Metodologia da História e Teoria das Ideias

June 26, 2017 | Autor: Bruno Espinha | Categoria: Reinhart Koselleck, Quentin Skinner, ARTHUR O. LOVEJOY
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Metodologia da História e Teoria das Ideias Por Bruno Espinha1 5/01/2014

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Professor Assistente e Regente da Cadeira de Historia das Instituições Politicas e Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade Mandume Y NDmufayo, 6ª Região Académica – Lubango, Angola. Mestre em Filosofia pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 1

Sumário A metodologia em história das ideias que optamos por defender neste artigo, procura relacionar a posição de Lovejoy, Q. Skinner e Koselleck, tentando a partir das suas divergências fazer uma unidade metodológica, ao mesmo tempo que se procura conservar essas mesmas divergências. Não se pretende aqui forçar uma unidade que não pode existir entre os três autores, mas mostrar como as posições dos três autores podem contribuir em conjunto para uma metodologia. Palavras Chave: Metodologia, história das Ideias, historia dos conceitos, ideias unitárias, ideias, sistemas, doutrinas, intencionalidade, atos de linguagem, linguística. As metodologias de Lovejoy e Q. Skinner Comecemos por apresentar o que pensa Lovejoy sobre o objeto da história das ideias e sobre a metodologia que está de acordo com o mesmo. Para Lovejoy, a história das ideias trabalha com o mesmo material que a história da filosofia ou que outros ramos da história, ao debruçaram-se sobre o pensamento no tempo. Contudo, a história das ideias trata esse material de maneira diferente, pois faz dele uma divisão diferente e traz as partes dessa divisão para novos agrupamentos e relações, abordando-os com um propósito distintivo. Tal como o trabalho do químico dividindo um composto químico nas suas partes, o historiador das ideias aborda as doutrinas dividindo-as em sistemas individuais, os quais por sua vez divide em ideias unitárias que são os seus elementos.2 Esta posição de Lovejoy é profundamente criticada por Q. Skinner, em dois momentos: primeiro, procurar sistematizar o pensamento de um autor leva, na história das ideias, à elaboração de mitologias.3 Dois, é inviável uma história das ideias unitárias

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Conf. Lovejoy, A. O., The Great Chain of Being; A Study of the History of an Idea, The William James Lectures, Harvard University, Cambridge, Massachusetts, and London, 1936 e 1964, twenty-second printing, 2001, Introduction, The Study of the History Ideas, pág. 3. 3 Veja-se Skinner, Q., Significação e compreensão na História das Ideias, in Visões da Política, sobre os métodos históricos, Difel – Difusão editorial, SA, Lisboa, 2005, capítulo 4, págs. 100 – 102. Skinner expõe a mitologia das doutrinas e da coerência, que surgem muitas vezes nas histórias das ideias, a qual acontece quando um determinado historiador procura sistematizar o pensamento de um autor e ao encontrar dificuldades de unificação ilide as contradições considerando-as aparentes. Skinner salienta ainda que estes historiadores defendem que perante as contradições deve-se continuar a procurar a unidade do pensamento, pois desfeitas estas estaremos mais próximos do pensamento unitário desse autor.

