Metadisciplina: Questões contemporâneas do Design na criação de metodologias de ensino

May 26, 2017 | Autor: Eugênio Moreira | Categoria: Metadesign, Metaprojeto
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Metadisciplina: Questões contemporâneas do Design na criação de metodologias de ensino Carlos Eugênio Moreira de Sousa Universidade Federal do Ceará [email protected] Anna Lucia dos Santos Vieira e Silva Universidade Federal do Ceará [email protected] Rafael Nunes Cavalcante Universidade Federal do Ceará [email protected]

SOUSA, C. E. M. de; SILVA, A. L. S. V. e; CAVALCANTE, R. N. Metadisciplina: Questões contemporâneas do Design na criação de metodologias de ensino. Revista D.: Design, Educação, Sociedade e Sustentabilidade, Porto Alegre, v.8 n.2, 38-53, 2016.

Este artigo foi originalmente apresentado no 12º P&D 2016, tendo sido selecionado pelo Comitê Especial de publicações do evento para essa edição da Revista D.

Editora UniRitter Laureate International Universities 2016 © Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution 4.0.

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Metadisciplina: Questões contemporâneas do Design na criação de metodologias de ensino RESUMO Este artigo pretende dar conta do pensamento em torno da estratégia metodológica desenvolvida para o ensino de design em uma disciplina de projeto de produto. Com uma ementa bastante abrangente, abordando temas complexos como a relação entre o design e a cidade, design social, design colaborativo e sustentabilidade, percebe-se que a organização do conteúdo pode se valer bastante do entendimento dele mesmo, criando um processo cíclico onde a própria disciplina pode ser objeto de projeto. Assim, são adotadas práticas colaborativas, onde os alunos ajudam a construir a disciplina e organizar seus conteúdos, enquanto os docentes se utilizam de um pensamento estrutural da mesma, para a condução do processo. Os conceitos de Metaprojeto (DIJON, 2010) e Metadesign (VASSÃO, 2010), são assim aplicados na criação de uma “Metadisciplina”. A metodologia deste trabalho passa por uma contextualização da disciplina no plano pedagógico do curso, tendo seus conteúdos programáticos melhor descritos, de onde é possível extrair algumas conclusões parciais a respeito de conceitos estruturantes. A partir deste entendimento, cria-se alguns parâmetros do processo, representando-o através do desenho de uma série de diagramas, onde a complexidade pode ser analisada através do encapsulamento cibernético, e de um aprofundamento de suas camadas. Aliado a isso, alguns conceitos de design são trazidos conjuntamente com os de didática, criando uma correlação que espera-se esclarecedora. Como contribuição, imagina-se a possibilidade de uma metodologia para pensar metodologias, um modo de pensar modos de pensar design para disciplinas de projeto. Palavras-chave: Metadesign; Metaprojeto; Metodologias de ensino em Design; Complexidade.

Metasubject: Design contemporary issues in the creation of teaching methodologies ABSTRACT The intention of this article is to explain the thinking around the strategy in methodology developed to the design learning on the product project discipline. With a very wide discipline plan, it talks about complex themes like the relationship between design and the city, social design, collaborative design and sustainability. It is clear that the organisation of the content can be very rich for its own understanding, creating a cycled process where the discipline itself can be a project theme. Therefore, collaborative practices are adopted where the students help to build the discipline and organise its contents, while teachers use a structural thinking of the subject for the conduct of the process. The concepts of Metaproject (DIJON, 2010) and Metadesign (VASSÃO, 2010) are applied on the creation of a “Metasubject”. For the methodology structure of the discipline is contextualised into the course pedagogic plan, with its programmatic contents better described, where is possible to extract some partial conclusions regarding its structural concepts. From that understanding, some process parameters are created where the complexity can be analysed through the cybernetic encapsulation and a deep meaning for its layers. Allied to this, some design concepts are brought together with didactics concepts, creating a relationship hoping to be enlighten. As contribution we imagine the possibility of a methodology thinking for methodologies, a way of thinking design paths for project disciplines. Keywords: Metadesign; Metaproject; Design teaching methodology; Complexity.

