Metabolismo Social: o caso de estudo das Marinhas de Rio Maior

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1 a 20, 2015

Metabolismo Social: o caso de estudo das Marinhas de Rio Maior. Ana Lopes1, Beatriz Ribeiro2, Marta Jardim3, Raquel Martins4 e Vera Cantante5 (1), (2), (3), (4), (5) Instituto Universitário de Lisboa, ISCTE-IUL, Escola de Tecnologias e Arquitectura, Departamento de Arquitectura e Urbanismo, Mestrado Integrado em Arquitectura Avenida das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa, Portugal (1) [email protected] (2) [email protected] (3) [email protected] (4) [email protected] (5) [email protected]

Resumo Neste artigo apresenta-se a interpretação do grupo, sobre o processo e conceito de metabolismo social, económico e urbano com base no caso de estudo adoptado, as Marinhas de Sal de Rio Maior. No desenvolvimento do trabalho, o conceito de metabolismo social é maioritariamente apoiado no artigo de Toledo & Molina (2007), devido às semelhanças das características reconhecidas no processo e no caso de estudo seleccionado. Sintetizando a linha base de metabolismo social, a análise morfológica urbana, social e económica das Marinhas de Sal de Rio Maior, surge como parte fundamental para estabelecer um modelo do seu processo metabólico. Ou seja, esta análise permite estabelecer relações entre o desenho urbano, a arquitectura e as actividades associadas à produção e extracção de sal. Da interpretação do conceito e da análise, resulta o processo metabólico das salinas, com base na sua paisagem urbana e natural, na intervenção e participação da Cooperativa e no desenvolvimento turístico, por parte da Câmara Municipal de Rio Maior. Palavras-chave: metabolismo social; processo cultural; morfologia urbana; salinas; Rio Maior.

Abstract This paper introduce the group’s interpretation about the process and concept of social, economic and urban metabolism, based on the study case selected, Marinhas de Sal de Rio Maior. During work development, the concept of social metabolism is sustained by Toledo & Molina (2007) journal article, due to the characteristics’ similarities recognized among the process and the study case selected. Summarizing the base line of social metabolism, the morphological, urban, social and economics analysis, appears as fundamental part of the metabolic process for stablishing the rule model. It means, that this analysis will permit stablishing relations between the urban design, the architecture and the activities associated to the production and extraction of salt. Therefore, from the concept and analysis interpretation, it can generate the metabolic process of the salt works, based on its urban and natural landscape, on Cooperativa’s intervention and participation, and based on touristic development, from Câmara Municipal de Rio Maior. Key-words: social metabolism; cultural process; urban morphology; salt works; Rio Maior.