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devido à impossibilidade de pensamentos sistemáticos.4 Parece-nos que estas críticas não se adequam à metodologia de Lovejoy. É certo que este pressupõe sistemas de autores e as suas doutrinas, bem como escolas baseadas nessas doutrinas. Contudo, a unicidade desses sistemas é um pressuposto que coloca precisamente a metodologia de Lovejoy em jogo, não no sentido de mostrar as suas unicidades, mas para pesquisar nelas os elementos unitários, ideias unitárias, pois a doutrina de um filósofo ou de uma escola é quase sempre um agregado complexo e heterogéneo de ideias unitárias heterogéneas. Por isso, este agregado, ou composto, para mantermos aqui a relação que Lovejoy estabeleceu com a química, é um agregado ou composto instável.5 Lovejoy parece aqui advertir para o problema da plenitude dos sistemas e doutrinas, plenitude que muitas vezes não é estável, sendo fácil encontrar incongruências nos seus sistemas e doutrinas, o que ele diz ser um facto que os filósofos parecem sempre esquecer.6 O que se coloca aqui, pela interpretação que fizemos do texto citado de Skinner, aponta, a nosso ver, para que este tenha apreendido erradamente o que Lovejoy entende como ideia unitária, pois Skinner fala da impossibilidade de se colocarem os autores clássicos debaixo de uma hegemonia trazida por esse tipo de ideias, a qual leva o historiador das ideias a ser tentado a alargar uma mesma ideia a vários autores que a ela não se quiseram referir. Skinner pensa as ideias como aqueles nomes, palavras, que expressam um conceito e sob o que os historiadores das ideias colocam as obras dos autores clássicos, forçando uma falsa unidade ou a criação de uma mitologia. Mas como expusemos e passaremos a expor, esta não é a posição de Lovejoy, ao afirmar que o número de ideias filosóficas, ou de motivos dialéticos, essencialmente distintos, ou seja de ideias unitárias, é limitado. A aparente novidade de muitos sistemas deve-se ao arranjo que se faz com os elementos antigos inerentes a esses sistemas7. Um dos 4

Q. Skinner afirma que fazer a história de uma ideia enquanto “ideia unitária” como faz Lovejoy não se justifica. A intenção dos autores que empregam o mesmo termo para expressar uma ideia não é sempre a mesma. E mesmo que quiséssemos suplantar essa dificuldade procurando compreender o contexto em que o autor usou o termo, dai nada resultaria, pois os contextos, também eles, podem ser ambíguos. Assim só será possível fazer-se a história das diferentes utilizações de uma ideia e das diversas intenções que levaram ao seu uso. Ora, Skinner considera que essa história não é fácil de se entender como história de uma “ideia unitária”. Uma vez que só é possível fazer-se a história do uso de determinadas ideias, Skinner, embora admita que estas muitas vezes têm uma continuidade histórica, é séptico quanto à história das ideias unitárias, pois este tipo de história conduz a mitologias e, sendo assim, seria melhor não se organizar as histórias em torno dessas ideias. Conf. Ibidem, págs. 121 – 122. 5 Conf. Lovejoy, A study of the history of an idea, pág. 3. 6 Conf. ibidem, idem. 7 Conf. idem, pág. 4.

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resultados da procura pelas ideias unitárias dentro dos sistemas conhecidos na história, destina-se a ser uma evidência do facto de que os sistemas atribuídos aos autores são originais ou distinguem-se mais nas suas configurações do que nos componentes desses mesmos sistemas.8 Para Lovejoy, as ideias unitárias, ao contrário do que se costuma conceber, não são os nomes que atribuímos aos grandes conceitos da história da humanidade. Diz Lovejoy que a ideia de Deus não é uma ideia unitária como pode ser assumido distraidamente. Não porque esse nome tenha sido usado para definir seres superiores completamente diferentes, mas porque as crenças que usam esse nome têm em si algo ou algumas coisas mais elementares. Por exemplo, diz Lovejoy, é diferente o que Aristóteles concetualiza acerca de Deus e o Deus do Sermão da Montanha. A conceção de Aristóteles sobre Deus é uma consequência de uma forma de pensar, uma espécie de dialética, que não lhe é própria, mas característica dos gregos. Por outro lado, os antigos judeus não a conheciam, eram antes influenciados pelo pensamento ético, estético, astronómico e teológico.9 O que significa que o pensamento dialético dos gregos e o pensamento judeu influenciado pelas quatro vertentes do pensamento são exemplos de ideias unitárias a que o historiador das ideias deve aplicar o seu estudo. Por detrás do nome cristianismo estão vários tipos dessas ideias unitárias que dão unidade ao nome. É necessário que se procure por detrás desses nomes, dessas aparentes unicidades ou identidades, para que se encontrem as ideias que dão unidade, as ideias efetivamente operatórias. Esses nomes, esses -ismos, não são os objetos da história das ideias, mas somente o seu material necessário. A questāo agora é saber qual a característica dessas ideias unitárias que devido à sua operacionalidade são dinâmicas e recorrentes.10 O primeiro tipo destas ideias são assunções ou uma espécie de hábitos mentais que operam na mente dos indivíduos ou de uma geracao. São crenças que são tomadas como factos, de tal forma que, não sendo expressas, são tacitamente aceites. Este tipo de ideias dinâmicas são decisivas muitas das vezes no caracter do dito pelo autor e são também frequentes nas tendências intelectuais de uma época. Este tipo de hábitos 8

