta pesquisa: 1) Tendo em vista o ano de 1915, data em que se institucionalizou a literatura brasileira em Portugal, com a criação da «cadeira de história, geografia e literatura brasileiras», na FL da UL, 1

Patrícia de Jesus Palma

CHC-UNL

O mercado do livro brasileiro em Portugal (1850-1914) que papel tiveram os livreiros portugueses na consolidação da oferta da edição brasileira, respondendo e simultaneamente interpelando o leitor português; reconfigurando-lhe, pela via do comércio das ideias, os horizontes de expectativa face à ex-colónia? 2) Atingiriam as publicações brasileiras apenas um núcleo de leitores eruditos, escritores e críticos literários, como aludira Camilo, ou os textos dos brasileiros agradavam e conquistavam um público mais alargado, sem outras pretensões, que não as do deleite e do entretenimento? Para responder à primeira questão, alarguei o corpus referente aos catálogos de livreiros portugueses, dilatando o período de análise de 1893 a 1914 e, aos já 27 estudados, acrescentaram-se 17 reportórios (total 44), de 8 livrarias e 1 empresa de leilões. Neste novo grupo, destacam-se duas casas num conjunto de catálogos onde a edição brasileira ou está ausente, ou é reduzida, ou voltou a ser misturada com a edição portuguesa (Livraria Chardron de José Lello & Irmão e Aillaud e Bertrand), num claro retrocesso face a outros tempos. Destacamse a Livraria Coelho (4 catálogos, 1896-1914) e a Livraria Universal (8 catálogos, 1901-1911). A partir de 1909 (catálogo n.º 6), a Livraria Coelho especializou-se em bibliografia Americana, culminando com a publicação de um catálogo integralmente dedicado à Americana, assim mesmo intitulado (1917). Nos 4 reportórios editados entre 1909 e 1914, esta casa propôs aos seus clientes 273 títulos (37,19%) dados à estampa no Brasil de entre um total de 734 entradas que publicitou. Da análise aos títulos e às datas de edição, percebe-se que o interesse recai por um lado, nas edições relativas à transferência da Corte para o Brasil e ao processo de Independência e, por outro lado, nas edições de carácter histórico e literárias produzidas ao longo das décadas de 60-80. A Livraria Universal, por sua vez, abriu no n.º 8 do seu Catálogo (1911) a secção «BRAZIL (Algumas obras relativas ao)». Apresenta ao público um total de 95 títulos, dos quais 58 impressos no Brasil, sobretudo na década de 80, o que se deveu, em parte, às Comemorações Camonianas. As iniciativas destes dois livreiros não são ainda assim comparáveis à de Ernesto Chardron: os seus catálogos não evidenciam relações comerciais objectivas com os editores brasileiros, embora não as invalidem, parecendo-me antes tratar-se, sobretudo no caso da Livraria Coelho, de uma colecção criteriosamente organizada, com procedências muito diversas e destinada a um público selecto, apreciador e colecionador de, como dizem os títulos dos reportórios, «livros raros e curiosos».

2

Patrícia de Jesus Palma

CHC-UNL

O mercado do livro brasileiro em Portugal (1850-1914) Havendo oferta, ainda que não de forma generalizada, que dizer da procura? Que público as comprava e as lias? Por que espaços se disseminou a literatura brasileira nos espaços portugueses do livro? Para tal, analisei o Catálogo do Gabinete de Leitura da Sociedade Nova Euterpe mandado coordenar pela direcção em Setembro de 1874; o Catálogo da Biblioteca Popular de Valongo – cujo fundo bibliográfico resultou integralmente das ofertas de três naturais da vila, mas residentes no Brasil (1877); compulsei alguma da imprensa periódica da época e analisei 9 catálogos de bibliotecas particulares. No referente aos espaços públicos de leitura, o Gabinete e a Biblioteca Popular, ambos revelam ocorrências de livros brasileiros, mostrando que a oferta se expandia também aos leitores comuns. O Gabinete, por exemplo, disponibilizava aos seus leitores obras de Bernardo Guimarães, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, para apenas referir alguns. No que diz respeito à imprensa periódica, sublinho os trabalhos fundamentais de Pedro da Silveira e de Raymond Sayers, que comprovam a efectiva presença dos autores brasileiros na imprensa periódica portuguesa da segunda metade do século XIX e até mesmo a influência destes junto dos escritores portugueses. Destaco apenas a publicação Bohemios, por a não ter visto mencionada, e por ser claramente um órgão de difusão da moderna literatura brasileira, publicando Cantidiano Nunes, Castro Alves, Raul Pompeia, Olavo Bilac ou Verediano Gonçalves. Outros exemplos há, nomeadamente na imprensa da província e Ilhas que mostram a proximidade e o interesse nos autores brasileiros, para além dos principais centros como Lisboa e Porto. Se os espaços antes referidos pressupõem a leitura mas não a posse efectiva, que expressão terá tido a edição brasileira nas estantes das bibliotecas particulares portuguesas? Da análise aos 9 catálogos, publicados entre 1887-1914, lográmos a constituição de 3 perfis de bibliotecas. O primeiro, com maior representatividade (6 catálogos), a que denominei «biblioteca clássica», ou seja, uma biblioteca onde predominam as obras latinas e francesas, datadas sobretudo dos séculos XVII e XVIII, nas quais ou não se verifica a presença de livros brasileiros (3), ou estes têm uma ínfima expressão (1, 4, 5, 6 e 8); O segundo (2 e 7) corresponde a bibliotecas dos designados «brasileiros de torna-viagem» e, finalmente, o terceiro perfil onde se enquadra a biblioteca de um declarado «fervoroso admirador» da «opulenta literatura brasileira» (9).