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Introdução É objectivo deste trabalho, apresentar uma relação entre o conceito de metabolismo social, e o caso de estudo seleccionado pelo grupo, as Marinhas de Sal de Rio Maior. Para estabelecer o conceito de metabolismo social, consideraram-se diversos artigos científicos, de modo a gerar uma linha de pensamento que vai apoiar a conclusão do actual artigo. O caso de estudo seleccionado tem por base a seguinte afirmação “A produção de sal em Rio Maior tem forte significado na economia regional mas não existe um estudo económico rigoroso por falta de dados exactos, de estatísticas completas e reais.” (Goucha et al., 1977), que revela características particulares, como a gestão da economia regional, relativa à produção de sal, a sua representação na comunidade de Rio Maior, que permite o desenvolvimento e estudo do conceito de metabolismo social, aplicado às salinas. O trabalho consistiu numa primeira fase de recolha de informação e respectiva análise de textos relacionados com a formação das salinas, que partiram de pesquisa do grupo e de documentos cedidos pela Câmara Municipal de Rio Maior, numa segunda fase de assimilação da informação recolhida, seguiu-se uma visita guiada às salinas, acompanhada por conversas informais com Bruno Lopes - Representante do Departamento de Turismo da Câmara Municipal de Rio Maior, e com José Casimiro - actual Presidente da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior. O artigo encontra-se estruturado em diferentes capítulos que se complementam entre si, nomeadamente: (a) Metabolismo Social – como se pode definir o conceito de metabolismo social, segundo os artigos considerados, qual a linha de pensamento adoptada pelo grupo; (b) Enquadramento geográfico, histórico e geológico das Marinhas de Sal de Rio Maior – qual a situação geográfica das Marinhas, qual a origem da formação de sal, o registo cronológico das salinas de Rio Maior; (c) Análise morfológica urbana actual - organização das salinas de Rio Maior com a respectiva envolvente, a paisagem urbana e a paisagem natural, e como se configuram as salinas; (d) Participação da Cooperativa - a origem da Cooperativa, o seu impacto social e físico relativamente às salinas, fundamentado pelo seu envolvimento; (e) Vertente turística - a crescente importância do desenvolvimento do turismo para as salinas de Rio Maior e a participação da comunidade. Agradece-se à Drª. Cristina Vicente da Câmara Municipal de Rio Maior, ao Sr. Bruno Lopes do Posto de Turismo das Salinas e ao Sr. José Casimiro, Presidente da Cooperativa Agrícola dos Produtores de Sal de Rio Maior, pela informação disponibilizada e pela visita guiada às instalações das salinas que permitiu um maior desenvolvimento deste trabalho.

Metabolismo Social Partindo da definição científica de metabolismo como “um conjunto de processos, complexos e ininterruptos de transformação de matéria e energia pela célula e pelo organismo, no decorrer de fenómenos orgânicos de edificação e degradação, anabolismo e catabolismo” (2003, p. 4702), Toledo & Molina (2007) comparam tais processos às relações socias que não podem apenas ser analisadas física e biologicamente. Deste modo, entende-se o metabolismo como uma estratégia de defesa e sobrevivência do organismo (Oliveira & Fraga, 2011), demonstrando constituir uma característica fundamental para qualquer processo de vida (Sieferle, 2011). As relações sociais estabelecidas entre a sociedade e a natureza apresentam um carácter unidireccional, que de acordo com Toledo & Molina (2007) deve ser entendido como um processo co-evolutivo. Este implica a construção duma relação entre o mundo social e o natural com o factor

