MERCOSUL: Avanços e Recuos

June 29, 2017 | Autor: Allison Miranda | Categoria: Latin American Studies, International Relations, Mercosur/Mercosul, Integração Regional
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MERCOSUL: Avanços e Recuos Allison Nathan A. De Miranda O MERCOSUL é um projeto de integração regional que desde a sua gênese pretende ser mais do que apenas um bloco económico de livre comércio. O próprio estreitamento das relações entre os países envolvidos se deu por uma questão de se aproximarem e consolidarem as suas democracias, nesse âmbito é muito interessante por si só estudar como esse projeto vêm se desenvolvendo. Por outro lado, a avaliação que se faz sobre tal projeto, a um nível menos aprofundado, é que beira a ineficácia, a inexistência, isso porque não parece um projeto robusto e tão integrado quanto a União Europeia ou a União Africana, parece ainda que a vontade política em avançar com esse projeto é cada vez menor. Há quem diga, como o Senador brasileiro Aécio Neves disse campanha eleitoral que o bloco deveria ser desfeito. A questão que se faz a partir daqui é: Esse projeto tem avançado ou recuado? Justificase avançar com esse projeto? Segundo vários autores e estudiosos da integração como Samuel Huntington o futuro do mundo se desenhará em integrações, neste caso civilizacional, e seja com o modelo proposto por Huntington como outros modelos de integração regional, os países do MERCOSUL parecem estar fadados a se relacionar. Antes de participar do curso ‘América Latina, Hoje’ a imagem que se tinha sobre o MERCOSUL era exatamente a descrita, um bloco que beira a inexistência, marcado apenas pelos casos de desentendimento ou pelo lento processo de convergência. Esse curso mostrou algo do que já era evidente, porém de uma forma mais detalhada e mais evidente, de tal modo que foi possível compreender ainda mais a fundo a gravidade da situação. Antes do curso era alheio o número de blocos económicos ou de integração regional com carater semelhante ao do MERCOSUL, que de facto, são inúmeros. Isso demonstra uma verdadeira falta de orientação por parte dos países latino-americanos no sentido de se integrarem e constituírem um corpo latino-americano, ou mesmo sul-americano uno o suficiente. Neste contexto, inicia-se uma investigação sobre os avanços e recuos do MERCOSUL. Nos anos seguintes a Segunda Guerra Mundial viu-se o surgir de várias ditaduras militares nos países latino americanos, como: na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, entre outros, evidentemente, neste período esses países efetuaram poucas trocas comerciais entre seus vizinhos, como não deixaria de ser, isto é, durante esse mesmo período, alguns países sul-americanos tinham estabelecido uma política protecionista cobrando altas taxas de importação e inúmeras tarifas, o que

condicionava as trocas. Na segunda metade da década de 1980 os Governos da Argentina e do Brasil começavam a se desvencilhar do militarismo e voltavam a Democracia, sendo os dois países democráticos existia então um melhor espaço para o diálogo. Os dois já tinham superado as disputas territoriais que tinham marcado o século anterior e as mútuas desconfianças, foi neste contexto que José Sarney, presidente do Brasil, e Raul Alfonsin, presidente da Argentina, querendo consolidar suas democracias e avançar economicamente dão início a um projeto económico, mas não só, um projeto que desde sua gênese visava um estreitamente das relações no âmbito político também. No início da década de 1990, em 1991 foi assinado pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai um tratado em Assunção, capital do Paraguai, que no seu artigo 1º previa a criação de um Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) até 31 de Dezembro de 1994. Essa medida pressupunha “A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários restrições não tarifárias à circulação de mercado de qualquer outra medida de efeito equivalente” (Artigo 1º do Tratado de Assunção de 1991) Esse objetivo primário de derrubar das tarifas alfandegárias nunca foi alcançado na sua totalidade, isto é, apenas o Brasil e a Argentina conseguiram até a data préestabelecida acabar com tais tarifas, pelo que para o Uruguai e para o Paraguai foi dado um ano a mais (Arya, 2013, p.18). Mas para além dessa situação, existiu ainda o facto de terem existido um grande número de exceções, nomeadamente o açúcar e o sector automotivo. A priori essas exceções foram colocadas na lista do ‘regime de adequação’ que segundo o informe nº. 1 do MERCOSUL de 1996 dizia: “O “regime de adequação” exime transitoriamente do tratamento livre de impostos ao comércio intra-zona uma série de produtos sensíveis incluídos nas listas nacionais. O objetivo desse regime é o de permitir a adaptação desses setores às novas condições de concorrência em um prazo determinado (até 31 de dezembro de 1998 no caso da Argentina e do Brasil e até um ano mais tarde no caso do Paraguai e do Uruguai)”

