Mesas do Castelinho: Cerâmica de matrizes impressas dos sectores B3 e B4

May 29, 2017 | Autor: Fábio Costa | Categoria: Iron Age
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Universidade de Lisboa Faculdade de Letras Departamento de História Licenciatura em Arqueologia – 2015/2016 Seminário I e II

Mesas do Castelinho: Cerâmica de matrizes impressas dos sectores B3 e B4

Docente: Prof. Doutora Ana Catarina Sousa Orientador: Prof. Doutor Carlos Fabião Discente: Fábio Costa, nº 46722 2016

12 de Julho de

À minha mãe. 2

Resumo: Este trabalho trata do conjunto cerâmico de matrizes impressas referente aos sectores B3 e B4 recolhido durante as campanhas arqueológicas levadas a cabo na plataforma B entre 2003 e 2013 em níveis romanos republicanos no povoado fortificado de Mesas do Castelinho (Almodôvar). Este tipo de cerâmica é um bom indicador da chamada “II Idade do Ferro” do Sudoeste peninsular. O objectivo pretendido é conhecer e compreender os vários grupos de produção cerâmica bem como as respectivas matrizes de cada fragmento e os vários contextos em que foram encontrados.

Palavras-chave: Mesas do Castelinho, romano republicano, cerâmicas de matrizes impressas, II Idade do Ferro, Sudoeste peninsular.

Abstract: This essay revolves around a set of stamped pottery belonging to the B3 and B4 sectors, collected during the archaeological campaigns on the B platform between 2003 and 2013 in roman republican levels on the fortified settlement of Mesas do Castelinho (Almodôvar). This kind of pottery is a good indicator of the so called “II Iron Age” of the Southwest of the Iberian Peninsula. The purpose of this essay is to know and understand the several groups and respective stamps of each sherd of pottery and the context in which they were found.

Keywords: Mesas do Castelinho, roman republican, stamped pottery, II Iron Age, Southwest of the Iberian Peninsula.

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Agradecimentos

Gostaria em primeira instância de agradecer todo o apoio e esclarecimento de questões relativas às mais variadas temáticas por parte de todo o corpo docente do Centro de Arqueologia, nomeadamente à Prof. Doutora Catarina Viegas e à Prof. Doutora Ana Catarina Sousa no âmbito do desenho arqueológico das várias matrizes e das linhas a seguir na apresentação da informação referente ao seminário. À Prof. Doutora Ana Margarida Arruda pelo esclarecimento de dúvidas. Ao Prof. Doutor Amílcar Guerra pela facultação de variados artigos para a elaboração deste trabalho. Ao Prof. Doutor Carlos Fabião no esclarecimento de dúvidas e nas várias bases que estruturam este trabalho, bem como umas “luzes” nas várias tipologias relativas às grinaldas na cerâmica de matrizes impressas. Um especial agradecimento à Susana Estrela por toda a paciência disponibilidade em facultar material informativo, bem como o esclarecimento dúvidas. Agradeço também a disponibilidade em disponibilizar os relatórios escavação dos sectores B3 e B4 aqui estudados referentes a 10 anos de campanhas escavação (2003-2013).

e de de de

À Jessica, aos meus colegas e amigos pela paciência e apoio nas alturas mais complicadas. A todos, um muito obrigado.

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Índice Resumo/Abstract

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Agradecimentos

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Introdução

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1. Sítio 1.1.Plataforma A 1.2.Plataforma B

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2. Metodologia

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3. Cerâmica de matrizes impressas 3.1.Grupos cerâmicos 3.2.Análise das matrizes

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4. Resultados 4.1.Sector B3 4.1.1. Grupos 4.1.2. Matrizes 4.1.3. Produções 4.1.4. Contexto

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4.2.Sector B4 4.2.1. Grupos 4.2.2. Matrizes 4.2.3. Produções e Contextos

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5. Conclusão

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6. Bibliografia

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7. Anexos

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Introdução Este trabalho foi efectuado no âmbito do módulo de Seminário para a conclusão da Licenciatura em Arqueologia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Numa fase inicial tratou-se de se enquadrar geográfica e historicamente o povoado fortificado de Mesas do Castelinho, procurando também fazer um historial das intervenções arqueológicas. Procedeu-se a uma descrição detalhada de cada uma das plataformas existentes neste povoado fortificado e nas linhas gerais das descobertas feitas no decorrer das intervenções arqueológicas. O foco principal deste trabalho foi a plataforma B, mais nomeadamente os sectores B3 e B4 que também foram descritos com algum detalhe. Após a descrição do sítio e respectivas plataformas, procedeu-se à elucidação da metodologia utilizada ao longo de todo o processo de elaboração deste projecto, e o foco principal é o estudo concreto de todo o conjunto cerâmico de matrizes impressas dos sectores B3 e B4. Dividido em 2 subcapítulos, procedeu-se à elaboração de um texto explicativo dos vários critérios usados para classificar as cerâmicas na sua morfologia geral, bem como uma tentativa em estabelecer cronologias para as mesmas. No segundo subcapítulo foi feita uma descrição das várias matrizes, tanto na sua morfologia, como no motivo da matriz em si. Todo este capítulo introdutório dos vários critérios de classificação da cerâmica de matrizes impressas, serviu como uma forma de preparação ao estudo de todo o conjunto, de maneira a conseguir elaborar e compreender os resultados obtidos e, por conseguinte, formular uma conclusão o mais correcta possível. As maiores dificuldades encontradas neste projecto foram devido ao desenho das estampas em si. Foi complicado encontrar a metodologia mais fiel e correcta ao desenho das mesmas e as consequentes tintagens provaram ser um enorme desafio. Fora isso, todo o projecto foi bastante aliciante e interessante de concretizar. Pretendo, numa oportunidade futura, complementar este estudo e abranger um conjunto maior deste tipo tao interessante de cerâmica.

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1. O sítio

Mesas do Castelinho, com o Código Nacional de Sítio 4263, é um sítio arqueológico localizado na herdade do Monte Novo do Castelinho, na União de Freguesias de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires, concelho de Almodôvar, distrito de Beja, nas coordenadas UTM: lat. 37º 8’ 22’’ e long. 8º 7’ 30’’, F1. 572 (DoguenoAlmodôvar) da C.M.P 1: 25 000.

Fig. 1- Localização geográfica do sítio arqueológico Mesas do Castelinho, na CMP 1 : 25 000, folha nº 572, Dogueno-Almodôvar.