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tempo, tornando-os assim indissociáveis. Assim, como resultado desta relação surge o conceito de metabolismo social (Toledo & Molina, 2007). A primeira definição de metabolismo social associa-se a Marx, que referiu o conceito não apenas entendido como uma troca de recursos dentro da sociedade, mas também como a criação de relações de produção na sociedade, revelando uma interdependência entre a natureza e o ser humano (Fischer-Kowalski, 1998). Ou seja, o processo de metabolismo gera uma situação de determinação recíproca entre a sociedade e a natureza, visto aquela transformar e apropriar a natureza, e esta condiciona a forma como as sociedades se estruturam. Transpondo a definição estabelecida por Marx sob a perspectiva de Toledo & Molina (2007), entende-se a sustentabilidade como um dos critérios fundamentais de análise do processo de metabolismo social. Uma vez que, as dinâmicas e os ciclos da natureza afectam as sociedades humanas, e a natureza ao formar-se independentemente da actividade humana, representa assim uma ordem superior à matéria (Rousset, 1974 cit. in Toledo & Molina, 2007). Aproximando-se desta perspectiva, Oliveira & Fraga (2011, p. 1) definem metabolismo social como “uma propriedade colectiva de uma sociedade ou grupo com relação às entradas de energia e materiais ao seu sistema, provendo sobrevivência” através do uso dos recursos disponíveis. Contudo, o metabolismo social actua como uma ferramenta para compreender os processos de sustentabilidade duma sociedade, relativo a uma determinada época (Oliveira & Fraga, 2011), contrariando a ligação anteriormente referida entre sociedade, natureza e tempo, estabelecida por Toledo & Molina (2007) e por Kosik (1967 cit. in Toledo & Molina (2007), que compreende o ser humano como um ser histórico e social, uma vez que humaniza a natureza. Por conseguinte, o conceito de metabolismo social apreende a unidade dos organismos/indivíduos, num contexto físico-biológico e cultural (Sieferle, 2011). Das relações sociedade-natureza, formulam-se dois grupos distintos: 1. Relações individuais ou biológicas, nas quais o ser humano extrai apenas o necessário para sobreviver, isto é, para seu próprio consumo, como o oxigénio, a água e a biomassa, acabando o processo com a excreção de resíduos em forma de calor, água e dióxido de carbono. 2. Relações colectivas ou sociais, compostos por um conjunto de indivíduos interligados de formas diferentes, estruturando a sua organização de modo a garantir a sua subsistência e reprodução, extraindo matéria da natureza com recurso a estruturas humanizadas, terminando com a excreção de resíduos. Simplificando a definição de relações colectivas ou sociais, Oliveira & Fraga (2011, p. 2) entendem “que o metabolismo de uma sociedade incorpora os princípios da termodinâmica para as trocas sociais. Energia e matéria são transformadas, desorganizando-se e reorganizando-se para outros usos”. As relações descritas, anteriormente, revelam fluxos de energia socio-metabólicos, característicos do processo de metabolismo entre a natureza e a sociedade. Estes fluxos reflectem a definição de metabolismo social estabelecida por Toledo & Molina (2007), Oliveira & Fraga (2011) e Fischer-Kowalski (1998). Sistematizando o processo metabólico em 5 fases distintas, encontram-se: (1) a apropriação, como forma primária de trocas entre a sociedade e a natureza, gerada através da necessidade de manutenção e reprodução do sistema; (2) a transformação, que consiste nos intercâmbios produzidos sobre a matéria extraída da natureza, geralmente sobre os que não são consumidos; (3) a distribuição, que corresponde ao momento em que as unidades de apropriação não consomem o que produzem e não produzem o que consomem, originando trocas económicas, através de transporte

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eficiente; (4) o consumo, traduzido nas relações existentes entre as necessidades do ser humano e a relação entre as 3 fases anteriores; e (5) a excreção, como acto da sociedade de expulsar os produtos transformados e extraídos de volta para a natureza (Toledo & Molina, 2007). Interpretando estas 5 fases, Geddes (cit. in Fischer-Kowalski, 1998) simplifica metabolismo social numa tabela de inputsoutputs, caracterizada pela transformação da energia em produtos, a uma escala macroeconómica, através de: (1) extracção da energia e matéria; (2) manufactura; (3) transporte e trocas. Portanto, metabolismo social pode ser encarado como “um processo geral bastante complexo e autoregulável”, que actua em diferentes ambientes (Fischer-Kowalski, 1998, p. 64). Independentemente da estrutura transformativa do processo, este resume-se ao produto gerado.

Fig. 1 – Tendência dos recursos para a habitabilidade e desperdícios in (Mostafavi et al., 2014)

Ainda assim, Sieferle (2011) aponta para a questão dos limites associados e estabelecidos entre organismos e o ambiente onde se inserem ou processam o metabolismo, o que conduz ao tipo de sistemas que compõem o processo, que se podem apresentar como sistemas fechados ou abertos. O sistema é considerado por Toledo & Molina (2007), como uma matriz heterogénea, uma decomposição do espaço natural em unidades, cuja configuração se define pela sua arquitectura, composição e seu funcionamento. Igualmente, esta estrutura é abordada por Fischer-Kowalski (1998) duma forma complexa, revelando a necessidade de existirem níveis hierárquicos distintos ou uma organização dos organismos por graus, a fim de manterem o funcionamento do sistema onde se inserem. Pois o principal objectivo do processo metabólico é melhorar o funcionamento do sistema, através da contribuição das respectivas propriedades auto-reguladoras. Pode-se entender, então, o equilíbrio dinâmico como o objectivo, uma vez que representa a capacidade de todas as unidades de se sustentarem, auto-regularem e auto-reproduzirem. Esta dinâmica opera como objecto de apropriação, com o intuito de manter o processo de metabolismo social ecologicamente adequado. São as unidades de apropriação que convertem os recursos em fluxos de energia socialmente consumíveis (Toledo & Molina, 2007), o que significa que as culturas são os extractores responsáveis pela divisão social dos organismos. Pois “as necessidades metabólicas duma determinada população, traduzem-se numa prática cultural específica” (FischerKowalski, 1998, p. 68), tal como se apreende pelo caso de estudo seleccionado. Por isso, revela-se