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1 UMA PROPOSTA DE ENSINO DE DESIGN

O Curso de Design em questão é bastante novo, criado em 2012 dentro do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará e a partir de um projeto dos professores do mesmo. Em sua concepção, buscou basear-se nas demandas históricas apresentadas no paradigmático artigo de Klaus Krieppendorf “Design centrado no ser humano” (2000), de onde parte para a estruturação em ciclos de conhecimento: •

Ciclo de Fundamentação: compreendendo os dois primeiros semestres, trará para o aluno habilidades como o pensamento construtivo, expressão pela forma, formação de repertório e pensamento crítico.



Ciclo Profissionalizante: aqui se sedimentam os entendimentos sobre as demandas históricas. Os quatro semestres subsequentes são assim divididos: o

terceiro semestre: design centrado no objeto. Adota como paradigma a produção em série e possui como campo conceitual a sociedade industrial (de Bauhaus a Ulm) e o estilo internacional;

o

quarto semestre: design centrado no usuário. Adota como paradigma o lido e a criação de identidades e possui como campo conceitual a sociedade de consumo, objetos de desejo, fetiches e mercadorias;

o

quinto semestre: projeto como processo. Adota como paradigma o design como criador de interfaces e possui como campo conceitual a sociedade tecnológica e as redes de comunicação;

o

sexto semestre: design como discurso. Adota como paradigma a construção de uma retórica em torno do design e possui como campo conceitual a sociedade contemporânea, complexidade e o design total.

Durante este ciclo, as disciplinas de projeto se dividem em um eixo de produto e outro gráfico, havendo a prática de trabalhos integrados como trabalhos de síntese de cada semestre.

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Ciclo de Conclusão: compreende os dois últimos semestres e pretende refletir a síntese dos conhecimentos elaborados e a crescente autonomia do aluno. Neste estão disciplinas sequenciais para a elaboração do Trabalho de Curso, a partir do qual o aluno será avaliado para a obtenção do diploma, havendo um semestre para pesquisa e fundamentação e um semestre para a finalização do trabalho e depuração de conclusões.

FIGURA 1 Infográfico explicativo da estrutura do Curso de Design. Fonte: acervo da coordenação do curso. Elaborado por Alexia Brasil.

A disciplina de Projeto de Produto 4, cujo processo se pretende explorar no desenvolvimento deste artigo, está presente no último semestre do Ciclo Profissionalizante e representa o final da cadeia de projetos de produto. Em seus objetivos, pretende a. abordar temas relacionados ao design em relação ao espaço a partir dos parâmetros da comunicação, acessibilidade, sustentabilidade e design social; b. relacionar metodologias de projeto que envolvem o design de interiores, soluções de detalhes construtivos, sinalização de

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ambientes, acessibilidade, equipamentos e suas adequações em espaços públicos, coletivos e urbanos; c. entender como metodologias de projeto colaborativas e participativas podem contribuir em propostas de design social.

A temática da disciplina mostra-se bastante abrangente, absorvendo uma série de demandas que, se por um lado se mostram numerosas, por outro são, cada uma delas, cheias de desdobramentos e especificidades, onde a compreensão das relações entre as partes é fundamental para o entendimento do todo. Então, como ponto de partida, parece fundamental guiar-se pelo conceito de sistemas que, segundo Vieira (2008) 1 quando aborda a Teoria Geral dos Sistemas (TGS), nada mais é que um agregado de coisas (termo usado aqui no sentido ontológico) que possuem um conjunto de relações entre si e que, a partir destas, fazem emergir uma determinada propriedade. (UYEMOV, 1975, p. 96 apud VIEIRA, 2008, p.29). Esta descrição, apesar de muito básica (e justamente por isso), tem potência para dar conta de basicamente todas as situações apresentadas nos objetivos da disciplina e apresenta desdobramentos muito ricos, como os conceitos de permanência, ambiente, autonomia, estrutura, conectividade, organização, entre outros. Todo esse emaranhado de elementos e definições traz à tona um outro conceito que, não obstante, tem sido bastante associado com a prática de design contemporânea: a complexidade. A própria TGS fala da complexidade como um parâmetro sistêmico livre, que acompanha toda a evolução do sistema e, por isso mesmo, de difícil definição. É possível falar da complexidade em termos do entrópico, do caótico, mas também do organizado, do estético e do axiológico (ibidem, p.41). Aqui, opta-se por fazer uso da definição de uma definição que ateste a escolha metodológica da nãoredução do conteúdo:

