Mercosul a Unasul – avanços do processo de integração

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Mercosul a Unasul – avanços do processo de integração Regina Maria A. F. Gadelha (org.) Educ/Fapesp 768 páginas (Publicado no jornal Valor Econômico, em 2014) Jorge Felix1 Se até dezembro for assinado o acordo para início do processo de apresentação de propostas para a formação de área de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, neste momento travado em Bruxelas, o bloco de integração da América do Sul justificará definitivamente sua existência no âmbito do comércio global. Será uma vitória 20 anos depois da assinatura de seu marco legal, o Protocolo de Ouro Preto, e 23 anos depois do primeiro passo para sua existência, o Tratado de Assunção. Desde seu remoto projeto, ainda na década de 1960, com a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (mais tarde Aladi), o Mercosul demorou para inspirar sonhos tão ambiciosos. As iniciativas datam de 1999. A construção de entendimento sempre foi um desafio para uma Europa dominada – e viciada – em subsídios agrícolas e uma América Latina ainda em condição de atraso no processo de industrialização e a vida toda ameaçada por instabilidade política, dessa vez vinda da Venezuela, o mais novo integrante do Mercosul. A interseção entre os dois blocos resume-se, por enquanto, ao que existe de comezinho no comércio entre todas as nações no capitalismo contemporâneo: a sujeição às vontades das empresas transnacionais. Elas, no entender de especialistas, são quem realmente domina blocos e acordos, a despeito da vontade da diplomacia ou de governos democraticamente constituídos. O difícil emaranhado do comércio global exige, portanto, vigilância contínua por parte de especialistas. O livro “Mercosul a Unasul – avanços do processo de integração”, reunindo 28 artigos (em português e espanhol) de 36 professores brasileiros e estrangeiros de Economia, História, Ciências Sociais e Direito Internacional, é resultado deste esforço acadêmico para oferecer aos police makers, empresas e pesquisadores material consistente e perene para a reflexão sobre o comércio internacional, em particular as implicações para a América do Sul. Entre os autores, estão Ladislau Dowbor, Luiz Eduardo Wanderley (ambos da PUC-SP), José Alexandre Altahyde Hage (Esalq-USP) e Darc Costa (exvice-presidente do BNDES). O trabalho de fôlego foi uma iniciativa do Núcleo de Análise de Conjuntura Internacional (Naci) dos programas de estudos pós-graduados em Economia Política e em Ciências Sociais da PUC-SP e partiu de uma questão básica e, até agora, intrigante. Afinal, há futuro para o pequeno bloco do Mercosul? Outras questões surgem desta primeira: O Mercosul resistirá ao projeto mais amplo da Unasul, que corresponde a interesses de distintas ambições de países que compõem o grande e diverso continente sul-americano? Sobreviverá 1

Doutorando em Sociologia (PUC-SP, bolsista CAPES), mestre em Economia Política e professor da PUCSP e da FESP-SP [email protected]

