MERCOSUL, POLÍTICA DE REGIONALIZAÇÃO NO CONTINENTE SUL-AMERICANO: AVANÇOS E IMPASSES.

June 13, 2017 | Autor: Aline Oliveira | Categoria: Human Geography, Regional Integration
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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO

MERCOSUL, POLÍTICA DE REGIONALIZAÇÃO NO CONTINENTE SUL-AMERICANO: AVANÇOS E IMPASSES. ALINE OLIVEIRA SILVA1 Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar as novas perspectivas que se colocam para a relação bilateral Brasil e Argentina e consequentemente para a o Mercado Comum do Sul, ao longo dos últimos doze anos, período caracterizado pela emergência de governos com perspectivas progressistas possuindo forte operacionalização nas áreas econômico-social, e que, portanto colocam a integração regional em uma segunda fase, em uma retomada do movimento “nacionaldesenvolvimentista”. Pretendeu-se através da investigação dos novos acordos e negociações no âmbito bilateral e do bloco - como o FOCEM (Fundo de Convergência Estrutural para o MERCOSUL), identificar o fortalecimento da integração regional, sobretudo no campo político e social, mas também apontar os desafios que se colocam para a integração territorial, sobretudo nas deficiências de infraestruturas, mas também a partir das conjunturas políticas internas dos países supracitados.

Palavras-chave: Globalização; Brasil- Argentina; Mercosul; Integração Regional. Abstract: This paper aims to analyze the new perspectives about the bilateral relation between Brazil and Argentina and consequently to the Mercosur, throughout the last twelve years, a period characterized by the emergence of progressive governments, with strong operation in socio-economic areas, this way placing the regional integration in a second phase, named “national-development”. We intended, through the investigation of new agreements and negotiations in the bilateral scope and also in the bloc one – such as FOCEM (MERCOSUR Fund of Structural Convergence), identify the strengthening of the regional integration, especially in the political and social fields, but also to point out the challenges to the territorial integration, principally in the infrastructres’ deficiencies, and also from internal political conjunctures of the mentioned countries.

Key-words: Globalization; Brazil-Argentina; Mercosur; Regional Integration; 1 – Introdução Este trabalho tem por finalidade levantar elementos para a reflexão da fase atual da integração regional sul-americana, em especial do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), por meio da análise e reflexão da relação bilateral Argentina e Brasil, no período de 2003 a 2014. Entende-se que a relação argentino-brasileira compõe o motor central (VADELL, 2010) para o entendimento e manutenção do referido bloco, devido à centralidade que exerceu na sua formação, através da existência de uma base territorial relativamente desenvolvida “que se estende das latitudes de Belo Horizonte à faixa que vai de Buenos Aires á Córdoba” (GEIGER, 2006, p.153), estabelecida através da instalação de infraestruturas de integração regional com crescentes interações econômicas e sociais caracterizando o espaço geográfico 1

Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo. E-mail de contato: [email protected]

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mais denso no continente Sul-americano, e na centralidade que ainda exerce na dinâmica atual do bloco, apontado em Costa (2009) como relação bilateral responsável pelo dinamismo econômico e regional intrabloco. Adotou-se para a análise o período de 2003 a 2014, pela sua caracterização como parte do segundo momento do Mercosul (ARROYO, 2010), em um contexto de críticas ao neoliberalismo e redefinição dos pactos territoriais, por meio da ascensão de governos com forte retomada de uma abordagem “nacionaldesenvolvimentista”2. Nesta perspectiva, retoma-se um contexto de integração regional com maior autonomia frente a outros atores do cenário internacional e que possui em sua essência uma pauta de integração além da comercial, através de novas abordagens nas esferas econômica, social e política. Nesta conjuntura observa-se no Mercosul avanços com a criação de órgãos que abordem temas como democracia, direitos humanos, emprego e questões sociais, com destaque para o Fundo de Convergência Estrutural para o MERCOSUL (FOCEM), criado em 2004, destinado a sanar assimetrias entre os países-membros do bloco através da destinação de recursos para criação de infraestrutura física, estrutura produtiva e índices sociais. A partir deste quadro, em especial do estabelecimento do FOCEM, seguemse doze anos de acordos, avanços e impasses para a integração. Este artigo objetiva por meio do levantamento das novas normativas e da pesquisa bibliográfica, identificar o fortalecimento da integração regional, sobretudo no campo político e social, mas também os desafios que se colocam para a integração, apontados principalmente pelas deficiências de infraestruturas de transporte, energia, saneamento e telecomunicações, que segundo Gehre (2012), se caracterizam como os maiores obstáculos ou empecilhos, para o estabelecimento de cadeias produtivas regionais. O desenvolvimento do trabalho se divide em duas partes principais, a primeira, partindo de uma compreensão que o atual contexto do bloco e da relação Brasil- Argentina não pode ser pensada sem o contexto em que se inseriu a formação dos blocos regionais no início dos anos 1990, abordará a globalização e seus impactos para os Estados e a segunda, abarcará diretamente os últimos doze