1

Essa visão Sistêmica é antiga, mas só no século XX ela foi empregada, sendo o principal representante dessa ontologia o biólogo belga Ludwig von Bertalanffy. Mais recentemente, na década de 1970, surgiu uma proposta de um filósofo de ciência, ex-físico teórico argentino, Mário Bunge, que propõe uma versão matematizada e lógica da Teoria Geral dos Sistemas, superando as limitações de Bertalanffy. Outros autores recentes fizeram contribuições paralelas, como George Kenneth Denbigh, na Inglaterra; Avanir Uyemov, na Rússia; Werner Mende, na Alemanha; cada qual ligado à sua área, à sua ciência, mas com pensamento geral e ontológico. (VIEIRA, 2015)

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(...) aquilo que não pode ser disposto, apresentado, compreendido como algo simples, que não pode ser decomposto em pedaços menores e, portanto, mais simples, que não pode ser ‘reduzido’. Ou seja, algo que é, por natureza, pelas suas próprias características, “irredutível” (VASSÃO, 2010, p.13).

Estes conceitos levam em consideração a elaboração de modelos teóricos de representação, a criação de “uma imagem coesa, sintética e coerente” (ibidem, p.31) da realidade com a qual se pretende lidar. Isto permite que seja possível aplicar uma mesma estrutura de pensamento para diferentes situações, ou ainda que esta representação seja capaz de abarcar as mudanças inerentes à realidade que se analisa que é, por sua natureza, dinâmica. Com base nesta compreensão, percebe-se que lidar com um conteúdo programático como este requer uma atitude que não o reduza simplesmente, sob a pena de perda de complexidade e do desmantelamento do todo sistêmico. De outro modo, a predeterminação de um caminho a ser seguido a priori, uma estrutura rígida de procedimentos também haveria de fracassar, não sendo capaz de absorver sua dinâmica. Estando a disciplina de maneira inequívoca refletindo a realidade dos temas a serem estudados, entendeu-se como oportuna a possibilidade de utilizar os procedimentos dos temas no pensamento da condução da mesma. Assim, como estratégia didática, adotase uma proposta aberta, tendo como temas principais de sua regência complexidade, sistemas e dinâmica. A metodologia que se assume para representar todo o processo de construção da estrutura metodológica passa por representá-la, dentro de um processo de abstração, através de uma série de diagramas performativos que vão de um mais geral e simplificado a outros mais específicos e complexos. Pretende-se diminuir a complexidade cognitiva do processo através do entendimento e representação de “camadas de complexidade”, onde dados e procedimentos são

inicialmente

especificidades,

agrupados somente

em

para

clusters, depois

em

serem

unidades melhor

por

suas

estudados

e

compreendidos. Este encapsulamento é o que em Cibernética é chamado de “caixa-preta”.

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Essa é uma das técnicas mais utilizadas para a simplificação da complexidade. Ela é tão comum que é utilizada diariamente pela maioria das pessoas — mesmo que elas não usem o termo “caixa-preta” para indicar o processo de redução que estão impondo aos objetos que encontram ou produzem — e também não incorram na formalização precisa e estrita da Cibernética: ao nomear um objeto, e explicar para outra pessoa o que aquele nome alude, está se reduzindo o objeto àquele nome, encapsulando-o sob uma denominação [...] (VASSÃO, p.19 a 21).

A notação utilizada se vale da representação de procedimentos e tipos de dados. O primeiro representa unidades agregadoras que são a categorização de uma série de ações ou atividades, que possuem inputs e outputs e podem, eventualmente, ser “abertos” para um entendimento de seus constituintes, sendo também capazes de receber entradas de retroalimentação, dados capazes de modificar sua estrutura interna. O segundo, explicita tipos de inputs e/ou outputs que podem alimentar os procedimentos. IMAGEM 1 Notação utilizada. Fonte: elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

2 QUESTÕES METODOLÓGICAS DO ENSINO EM DESIGN Em termos gerais, para disciplinas de ensino de projeto em design pode-se falar de um processo que passa pela escolha e exploração de um conceito ou tema, que produz o input necessário para a elaboração de um projeto em suas várias fases, que por sua vez produz inputs para a possibilidade de uma reflexão sobre a produção. Ao fim os outputs produzidos por esta reflexão podem retroalimentar este sistema, fornecendo parâmetros para uma possível reconfiguração do mesmo.