às investidas dos países centrais e em que medida esse futuro corresponde aos anseios das populações envolvidas? De acordo com a organizadora, Regina Maria Gadelha, os autores preocupam-se menos em respostas taxativas e mais com o debate do propósito desse bloco e da função social do comércio mundial. É justamente o debate sobre a relação Nova Europa e Mercosul, bastante atual com as negociações em Bruxelas, que abre o livro em capítulo-homenagem a Paulo-Edgar de Almeida Resende, professor da Ciências Sociais da PUC-SP, idealizador original do projeto e morto antes de tê-lo concluído com o grupo do Naci. Embora um tanto datado, o texto ressalta o utilitarismo para o Mercosul, ainda um bloco na puberdade, da cristalização de uma União Europeia que o livrou de uma adesão a uma incerta e suspeita Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Com alguma esperança, Almeida Resende, ainda no início das discussões que agora caminham para um novo estágio, apostava que “o padrão do alargamento europeu e as negociações UE-Mercosul, embora com previsão de piso baixo” não levariam o bloco ao que denominou de “porão de assimetrias tradicionais”. Um dos fantasmas adormecidos neste porão é a desvantagem cambial. A adoção de um “euro” no Mercosul sempre foi apontada como um objetivo maior do bloco. A falta de musculatura institucional sempre foi um entrave para a realização desse sonho dos mais entusiastas com o Mercosul. Depois da crise de 2007/2008, o sonho ficou ainda mais distante, pois o próprio euro foi acusado de ser um amplificador da recessão pela ausência de uma base de unidade fiscal entre os países que lhe dê sustentação a uma área monetária ótima. A heterogeneidade dos países do Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai ou Venezuela) é o maior entrave para a adoção de uma moeda única do bloco no médio prazo, como constata o texto de Claudemir Galvani, concordando com outros autores que já estudaram o tema. “Das cinco etapas necessárias para a implantação de uma moeda única, ainda estamos consolidando a segunda, a união aduaneira, inclusive com muita dificuldade, uma vez que, atualmente, somente cerca de 40% dos produtos importáveis pelo Mercosul estão cobertos pelo mesmo grau tarifário”, escreve. Na ausência de uma moeda única, cada país adota a política cambial que mais lhe convém e esse ponto tem sido outro estorvo para o fortalecimento do bloco. Ao analisarem os desafios da política cambial no Mercosul, os pesquisadores James Hiroshi Habe e Paulo Vitor Sanches Lira concluem que ao conduzirem o câmbio ao bel prazer, os parceiros mais fortes, Brasil e Argentina, podem levar os menores a realizarem triangulações comerciais de forma a prejudicar ainda mais a economia do bloco. “Tanto políticas futuras de integração de cadeias quanto a possibilidade de alteração da posição dos países do Mercosul no mundo, elevando o nível de valor adicionado de suas exportações, dependerão cada vez mais de uma convergência de políticas cambiais que, decerto, não terão o norte apontado para a perda relativa das indústrias nacionais pelo uso do câmbio no controle de preços”, alertam. “Esse, certamente, é o maior desafio da política cambial do Mercosul”. A consequência, como escrevem Antônio Corrêa de Lacerda e Alexandre da Silva de Oliveira, ao avaliarem o financiamento do desenvolvimento econômico do bloco, é uma dependência cada vez maior de funding público, no caso do Brasil, via BNDES, uma vez que a política cambial contribui para desequilibrar o ambiente interno, amplia a competição entre os

parceiros, prejudica o setor industrial e enfraquece o mercado de capitais. Os autores registram que o BNDES já direciona mais recursos, por meio de desembolsos, à produção e à infraestrutura do que o Banco de Desenvolvimento da China ao mercado chinês. Essa política, destacam, foi importante para o período de medidas anticíclicas, mas são insustentáveis a longo prazo, demandando uma atuação conjunta dos países do bloco para fortalecer seus mercados de capitais. Nos capítulos dos convidados internacionais, porém, fica evidente a dificuldade para qualquer atuação mais profícua. Apesar de ser bastante otimista, o senador uruguaio Sergio Abreu, ex-ministro de Relações Exteriores e ex-vice-presidente da Assembleia Geral da ONU, destaca em seu texto as incertezas. Por outro lado, sublinha que, para alguns setores dependendo do país, o acordo externo comum (“com múltiplas perfurações”) acaba assegurando uma margem de preferência efetiva para alguns bens. Do ponto de vista de um parceiro em desvantagem por (ao lado do Paraguai) “ter pouco a oferecer como mercado”, ele reivindica regras de tarifas mais estáveis dos parceiros mais fortes (Argentina e Brasil) e um esforço para o conjunto alcançar “uma certa equidade”. Para ele, o Mercosul hoje “é um sistema de integração anômico”. O maior êxito, por enquanto, destaca Abreu, é ter criado um “sentimento associativo” na região que se sustenta apesar de conflitos manifestos na área econômica.

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