Mergulhos no tempo: contos à luz de carbureto , 2016

June 1, 2017 | Autor: C. Parellada | Categoria: Speleology, Historia da Ciência, Cave and Karst Studies, Espeleologia
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PARELLADA, Claudia I. 2016. Mergulhos no tempo: contos à luz de carbureto. In: SESSEGOLO, G.C. & TUMMLER, B. Memórias dos desbravadores de cavernas do Paraná. Curitiba: GEEPAçungui, p. 25-26, e p.193.

MERGULHOS NO TEMPO: CONTOS À LUZ DE CARBURETO Claudia Inês Parellada Era o ano de 1986, meus 20 anos de idade correndo pelas veias em ritmo mais que acelerado: queríamos transformar o mundo em um lugar melhor, onde houvesse um respeito maior à natureza, ao patrimônio histórico e arqueológico. Eu me encontrava estagiando no Setor de Arqueologia do Museu Paranaense, e conheci vários estudantes de Geografia que junto com o Prof. Éverton Passos, da Unversidade Federal do Paraná, tinham realizado um trabalho preliminar de levantamento de cavernas no norte da região metropolitana de Curitiba. Realizariam uma segunda reunião para formar um grupo de estudos, e foi nesse momento que entrei para participar da formação e estruturação do Grupo de Estudos Espeleológicos - GEEP – Açungui. Açungui é nome de rio em áreas calcárias e de grupo geológico onde ocorrem rochas com estromatólitos e que acreditávamos ser o mais adequado para estar associado a uma organização não governamental que visasse essencialmente à identificação, cadastro e proteção de cavernas no Paraná. Mas também sabíamos que o rio Açungui havia sido designado dessa forma, desde o final do século XVI, devido à passagem dos bandeirantes paulistas com muitas indígenas capturados das missões jesuíticas guairenhas, por ser um rio que se manchava com o sangue de indígenas que se rebelavam contra a escravidão imposta. Assim, o nome ficaria mais adequado ainda, pois representaria a luta constante pelo meio ambiente, mesmo que em alguns momentos passássemos por muitas pedras no caminho e sacrifícios profissionais e pessoais, inclusive na saúde... A poesia da conquista de um mundo melhor, de salvarmos da destruição cavernas à beira do abismo, seduzia e cativava novos sócios para o GEEP-

Açungui. Era 1986, 1987, 1988... e muitos cursos, congressos e viagens de campo, com recursos que vinham de pais entusiasmados, da ajuda de amigos e de muitos estágios e aulas particulares ... Tantos nomes vêm na memória, Claudias, Almir, Alberto, Birgitte – e seu Fiat acelerado, Patrícia, Luciano, Potatoe, Ariane, Darci, Gisele, Tico, Thomas, Ricardo, Paulo Pizzi (que muito nos ajudou a ter uma sede própria e mudou de lugar as reuniões às noites na antiga sede do Museu Paranaense – no Paço, na praça Generoso Marques, para o edifício Dante Alighieri), Amend, Cristopher, Ernesto, Veronica, entre outros amigos que compartilharam reatores e carburetos, e a paixão pelas cavernas ... Agora, o uso desses reatores, que deixavam a coxa direita doendo devido ao calor emanado, nem pode mais acontecer nas cavernas devido à poluição ambiental que provocam... E a gente achando que estava ajudando a preservar de uma forma tão intensa, e de certa maneira também interferimos nos ambientes que mapeávamos incessantemente... No começo, transporte em carros não eram tão frequentes quanto às viagens em ônibus para Rio Branco do Sul e Cerro Azul, parte da viagem, quase sempre em grupos de quatro ou cinco vestidos com roupa velha, era complementada por andar nas estradas a pé, levar lanche, água e uma muda de roupa na mochila. No retorno, depois do passeio explorando cavernas, como a de Lancinha ou muitas outras mais, voltávamos tentando pegar carona até o primeiro ponto de ônibus que nos levasse para Curitiba. Lembro-me de ter entrado em uma caçamba- charrete junto com um grande porco e lá se foram quase 10km balançando na via, e rindo, rindo muito... De subir em caminhões de lixo ou caminhões quaisquer para chegar mais perto das cavernas ou das cidades, e muitas outras aventuras, que agora me fazem rir outras vezes...

PARELLADA, Claudia I. 2016. Mergulhos no tempo: contos à luz de carbureto. In: SESSEGOLO, G.C. & TUMMLER, B. Memórias dos desbravadores de cavernas do Paraná. Curitiba: GEEPAçungui, p. 25-26, e p.193.