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IMAGEM 2 Primeira camada de complexidade. Fonte: elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

As disciplinas de projeto, de um modo geral, baseiam-se em um modelo de ensino tutorial onde o docente propõe um tema e uma situação problema, assim como uma metodologia específica (provavelmente aquela que domina ou com a qual mais de identifica). Por fim, a reflexão costuma se restringir a uma “conversa” no fim do período letivo, onde o professor pode absorver algumas críticas ao processo a fim de melhorá-lo no semestre seguinte. É possível analisar esse contexto fazendo um paralelo com a atuação do designer. Não parece aqui pertinente fazer um grande apanhado histórico mas, de uma maneira bastante resumida, pode-se dizer que a profissão (e a disciplina) tem suas origens legitimadas com a revolução industrial. O designer é o ser capaz de colocar uma ordem na bagunça que a produção em série começa a fomentar. Essa atribuição de “detentor das soluções” acaba por construir um legado de produção autoral, fazendo crer que o designer é capaz de resolver tudo sozinho, isoladamente (CARDOSO, 2012, p. 22). Entretanto, sobretudo desde a década de 1970, diversos teóricos do campo do design como Victor Papanek, Ezio Manzini, Klaus Krippendorff, entre outros, começam a perceber como esse legado é danoso e não dá conta de lidar com a crescente complexidade da sociedade em que vivemos. Questões como horizontalidade, colaboração e a criação de redes são colocadas em pauta e discutidas como uma saída viável e desejável. Manzini (2010) fala sobre uma “próxima economia” que pede um “próximo design”, onde o foco deve sair do produto para os serviços, para o contexto onde esse produto opera ou deve operar. De fato, nós temos observado que na sociedade contemporânea a inovação é amplamente uma inovação social, isto é, uma inovação conduzida pelos esforços de um número crescente de pessoas. Essas pessoas criativas estão gerando um tipo original de redes de design: grupos amplos e flexíveis de agentes sociais que criam e desenvolvem colaborativamente soluções sustentáveis. Isso significa que, para se tornar agentes de inovação social de forma positiva, os designers devem se considerar como parte dessas redes

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de design emergente e, consequentemente, comportar-se como tal, ou seja, colaborar com outros codesigners parceiros, oferecendo suas competências específicas e alimentar essas redes de design com seus conhecimentos profissionais (MANZINI apud DE MORAES, 2010, p. 12).

Esse pensamento pode achar base nos paradigmas apontados por Krippendorff (2009). Aqui, para além das “redes de multi-usuários”, é importante apontar para as “interfaces”. Para ele, o surgimento dos computadores pessoais e a evolução a partir de questões de identidade acabam por decompor os objetos em sequências interativas, onde o foco de designer passa a ser a criação de uma mediação entre o usuário e uma determinada situação, ensejando dispositivos dotados de reconfigurabilidade. As interfaces têm muitos aspectos revolucionários. A reconfigurabilidade, por exemplo ─ um de seus traços mais importantes ─, permite que os usuários (re)projetem os seus próprios mundos. Conferir (re)projetabilidade aos artefatos altera o papel que os designers podem desempenhar dentro de uma cultura que acolhe essa tecnologia. A reprojetabilidade prepara as práticas projetuais para além dos limites do design profissional. Ela delega a atividade projetual a não-designers, poupando os designers do trabalho de se preocupar com detalhes e, ao mesmo tempo, fazendo com que os usuários façam parte do processo através do qual a tecnologia é criada. Isso obscurece as fronteiras não apenas entre produtores e usuários, porém, mais importante, entre designers e aqueles para os quais o design é voltado. Conferir (re)projetabilidade à tecnologia amplia o design. Ela traz à tona uma cultura que cada vez mais de compreende como co-constitutível e movida pela prática Projetual (KRIPPENDORFF, 2000, p.90).