Está classificado com Imóvel de Interesse Público desde 1990, através do Decreto-lei 29/90, de 17 de Julho de 1990 (Diário da República, I Série, nº 163). Mesas do Castelinho, inserido no sul da província romana da Lusitânia, actual Baixo Alentejo, faz fronteira entre a peneplanície alentejana e a Serra do Caldeirão (FABIÃO; GUERRA, 2010). O povoado possui mais de 3 ha em toda a sua extensão ao longo de duas plataformas de diferentes dimensões. A de cota superior a Sul foi-lhe atribuída a conotação de Mesa/Plataforma A e apresenta uma feição arredondada. A de cota

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inferior a Norte foi-lhe atribuída a conotação de Mesa/Plataforma B e tem uma configuração rectangular. O sítio teve o seu interesse arqueológico reconhecido desde a década de 50 do séc. XX ao ter sofrido ações de terraplanagem com maquinaria em toda a sua superfície para fins agrícolas, mais propriamente na plataforma A. Esta acção tornou possível a identificação de cerâmica ática, além de outros artefactos da Idade do Ferro, do período romano republicano e, finalmente, alguns indícios de uma ocupação islâmica (VIANA; FERREIRA; SERRALHEIRO, 1956). Foi alvo de uma segunda ação de destruição por parte de um dos então proprietários de parte do terreno do sítio arqueológico em 1986 na medida em que o mesmo revolveu e destruiu, com o auxílio de meios mecânicos (bulldozer), todo o sector S – SO – O da fortificação islâmica identificada na plataforma A pelos trabalhos subsequentes (FABIÃO; GUERRA, 1991: 305 e 307-8). Essa pequena fortificação era já alvo de conhecimento por parte das comunidades que lhe atribuíram esse topónimo, visto que a herdade se chama Monte Novo do Castelinho, sendo a fortificação omíada que dá o nome ao sítio. Com esta segunda destruição, iniciou-se um programa de valorização e investigação. Os serviços da tutela, o então IPPC (Instituto Português do Património Cultural), reagem prontamente com o objectivo de promover a salvaguarda do sítio. O arqueólogo que ficou responsável com os trabalhos no âmbito da arqueologia de intervenção entre 1896 e 1897 foi o arqueólogo Carlos Jorge Ferreira. Em 1990 foi classificado como Imóvel de Interesse Público. Esse programa ainda decorre presentemente com os apoios de várias instituições como o IPPC (continuando, depois, pelo IPPAR) e pelos órgãos de poder local como é o caso da Câmara Municipal de Almodôvar e a União das freguesias de Santa Clara-a-Nova e Gomes Aires (FABIÃO; GUERRA; ESTRELA; ROCHA, 2014). O projecto de valorização, conservação e investigação em si começou em 1988 por parte de Carlos Fabião e Amílcar Guerra e dura até à actualidade. Mesmo com a estratigrafia alterada, revolvida pelas destruições de 1986, verificaram-se múltiplas ocupações no local, bem como alguns palimpsestos (FERREIRA, 1992; FABIÃO; GUERRA, 1991). Os resultados iniciais tornaram possível a identificação de estruturas e materiais dos estratos da fase islâmica e a curiosidade sobre a verdadeira morfologia das várias estruturas serviram de base para uma continuidade nas intervenções arqueológicas dos anos seguintes à primeira intervenção, como já referi anteriormente. A preocupação principal focou-se em tentar atribuir uma tipologia concreta para este tipo de habitat em si (FABIÃO; GUERRA, 1991). Identifica-se uma ocupação da Idade 8

do Ferro com um povoado fortificado fundado em finais do século V a.C. inícios do séc. IV a.C., e continuada em período romano até finais do séc. I d.C., ou mesmo já nos inícios da centúria seguinte (FABIÃO, 1998, vol. 1, p. 277). Apesar de uma importante ocupação em época romana republicana, o povoado decai progressivamente, sendo paulatinamente abandonado conforme se vai desenvolvendo o novo regime administrativo do império romano. Seguindo a linha de raciocínio presente nos trabalhos de Amílcar Guerra e Carlos Fabião, Mesas do Castelinho corresponde ao modelo de povoado chamado de “povoado de ribeiro”, tipo III, sendo este bastante típico do chamado período pré-romano no Sudoeste peninsular (BERROCAL-RANGEL, 1992, p. 205), sendo, no entanto, diferente dos” modelos anteriores da chamada fase “orientalizante” ou Iº Idade do Ferro conhecidos na zona, quer na área de Neves-Corvo, concelhos de Castro Verde e Almodôvar, quer no vale do rio Mira” (FABIÃO; GUERRA, 2011, p. 460). O interesse neste povoado fortificado, insere-se no facto de este não corresponder com os modelos de povoamento da região, e no facto de não ser claro o motivo pela qual as comunidades que o fundaram escolheram o sítio, visto que os recursos naturais não são muito apreciáveis. O potencial agrícola é baixo, com excepção de algumas pequenas manchas aluviais junto à ribeira de Mora, curso de água pertencente à bacia hidrográfica do Guadiana (FABIÃO, 1998, p. 275). As riquezas mineiras são pouco expressivas, sendo a maior potência mineira da região a zona de Castro Verde inserida na faixa piritosa. (Idem, 2013, p. 461). A região actualmente tem a pecuária como a principal actividade económica, devendo ter sido igualmente relevante no quotidiano das populações da Antiguidade (FABIÃO, 1998, vol. 1, p. 277). Os investigadores responsáveis pelos trabalhos em Mesas do Castelinho apresentaram dois argumentos explicativos para a abordagem da origem da fundação do complexo. De uma forma resumida, o primeiro argumento apresentado refere que a fundação do povoado ocorreu devido ao abandono dos antigos núcleos locais de pequena extensão, tanto na bacia do Mira, como na área de Neves-Corvo (Almodôvar e Castro Verde), e consequente migração, coincidindo com a cronologia relativa à fundação de Mesas do Castelinho é fundado (FABIÃO, GUERRA, 2011, p. 461). Seja qual for o fenómeno que mais se aproxima da realidade, é difícil de verificar no registo arqueológico. (Idem, 2011, p. 462). Creio ser pertinente referir que Mesas do Castelinho não se distingue de maneira notória na paisagem, nem parece “configurar qualquer intenção de imposição concreta (ou simbólica) sobre um qualquer vasto território” 9

(Idem, 2013, p. 461). Contudo, possui um possível controlo sobre uma via de comunicação Norte/Sul, de travessia da Serra do Caldeirão, diluindo-se na paisagem na vertente Sul do povoado (Idem, 2011, p. 462). O que é interessante de referir é que sobressaíram dois conjuntos que mostram como o quadro de relações locais se orientava para Leste, na direção do Guadiana, não deixando de funcionar com o eixo Norte-Sul, na direção do actual Algarve através da Serra do Caldeirão. Esses conjuntos são as cunhagens de Myrtilis e as tésseras de chumbo de Ossonoba (Faro) (Ibid, 2011, p. 477). Estas redes de troca são muito importantes para perceber de que forma é que o povoado se desenvolveu e assimilou na região, e de que forma estaria aberto a um mercado mais abrangente e a uma circulação de bens e pessoas mais ampla do que originalmente se teria considerado. Numa fase seguinte, serão abordadas as linhas gerais que compõem os dois sectores do povoado fortificado de Mesas do Castelinho.