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No caso brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2007/ 2007-2010) e Dilma Rousseff (2010-2014) e do argentino Néstor Kirchner (2003-2007) e Cristina Fernandéz de Kirchner (2008-2011/ 2012-2015).

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anos, com o levantamento e análise dos avanços e dos impasses que se colocam para a relação bilateral e consequentemente para o Mercosul. 2.1 A globalização, os Estados- Nacionais e o impulso a integração regional. O final do século XX é caracterizado como um período de profundas mudanças no sistema internacional mundial configurando-se um quadro de amplas modificações políticas e econômicas, dentre elas, a globalização, fenômeno que possui como características a constituição de uma nova fase do capitalismo mundial (ARROYO, 1999) em um processo de internacionalização e transnacionalização, onde as finanças, a flexibilização normativa, os novos mercados e padrões de consumo, as formas de produção, os serviços e inovação tecnológica, surgem como grandes pilares da transformação econômica mundial. Influenciados por este grande fenômeno, os atores hegemônicos préexistentes ao período são chamados à requalificação e adquirem novas funções, participando de maneira diferenciada nos usos do território, com possibilidade de articulações nas diferentes escalas existentes (local, nacional, regional e global). Os Estados Nacionais em tal contexto se requalificam e ganham novas funções, emergindo como grandes provedores de condições para a realização do capital, colocando-se de um lado como regulador das atividades do capital corporativo ao seu interesse, a fim de atrair mais capital e de outro adequando e requalificando seus territórios por meio da provisão e manutenção de sua base material, adequada para o aumento de fluidez territorial e produzindo um corpo normativo que facilite a porosidade territorial (ARROYO, 1999; 2010), tornam-se, portanto, espaços nacionais da economia internacional (SANTOS, [1994] 2008). Dentre as bases normativas produzidas surgem os blocos regionais, que produzem

porosidade

territorial,

através

da

institucionalização

de

acordos

normativos inicialmente econômicos, mas que também possuem importantes papéis geopolíticos e podem devido às múltiplas facetas e escalas que agregam e amalgamam (ROSEIRA, 2011) ser concebidos como geração de um novo território. Arroyo (1996) aponta três elementos do Tratado de Assunção (1991) que caracterizam o Mercosul, maior expressão de bloco regional sul-americano da década de 1990, como configuração de um novo território, são eles: 1-) “Uma livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países-membros”, criadora de uma nova escala ao processo produtivo e a circulação e portanto alargado os