Ou seja, embora o objetivo primeiro não tenha sido cumprido pela totalidade dos países-parte, foi aceite a extensão do prazo para até mais um ano, e os sectores que foram colocados nas listas nacionais como sendo sectores mais sensíveis ao país em questão, foram colocados no ‘regime de adequação’ que deveria ser retificado até 1999 no caso do Brasil e da Argentina e até 2000 no caso dos demais. O que de facto, não veio a acontecer, como Arya (2013 p. 19) diz: “As of June 2012, sugar continued to be excluded from the trade agreement and trade in automotive products was actively managed”

Relativamente à TEC (Tarifa Externa Comum), os países-parte assinaram em 1 de janeiro de 1995 um acordo que viria a estabelecer uma tarifa comum aplicável a países terceiros, contudo existiram algumas exceções, uma delas era que cada país podia fazer uma lista de itens que não se aplicaria a TEC, como de costume, essa decisão foi aceite em carater transitório, logo, provisório, essa situação teria de ser retificada até 2001 e 2006 para o Paraguai. Em 2010 por decisão do Concelho do Mercado Comum, foi autorizado que cada país estabelecesse sua própria tarifa para um número específico de itens independentemente da TEC. Um ano mais tarde essa decisão foi ligeiramente alterada e os membros só passaram a poder estabelecer tarifas independentes da TEC para computadores, telecomunicações, açúcar e alguns bens de capital. Um outro episódio marcante na história do MERCOSUL foi quando o Brasil no início da década de 1990 vivia uma hiperinflação que chegou mesmo a 84,3% ao mês e no ano de 1992 chegou a 1158%, nesse contexto, em 1994 o Brasil com o presidente Fernando Henrique Cardoso, aplicou o Plano Real, introduzindo uma nova moeda, porém com isso o produto brasileiro perdeu competitividade, e o custo para controlar o défice era muito elevado, cerca de 7% do PIB, foi assim que o Governo Brasileiro em 1998 desvalorizou a sua moeda em cerca de 40%, sem comunicar com os Estados-Parte do MERCOSUL. A Argentina saiu muito prejudicada dessa manobra, pois o custo da exportação brasileira caiu para a metade, o governo argentino decidiu então retaliar e aplicar tarifas para as importações brasileiras. Segundo Cason (2011, p. 38) Sarney e Alfonsin viram na cooperação entre os dois países uma forma de fortalecer a democracia em seus países e de afastar a influência militar. Deste modo é possível dizer que a construção do MERCOSUL esteve sempre na órbita da democracia. Isso é notado fortemente pelo facto de ter sido assinado o Protocolo de Ushuaia em 1998 em que já no seu artigo primeiro destaca a importância da democracia em: “A plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados Partes do presente Protocolo” (Artigo 1º do Protocolo de Ushuaia de 1998) Esse protocolo foi criado em resposta a uma tentativa do General Ovideo romper com a Democracia no Paraguai em 1996. Em caso de um Estado romper com a Democracia esse protocolo admite a suspensão do Estado Parte mediante consultas entre si, e uma decisão tomada em consenso, no qual, apenas o Estado afeto não participa. O devido processo está expressamente descrito do artigo 4º ao 7º do mesmo protocolo.