Conf. idem, pág. 3. Conf. idem, págs. 4 – 5. 10 Conf. idem, pág. 6. 9

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mentais ou assunções são de vários géneros. Encontram-se certas categorias de maneiras particulares de fazer as coisas, como por exemplo aqueles que assumem um espírito simplista ou um espírito idêntico ao de Hamlet. Os espíritos simplistas procuram soluções práticas, ao passo que os idênticos ao de Hamlet perdem-se em reflexões e relações intrincadas.11 São duas ideias unitárias que influenciam o pensamento de um autor e, como se percebe, de forma heterogénea. Sobre uma mesma questão colocada os autores podem procurar respostas influenciados por um ou outro hábito mental. Temos também aquelas assunções, ou hábitos mentais, tão vagas e gerais que podem influenciar as reflexões de um homem sobre quase todos os assuntos. Isto tem a ver com assunções metodológicas, truques de lógica, muito discutivieis a nível da lógica ou da metafísica. Dois tipos de ideias deste género são as que podemos denominar de “motivos dialéticos”. Por exemplo, encontramos as intenções nominalistas (não relacionadas ao nominalismo) ou pragmatistas. As intenções nominalistas acontecem quando alguém pretende reduzir o significado de noções gerais a um enumeração de particulares concretos e sensíveis que caibam dentro dessas noções. As intenções pragmáticas são o hábito de assumir que caso se tenha um complexo, nenhum elemento desse complexo pode ser compreendido ou ser fora das relações com todos os outros elementos do mesmo sistema a que o elemento pertence.12 Neste caso estamos perante duas formas de raciocinar que são heterogéneas. Os autores perante uma mesma questão podem optar pela forma de raciocinar com a qual tem mais empatia. Um terceiro tipo de ideias unitárias pode ser descrito como as susceptibilidadades a diversos géneros de pathos metafísico. Este pathos é a causa da determinação de modas filosóficas e de tendências especulativas. O pathos metafísico exemplifica-se nas discrições da natureza das coisas, nas caracterizações do mundo a que pertencemos, que despertam nas suas associações e numa espécie de empatia que engendram, uma disposição amistosa num filósofo ou nos seus leitores. São tipos desse pathos metafisico: a profunda obscuridade que o autor (o mesmo pode acontecer ao leitor) coloca num texto por sentir-se seduzido pelo sentimento agradável e de

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Conf. idem, págs. 7 – 10. Conf. idem, pág. 10.

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exaltação que lhe provoca a profundidade do texto; o exoterismo que o autor coloca no seu texto por despertar nele (o mesmo pode acontecer ao leitor) um excitante e bem vindo sentimento de iniciação em mistérios ocultos; o eternalisitico que o autor coloca no seu texto por despertar em si (o mesmo pode acontecer com o leitor) o prazer estético que é dado pela ideia de imutabilidade, pois a imagem de imutabilidade desperta o sentimento de repouso que pode ser emocionalmente importante para um dindivíduo; o nominalístico ou panteístico em que o autor procura colocar unicidade no texto, pois desperta nele (o mesmo pode acontecer com o leitor) uma experiência agradável, quando as coisas que conservou no sua mente permanecem de alguma maneira as mesmas e, juntamente com este pathos, a satisfação que as pessoas têm em perceber que tudo é uno, pois é agradável à experiência humana a unicidade quando se encontram