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circuitos espaciais da produção e os círculos de cooperação; 2-) “O estabelecimento de uma tarifa externa comum em relação a terceiros Estados” através da consignação de uma política comercial negociada entre os membros, sendo, portanto, criados novos limites econômicos e 3-) “A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estado Parte”, exigindo uma política de negociação, consenso e objetivos comuns, “pode-se falar então de novos limites políticos na medida em que busca um nível de decisão compartido” (ARROYO, 1996, p. 308). O Mercosul, fruto de uma aproximação ainda na década de 1980 de Brasil e Argentina, tem seu embrião na Ata de Iguaçu de 1985, sendo fundado em um contexto de forte atrelamento do continente sul-americano aos preceitos do neoliberalismo forjado pelo Consenso de Washington, momento que caracteriza-se como primeiro período do bloco (de 1991 a 2003), em um viés fortemente comercial, sob influência do chamado “regionalismo aberto”. Interessamos especialmente para este trabalho o já referido segundo momento, ao qual nos dedicaremos na seção a seguir. 2.2 A segunda fase do Mercosul a partir da relação bilateral Brasil e Argentina, novos elementos para a análise continental. As eleições de Luís Inácio Lula da Silva no Brasil e de Néstor Kirchner na Argentina no ano de 2003 culminaram, embora em graus distintos de intensidade, em rupturas profundas na forma como internamente se pensava a política externa em cada país. Uma mudança de paradigmas e focos de atuação que refletiram diretamente na relação bilateral Brasil e Argentina e consequentemente em todas as relações multilaterais continentais, reavivando o abalado Mercosul, que ao ser diretamente impactado pelas crises econômicas internas dos países no final dos anos 1990, adormecia. O governo de Luís Inácio Lula da Silva se caracteriza, no tocante a abordagem da política externa, em relação ao governo anterior de Fernando Henrique Cardoso, não em uma diferença política quando aos principais temas abordados, mas sim em uma diferente postura de agir e se posicionar na arena internacional (VADELL, 2010). Não representando, portanto, um projeto claro de divergência com o contexto neoliberal, mas sim um modelo de moderação e pragmatismo conveniente com as tradicionais práticas brasileiras de política externa,

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pautada no multilateralismo e na autonomia, com ênfase na cooperação Sul-Sul e na região sul-americana (OLIVEIRA, 2012). Na ênfase da cooperação sul-americana, o governo identificou na Argentina, país que já vinha sendo encarado como peça fundamental de equilíbrio comercial e aumento da competitividade externa em termos econômicos, um parceiro essencial para manutenção de uma zona de paz e equilíbrio político (OLIVEIRA, 2012). A integração seria, portanto um elemento necessário para impulsionar o próprio desenvolvimento nacional e regional, atrelando-se além das pautas comerciais, instrumentos políticos, sociais e culturais, além de infraestruturas de circulação, questões estratégicas e de segurança. Partindo-se desta perspectiva de América do Sul, o Mercosul tornou-se a iniciativa que mais se beneficiou desta nova postura de “autonomia pela diversificação” do governo Lula (VADELL, 2010), sobretudo a partir de uma convergência com o governo argentino (primeiramente com Eduardo Duhalde e aprofundada com Néstor e Cristina Kirchner, a partir de 2003), em uma atitude compartilhada das diplomacias de dialogar e se relacionar bilateralmente apesar das divergências, chegando a pontos comuns. A política externa alterou-se profundamente a partir o governo transitório de Eduardo Duhalde (2002-2003) e principalmente com a eleição de Néstor Kirchner, cabe colocar que diferentemente do desenvolvimento da política externa brasileira, com um Itamaraty consolidado e atuante, a Argentina possui sua diplomacia fortemente atrelada à postura central do governo federal (VADELL, 2010), portanto, a partir de 2003, observa-se um rompimento total com a política neoliberal da década de 1990 e começo dos 2000, com emprego de uma corrente heterodoxa, com vieses, pragmático, com relação à reconstrução do desenvolvimento argentino, pós- períodos de instabilidade política e crise econômica de 2001 e progressista a partir da aposta em uma aliança estratégica com o Brasil. Como observa Oliveira (2012, p. 111), [...] a mudança na política externa argentina a partir de 2003 se deu pela consciência de que deveria existir um câmbio de uma perspectiva liberal para uma desenvolvimentista, pautada pela aproximação com a região sulamericana; isso tudo fundamentado pelo modelo trazido pelo kirchnerismo, 3 a partir do PJ . O eixo latino-americano se fazia também importante para o governo Kirchner, até mais importante que no governo Lula.

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Partido Justicialista (observação nossa).