Eram tempos bons e sabíamos disso, de possuir uma juventude que transbordava nas bochechas a sorrir e a clamar pelos finais de semana vistando cavernas... Andávamos como um time de basquete pelas estradas, travestidos de exploradores do século XX, e raramente se ouvia de algum assalto ou agressão, eram os anos de 1986, 1987, 1988... Alguns fazendeiros e mineradores tinham certa alergia aos espeleógos do Açungui, sabiam que queríamos proteger o meio ambiente, mas isso fazia parte do conjunto... Espeleólogos para poder levar essas mesmas oportunidades para outras pessoas no futuro (que julgávamos tão longe...) de visitar e explorar uma caverna, uma gruta ou um abismo, tinham que colaborar para que estas cavidades possam continuar existindo... Lutávamos bravamente para evitar que as cavernas fossem destruídas, sem quaisquer documentações, pois nem fotografias amarelecidas restariam... Vinha uma força especial de muita gente que morava em outros estados brasileiros, de Minas Gerais :o pessoal do Bambuí: Augusto, Ézio e tantos outros, o Labegallini e o Carlito, de Monte Sião, os de Ouro Preto, de São Paulo: o Clayton Lino, o João Allievi, os amigos do GESMAR de Santo André e São Caetano do Sul, o Roberto Rodrigues, o Rubens Hardt, o Rogério Crisóstomo, o Guy Collet, e tantos e tantos espeleólogos legais, que não consegui apontar nestas memórias em fragmentos... Eram ótimos de papo, gigantes em campo e sempre dispostos a ajudar e entender melhor o mundo subterrâneo ...

cavernas com arte rupestre e sepultamentos humanos associados, tentando lembrar e recortar momentos guardados no fundo do coração... Lembranças mais boas que ruins, saudades e certeza que trilharia da mesma forma os trajetos que escolhi ao longo do tempo... Veio o cheiro do carbureto, do tênis e das roupas enlameadas, do caminhar no escuro por estradas de terra com lanternas com as pilhas acabadas, das conversas intermináveis entre os amigos do GEEP, sim, essencialmente era um grupo que se unia devido ao entroncamento de amizades, afinidades e o gosto pelas cavernas. Escrevi e reescrevi as linhas no computador, sentindo-me ainda na época da máquina de escrever, é o tempo passou... E temos que nos reinventar, ressignificar os tempos passados, rir e chorar, estou agora com um sorriso na boca e lágrimas doces nos olhos, são lágrimas felizes de recordar amigos e lembranças de muito carbureto iluminando cavernas do Paraná, São Paulo e Minas Gerais ... Agradeço aos amigos por terem me ajudado a fazer esse ritual de transpor e viajar pelo tempo... O tempo das cavernas... Com água e carbureto...

E assim, o tempo correu como trem alucinado até o século XXI, ventando novidades e pessoas, levando aos céus e ao inferno muitos dos sonhos e desejos, prevalecendo a vida e a sobrevivência de muitos, inclusive do GEEP-Açungui, que me afastei na década de 1990 para me dedicar de corpo e alma para a arqueologia... E estamos em 2016, olho no espelho e me vejo aos 50 anos de idade temperados com muitas pesquisas arqueológicas algumas recheadas de

Equipe coordenada por Claudia Parellada que mapeou a caverna Pinhalzinho, município de Sengés, Paraná (foto: Veronica Theulen, 1993).

PARELLADA, Claudia I. 2016. Mergulhos no tempo: contos à luz de carbureto. In: SESSEGOLO, G.C. & TUMMLER, B. Memórias dos desbravadores de cavernas do Paraná. Curitiba: GEEPAçungui, p. 25-26, e p.193.

Claudia Inês Parellada

Vista de uma das entradas da caverna Pinhalzinho, município de Sengés, Paraná, com o pesquisador Luciano Silva (foto: Claudia Parellada, 1993).

Nascida em Curitiba em 1966. Participou da estruturação do GEEPAçungui como organização não governamental em 1986, sendo presidente da entidade entre 1987 e 1988. Coordenou, entre 1988 e 1995, a Comissão de Cadastro e Espeleometria da Sociedade Brasileira de Espeleologia e da Federação Espeleológica da América Latina e do Caribe. Arqueóloga responsável pelo Setor de Arqueologia do Museu Paranaense, trabalha na instituição desde 1984. Geóloga, Mestre em Antropologia Social, e Doutora em Arqueologia pela Universidade de São Paulo, atua nas áreas de pesquisa em arqueologia, arte rupestre, arte indígena, museologia e educação patrimonial.

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