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impossível de separar o metabolismo social da economia da sociedade, uma vez que diferentes períodos temporais revelam procuras específicas para o consumo da sociedade, assim como possibilidades técnicas e recursos para a próxima produção, o que se traduz em tempo, procura e técnica (Oliveira & Fraga, 2011). Em suma, para este trabalho sobre o caso das Marinhas de Rio Maior, optou-se por entender o metabolismo social sobre a perspectiva de Toledo & Molina (2007), devido à forma como se estratificam as fases do processo, e como se definem as relações sociais com a natureza.

As Marinhas de Rio Maior Enquadramento geográfico, histórico e geológico

RIO MAIOR

Fig. 2 – Mapa esquemático da localização de Rio Maior (realizado pelo grupo)

As únicas salinas interiores de Portugal situam-se na base da Serra dos Candeeiros, perto da Fonte da Bica e da cidade de Rio Maior, num conjunto de paisagem caracterizado por Vale Tifónico. Na base deste vale, encontra-se a 75m de profundidade uma "mina de sal-gema, muito extensa e profunda" (Goucha et al., 1977), que se estende das Caldas da Rainha até Torres Vedras. No local onde se encontram as actuais salinas, a mina de sal-gema1 é atravessada por uma corrente de água subterrânea, que ao emergir através de um poço com 9m de profundidade, se torna sete vezes mais salgada que a água do mar.

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"A área da Fonte da Bica constitui o fecho de um grande alinhamento de acidentes tectónicos com orientação NNESSW (...). Entre esses acidentes destaca-se a existência de sedimentos pelítico-evaporíticos do Hetangiano (base do Jurássico Inferior)". Coelho, R. J. R. 2002. Sítios de Interesse Geológico no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros. Aspectos Geológicos do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros e a sua divulgação multimédia - um contributo para o ensino das Ciências da Terra. Coimbra: Universidade de Coimbra.

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Fig. 3 – Formação Rochosa in http://bio-geo-caga.blogspot.pt/2010/06/rio-maior.html

Fig. 4 – Exemplar da rocha sal-gema (foto de M. Jardim, Novembro 2014)

O primeiro registo oficial referente à exploração de sal consta dum alvor de venda de "um quinto do poço e salinas" (Goucha et al., 1977) à Ordem dos Templários, que data de 1177. Pois, a exploração de sal, segundo Goucha et al. (1977), teve origem num poço, que se situava num outro local denominado por Marinhas Velhas com cerca de seis talhos, mas por fruto do acaso encontrouse o local do actual poço onde se desenvolveram os talhos, que se registam hoje em dia. Eventualmente, o antigo poço acabou por secar. Pondera-se, então, a compra feita pelos Templários, como reflexo do óbvio interesse comercial, estimulado pela procura de sal e pela localização das salinas em relação às fronteiras do país. Com a extinção da Ordem em 1312, os respectivos bens foram transferidos para a coroa, e com a fundação da Ordem de Cristo, em 1319, esta ficou responsável pela exploração das salinas. A crescente procura pelo produto de sal fez com que "o número de talhos de uma modesta meia dúzia, durante a Idade Média, para cerca de 350 em finais do século XVIII…” aumentasse “…para 400 em 1879", apresentando assim, na configuração actual das salinas 470 talhos (Calado & Brandão, 2009, p. 50).