Então, se o design sofre essa mudança, se uma “próxima economia” pede um “próximo design”, este também não pede um “próximo ensino”? A bem da verdade, questões aqui colocadas como cruciais para esse novo design como colaboração, redes, reconfigurabilidade — ou adaptação às características, gostos e necessidades dos usuários — aparecem também como cruciais em disciplinas da pedagogia, como a didática. A aprendizagem colaborativa (que também encontra as origens de sua legitimação na década de 1970) traz

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questões como a participação ativa do aluno, construção coletiva de um conhecimento emergente, aceitação das diversidades e diferenças, mediação da aprendizagem feita por professores e tutores, entre outras (TORRES, 2002). Faz sentido, então, a criação de uma estrutura metodológica que possa refletir os próprios conceitos que serão trabalhados. Afinal, Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo (Freire, 2015, p. 35).

3 A CRIAÇÃO DE UMA METADISCIPLINA Com toda a base até aqui apresentada, entende-se que a tarefa dos docentes responsáveis pela disciplina Projeto de Produto 4 está pautada não pela elaboração de um plano de aula linear, que opta por algum dos conteúdos possíveis, elege uma metodologia fechada e preestabelece resultados esperados. Antes, busca a criação de um framework capaz de absorver uma grande quantidade de informações advindas dos diversos stakeholders, flexível para admitir as diferenças e se adaptar às condições que, a priori, são absolutamente desconhecidas. Por essas características, enxerga-se no Metadesign ─ por sua ênfase no processo através de conceitos sistêmicos e cibernéticos ─ uma possibilidade de metodologia de criação da metodologia. A própria disciplina torna-se, então, objeto de design cuja elaboração é partilhada. Essa acepção reflexiva, alude à própria etimologia do termo: desde a Metafísica de Aristóteles, o termo “meta-” aplica-se a um movimento reflexivo de autoconhecimento, ou de auto observação: utilizar meios de um campo para considerar o próprio campo. [...] Por outro lado, o prefixo “meta”, palavra grega, significa “além”, “após”, “a seguir”, “depois de”, “na sequência”, “uma série”, significados ligados à ideia de movimento de ponto-aponto, de transposição. [...] Neste sentido, o Metadesign trata de um design de entidades que possam operar nessa mobilidade e alterabilidade de conceitos: os objetivos do Metadesign seriam projetos que possam operar a transposição de princípios de projeto de um contexto a outro, e que possam superar as diferenças entre casos específicos, em função de uma operação genérica que se aplique em muitos casos diferentes.

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[...]

Existe, ainda, uma terceira denominação para o termo [metadesign]. Ela está ligada ao processo pelo qual uma entidade projeta a si mesma. Não mais uma metalinguagem do design, ou a criação de entidades abstratas produtora ainda de outras entidades, mas a criação de uma entidade por meio de operações que ela engendra em si mesma (VASSÃO, 2010, p.19 a 21).

3.1 Elaboração de um tema De início, há uma reunião entre os docentes para o entendimento da abrangência programática através do estudo da ementa e uma definição dos temas gerais (sistemas, complexidade e dinâmica), assim como a montagem de uma estrutura preliminar dentro da qual operar. Já ao primeiro dia de aula, a própria problemática da disciplina é apresentada aos alunos e uma proposta é feita: uma construção colaborativa e horizontal do conteúdo da mesma. Este empoderamento, inicialmente absorvido com bastante entusiasmo, causa certa paralisia no momento em que se percebe a responsabilidade que acarreta. A pergunta que e segue é: “o que querem aprender?” De fato, O paradoxo de aprender uma competência realmente nova é este: um estudante não pode inicialmente entender o que precisa aprender; ele pode aprendê-lo somente educando a si mesmo e só pode educar-se começando a fazer o que ainda não entende (Shön, 2000, p. 79).