3

Patrícia de Jesus Palma

CHC-UNL

O mercado do livro brasileiro em Portugal (1850-1914) No que concerne ao segundo grupo, ele demonstra que o Brasileiro além da finança, da indústria e da economia, também estimava a cultura letrada brasileira. Esta figura, muito glosada na literatura da época, de Camilo a Eça de Queirós, foi cristalizada como personagem de baixa cultura, não se tendo ainda estudado, creio, o papel que outros emigrantes qualificados desempenharam no regresso em prol da divulgação da cultura de além-mar, entre os quais o Visconde de S. Boaventura será talvez hoje o mais bem conhecido. Os casos que aqui trago de duas bibliotecas, uma de José Joaquim Marques[?] (3) e outra de Fernando Castiço (7), são o exemplo de que, no retorno, os emigrantes passaram a incluir na sua bagagem, além do ouro, dos brilhantes, do vestuário exótico e das acções em fábricas brasileiras, essa outra mercadoria de cariz espiritual: os livros, mormente os de literatura. Finalmente, a biblioteca do «fervoroso admirador» das letras brasileiras, Rodrigo Veloso. Trazemos sobre o assunto alguns dados; mas, porque é preciso terminar, afirmo apenas que, com 623 títulos impressos no Brasil distribuídos pelas prateleiras da sua livraria, talvez não tenha existido à época, outra biblioteca particular que reunisse tão elevado número de edições brasileiras. Não o posso afiançar. Mas dever-se-á, por isso, considerá-la uma excepção no panorama cultural português, mantendo a imagem, construída pela elite intelectual das duas nações, de um Brasil votado ao desconhecimento e à indiferença neste lado do Atlântico? Parece-me que não; caso não tivesse reunido outros dados que confirmassem a proliferação de agentes e de espaços por onde circulou o livro brasileiro a partir da década de 70, esta bastar-nos-ia para afirmar a necessidade de relativizar os discursos de então sobre o (des)conhecimento e o (des)interesse que a literatura brasileira gerou junto do público português. Além disso, devemos salientar que esta biblioteca, sendo do domínio privado, se tornou parcialmente pública nas páginas de um dos mais duradouros e apreciados periódicos bibliográficos portugueses, a Aurora do Cávado. Durante mais de 30 anos, Rodrigo Veloso dirigiu-a e redigiu-a, publicando aí muitas das suas apreciações e notas de leitura. Aqui, o bibliógrafo divulgou e promoveu assiduamente o movimento intelectual brasileiro, com especial atenção para as produções literárias que tanto estimava. Duplamente excepcional, deve considerar-se por conseguinte que esta biblioteca teve uma influência bem mais alargada junto do público, do que a que, por norma, caracteriza este género de fundos bibliográficos. A concluir, dizer que, ao passo que o Brasil lançava as suas raízes e edificava a literatura nacional, em Portugal, nos últimos 40 anos de Oitocentos (1870-1914), se tecia uma malha de vários agentes facilitadores e conducentes ao seu reconhecimento – órgãos de imprensa, autores, textos, público-leitor, crítica, editores e livreiros e, por fim, coroando este 4

Patrícia de Jesus Palma

CHC-UNL

O mercado do livro brasileiro em Portugal (1850-1914) movimento, a oficialização do ensino da história, da geografia e da literatura brasileiras. Era um novo sistema literário que Portugal reconhecia como independente e autónomo, embora, como diz Arnaldo Saraiva, não deixasse nunca de ser «uma causa da literatura em Português, uma causa da língua portuguesa».

5

Patrícia de Jesus Palma

CHC-UNL

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.