1.1. Plataforma A

Sendo a plataforma B o alvo primário do meu trabalho de investigação, no que toca à cerâmica com matrizes impressas, creio ser pertinente referir também, resumidamente, a sequência de intervenções levadas a cabo na plataforma superior (ou A) como forma introdutória aos trabalhos efectuados posteriormente na plataforma B. A plataforma A foi a que sofreu mais com a destruição levada a cabo pela maquinaria do seu antigo proprietário. Foi nesta plataforma que se iniciou a recolha de materiais de superfície em 1987, ano posterior à dita destruição, por parte de Carlos Jorge Ferreira. Os trabalhos de escavação sistemática e em continuidade tiveram início em 1988, com o objectivo de diagnosticar o estado em que se encontrava o sítio arqueológico e de analisar os materiais recolhidos em 1987. O sector A1 apresentou vestígios de época romana republicana com um conjunto arquitectónico chamado de “complexo de construções do séc. I a.C.”, sendo os vestígios da ocupação da Idade do Ferro pertencentes a uma pequena faixa sedimentar, contendo grandes recipientes com matrizes impressas, cerâmica ática, e cerâmicas com decorações pintadas em faixas (FABIÃO; GUERRA, 2011, pág. 466). Os sectores A2 e A3 tiveram como objectivo principal compreender a cronologia da construção das estruturas defensivas de Mesas do Castelinho, ainda “que com a

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perfeita consciência de que se tratava de áreas profundamente afectadas, sobretudo, pelas destruições recentes” (Idem, 2011, p. 466). O sector A4 está a ser escavado desde 2014, a primeira campanha em que participei, e os resultados mostram uma ocupação romana republicana de características essencialmente habitacionais (FABIÃO;GUERRA; ESTRELA, 2015, p. 18).

1.2. Plataforma B

O conjunto de cerâmicas de matrizes impressas que aqui analiso é proveniente da plataforma B, mais nomeadamente dos sectores B3 e B4. Mas antes de prosseguir para um trabalho descritivo mais pormenorizado desses sectores, farei uma breve introdução da plataforma inferior de Mesas do Castelinho. As primeiras intervenções realizadas nesta plataforma foram feitas no âmbito de uma sondagem feita na sua extremidade sudeste, onde tinha sido feito um enorme corte artificial por parte da destruição de 1986, atribuindo-se ao sector a designação de B1 (FABIÃO; GUERRA, 2011, p. 468). Os trabalhos no sector B2, localizado no quadrante Sudoeste da plataforma B, iniciaram-se em 1997 com o objectivo de compreender de que forma estava estruturado o povoado, na esperança que este se encontrasse em melhor estado nesta nova área aberta. Verificou-se um conjunto significativo de áreas habitacionais. As mais antigas eram estruturas de planta rectangular, construídas com adobes ou taipas sobre bases de pedra, identificando-se a presença de estruturas de combustão (lareiras) (FABIÃO; GUERRA, 2013, p. 470). Verificou-se também que a construção da estrutura defensiva utilizou as paredes das casas e uma parede exterior que lhes é paralela como apoio, sendo o espaço preenchido entre ambas com blocos de pedra, situação distinta da plataforma A, onde as casas se encostaram à muralha (Idem, 2013, p. 471). A estratigrafia não tornou possível a compreensão nítida do surgimento da muralha, não sendo evidente se a mesma foi erguida na fase inicial da ocupação, ou se foi erguida num momento posterior. De qualquer das formas, a compreensão desta realidade é algo fundamental na leitura do povoado, categorizando-o como “povoado cego”. Em 2002, alargou-se a escavação no sector B2 para Este, numa extensão de aproximadamente 90m², denominando a nova área como B3, com o objectivo de perceber como se comportava o interior do povoado e para fornecer alguma informação sobre as ocupações mais recentes, como é o caso do período muçulmano e do período 11

imperial romano, visto que apenas foram identificados poucos vestígios em todo o sector B2. Aquando do fim dos trabalhos nesse mesmo sector, verificou-se que o seu limite nascente “constituía uma área de utilização comum, muito provavelmente um arruamento do antigo povoado” (FABIÃO; GUERRA; LAÇO; ALMEIDA, 2003, p. 3). Verificou-se uma rua do período romano republicano com cerca de 4 metros de largura. No lado Este, foram identificadas duas casas, iguais entre si e com 2 pisos. O acesso a esses segundos pisos era feito através de escadarias exteriores, adossadas às fachadas, comunicando entre si apenas pela rua que lhes dava acesso. Nas traseiras desses mesmos edifícios, verificou-se a existência de outras construções que foram consideradas independentes destes, visto que não existia qualquer comunicação entre eles (FABIÃO; GUERRA, 2011, p. 474). Toda a área sofre uma remodelação profunda, datada genericamente do principado de Augusto, sendo a rua aqui estudada desactivada por uma construção de possível carácter habitacional, e os grandes edifícios subdivididos em compartimentos de menor dimensão (Idem, 2011, p. 475). Em 2013 começaram os trabalhos que tinham o objectivo de preparar, restaurar, conservar e valorizar o povoado fortificado de Mesas do Castelinho para que pudesse receber visitas, de âmbito histórico-turístico no âmbito do ante-projecto Percurso de Interpretação das Mesas do Castelinho. No que toca à escavação em si, abriu-se uma nova área a Sul dos sectores B2 e B3, chamada de B4, com o objectivo de “permitir o acesso pedonal dos visitantes do sítio arqueológico à Rua 1 e às habitações contínuas localizadas nos sectores B2 e B3, de época romana republicana” (FABIÃO; GUERRA; ESTRELA; ROCHA, 2014, p.3). Este novo sector foi aberto ao longo de 17 metros orientados de Norte para Sul por 7 metros orientados num eixo Este-Oeste, abrangendo uma área total total de 119 m² localizada no canto e limite Sudeste, respectivamente, dos sectores B2 e B3 (FABIÃO; GUERRA; ESTRELA; ROCHA, 2014, p. 10). Não irei abordar a análise concreta de cada ambiente criado com o objectivo de estudar unidades estratigráficas unitárias, procurando seguir uma sincronia de planos de ocupação (FABIÃO; GUERRA; LAÇO; ALMEIDA, 2003, p. 5). Irei sim abordar os ambientes que me dizem respeito no estudo deste conjunto cerâmico específico, proveniente dos sectores B3 e B4. Os ambientes concretos são 3 áreas de circulação, Rua 1, 2 e 3, bem como aterros, derrubes, soleiras, fontes de combustão e pisos de terra batida, identificados em compartimentos contíguos.