Análise morfológica urbana actual Protegidas pelas encostas da Serra dos Candeeiros, as salinas de Rio Maior caracterizam uma grande área plana situada numa das quatro bacias identificadas. As salinas não são apenas

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beneficiadas pela sua condição de abrigo, mas também pelo destaque na paisagem natural do conjunto formado pelas Marinhas de Sal de Rio Maior, tomando as salinas como ponto central.

Fig. 5 – Esquema das bacias hidrográficas do vale da Serra dos Candeeiros (realizado pelo grupo)

Fig. 6 – Enquadramento urbano das Marinhas de Sal (realizado pelo grupo)

Além da componente histórica adjacente a este conjunto, as salinas são consideradas como um proveito natural, devido às suas características distintas em comparação com outras salinas de Portugal. Efectivamente, a abundância da pedra calcária nas encostas, permite durante o Inverno, permeabilizar até ao subsolo, toda a água necessária para passar pela pedra sal-gema, de modo a

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tornar a água salgada. O sal transforma-se, assim, no símbolo característico das Marinhas de Sal de Rio Maior, aldeia que adoptou esta denominação em prol da actividade salineira. Anteriormente ao primeiro registo datado, as salinas eram desenvolvidas pelos romanos, que ao estabelecerem trocas comercias, entre flor de sal e produtos alimentares, estimularam o processo económico desta região. Com data de 1177, as salinas são referenciadas como uma prática de produção consolidada, que estava na base do desenvolvimento da aldeia das Marinhas de Sal. Desde então, a produção de sal e a produção agrícola tornam-se na grande fonte de rendimento, que permitiu o crescimento da população. Como consequência desta evolução, começam a surgir os primeiros aglomerados nas proximidades das salinas, de modo a permitir uma menor deslocação por parte dos salineiros-agricultores e gerar mais actividade de trabalho, como são o caso da Fonte da Bica, Várzea, Casal Calado, Pé da Serra, Alto da Serra e Caniceira.

Fig. 7 - Acessibilidades viárias às Marinhas de Sal de Rio Maior (realizado pelo grupo)

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Fig. 8 – Regiões e aglomerados urbanos próximos das Marinhas de Sal de Rio Maior (realizado pelo grupo)

Estes aglomerados revelam uma configuração que acompanha a via de acesso principal, como entende pela actual disposição das casas de madeira existentes na aldeia das Marinhas de Sal. Pois, o aglomerado das Marinhas de Sal acompanha a extensão do traçado viário, de forma quase linear, situando-se na linha do vale, revelando uma forte dependência com a rua. Neste sentido, os aglomerados vão expandindo, sempre em consideração às vias de acesso, e gerando simultaneamente equipamentos públicos como resposta às necessidades da população, nomeadamente escolas, igrejas ou pontos religiosos, locais de encontro, que proporcionem e/ou evidenciem o comércio local.

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Fig. 9 – Funções e usos do edificado (realizado pelo grupo)

O desenho e configuração das salinas também mostram a sua influência na definição da forma urbana, uma vez que a área compreendida para produção e extracção de sal, impõem perante a morfologia da paisagem natural, o assentamento e disposição do edificado do lado oposto.

Fig. 10 – Esquema dos elementos que constituem as salinas de Rio Maior in Correia, F. R. & Correia, F. R. 1940. Levantamento das Salinas de Rio Maior.

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Fig. 11 – Morfologia das salinas actualmente (realizado pelo grupo)

Os primeiros apontamentos de edificado estão relacionados directamente com a produção de sal, sena na sua maioria armazéns, que devido às exigências funcionais, demonstram um desenho arquitectónico vernacular, no qual são utilizadas técnicas construtivas tradicionais em madeira.