Segue-se a isso uma sequência de encontros de interação presenciais que, neste caso específico, se dão em sala de aula através da montagem de “lousas colaborativas”, tendo cada stakeholder a oportunidade de contribuir com suas preferências e experiências prévias. Quando há um melhor entendimento de que campos de atuação do design abrangem temas gerais, passa-se a uma segunda etapa operativa, onde cada indivíduo da turma faz suas próprias pesquisas, mediadas por uma interface colaborativa e interativa de gerenciamento de informações, produzindo um conteúdo categorizado em materiais teóricos (livros, artigos, teses etc), aplicações no mundo (exemplos de projetos de design ao redor do mundo onde se enxergasse um pensamento em torno dos temas gerais elencados) e exemplos em Fortaleza (locais e/ou

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situações onde o autor perceba que há potencial para serem objetos de estudo da disciplina). No caso em questão, a interface escolhida é a montagem de um blog que é administrado por todos os envolvidos, o que cria a oportunidade da partilha das pesquisas e da interação entre si e com o público externo, uma vez que comentários podem ser adicionados por qualquer pessoa. De posse dessas pesquisas, os colaboradores se organizam em grupos de interesse, que se reconhecem como tais através do resultado das mesmas. Uma outra sequência encontros de interações presenciais é necessária para depurar os resultados, apresentar coletas de dados em alguns locais de Fortaleza e produzir material necessário para o embasamento do projeto, como características do objeto a ser projetado e possíveis locais de implantação do mesmo. IMAGEM 3 Segunda camada de complexidade: conjunto de procedimentos para a elaboração do tema do projeto. Fonte: elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

3.2 Desenvolvimento do projeto Tomando como base os outputs fornecidos pela etapa anterior, passa-se à elaboração do projeto. Muito embora não haja ainda uma definição do objeto de projeto no sentido mais estrito da palavra, há subsídios suficientes para se

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continuar sua busca. Para esta etapa, opta-se pela adoção da metodologia do Metaprojeto conforme trabalhado por De Moraes (2010). Este apresenta conceitos muito próximos do Metadesign de Vassão (2010). Sua escolha, entretanto, pauta-se em sua formatação mais operativa e pragmática, ao passo que seu semelhante se mostra mais ontológico. A complexidade existente na atualidade sugere sempre uma atuação mais estruturada (por parte dos designers) também na fase dos estudos preliminares dos pressupostos para o projeto. Individualizar e identificar o cenário existente e/ou futuro, bem como o mapeamento de um contexto possível, é tão relevante hoje quanto projetar o produto em si. Isso porque cada decisão em um projeto é uma mediação entre uma série de hipóteses na tentativa de se obter uma melhor resposta diante de uma série de inputs ainda problemáticos (DE MORAES, 2010, p. 25 e 26).

Assim, opta-se pela formação de grupos de leitura dirigida, onde o conteúdo é dividido e posteriormente exposto para toda a turma, podendo cada stakeholder se valer da capacidade do grupo para a aceleração de seu processo de aprendizado. O conteúdo, juntamente com os outputs da etapa anterior, serve como base para atividades de brainstorm que, após depuração em nova sequência de encontros de interação presenciais, retroalimentam outros brainstorms, até que ser possível afunilar as possibilidades de projeto e perceber as recorrências de soluções. Os indivíduos podem, então, reconhecer dentro do grupo afinidades e se organizam segundo estas em equipes de trabalho que procedem, cada uma com base em suas especificidades, a experimentações projetuais e pesquisas de materiais. Na turma em questão acontecem de experimentações mais artesanais a modelagem paramétrica. Cada grupo avança para uma fase de fabricação de protótipos e avaliação de resultados, o que retroalimenta etapas anteriores. Uma vez satisfeitos com os resultados, os grupos produzem seus objetos funcionais e os levam para uma situação real de implantação, realizando um desejo manifesto dentre as preferências no primeiro dia de aula: a efetiva realização de um projeto.

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IMAGEM 4 Segunda camada de complexidade: conjunto de procedimentos para a elaboração do projeto. Fonte: elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

Aqui começa-se a perceber entranhadas na prática do ensino outras questões caras tanto ao design como à educação, como a reflexão na ação. Quando o profissional reflete-na-ação, em um caso que ele percebe como único, prestando atenção ao fenômeno e fazendo vir à tona sua compreensão intuitiva dele, sua experimentação é, ao mesmo tempo, exploratória, teste de ações e teste de hipóteses. As três funções são preenchidas pelas mesmas ações. E desse fato deriva o caráter distintivo da experimentação na prática (SCHÖN, 2000, p. 65).