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Como enunciado no relatório proveniente da primeira campanha no sector B3 de 2003, a área da Rua 1 apresentou uma realidade bastante problemática, nomeadamente no que à estratigrafia diz respeito. O depósito superficial [UE 0] mostrou realidades muito diversificadas e permitiu a definição razoável do plano de fachada do novo edifício, pisos de lareira, sedimentos soltos e consolidados e até zonas de grande concentração pétrea, proveniente provavelmente de um derrube. Nos estratos de consistência mais solta, foi possível identificar materiais de época islâmica, como é o caso de uma moeda de prata inédita no povoado. Os trabalhos agrícolas no âmbito da plantação do olival na década de 60 do séc. XX tornaram impossível a definição de uma ocupação medieval-islâmica. O que se conclui das campanhas realizadas ao longo de 10 anos de escavação é que a Rua 1 promovia a ligação entre os vários compartimentos romanos republicanos identificados no sector B2, a Oeste e do sector B3, a Este. Os vários vestígios arqueológicos encontrados em contexto de rua estavam muito fragmentados, concluindo-se que essa área com aterros serviria como uma lixeira para onde se atiravam as peças que já não tinham utilidade. As ruas encontravam-se orientadas aproximadamente no sentido Norte-Sul (FABIÃO; GUERRA; ALMEIDA; RAMOS, 2005, p. 4). Os três ambientes de rua, aproximadamente distribuídos no povoado de maneira paralela entre si, permitiram retirar algumas conclusões acerca das mesmas. Verificou-se que a Rua 1 possuía 3.5 metros de largura, a Rua 2 tinha pouco mais de 3 metros e a Rua 3 4 metros. (FABIÃO; GUERRA; ESTRELA, 2011, p. 12). Em todos os casos, verifica-se que as ruas apresentam um grande palimpsesto de informação, com uma grande variedade de vestígios que remetem, nas suas fases mais antigas, para o período romano republicano, contexto este em que maioria do conjunto material aqui estudado foi encontrado.

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2. Metodologia O conjunto material aqui estudado começou por ser contabilizado seguindo o método do NMI-Número Mínimo de Indivíduos (ARCELIN, P.; TUFFREAU‐LIBRE, M. 1988), visto que algumas das cerâmicas se encontravam fragmentadas, e a inventariação desses mesmos fragmentos não se justificava na contagem do conjunto e para tal foi feito um exercício de análise de todos os fragmentos semelhantes com o objectivo de procurar se estes colavam uns com os outros. No seguimento da contagem, foi elaborado um inventário que incluiu todo o conjunto, tanto para o sector B3, como o sector B4, em que se atribuiram os vários critérios inerentes ao estudo da cerâmica “estampilhada”. Esses critérios foram o grupo a que cada exemplo pertencia, bem como a sua matriz impressa, o contexto em que foram recolhidos os materiais, se eram de âmbito local/regional ou importadas e, finalmente, a que época remetiam. Com o desafio levantado pelo professor Carlos Fabião, procurei saber se as cerâmicas se encontravam em contexto primário ou fora de contexto. Para tal analisei e percorri todas as fichas de unidade estratigráfica com o fim de recolher o máximo de informação possível que fosse pertinente para este trabalho. Com o inventário finalizado procurei selecionar os exemplares mais pertinentes para desenhar e apresentar no seminário. Escolhi desenhar cada uma das estampilhas diferentes existentes no conjunto, bem como todas as diferenciáveis como os bordos ou asas. Após o inventário, comecei por desenhar as estampas selecionadas de acordo com os critérios previamente estabelecidos, procurando apresentar o máximo de informação possível de cada peça, para que fosse possível compreender as várias matrizes impressas, bem como a dimensão e a forma de cada peça no que toca à morfologia. Após este processo, tintei cada um dos fragmentos desenhados e elaborei todas as estampas para posterior apresentação numa fase final deste projecto (ver estampas 1, 2 e 3). A descrição e classificação das diferentes formas e fabricos do conjunto cerâmico foram levadas em conta e descritas da forma mais elucidativa possível para compreender todo o potencial informativo aqui existente, visto que esse é o principal objectivo de todo este trabalho.

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Numa fase final da descrição do conjunto material, procurei compreender em que contextos é que se encontraram os fragmentos e estabelecer alguns paralelismos entre os sectores.

3. Cerâmica com matrizes impressas

As cerâmicas de matrizes impressas são, como o próprio nome indica, cerâmica com uma decoração feita com a impressão de matrizes sobre a argila ainda fresca, antes do processo de cozedura propriamente dito. Abrange um grande número de formas e tamanhos e é um dos fósseis-directores no que toca à chamada II Idade do Ferro do interior do Sudoeste peninsular, documentada no povoado de Mesas do Castelinho (FABIÃO, 1998, vol. 2, pág. 79). Irei apresentar aqui um esquema de diferenciação para este tipo de cerâmica, referindo os aspectos gerais de cada grupo a que pertencem os meus materiais, bem como as suas matrizes.

3.1. Grupos cerâmicos

Quanto à morfologia dos exemplares, atribuem-se 5 grupos com antiguidades e fabricos específicos. O primeiro grupo (Grupo I), de produção local/regional é considerado o mais antigo, nomeadamente do século V a.C. e é representado por recipientes de armazenagem de grandes dimensões, com ou sem asas curtas, de secção circular, ou “pseudo-bífidas” (asas de rolo, com profundas incisões longitudinais). As superfícies exteriores podem apresentar acabamentos cuidados com a presença de alisamento ou polimento, frequentemente sobre engobes ou “aguadas”. As produções deste grupo são manuais. A disposição da matriz em si é feita na parte superior das peças numa ou várias filas de impressões de matrizes. Não é muito frequente encontrar combinações de matrizes, mas creio que é sempre pertinente referir tal informação. As matrizes apresentam quase sempre motivos do tipo “geométrico”, nomeadamente círculos, quadrados e rectângulos, raiados, enquadrando cruciformes, recticulados, chegando a verificar-se outros motivos como escudetes, losangos ou palmetas (Idem, 1998, vol. 2, p. 81 e 83). O facto de se tratar de grandes recipientes de armazenagem e não de transporte é explicado devido ao aspecto grosseiro das pastas, à dimensão os