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Desenvolveu-se uma postura na chancelaria argentina com ênfase no sistema multilateral em defesa dos direitos humanos- ponto importante na sociedade argentina-, rejeitando-se o realismo periférico dos governos anteriores, com a adoção de uma postura não isolacionista, mas com críticas a poderes centrais, valorizando, portanto, a aproximação com a América Latina, em especial com o Brasil, por ser entendido como parceiro fundamental por seus valores e interesses comuns (a partir do Governo Lula), mas também como possibilidade de inserção da Argentina no sistema internacional. A relação bilateral é, portanto fortalecida com Lula e Kirchner por meio de uma postura comum de busca por relações diplomáticas de valores pautados em uma cooperação “com vistas a garantir a todos os cidadãos o pleno usufruto de seus direitos e liberdades fundamentais, incluindo o direito ao desenvolvimento, em um âmbito de liberdade e justiça social [...]” (CONSENSO DE BUENOS AIRES, 2003, p.24). Configura-se uma agenda diplomática que ademais das relações econômicas e comerciais, pauta recorrente entre os períodos de 1980 e, sobretudo 1990, agrega temas voltados aos direitos humanos, à educação, a saúde, a cultura e a cooperação técnica, resultantes em uma série de acordos, memorandos e atos internacionais bilaterais, como nunca antes na relação argentino-brasileira, como observado na Figura 1. Dentre

esta

série de

aproximadamente quarenta e

cinco acordos,

memorandos, convênios, protocolos e atos realizados durante o período 2003-2014, destacamos dois documentos elaborados ainda durante o governo de Néstor Kirchner, o Mecanismo Permanente Conjunto de Temas Educacionais e o Protocolo de Cooperação da Saúde sobre Medicamentos, que embora passados mais de dez anos de suas assinaturas, todavia geram uma cooperação efetiva entre os países O Protocolo para criação do Mecanismo Permanente Conjunto em Temas Educacionais foi assinado em 19 de julho de 2006 na cidade de Buenos Aires pelo então ministro da educação Fernando Haddad e por Daniel Filmus, ministro da Educação, Ciência e Tecnologia da República Argentina. Versando em mecanismo que pensem através de comissões temas de educação básica, educação profissional e tecnológica e educação superior e pós-graduação. A partir desta proposta, aqui vista como possibilidade para os atuais acordos, observou-se um aumento de programas conjuntos de cooperação, sobretudo no âmbito da pósgraduação, a partir de convênios e financiamentos da CAPES a projetos binacionais,

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de missões de estudos de pesquisadores, projetos comuns de pesquisa de mestrado, doutorado e pós-doutorado e parceria universitária em três programas gerais: Capes/ MYCIT (Ministerio de Ciencia, Tecnología e Innovacíon ProductivaArgentina), CAPG/BA (Programa de Centros Associados de Pós-Graduação) e CAPF (Programa de Centros Associados para o Fortalecimento da Pós-graduação Brasil/Argentina) e um específico na área de ciências biológicas, denominado PROBITEC (Programa Binacional de Terapia Celular).

Figura 01- Acordos, Ajustes, Convênios e Memorando entre Brasil e Argentina (1920-2014). Fonte de dados: Sistema de Atos Internacionais do Ministério de Relações Exteriores da República Federativa do Brasil. Acessado em junho de 2015. Organização: SILVA (2015)

Na área de saúde destaca-se o primeiro acordo celebrado entre os países em 22 de Agosto de 2005, também na cidade de Buenos Aires, pelo ministro brasileiro Saraiva Felipe e pela ministra da saúde e ambiente da República Argentina, Ginés González García, com o objetivo de desenvolver programas de trabalho, pesquisa e desenvolvimento e produção conjunta de insumos de medicamentos denominados