Fig. 12 – Pormenor de uma arrecadação do sal in (Goucha et al., 1977)

Constituindo, actualmente, uma grande actividade de trabalho, economia e consequentemente histórica, as salinas geram uma realidade cultural na aldeia das Marinhas de Sal de Rio Maior, centrando o grande destaque nas práticas sociais e turísticas.

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Fig. 13 – Arrecadação de sal (foto V. Cantante, Novembro 2014)

Participação da Cooperativa Desde 1940, que se verificou a existência da Comissão de Defesa e Propaganda das Marinhas de Sal-Gema de Rio Maior, esta que implementa uma linha de trabalho, na produção de sal. Nos finais da década de 70, regista-se um período de extremas dificuldades económicas para toda a indústria salineira em Portugal, em particular para as Salinas de Rio Maior, devido ao baixo preço do sal e ao decréscimo significativo anual de trabalhadores interessados na produção de sal (Goucha et al., 1977). Neste contexto de crise surge, em 1979, a Cooperativa Agrícola de Produtores de Sal de Rio Maior, com o objectivo de comercializar o sal de proprietários, que manifestassem interesse em serem cooperantes; e de promover acções de apoio, como a transformação de salmoura e respectivo aproveitamento. No início da actividade da Cooperativa, gerou-se capital suficiente, através dos cooperantes iniciais, de forma a aplicar nas necessidades da produção e comércio de sal. Sendo a linha de trabalho da Cooperativa semelhante à linha de trabalho dos proprietários particulares, no que diz respeito à produção de sal, o processo pode ser entendido através das seguintes fases: (1) anteriormente à época de extracção do sal, realizam-se as limpezas dos talhos, geralmente no mês de Maio, com a duração de aproximadamente um mês; (2) após a limpeza dos talhos, estes recebem água salgada proveniente do poço, para iniciar a evaporação natural da água, que irá depender das condições climáticas – num bom dia de Sol, a água poderá evaporar-se em 24h; (3) o sal é extraído dos talhos, normalmente em Setembro e colocado nas eiras, em pirâmide para secar; (4) depois de seco, o sal é transportado para os armazéns em madeira, situados no limite das salinas, onde algumas quantidades são moídas e outras deixadas no seu estado natural; (5) posteriormente, o sal é seleccionado de forma manual e embalado, actividade que se realiza durante todo o ano; (6) exportam-se toneladas do sal extraído, a nível internacional, para países como Alemanha e Áustria, aumentando todos os anos o espectro de exportação, e a nível nacional para a indústria da panificação, de rações de animais, entre outros. Este sal, devido à sua grande qualidade e particular característica, de ser sete vezes mais salgado que o sal marinho, adequa-se melhor a outro tipo de indústria, uma vez que a qualidade do sal é superior à requerida pelas indústrias de panificação e rações de animais.

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Fig. 14 – Poço de extracção de água (foto de B. Ribeiro, Novembro 2014)

Fig. 15 – Eiras da salina in http://www.guiadacidade.pt/pt/poi-marinhas-de-sal-de-rio-maior-16489

Fig. 16 – Armazéns da Cooperativa para armazenamento de sal (fotos de A. Lopes, Novembro 2014)

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Fig. 17 – Armazéns de armazenamento de sal (foto de V. Cantante, Novembro 2014)