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recipientes, e ao tamanho das suas asas, quando presentes, visto que estas são raras e inadequadas no que toca a funções de preensão e tensão (Idem, 1998, vol. 2, p. 83). O segundo grupo (Grupo II), também de produções locais/regionais, tem características semelhantes ao anterior, mas os recipientes são de menores dimensões e, ao contrário do que sucede no grupo anterior, são fabricados a torno e, consequentemente, as paredes são menos espessas, tornando-os mais leves e frágeis, bem como limitando as suas dimensões. Possui também continuidade cronológica em relação ao anterior e é reflexo da generalização da técnica do torno (Idem, 1998, vol. 2, p. 81-82). O terceiro grupo (Grupo III), com morfologia semelhante ao grupo anterior, apresenta matrizes de técnica “mista”, combinando as “grinaldas”, feitas com roleta, com as “estampilhas” e incisões. Estes recipientes são normalmente de menores dimensões, em relação aos dois grupos anteriores, mas podendo ser coevo do grupo II. Percebe-se que há uma sofisticação nas técnicas de fabrico, nomeadamente as paredes mais finas e o uso do torno. Estes exemplares são também de produções locais/regionais (Idem, 1998, vol. 2, p. 84). O grupo IV é um pouco diferente dos grupos anteriores. Apresenta ornamentações que combinam as matrizes impressas com a pintura. Além desta combinação de técnicas, denotando um interessante fenómeno de síntese entre duas tradições ornamentais é importado (Idem, 1998, vol. 2, p. 82 e 83). Finalmente, o último grupo (Grupo V), também de importação, é representado por recipientes de pequenas dimensões e com paredes finas, com as matrizes impressas apresentando sinais de grande exuberância decorativa, bem como múltiplas combinações de diferentes matrizes. Estes exemplares apresentam pastas de boa qualidade, depurada, de tons cinzentos, apresentando-se muitas vezes com a superfícies polidas. Ao contrário do que sucede nos grupos anteriores, ditos como recipientes de armazenagem, este conjunto de menores dimensões são enquadrados no âmbito das “cerâmicas de mesa” (Idem, 1998, vol. 2, p. 83, ver quadro 1).

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3.2.Análise das matrizes

No que toca à classificação das matrizes em si, usando a classificação de Arturo Ruiz Rodriguez e Francisco Nocete Calvo, farei aqui uma breve apresentação das várias tipologias atribuídas por ambos. Inicialmente será feita a análise das formas das matrizes, e numa fase posterior tratar-se-á dos motivos em si. Quanto à forma impressa na cerâmica existem quatro tipos. O primeiro, tipo A, é relativo às “estampilhas” quadradas, ou rectangulares, por vezes com os vértices arredondados mas sem perder a estrutura original dos mesmos. O segundo, tipo B, é representado pelas formas circulares e ovais. O terceiro tipo, o C, é relativo às formas triangulares, incluindo as subtriangulares, os semicírculos e as formas ogivais e cordiformes. Finalmente existe o tipo D, mais complexo, que rompe com a figura geométrica simples, nomeadamente, os quadrados, círculos e triângulos (RODRIGUEZ; CALVO, 1981, p. 356). Quanto aos motivos decorativos estes subdividem-se em 8 grupos, grupos esses que são a forma mais precisa de classificação e descrição dos vários padrões encontrados nas cerâmicas com matrizes impressas. O primeiro motivo (I) é o motivo em eixo, em que o desenho da matriz adquire uma tendência longitudinal a partir de uma linha, ou eixo, que pode ocupar a parte mais larga da “estampilha”, aparecendo por vezes na diagonal. Esta linha pode apresentar-se cortada por várias linhas pequenas que reproduzem um pente duplo que, nas formas circulares, lembra os nervos de uma folha. O segundo motivo (II) é o radial. Este é caracterizado por um ponto central cujo diâmetro varia desde a matriz em forma de sol, na qual se apresenta como um disco, até à forma de roda na qual apenas é presumida para se converter apenas no ponto de união dos raios. Inclui-se neste grupo a forma de roseta (mesmo com as distintas espessuras do raio). Nas formas quadradas os vãos entre raios apresentam motivos muito variados (triângulos, triângulos perfurados, etc.). Quanto ao terceiro motivo (III), o padrão é reticulado, ou seja, apresenta um jogo de linhas que se cruzam, aparentando uma quadrícula. Podem existir variações a nível da espessura das linhas que, quando são maiores, reduzem o número de quadrículas.

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O quarto motivo (IV), com a conotação de concêntrico, reproduz a forma da matriz, apresentando, ou não, um ponto central. Neste grupo integram-se os círculos em positivo com círculo exterior negativo. O quinto motivo (V) é designado por ter linhas curvas não fechadas, e inclui as formas em C e as formas em S. As espirais podem ser simples ou duplas (S). Os negativos podem ser ocupados por representações de pequenos triângulos, pontos, quadrados, etc. O sexto motivo (VI) é caracterizado por linhas quebradas não fechadas, agrupa o ziguezague, a “grega” ou o C anguloso ou quadrado aberto. O sétimo motivo (VII) não é representativo, com motivos pouco significativos no conjunto da amostra. O oitavo e último motivo (VIII) é figurativo e inclui as formas antropomórficas ou zoomórficas (RODRIGUEZ; CALVO, 1981, p.357 ver quadro 2).

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4. Resultados

4.1. Sector B3

Na análise do meu conjunto material (164 fragmentos), decidi dividir a apresentação dos resultados por sector e não pelo conjunto global. Isto porque as realidades em que se encontraram os materiais são diferentes de sector para sector, e os objectivos estipulados na altura das escavações dos mesmos foram diferentes como já referi anteriormente. A grande maioria dos fragmentos são bojos, 103 (95%) para o sector B3 e 53 (95%) para o sector B4. Quanto aos bordos, no sector B3 verifica-se a presença de 4 fragmentos (4%) e no sector B4 existem 2 fragmentos (3%). Mais raros, temos os arranques de asa com 1 exemplar em cada sector (1% no sector B3 e 2% no sector B4. Estes exemplares não me permitiram identificar concretamente o tamanho real de cada peça, apenas os maiores exemplares, e os classificáveis é que tornaram possível atribuir um diâmetro fiável (ver estampa 1).

4.1.1. Grupos

Quanto ao sector B3 o número de cerâmicas de matrizes impressas é de 108 fragmentos. Desses 108 fragmentos, 75 (69%) pertencem ao Grupo I, de maior antiguidade e relativo aos recipientes de grandes dimensões com fins de armazenagem e em que o fabrico dos mesmos era de âmbito manual. A presença dominante destes fragmentos evidencia, segundo os dados da estratigrafia, uma reutilização e coexistência entre os grandes recipientes e os de médio/pequeno porte (FABIÃO, 1998, vol. 2 pág.81). Seguindo a ordem decrescente do conjunto material, o Grupo V com 13 fragmentos (12%) é representado por cerâmicas de pequenas dimensões e paredes finas, com pastas bem depuradas e bem cozidas de tonalidade cinzenta. Este grupo cerâmico é representado neste conjunto por pequenos recipientes, nomeadamente potes ou copos e apresentam polimento e acabamento cuidado. Seguidamente verifica-se que o Grupo II se encontra representado por 6 fragmentos (6%), caracterizado por recipientes de armazenagem como o Grupo I, no entanto, o seu fabrico é a torno e as suas pastas são mais finas, verificando-se uma certa continuidade funcional (FABIÃO, 1998, vol. 2, pág. 97). Finalmente temos o Grupo IV representado por 3 fragmentos (3%)