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essenciais e estratégicos, estabelecidos no âmbito da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)- Brasil- e da Administracíon Nacional de Laboratorios e Institutos de Salud “Dr. Carlos G. Malbrán” (ANLIS)- Argentina. O Protocolo de Cooperação da Saúde sobre Medicamentos é o primeiro mecanismo para uma série de acordos que viriam a existir na área, sobretudo em tecnologia e inovação em saúde, ampliados graças à implantação do MICBA (Mecanismo de Integração e Cooperação Bilateral entre Brasil e Argentina), que contempla uma nova faceta da integração argentino-brasileira a partir da elaboração de planos de trabalho para projetos conjuntos a serem coordenados pelas chancelarias, na identificação de temas estratégicos e prioritários para o desenvolvimento da cooperação cultural, econômica, social, científica e tecnológica entre os dois países. Assinado em 2011, o MICBA entra em concordância com documento elaborado em encontro bilateral entre Lula e a então recém-empossada Cristina Fernandez de Kirchner, denominado Mecanismo de Cooperação e Coordenação Bilateral Brasil-Argentina, assinado dezembro de 2007. Contemplando quatro seções principais: a-) Economia, produção, ciência e tecnologia; b-) Energia, Transporte e Infraestrutura; c-) Defesa e Segurança; d-) Saúde, Educação, Desenvolvimento Social, Cultural e Circulação de Pessoas, e é marco de uma nova, mas não distinta, com relação ao governo do marido e ex-presidente, postura na relação bilateral por parte da Argentina, tomada pela chefe de Estado e sua equipe diplomática. Cristina Fernández de Kirchner, em seu primeiro mandato (2008-2011) e em continuidade no segundo (2012-2015) adota com relação ao Brasil uma postura mais amistosa que a do marido, que embora inicialmente tenha uma postura mais aberta à cooperação bilateral, acaba pós- 2005 abrigando uma estratégia de “barganha” (OLIVEIRA, 2012), a fim de ampliar seu espaço regional com a iniciativa de posturas assertivas, gerando por vezes bases conflituosas. Fernández de Kirchner modifica este quadro através de um entendimento de uma “aliança inédita” entre Brasil e Argentina, melhorando a condução destas relações. A aliança inédita implementada, sobretudo com políticas como o MCIBA, acordos de cooperação energética e nuclear e influenciada pela relação cada vez mais estreita do empresariado, sobretudo na área de investimentos e aquisições de

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empresas brasileiras na argentina4 (LAMOSO, 2012; OLIVEIRA, 2012), efetuou grande impacto no âmbito do Mercosul, bloco visto pela diplomacia argentina como principal elemento da integração regional, capaz de gerar desenvolvimento conjunto para os países (FARIA E COUTINHO, 2011). O bloco apresentou devido à postura mais flexível da mandatária, sobretudo a partir de sua assunção a presidência pro tempore no início de seu primeiro governo5, uma “refundação” e reconfiguração “qualitativa”, impactado, sobretudo, pela postura da relação bilateral central, ao incorporar e expandir temas envolvendo política, questões sociais, de educação, de infraestrutura, de saúde e de diminuição de assimetrias, como é possível observar na figura 2. Dentre as iniciativas políticas, sociais e econômicas tomadas com relação ao bloco, destacam-se a criação do Instituto Social do Mercosul (IS), com sede em Assunção, do Instituto de Direitos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (IPPDH), com sede em Buenos Aires e do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) de 2004, fundo que sem dúvida se destaca por destinar financiamentos a programas de convergência estrutural a fim de desenvolver a competitividade e a coesão social sobretudo entre as economias menores no bloco, sendo o Paraguai portanto o maior receptor de investimentos do fundo, seguido por Uruguai, Argentina e Brasil, os dois últimos maiores investidores e menores receptores. Ao assumir a presidência brasileira, em 2010, Dilma Rousseff apresenta perspectiva semelhante ao seu antecessor com relação à integração regional e a cooperação bilateral Brasil e Argentina, prova disto foi à realização da primeira visita de Estado da mandatária ser realizada a Argentina no ano de 2010 (FAGUNDES, 2011). Nesta reunião bilateral reafirmou-se o compromisso entre os dois países de manutenção de relação estratégica e comprometimento em temas relacionados aos direitos humanos e das mulheres (Declaração para a Promoção da Igualdade de Gênero e a Proteção dos Direitos das Mulheres) e Tecnologia (Plano de Cooperação

4

Temática abordada na pesquisa de mestrado em andamento “Globalização e Integração Regional: A internacionalização de empresas argentinas e brasileiras no contexto do Mercosul”, desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo, sob orientação da Profª Drª Mónica Arroyo, com auspícios da CAPES. 5 Ao assumir a presidência pro tempore do Mercosul em 2008, Cristina Fernandéz estabeleceu como prioridade para sua atuação e manutenção do mesmo, a integração produtiva, a integração em infraestrutura, uma confecção de um novo código aduaneiro e o ingresso da Venezuela.

