Merleau-Ponty: introdução ao problema da racionalidade do processo da história

May 29, 2017 | Autor: Felipe Ziotti Narita | Categoria: Political Philosophy, Philosophy of History, Theory of History
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MERLEAU-PONTY: INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DA RACIONALIDADE DO PROCESSO DA HISTÓRIA || outubro | 2016 ||

Felipe Ziotti Narita (Unesp)

Apresentação: O curso pretende apresentar algumas linhas do percurso teórico de Merleau-Ponty a partir de sua crítica da racionalidade do processo da história sintetizada em As aventuras da dialética (1955). Tomando como eixo certa apreensão da lógica dialética de Marx a Lukács, passando por Lenin, Trotsky e pelo problema de uma “ação pura” em Sartre, o livro representa uma obra de maturidade em que o intelectual francês decompõe certas tensões no âmbito da lógica dialética (derivada, sobretudo, da dialética materialista de Marx) e de sua aderência histórica aos processos políticos (especialmente à revolução de outubro de 1917), questionando os pressupostos de uma racionalidade interna ao processo da história como o desvelamento de um sentido unívoco que conceitualmente organizaria a inteligibilidade da mudança e suas condições para o agir. Trata-se, nesta abordagem de maturidade, de um deslocamento teórico fundamental de problemas que desde meados dos anos 1940 compunham as reflexões do autor em Humanismo e terror (1947) – livro em que Merleau-Ponty posiciona, não sem impasses, o projeto marxista de emancipação em uma teoria do proletariado à luz dos temas do reconhecimento e da intersubjetividade de seres situados (êtres situés). Em As aventuras da dialética, a rigor, uma torção teórica reposiciona a questão na medida em que, mediante um jogo conceitual referente à apreensão de um sentido predisposto no agir (política da razão/política do entendimento, consciência/história, sujeito/objeto etc.), o autor investiga como a experiência e a efetividade do processo da história podem embaralhar qualquer racionalidade previamente fundada no acontecer (tema, aliás, retomado em textos do início dos anos 1960). A sistematização conceitual desse percurso no texto dos anos 1950 implica uma articulação entre dois momentos fundamentais: (1) a crítica a uma illusion prospective (tal como a proposta é desenhada nos Matériaux pour une théorie de l’histoire, curso ministrado no Collège de France em 1953-1954), entendendo o processo da história como uma “uma lógica dentro da contingência, uma razão na desrazão” (concepção derivada de sua análise da abordagem weberiana como uma “fenomenologia das escolhas históricas”); (2) a reconfiguração de uma crítica da racionalidade do processo da história que culmina em As aventuras da dialética, quando o autor, elevando os impasses do agir, da consciência e de uma predisposição teórica do processo da história a uma crítica política severa, indica que, como regime, a revolução não institui seu projeto histórico conduzido como movimento. A essa assertiva subjaz um duplo impasse teórico: a problematização da universalidade da teoria do proletariado (e o consequente questionamento do attentisme marxista) e um deslocamento na direção da ambivalência da ideia de compreensão histórica em Weber, lida pelo filósofo francês MERLEAU PONTY: INTRODUÇÃO AO PROBLEMA DA RACIONALIDADE DO PROCESSO DA HISTÓRIA Felipe Ziotti Narita | out. 2016

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como uma tensão entre a apreensão teórico-conceitual e a efetividade do processo da história por meio do jogo de “afinidades eletivas” (Wahlverwandtschaften), afastando, assim, a inteligibilidade daquele processo tanto de um jogo de circunstâncias quanto de uma lógica imanente ao processo do real. A partir do percurso conceitual da crítica de Merleau-Ponty e de uma leitura mais detida sobre as As aventuras da dialética, o curso investiga de que maneira a experiência histórica pode confundir a racionalidade interna da história em alguma medida pressuposta no esquema marxiano e, sobretudo, nos impasses políticos das teorias da praxis e suas mediações (partido, proletariado, consciência e história). Esvaziado de uma direção, o processo da história e a compreensão histórica assinalam a possibilidade de uma apreensão de sentido das escolhas criadoras – uma política fundamentada na análise do “homem político”. Trata-se, portanto, de oferecer uma reflexão sobre alguns dos horizontes políticos determinantes para o século XX, investigando uma experiência histórica que tenta apreender conceitualmente e teoricamente o destino político de uma ideia, refletindo, no limite, sobre as possibilidades da revolução e de seu falseamento. Palavras-chave: Merleau-Ponty; Dialética; Contingência; Teoria da História; Filosofia da História; Marxismo Ocidental.

Conteúdo programático 1. Ambivalências, experiências e situações: a dialética e o processo da história 1.1 “A razão governa (regiere) o mundo”: Hegel e a razão na história (da reinvenção da dialética à gênese do real-efetivo) 1.2 Lukács e o problema das mediações: dialética, realismo, praxis 1.3 De Lenin a Trotsky: o paradoxo da ação e a atualidade da revolução 1.4 A contingência e a história como experiências do terror 2. Dialética, aventura e história 2.1 Tudo que é real é praxis, tudo que é praxis é real 2.2 O problema da racionalidade do processo da história 2.3 Contingência e indeterminação: prática, situação, ação 2.4 O sentido como contato com a contingência 2.5 A revolução e seu falseamento: “a revolução que não quer ser revolução”

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