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caracterizado pelos fragmentos que apresentam uma combinação decorativa de matrizes impressas com a pintura, e é o grupo menos representativo tanto no sector B3, sendo inexistente no B4. Por mau estado de conservação dos fragmentos e pela ilegibilidade das suas matrizes classifiquei 11 fragmentos (10%) como “não atribuídos” aos respectivos grupos e matrizes. Como parte integrante do meu conjunto, é sempre importante de referir que nem sempre é possível ao arqueólogo classificar na íntegra o conjunto material com que trabalha. (Ver gráfico 1)

4.1.2. Matrizes

No âmbito das matrizes, temos as de morfologia B/II com o maior número dentro do conjunto com a presença de 31 fragmentos (29%) representado por matrizes circulares com motivos radiais, tanto de pequenas como de médias dimensões. Seguidamente, temos a presença também acentuada de 21 fragmentos (19%) com matrizes B/IV de morfologia igualmente circular, mas com círculos concêntricos. A matriz B/I com 18 fragmentos (17%) é representada por motivos em eixo dentro da forma circular. A matriz de A/II surge de seguida com a presença de 8 fragmentos (7%) e é caracterizada por formas quadradas com motivo radial. Com 6 fragmentos (5%) da matriz B/III, ou seja, formas circulares com motivo reticulado. Também reticulado mas dentro de formas quadradas, a matriz A/III está representada por 5 fragmentos (5%). A matriz A/I de formas quadradas e motivo em eixo está representada no sector B3 com 5 fragmentos (5%). Com uma presença mais modesta, a matriz C/III, triangular e motivos reticulados, está representada por apenas 3 fragmentos (3%). Tal como referi no subcapítulo anterior, o meu conjunto cerâmico tem 10 fragmentos (9%) em que não foi possível atribuir tipologias às suas matrizes por má qualidade de conservação dos fragmentos (Ver gráfico 2).

4.1.3. Produções

A maioria das produções de cerâmicas com matrizes impressas do povoado fortificado de Mesas do Castelinho é de de âmbito local/regional. Relativamente ao sector B3, 92 dos fragmentos (85%) são de produções locais. Ainda no sector B3, 16 20

fragmentos são de âmbito de importação, referentes a 13 fragmentos do Grupo V e a 3 fragmentos do Grupo IV cujas características já referi anteriormente (ver gráfico 3). Quanto ao grupo IV, dos mais raros em que mistura se as matrizes impressas com a pintura, têm proveniência da área andaluza, ou pelo menos algum tipo de influência ou inspiração morfológica para o fabrico destes recipientes (ESTRELA, 2010, p. 62). O grupo V, com as suas pastas cinzentas e as suas paredes mais finas, estima-se que a sua proveniência seja da “área lusitana”, verificando-se vários exemplos em diversos locais do Sudoeste, mais propriamente nas áreas mais setentrionais (FABIÃO, 1998, vol. 2, p. 101) (Ver gráfico 3).

4.1.4. Contexto

Em termos do contexto em que foram encontrados todo o meu conjunto material, importa referir que a grande maioria foi encontrada em contextos de ruas e aterros. 44 fragmentos (41%) foram encontrados em contexto de rua o que poderá denotar aquela corrente de pensamento comum de se considerar as ruas como o local para onde se descartavam os materiais que já não tinham uso, ou seja, uma espécie de “lixeira” fosse por desgaste das peças, ou porque se fragmentaram. 29 exemplares (27%) foram encontrados em contexto de aterros, seguindo a mesma situação que se sucede em contexto de rua. Todavia, neste contexto verifica-se que se procedeu a uma terraplanagem para fazer, ou não, um novo piso, e que neste contexto as peças foram indubitavelmente descartadas. 9 fragmentos (8%) foram encontrados em níveis de piso de terra batida, 2 (2%) em soleiras, 1 (1%) numa lareira e, finalmente, 1 (1%) em contexto evidente de derrube. 22 fragmentos (20%) foram identificados em áreas não compartimentadas, ou seja, sem ambientes atribuídos (ver gráfico 4).

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4.2.Sector B4

4.2.1. Grupos No sector B4 verifica-se uma situação um pouco diferente. Esta área foi aberta foi para integrar o percurso pedonal de visita do sítio arqueológico à Rua 1 e às habitações contíguas localizadas nos sectores B2 e B3 (FABIÃO; GUERRA; ESTRELA; ROCHA, 2014, pág. 3). Na área aberta com 119m² foram encontrados 56 fragmentos, 52 deles (93%) referentes ao Grupo I, ou seja, provenientes de recipientes de grandes dimensões, de fabrico manual e de armazenagem com a maior antiguidade dentro da tipologia estabelecida por Carlos Fabião (FABIÃO, 1998, vol. 2, pág. 81). Os restantes fragmentos deste conjunto pertencem ao Grupo II, com a presença de 4 fragmentos (7%) e apresentam características de paredes mais finas que o grupo anteriormente referenciado, e a sua produção é a torno lento. Neste caso, considera-se que os recipientes continuem a ser de armazenamento devido à continuação da utilização de pequenas asas que não seriam muito úteis no transporte propriamente dito (ver gráfico 5).

4.2.2. Matrizes

Quanto às matrizes, as mais representativas deste conjunto são as de morfologia B/II com a presença de 38 fragmentos (68%) com as matrizes circulares e os motivos radiais. De seguida temos a presença de 13 fragmentos (23%) de morfologia B/IV com os seus círculos concêntricos. Depois de forma menos acentuada, verifica-se a presença de 2 fragmentos de matrizes B/I de morfologia circular e motivos em eixo, e ainda a presença de 2 fragmentos (3%) das matrizes com a morfologia de A/II, de morfologia quadrada e matriz radial. Finalmente, com apenas 1 fragmento (2%) há um exemplo de matriz B/III, de morfologia circular e padrão reticulado.

4.2.3. Produções e Contexto

Todos estes fragmentos são provenientes de produções locais e 40 deles (71%) foram encontrados em contexto de rua, provenientes da Rua 1. Os restantes 16 (29%) não estavam inseridos em ambientes definidos.