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Conjunta para Fazer Avançar A Cooperação Bilateral na Área de Massificação do Acesso a Internet Banda Larga -2011-2015-).

Figura 2: Normativas produzidas em nível do Mercosul no período (2003-2010). Fonte de dados: Adaptação elaborada a partir de OLIVEIRA, Ana Carolina Vieira (2012). Autora: SILVA (2015).

Apresenta-se também um avanço com relação ao MICBA, nas áreas de cooperação nuclear, defesa, ciência e tecnologia, saúde, transportes e integração produtiva, por meio da avaliação (realizada em reunião bilateral em 2011, ocasião da visita de Estado da presidenta Cristina Fernández de Kirchner ao Brasil) e ajustes complementários a parcerias já firmadas. Destacam-se projetos concluídos e em execução como: Criação de uma Farmacopeia Regional através do fortalecimento binacional,

Fortalecimento

do

Controle

de

Dengue,

Desenvolvimento

de

Capacidades em Gestão de Áreas Protegidas, Fortalecimento dos Serviços Públicos do Emprego, Auxílios Diplomáticos, entre outros. Porém, a relação bilateral Brasil e Argentina não é somente marcada pelos positivos avanços verificados acima, mas também apresenta problemas e questões em sua configuração. O primeiro ponto sensível que perpassa todo o contexto do período 2003-2014 é a constante necessidade argentina de proteção a sua indústria devido à ainda debilitada atuação que possui adquirida pelo contexto de crise em 2001 e volatilidade econômica que viveu o país ao longo do final dos anos 1990, caracterizando uma forte desindustrialização (LAMOSO, 2012). Para isto os

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governos de Néstor e principalmente o de Cristina Kirchner, adotaram e tem adotado medidas de intervenção e proteção por meio de aplicação de licenças não automáticas a produtos vindos não só do Brasil, mas de todo o contexto regional. Este fator demonstra na verdade uma dificuldade que ainda rebate no Mercosul e na relação bilateral por meio das assimetrias entre as nações, que ao não possuírem igual desenvolvimento dificultam a integração regional do ponto de vista econômico e comercial, embora a criação do FOCEM tenha gerado expectativas e de fato tenha produzido resultados, sobretudo com a geração de infraestruturas no Paraguai, o fundo ao se movimentar principalmente por iniciativas unilaterais,- há somente duas propostas e financiamentos pluriestatais, produzidas na área de saúde e entre Brasil e Uruguai-, demonstra uma fragilidade institucional do bloco, que não consegue criar infraestruturas e cadeias produtivas que dinamizem o território mercosulino, tem-se na China atualmente a esperança de investimentos. Há, todavia para o bloco a necessidade da dependência da vontade política (ARROYO, 2010) dos seus governantes, embora Brasil e Argentina tenham convergido neste início de século XXI, questões internas, como instabilidade financeira e movimentos críticos a integração por setores mais conservadores da sociedade do empresariado e mídia (LAMOSO, 2012), tem sido obstáculo. Os acordos desenvolvidos e os órgãos e institutos sociais e políticos produzidos merecem mais proatividade por parte dos atores estatais, podendo passar de foros consultivos para instituições possíveis de produzir ganhos efetivos os avanços são claros, efetivos e visíveis, porém carecem de institucionalidade. 3. Considerações Finais Este artigo buscou através do levantamento das normativas produzidas no âmbito Bilateral entre Brasil e Argentina identificar o impacto da nova fase de acordos pós - 2003 têm produzido para a integração regional, sobretudo nas áreas sociais, culturas e estruturais. Levantaram-se também questões e percalços para que se efetivem as ações político-econômicas e consequentemente territoriais no futuro próximo. A fim de conclusão reafirma-se que para o futuro da integração regional, precisa-se de vontade política que através da elaboração e institucionalização das normas e das ações possibilitem uma real integração regional a todos.

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