Mercado: política e especulação

June 29, 2017 | Autor: F. Chagas-Bastos | Categoria: Brazil, Brazilian Politics, Brasil
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quinta-feira, 21.08.2014

Fabrício H. CHAGAS BASTOS* Mercado: política e especulação

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uchir Sharma, analista-chefe do setor de mercados emergentes do Morgan Stanley, provocou em artigo recente na revista Foreign Affairs perguntando “por que, de repente, os líderes políticos passaram a exercer influência sobre os mercados?”. Para ele, as fortes lideranças destes países (Brasil, Rússia, África do Sul, Turquia) - que eram capazes de destravar politicamente as reformas que emperravam o desenvolvimento de suas economias - foram negligentes ao surfarem o boom das commodities e não promoverem as reformas estruturais necessárias quando o cenário econômico era extremamente favorável. Pois a pergunta anterior seria “por que os mercados passaram a usar a política como termômetro para suas previsões?”. No turbulento casamento entre Política e Economia, já há muito que a Especulação molda o tom da competição. Entenda-se por especulação não somente o fato de consultorias e bancos indicarem aos seus clientes que votem

no candidato X ou não votem nos candidatos Y e Z, mas também todo o aparato de movimentação interna dos partidos quando da formulação das estratégias de marketing de campanha, assim como as movimentações dos bastidores do cenário político-econômico para garantirem sempre a maximização de seus ganhos. O cientista político Robert Dahl referia-se ao ambiente democrático como um mercado de grupos de interesses organizados (os partidos) que deve atender aos seus clientes políticos diretos (os diversos tipos de eleitores), numa competição contínua dos primeiros para conquistarem os segundos. Uma vez umbilicalmente ligados, política e economia rezam pelas mesmas cartilhas. Quase fechada a primeira semana de horário eleitoral gratuito, temos um bom exemplo para responder às provocações de Sharma. A última (até então) e mais forte especulação da corrida eleitoral de 2014 se materializou ontem, com a confirmação de Marina Silva como cabeça de chapa do PSB, tendo Beto Albuquerque como seu vice. Antes disso, o mercado financeiro subiu e desceu ao sabor das especulações acerca da resposta de Marina, o dólar oscilou vislumbrando a possibilidade de um segundo turno Marina-Dilma, a bolsa de valores ganhou e perdeu pontos quando o humor dos investidores sentiu o solavanco da reviravolta política. Nada mais que fumaça, especulação. Realização de lucros de ambos os lados, política e economia.

quinta-feira, 21.08.2014

Cabe lembrar que mesmo antes da trágica morte de Eduardo Campos, o mercado financeiro (e político a reboque) chacoalhava a cada nova pesquisa de intenções de voto. Mais que isso, um grande banco chegou a demitir funcionários em função de mensagens enviadas a seus clientes orientando-os a não votar em determinado candidato, por conta de interpretações que indicavam uma piora no cenário econômico. E como se não fosse muito, uma consultoria que se diz especializada em “análise política” utilizou-se de reportagens para fazer as indicações a seus clientes - análises que prezam por um amadorismo ímpar. Projetar a economia é arte robusta, econométrica, que tende à especulação fria para expandir ganhos. Projetar sobre a política é caminhar pelo terreno obscuro e incerto da futurologia. Estabilidade e amplos ganhos no mercado político promovem reflexos positivos e ganhos econômicos aos grupos apoiadores de lado a lado, e é exatamente este o limite para aqueles que procuram sentir a temperatura

das negociações política para preverem seus passos na economia. Lideranças fortes, como Putin, Lula e Erdogan são garantias de que, uma vez no poder, podem alavancar aqueles que os apoiaram durante a campanha. É esta a cola que Sharma desvela: lideranças fortes reduzem a especulação e garantem ganhos econômicos amplos - nada de muito novo, mas uma interpretação importante para um ambiente como o brasileiro em 2014. Tornou-se um mandamento do mercado para com a política, “especulai e multiplicai-vos”. Multiplicam-se os ganhos e os votos. Para consultorias e marqueteiros, a neblina eleitoral é o melhor meio de negociar com os clientes dos partidos, sem mostrar muito, sem dizer nada, e sempre prometendo o mundo.

Fabrício H. CHAGAS BASTOS É Professor de Relações Internacionais Contemporâneas da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e Doutorando em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP)

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