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5. Conclusão Existe uma série de conclusões que se podem retirar neste trabalho no âmbito da cadeira de Seminário da Licenciatura de Arqueologia. Mesas do Castelinho é um povoado deveras fascinante e o conjunto cerâmico que aqui estudei é prova disso. Inicialmente tinha como objectivo trabalhar algo que tivesse a ver com o povoado de Mesas do Castelinho e foi-me sugerido trabalhar as cerâmicas de matrizes impressas do sector B3 e B4 que prontamente aceitei. As cerâmicas de matrizes impressas estão associadas aos povoados fortificados da chamada “II Idade do Ferro” do Sudoeste peninsular (FABIÃO, 1998, vol. 2, p. 79), e todo este conjunto cerâmico foi encontrado em contextos relacionados com níveis associados ao período romano republicano, evidenciando assim uma certa continuidade de difusão e utilização deste tipo específico de cerâmicas. Estudou-se uma grande variedade de matrizes e dos seus respectivos grupos e compreendeu-se uma série de factores. Uma nota inicial imperativa de se referir é que os dois sectores foram escavados com objectivos diferentes e os resultados obtidos são diferentes entre eles. Abrangendo uma maior área, o sector B3 reúne um maior e mais diversificado leque de ambientes e verificou-se que a maior incidência de fragmentos advém dos contextos de rua e aterros. Verificou-se também que, assim como no sector B4, o grupo mais evidente é o Grupo I referente aos grandes recipientes fabricados manualmente, e as matrizes que mais surgem no conjunto material são as de B/II e B/IV, verificando-se a preponderância dos motivos circulares com matrizes radiais e com círculos concêntricos respectivamente. Isto poderá denotar uma certa preferência pessoal neste tipo de recipientes. Não deixa de ser importante de referir também os outros exemplares deste rico e diversificado conjunto material mas que graças ao seu grau de conservação, não é possível perceber o tamanho real dos recipientes visto que a maioria do conjunto é composto por bojos. Só é possível compreender a que tipo específico pertence cada fragmento graças à espessura e acabamento das argilas, e foi com esses critérios que me foi possível elaborar esta análise mais concreta dos vários exemplos existentes. Importa também referir que este povoado fortificado não foge ao padrão da pouca representatividade no Sudoeste peninsular das produções do Grupo IV (matrizes impressas com pintura). Com apenas 3 fragmentos no sector B3 pode-se concluir que esta tradição ornamental é exterior a esta área geográfica (FABIÃO, 1998, vol. 2, pág.

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100). Ainda no âmbito das cerâmicas importadas, o Grupo V não se apresentou no sector B4, aparecendo apenas no sector B3, e é um dos grupos cerâmicos que evidenciam uma certa especialidade no fabrico diferenciado e cuidado das argilas, sendo evidente um certo gosto por estes exemplares relacionados com a cerâmica de mesa. Numa outra instância isto poderá denotar um maior poder de compra destas comunidades, mas este é um facto que se torna difícil de comprovar. Este grupo cerâmico não é, como o que referi anteriormente, predominante no conjunto global. Com uma presença modesta de apenas 13 fragmentos não é considerada a produção mais procurada nesta região. Existe um grande número de incógnitas relativamente a este tipo de produções cerâmicas. Não se conhece verdadeiramente o significado das matrizes e se as mesmas estariam, ou não, relacionadas com o tipo de conteúdo armazenado. Todavia, não deixa de ser interessante procurar desenvolver este e outros temas relacionados com este tipo de cerâmica, um dos mais emblemáticos da chamada da II Idade do Ferro no interior do Sudoeste peninsular.

24

6. Bibliografia ARCELIN, P. et TUFFREAU‐LIBRE, M. (dir) (1988) ‐ La quantification des céramiques. Conditions et protocole. Actes de la table ronde du Centre archéologique européen du Mont Beavray: La quantification des céramiques. Conditions et protocole. Glux‐en‐Glenne: Centre archéologique européen du Monte Beuvray. Bibracte. 2, p. 141‐157 BERROCAL-RANGEL, L. (1992) - Los Pueblos Célticos de la Península Ibérica. Complutum Extra 2, Madrid: Universidad Complutense de Madrid.

ESTRELA, S. (2010) – Os Níveis Fundacionais da Idade do Ferro de Mesas do Castelinho (Almodôvar). Os Contextos Arqueológicos na (Re) Construção do Povoado. Dissertação de Mestrado orientada pelo Professor Doutor Carlos Fabião. Lisboa: Faculdade de Letras de Lisboa. [http://hdl.handle.net/10451/3009].

FABIÃO, C. (1998) – O Mundo Indígena e a sua Romanização na Área Céltica do Território hoje Português. Tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 3 Vols. [policopiado].

FABIÃO, C.; GUERRA, A. (1991) – O povoado fortificado de “Mesas do Castelinho”, Almodôvar. Actas das IV Jornadas Arqueológicas da Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 1990. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses. P. 305319.

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FABIÃO, C.; GUERRA, A.; ESTRELA, S. (2011) – Mesas do Castelinho. Relatório da campanha 21 (2010). Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa [policopiado].

FABIÃO, C.; GUERRA, A.; ESTRELA, S. (2014) – Mesas do Castelinho. Relatório da campanha 24 (2013). Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa [policopiado].

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FABIÃO, C.; GUERRA, A.; ESTRELA, S.; ROCHA, A. (2014) – Mesas do Castelinho. Relatório da campanha 24 (2013). Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa [policopiado].

FABIÃO, C.; GUERRA, A.; LAÇO, T.; ALMEIDA, R. (2004) - Mesas do Castelinho, Almodôvar. Relatório da campanha 15 (2003). Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa [policopiado].

FABIÃO, C.; GUERRA, A.; RAMOS, A. C.; LAÇO, T. (2003) – Mesas do Castelinho, Almodôvar. Relatório da campanha 14 (2002). Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa [policopiado].

FERREIRA, C. J. (1992) – Escavações no povoado fortificado das Mesas do Castelinho (Almodôvar). Relatório preliminar. Vipasca. Arqueologia e História. Aljustrel: Unidade Arqueológica de Aljustrel/ Câmara Municipal de Aljustrel. 1, p. 19-37.

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RUIZ RODRIGUEZ, A. e NOCETE CALVO, F. (1981) – Un modelo sincrónico para el análisis de la producción de cerámica ibérica estampillada del Alto Guadalquivir. Cuadernos de Prehistoria de la Universidad de Granada. Granada: Universidad de Granada. 6, p. 355-383.

VIANA, A.; FERREIRA, O. da V.; SERRALHEIRO, P.e A. (1956) – Apontamentos arqueológicos dos concelhos de Aljustrel e Almodôvar. Actas do XXIII Congresso Luso-Espanhol da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências. Coimbra, 1956, 7ª Secção Ciências Históricas e Filológicas. Coimbra. VIII, p. 461-470.

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7. Anexos

Grupo

I

Função do recipiente

Armazenagem

Dimensões do recipiente

Grande e pequeno/médio

Acabamento das superfícies externas

Matriz Impressa

Cronologia

Origem

Manual

Cuidado, proporcionado pelo torno lento

Surge na parte superior da peça numa ou várias filas de uma mesma matriz ou combinando matrizes diferentes ou técnicas distintas (como a impressão de linhas sinuosas ou outras)

Séc. V - II a. C.