Tendo em consideração tal protocolo, existiu num passado recente uma ocasião em que se demonstrou necessário aplicar tal protocolo. Em 22 de junho de 2012 o Paraguai foi suspenso do MERCOSUL por ter havido um impeachment contra o então Presidente da República, Fernando Lugo. Segundo Ramos (2012. p. 8) este episódio ficou marcado pela ausência de um ‘devido processo legal’, isto é, o libelo acusatório nem mesmo apresentou provas suficientes contra o alegado, apenas argumentou que as alegações eram notórias e assim, o processo foi tomado de forma arbitrária. De facto essa situação se apresenta em um momento muito conveniente, isso porque, o Paraguai, mais especificamente, o Senado paraguaio foi sempre o maior objetor da entrada da Venezuela como Estado-Parte no MERCOSUL, e precisamente no momento em que o Paraguai está suspenso e não tem voto na matéria, a Venezuela em 31 de julho de 2012 entra no bloco como membro total. É evidente que a Venezuela entrou para o bloco por interesse do próprio bloco por um lado, e pelo interesse da Venezuela, por outro. Como Arce & Silva advogam (2012. p. 61-81) o próprio Brasil viria a ganhar economicamente com a entrada da Venezuela1 no bloco, porém a inserção da Venezuela via Brasil não se dá apenas por razões económicas, é evidente que havia uma afinidade política, nomeadamente entre Lula e Chavéz que acabou por se afirmar através de diversas ocasiões como cita Barbosa (2015). É importante frisar que a entrada da Venezuela era interessante a nível económico porque era um novo mercado onde o Brasil poderia introduzir seus produtos e suas tecnologias, por outro lado a Venezuela poderia dar acesso a inúmeros produtos derivados do petróleo aos membros do MERCOSUL, mas mais do que as intensões económicas, esse alargamento do MERCOSUL evidentemente aproximaria tais países e a priori legitimaria a integração regional na América do Sul, tal decisão pode ter sido visto como um catalisador para o avançar do projeto, como sugere Arce & Silva (2012. p. 65). Recentemente, em 2015 a Bolívia foi aceite como novo País-Parte do MERCOSUL, apenas a espera pela ratificação do parlamento paraguaio e do Parlamento brasileiro que pede até nove meses por questões de cumprimento do calendário interno. Quando houve o incidente que levou a suspensão do Paraguai nas atividades do MERCOSUL os governantes viram uma oportunidade para inserir a

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Em 2015 Senadores da oposição brasileira visitaram a Venezuela e foi evidenciado, junto a denúncias de ONGs a existência de presos políticos. Essa denúncia fez com que fosse debatido a eventual suspensão da Venezuela no MERCOSUL pelo mesmo protocolo que afastou o Paraguai, o Protocolo de Ushuaia, como aponta Gama (2015)