A acção da Cooperativa revelou um impacto a nível social, através da implementação duma linha de trabalho nas salinas, que se fundamenta na linha de tradição conservada pela Comissão de Defesa e Propaganda das Marinhas de Sal de Rio Maior. Essa linha de trabalho consistia no agrupar de diferentes proprietários (cooperantes), para trabalharem conjuntamente para o mesmo fim. Neste sentido, a Cooperativa sentiu necessidade de contratar uma equipa de trabalhadores, respectivamente salineiros, funcionários encarregues da selecção do sal, e seu embalamento. Actualmente, a Cooperativa possui a propriedade da maioria dos talhos das salinas de Rio Maior, ficando os restantes a cargo de entidades privadas ou de particulares. Por conseguinte, a uma pequena escala, acção da Cooperativa reflectiu-se na gestão de um maior número de talhos, conseguindo assim gerar quantidades de produção suficientes para exportação, tal como José Casimiro (2014), Presidente da Cooperativa, afirma que o valor da produção anual de sal aproximase de 1500 toneladas, mas ao depender directamente das condições climatéricas, em 2014 produziram-se cerca de 650 toneladas. Então a uma macro escala, o impacto da Cooperativa demonstrou-se com o início da exportação de sal para outros países europeus, alargando a área de influência geográfica destas salinas. A nível nacional, a comercialização do produto é mais complicada, uma vez que o sal marinho encontra-se à venda a preços mais baixos. O sal das salinas de Rio Maior é vendido para indústrias de rações de animais, de curtumes, de têxtil, de panificação, de restauração, de refrigerantes e de detergentes. No entanto, este sal demonstra uma qualidade superior ao sal marinho e tem sete vezes mais salinidade que este, logo poderia ser comercializado para outros fins (Goucha et al., 1977).

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Fig. 18 - Diagrama da actividade das salinas

Para além, do envolvimento da Cooperativa ter como principal objectivo a continuação da actividade de produção de sal nas salinas de Rio Maior, comercializando e promovendo o produto, nacional e internacionalmente. Com a constituição da Cooperativa, esta fica encarregue da exploração dos talhos dos cooperantes, constituindo uma valorização do produto quer embalado, quer moído, permitindo o aumento da qualidade do produto e do seu preço. Para além disso, a Cooperativa encarrega-se da manutenção e recuperação dos largos públicos, do antigo rio e do acesso dos talhos ao novo armazém, cimentação dos carreiros, permitindo uma melhor higienização. O envolvimento da Cooperativa também permitiu a modernização do material de trabalho, num processo de trabalho artesanal, no qual apenas são utilizados alguns mecanismos, a fim de facilitar a extracção de água do poço e transporte do sal. Estes mecanismos não alteram a qualidade natural do sal, servindo apenas para facilitar trabalhos mais morosos.

Fig. 19 – Selecção manual do sal para embalamento (foto de R. Martins, Novembro 2014)

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Fig. 20 – Mecanização do processo de embalamento do sal (foto de V. Cantante, Novembro 2014)

Além disso, existe uma colaboração entre a Cooperativa, a Câmara Municipal de Rio Maior e a Direcção do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, que permite desenvolver a vertente turística, através da construção de uma casa da serra típica, de apoio ao turismo, transformando locais em espaços de apoio à actividade de turismo como por exemplo cafés, restaurantes e lojas de artesanato. São também realizadas acções de divulgação das salinas, desde visitas guiadas a eventos temáticos, como por exemplo a Aldeia Natal, evento que se realiza no mês de Dezembro, em que são feitos presépios de sal.

Vertente turística Classificadas como Imóvel de Interesse Público desde Dezembro de 1997, as Salinas de Rio Maior são as únicas de interior, existentes em Portugal, como tal, várias acções têm sido tomadas no sentido de contribuir e reforçar a identidade cultural da própria comunidade, Marinhas de Sal de Rio Maior. A participação da comunidade local no aproveitamento das singulares salinas em prol do desenvolvimento turístico e, consequentemente, económico, é bem visível, quer na preparação e contribuição para os eventos turísticos, quer nas actividades, visitas, e exploração de pequenos pontos de venda.