Local/Regional

Torno

A menor espessura das paredes, proporcionada pelo torno possibilitaria substanciais melhoramentos mas, ao mesmo tempo, dava mais fragilidade à peça

Surge na parte superior da peça, logo abaixo do colo

Mais recente que o Grupo I e em continuidade cronológica com ele

Local/Regional

Técnica mista: grinaldas feitas com roleta combinadas com "estampilhas" e incisões

Pode ser coevo do Grupo II ou posterior a ele, sendo mais recente que o Grupo I

Local/Regional

Fabrico

Armazenagem e preparação de alimentos

De menores dimensões que os recipientes do Grupo I

III

Armazenagem

Pequenos e grandes, mas genericamente menores que as peças dos Grupos I e II

Torno

Bons, proporcionados pelo fabrico ao torno mas que fragilizam, de algum modo, a peça

IV

Armazenagem

Médios

Torno

Cuidado, proporcionado pelo torno

Técnica mista: "estampilha" e pintura em faixas

V

Serviço de mesa

Pequenos e com paredes finas

Torno

Cuidado, com superfícies polidas ou alisadas

"Estampilhas" de grande exuberância decorativa e situações de matrizes distintas.

II

Importação

Coevo dos Grupos II e III, podendo ser admitido um âmbito mais recente, ainda em uso à data dos primeiros contactos com o mundo romano

Quadro 1-(ESTRELA, 2010, errata do vol. 2 do quadro de síntese dos grupos (FABIÃO, 1998, vol. 2. p.81-83)

27

Importação

Motivos das matrizes

Designação

Descrição

I

Em eixo

Desenho de tendência longitudinal a partir de uma linha ou eixo que pode ocupar a parte mais larga da “estampilha”, aparecendo por vezes na diagonal. Esta linha (ou eixo) pode apresentar-se cortada por várias linhas pequenas que reproduzem um pente duplo, que, nas formas circulares, lembra os nervos de uma folha.

II

Ponto central cujo diâmetro varia desde a matriz em forma de sol, na qual se apresenta como um disco, até a forma de roda na qual apenas é presumida para se converter apenas no ponto de união dos raios. Inclui-se neste grupo a roseta (mesmo com as distintas espessuras do raio). Nas formas quadradas os vãos entre raios apresentam motivos muito variados (triângulos, triângulos

Radial

perfurados, etc.).

III

Jogo de linhas que se cruzam, aparentando uma quadrícula. Podem existir variações a nível da espessura das linhas, que, quando são maiores reduzem o número de

Reticulado

quadrículas.

IV

Concêntrico

Reproduz a forma da matriz, apresentando ou não um ponto central. Neste grupo integram-se os círculos em positivo com círculo exterior negativo.

V

Linhas curvas não fechadas

Inclui as formas de espirais ou de volutas, as formas em -c- e as formas em -s-. As espirais podem ser simples ou duplas (-s-). Os negativos podem ser ocupados por representações de pequenos triângulos, pontos, quadrados, etc.

VI

Linhas quebradas não fechadas Agrupa o ziguezague, a “grega” ou o -c- anguloso ou quadrado aberto.

VII

Não representativo

Motivos

pouco

significativos

no

conjunto da amostra.

VIII

Inclui as formas antropomórficas ou

Figurativo

zoomórficas.

Quadro 2 –Tipos de motivos das matrizes impressas, de acordo com a classificação de Ruiz Rodriguez e Nocete Calvo, 1981, p. 357. (Em ESTRELA 2010, Vol. 2.) 28

Gráficos do sector B3

GRUPOS I

II

IV

V

N.A.

10%

12%

3% 6% 69%

Gráfico 1- Percentagem de fragmentos relativos ao Grupo em que se inserem.

MATRIZES A/I

A/II

A/III

A/IV

B/I

N.A. C/III 9% 3%

B/II A/I 5%

B/III

A/II 7%

B/IV 19%

B/IV

C/III

N.A.

A/III A/IV 5% 1% B/I 17%

B/III 5% B/II 29%

Gráfico 2- Percentagem de fragmentos relativos às matrizes que apresentam.

29

PRODUÇÕES Local/Regional

Importação

15%

85%

Gráfico 3 – Percentagem de fragmentos relativos à sua origem na produção.

FRAGMENTOS Bordo

Arranque de asa

Bojo

Bordo de asa Arranque 4% 1%

Bojo 95%

Gráfico 4 – Percentagens referentes à morfologia dos fragmentos. 30

CONTEXTOS Rua

Aterro

Derrube

Piso de terra batida

Soleira

Estrutura de combustão

N.A.

20%

41%

1% 2% 8% 1%

27%

Quadro 5 – Percentagens relativas aos contextos em que se encontravam os fragmentos.

Gráficos do sector B4

GRUPOS Grupo I

Grupo II

7%

93%

Gráfico 6- Percentagem de fragmentos relativos ao Grupo em que se inserem.

31

MATRIZES A/II

B/I

B/II

B/III

B/IV

A/IIB/I 3% 4%

B/IV 23% B/III 2%

B/II 68%

Gráfico 7- Percentagem de fragmentos relativos às matrizes que apresentam.

FRAGMENTOS Bojo

Arranque de asa

Bordo

2% 3%

95%

Gráfico 8 – Percentagens referentes à morfologia dos fragmentos.

32

CONTEXTOS Rua

N.A.

29%

71%

Quadro 9 – Percentagens relativas aos contextos em que se encontravam os fragmentos.

33

Estampa 1

MC 24(13) B3 [63] 4412

MC 15 (03) B3 [119] 4289

MC 17(06) B3 [472] 4326

MC 16(05) B3 [0] 4260

MC 17 (06) B3 [0] 4261

Fig. A: Fragmentos classificáveis do Sector B3 de matrizes A e B. 10 cm

Estampa 2

MC 16(05) B3 [260] 4302

MC 15(03) B3 103 4282

MC 17(06) B3 [472] 4324

MC 18 (07) B3 [513] 4331

MC 18(07) B3 [623] 4333

MC 24 (13) B3 [1213] 4350

MC 15(03) B3 [332] 4367

MC 15 (03) B3 [128] 4291

MC 15(03) B3 [190] 4296

Fig. B: Cerâmica com matrizes impressas do sector B3 com matrizes A, B e C.

MC 14(02) B3 [39] 4364

MC 14(02) B3 [53] 4362

MC 14(02) B3 [39] 4363

Fig. C: Cerâmica com matrizes impressas do Grupo V.

MC 16(05) B3 [332] 4365

Fig. D: Cerâmica do Grupo IV com matrizes impressas e pintura (clipping mask).

10 cm

Estampa 3

MC 24(13) B4 [43] 4376

MC 24(13) B4 [68] 4409

Fig. E: Fragmentos classificáveis de cerâmica com matrizes impressas do sector B4 com matrizes do grupo B.

MC 24(13) B4 [63] 4416

MC 24 (13) B4 [63] 4415

MC 24(13) B4 [63] 4410

MC 24(13) B4[63] 4419

MC 24(13) B4 [135] 4396

MC 24(13) B4[63] 4413

MC 24(13) B4 [139] 4398

MC 24 (13) B4 [54] 4380

10 cm

MC 24(13) B4 [108] 4392

Fig. F: Cerâmica com matrizes impressas do sector B4 com matrizes A e B. 10 cm

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