3.3 Reflexão sobre o processo Diante de todo o processo até aqui apresentado, que se entende como rico e cheio de aprendizados, percebe-se que não faria sentido encerrar o ciclo sem uma reflexão mais profunda sobre o mesmo. A opção, acordada entre todos, foi de adiantar as etapas de elaboração dos objetos, criando espaço dentro do período letivo para uma reflexão coletiva sobre o processo da disciplina. O método utilizado foi o da elaboração de artigos em formato acadêmico. Para a seleção do tema, cada um pôde escolher qualquer aspecto trabalhado na disciplina, de acordo com o que mais lhe interessasse. Esse procedimento

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engloba uma série de aspectos que vão desde uma reflexão sobre o próprio método de aprendizado, até um contato com uma produção acadêmica através da escrita (o que se configura em uma primeira vez para muitos). Posteriormente, os conteúdos foram reduzidos para a elaboração de um pôster, também em formato de congresso, onde foi valorosa a integração com outra disciplina obrigatória para o semestre: Projeto Gráfico 4. Nesta, o tema trabalhado era o das infografias, o que colaborou para a tradução dos conteúdos de uma maneira bastante eficaz.

IMAGEM 5 Segunda camada de complexidade: conjunto de procedimentos embutidos na ação de reflexão. Fonte: elaborado pelo autor, com base na pesquisa realizada.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo aqui apresentado mostra-se bastante rico em diversos aspectos. Em uma primeira instância para os professores que, em tendo que propiciar para os alunos a compreensão de realidades sistêmicas, complexas e dinâmicas, põem a si próprios a lidar com uma, através da elaboração de um plano de ensino não convencional. Assim, a própria prática docente se presta a validar as teorias que propaga, em uma ação reflexiva que entende-se como importante para a evolução das metodologias. Por outro lado, na tradicional aula final, onde os alunos puderam dar seu feedback sobre a experiência, foi possível perceber que, passado o susto inicial, a responsabilidade de planejar os rumos do próprio aprendizado, de decidir seu futuro com base nas próprias preferências os engajou na elaboração das tarefas. Outro ponto levantado foi o fato de que essas

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possibilidades de escolha existem apenas ao final do curso, quando da elaboração dos Trabalhos de Conclusão, criando um clima de tensão na época dos mesmos. Uma vez que os trabalhos são individuais e desenvolvidos através de encontros entre o aluno e o orientador, a ausência de atividades coletivas pode contribuir para o agravamento deste quadro. Os alunos apontam, então, como preferível que tais práticas possam se mais presentes ao longo do curso. Por fim, espera-se ter contribuído para o avanço do ensino em design apoiado em um pensamento holístico da disciplina, no questionamento de suas bases filosóficas e na sua aproximação a questões da sociedade contemporânea.

REFERÊNCIAS

CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2012. DE MORAES, Dijon. Metaprojeto: o design do design. São Paulo: Blucher, 2010. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. KRIPPENDORFF, Klaus. Design Centrado no ser humano: uma necessidade cultural. Tradução Gabrielle Meireles. Estudos em Design. Rio de Janeiro: Associação de Ensino de Design do Brasil, v. 8, n. 3, p. 87-98, setembro de 2000. MANZINI, Ezio. Metaprojeto hoje: guia para uma fase de transição. In: DE MORAES, Dijon. Metaprojeto: o design do design. São Paulo: Blucher, 2010. SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. São Paulo: Artmed, 2000. TORRES, Patrícia Lupion. Laboratório on line de aprendizagem: uma proposta crítica de aprendizagem colaborativa para a educação. 2002. 224 fl. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) - Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis. UYEMOV, Avanir. Problem of Direction of Time and the Laws of System’s Development. In: KUBAT, L.; ZEMAN, J. (Eds.). Entropy and Information in Science and Philosophy. Praga: Elsevier Sc. Publ. Co., p.93-102, 1975. VASSÃO, Caio Adorno. Metadesign: ferramentas, estratégias e ética para a complexidade. São Paulo: Blucher, 2010. (Coleção Pensando o Design). VIEIRA, Jorge de Albuquerque. Ontologia Sistêmica e Complexidade. Formas de conhecimento e arte: arte e ciência uma visão a partir da complexidade. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2008. _____. Sistemas e patrimônio cultural. In: PINHEIRO, Adson Rodrigo S. (Org.). Cadernos do patrimônio cultural: educação patrimonial. Fortaleza: Secultfor: Iphan, p. 171 - 184, 2015.

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