Fig. 21 – Aldeia de Natal in http://local.pt/portugal/alentejo/salinas-de-rio-maior-relembraram-os-templarios/

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Fig. 22 – Aldeia de Natal in rio-maior-cidadania.blogspot.com

Afim de, evitar o turismo periódico e equilibrar as questões económicas inerentes a ele, são realizadas actividades temáticas ao longo do ano, como é o caso da época de Natal, na qual é organizada a Aldeia Natal, um evento com bastante adesão, com centenas de visitantes. Este evento mobiliza várias entidades, desde os artesãos populares na elaboração dos presépios de sal, aos proprietários da restauração e lojas que preparam animações alusivas à época natalícia, às associações do Município e instituições sem fins lucrativos com as mais diversas actividades. Para além da Aldeia Natal, as salinas recebem o evento Sal e Templários, durante três dias no mês de Junho, que consiste na recriação da visita dos templários, convidando os visitantes para uma viagem no tempo até o século XII. Este evento é divulgado a nível internacional através de várias associações templárias em todo o mundo. O evento envolve igualmente toda a comunidade da aldeia de Marinhas de Sal de Rio Maior, desde a população na concepção dos trajes, salineiros, cooperativa, lojistas e associação das Aldeias do Sal. E conta ainda, com a participação da comunidade árabe portuguesa na representação de um acampamento, disponibilizando tendas e decorações. Atendendo às necessidades da grande afluência de visitantes, criaram-se pequenos pontos de venda nas antigas cabanas de madeira onde se guardava o sal da safra. Aqui são divulgados produtos artesanais regionais, onde se podem encontrar produtos únicos, como os queijos de sal, sal aromatizado, e tantos outros. Em 2010, as salinas iniciaram a participação num projecto de valorização turística denominado por Ecosal Atlantis, um projecto transnacional do programa INTERREG2. Este projecto integra uma acção museológica participativa, interagindo com a comunidade local e ao mesmo tempo trabalhando com a noção de património e preservação do local, com o objectivo de divulgar as salinas do espaço Atlântico. Esta participação presenteou as Salinas com painéis interpretativos e sinalética direccional no perímetro urbano de Rio Maior criando um circuito de visitas guiadas organizadas pelos Serviços de Turismo, instalados próximos das salinas, numa reconstrução alusiva a uma casa típica da serra. São também organizadas, pelos Serviços de Turismo, actividades direccionadas para crianças, seniores e público geral, durante todo o ano.

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O INTERREG consiste num programa de Iniciativa Comunitária da CE, cujo financiamento é feito pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. In http://www.qca.pt/iniciativas/interreg.asp

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Conclusão Consoante a análise do caso de estudo das salinas de Rio Maior e o estudo dos conceitos intrínsecos sobre o metabolismo social pode-se concluir que a forma urbana e respectiva população da região envolvente é bastante afectada pela presença das salinas. Tendo em conta os conceitos de Toledo & Molina sobre metabolismo social verifica-se que nas salinas de Rio Maior o processo não é linear nem responde a todas fases identificadas pelos autores. Assim conclui-se que o processo corresponde a 3 momentos, nomeadamente: (1) trocas comerciais por produtos alimentares; (2) exploração e venda do produto por parte dos proprietários individuais; (3) introdução da cooperativa na exploração e venda do produto. No primeiro momento identificamse as seguintes fases: a apropriação do território com a definição dos talhos; transformaçãoexploração de sal; consumo derivado da troca directa de bens alimentares. No segundo momento verifica-se uma evolução gradual nas fases de apropriação e transformação mostrando uma alteração na fase de consumo substituindo a troca directa de bens alimentares por uma venda directa entre proprietário e cliente. No terceiro momento acrescenta-se a fase de distribuição com uma produção e exportação a maior escala através da integração da cooperativa no processo; na fase de consumo existe uma alteração com a introdução dos serviços de turismo – através de estratégias de divulgação e participação da comunidade; e nas fases registadas no segundo momento, a apropriação e a transformação, mantêm um desenvolvimento gradual. Conclui-se que o processo metabólico das salinas mostra ser co-evolutivo, interdependente do mundo social e natural. Apesar de algumas das fases identificadas por Toledo & Molina não constarem no processo metabólico das salinas de Rio Maior, este mostra dar resposta às necessidades e transformações da forma urbana e da comunidade das Marinhas de Sal de Rio Maior.

A. Lopes et al.

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