Venezuela no bloco, porém a Bolívia que se encontravam em situação semelhante foi desviada do foco, o tempo se encarregou a mostrar que a indiferença para com a Bolívia não foi boa ideia. Como aponta Gama (2015) neste ano, devido a situação económica da Venezuela, essa “passou de trunfo a fardo”, sendo que por outro lado, a situação económica do Brasil e da Argentina também não são das melhores, e precisam cada vez mais de boas notícias, a Bolívia por sua vez, tem sido bastante constante no que toca o crescimento económico, a redução da pobreza, entre outros aspetos. Segundo Gama (2015) “A participação da Bolívia eleva o perfil político e dá um motivo adicional para a valorização e redefinição do MERCOSUL como plataforma de inserção brasileira num mundo de blocos”. Em suma, no plano geral, são notórios dois elementos que podem ser analisados separadamente. Por um lado, no plano económico, o MERCOSUL nunca conseguiu atingir aquele que foi o seu primeiro e principal objetivo, isso porque o seu objetivo era a criação de um mercado comum que não ficou pronto até a data prevista e que na verdade nunca ficou implementado pelas suas inumeráveis exceções que em muitas vezes não foram retificadas. Por outro lado, ao invés de criar cooperação, criou-se competições entre Estados. Como sublinha Bastos (2014) na Europa as interdependências que deram origem a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) eram evidentes enquanto no caso sul-americano tiveram de ser fomentadas. É evidente que desde o surgimento do MERCOSUL foram inúmeros as trocas intra-bloco que acabaram por apoiar o avanço económico dos Países-Parte, porém essas políticas não foram propriamente utilizadas e eventualmente surgiram episódios que condicionaram a própria vida do bloco. Sob o ponto de vista político, é claro a importância da democracia numa primeira fase em que o militarismo ainda está fresco na memória dos Estados, porém em dado momento esse princípio se degenerou ao ponto de usar tal princípio contra ele mesmo, isto é, sob o abrigo do Protocolo de Ushuaia suspende-se o principal opositor a entrada de um país cujo regime não é evidente quanto a democracia. Neste momento o MERCOSUL se revela um bloco ainda imaturo, não é capaz de cumprir com o que fora estabelecido na sua gênese. Os autores funcionalistas da integração defendem que os países que estabelecem um projeto de integração começam normalmente por uma área específica, e com o sucesso dessa integração passam para aquilo que é conhecido como ‘ramificação’. No caso do bloco sul-americano, pretendem ‘dar um paço maior que a perna’ isso porque mesmo antes de fortalecerem suas instituições e cumprir com o seu primeiro objetivo, já seguiram para uma fase de integração política, ou com a tentativa de uma, ao criar o Parlamento do MERCOSUL.

Bibliografia Arce, A. M. & Silva, M. A. (2012) Venezuela e MERCOSUL: Uma inserção via Brasil? Conjuntura Austral. Julho de 2012. Vol. 3, nº. 12, 61-81. Arya, Nitin (2013) MERCOSUR – A Study on the Origins, Organizational Structure, Latest Developments and the Contemporary Trade Patterns of MERCOSUR. Sapru House Paper. (s.v.), 5-51. Barbosa, Rubens (2015, Junho 23) Afinidades ideológicas. O Globo. Disponível em: www.oglobo.com/opiniao/afinidades-ideologicas-16522443 Bastos, Fabrício (2014, Maio 6) A montanha-russa do MERCOSUL. Estadão. Disponível em: www.estadao.com.br Cason, J. W. (2011) The political Economy of Integration. Abingdon, Oxon: Routledge. Gama, Carlos (2015, Julho 27) O plano B que satisfaz – A entrada da Bolívia no MERCOSUL. Disponível em: www.sidneyrezende.com/noticias/252493 Informe MERCOSUL. Ano 1 – Número 1. (1996) Acedido em 24 set. 2015. Disponível

em:

https://books.google.pt/books?id=kTEZky7JqkIC&pg=PA1&lpg=PA1&dq=informe+n%C 2%BA+1+mercosul&source=bl&ots=1MhOHDKna&sig=r6w1xiKA_3m43AiBZ7agUKYkCzk&hl=ptBR&sa=X&ved=0CEAQ6AEwCGoVChMI94uSsp2XyAIVzAgaCh20Jw5F#v=onepage& q=informe%20n%C2%BA%201%20mercosul&f=false. Protocolo de Ushuaia (1998) Acedido em 24 set. 2015. Disponível em: http://www.mre.gov.py/v1/Adjuntos/mercosur/Acuerdos/1998/portugues/31protocolode ushuaia.pdf Ramos, André. (2012) O MERCOSUL Democrático e a crise no Paraguai. Arraes Editores em revista. Setembro de 2012, (s.n.), 8-9. Tratado de Assunção (1991) Acedido a 24 set. 2015. Disponível em: http://www.tprmercosur.org/pt/docum/Tratado_de_Assuncao_pt.pdf

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