respostas

que

falam

dela;

o

voluntarismo,

sentimento

de

consubestancialidade que sentimos, ligado à nossa natureza volucional, quando é reconhecida a totalidade do universo.13 O pathos mestafísico é uma ideia que toma estas diversas formas e que influenciam esteticamente o autor e o seu leitor. Lovejoy defende que relativamente à continuidade destas ideias unitárias, esta evidencia-se pela dificuldade de poderem ocorrer conceções essencialmente novas, novos problemas e novos modos de raciocinar. Estas “novidades” são mais raras do que se supõe. Os elementos das doutrinas filosóficas, as ideias unitárias, ao diferirem nas suas combinações lógicas, nem sempre são reconhecidos por causa dos temperamentos dos autores que resultam numa diferença de ênfase nas várias partes, ou as diferentes conclusões que resultam de premissas idênticas. Por isso, a história das ideias pretende penetrar precisamente nessas lógicas ou pseudológicas e ingredientes afetivos, para encontrar na diferença superficial os elementos que compõem esses sistemas.14 Outra afirmação de Skinner é de que não existem “temas eternos” de que as ideias sejam expressão.15 Também neste caso parece-nos que Skinner tem uma compreensão errada de Lovejoy que decorre das incompreensões já expostas. Como

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Conf. idem, págs. 10 – 14. Conf. idem, pág. 4. 15 Veja-se Skinner, Q., Significação e compreensão na história das ideias, p. 125. Skinner considera que não existem “temas eternos” ao qual os autores dedicam a sua pesquisa, mas intenções díspares que levam-nos a falar usando tal ideia, contudo não dentro de um significado determinado. 14

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temos estado a expor, podemos constatar que a essência das ideias unitárias que Lovejoy defende é algo muito diferente dos “temas eternos” a que Skinner se refere. As ideias unitárias não são aqueles nomes que se consideram como nomes de “temas eternos”. Para terminar a exposição do pensamento de Lovejoy acerca do método e do objeto da história das ideias, temos que referir uma outra parte deste método que tem a ver com a semântica filosófica. Tal consiste em fazer-se uma análise das palavras e frases sagradas de um período ou de um movimento, para aclarar as suas ambiguidades, pois podem originar associações confusas com influência no desenvolvimento de doutrinas, ou na transformação de modas de pensar em outras modas, às vezes mesmo suas opostas. Acontece que uma palavra ou uma frase que seja aceite por causa do seu significado, ou pelo pensamento que sugere, é responsável pelas crenças prevalentes, pelos valores vigentes, pelos gostos de uma época, podendo modificar-se devido a outros significados, não claramente distintos, dados por aqueles que usam essa determinada palavra ou frase. Assim podem-se substituir as crenças, os valores vigentes e os gostos de uma época, que gradualmente passam a fazer parte de uma nova significação. 16 Neste caso a preocupação é com um outro tipo de ideias que são mais definidas e explícitas do que aquelas ideias unitárias que expusemos atrás. Referimonos a essas palavras ou frases (princípios), muitas vezes enunciadas junto com aquelas que são, ou foram, supostamente os seus corolários. Estas ideias, expressas em proposições ou princípios, foram uma tentativa de responder a uma questão que tinha que ser colocada e que aparentemente tinha uma afinidade com outras ideias ou princípios avançados na história, para responder a outras questões diferentes a que se aglutinaram. Saliente-se que quer o estudo dessas frases ou princípios, quer o estudo das ideias unitárias (hábitos mentais, argumentos lógicos ou pseudológicos, bem como o pathos metafísico), tem que se fazer a partir de outras províncias da história, em que figuram com algum grau de importância, sendo que essas províncias podem ser as mais diferentes como a filosofia, ciências, literatura, arte, religião ou política, isto para que se possa realmente compreender os seus papéis na história. Outro pressuposto é que o 16

Conf. Lovejoy, A study of the history of an idea, pág. 14.

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estudo das ideias unitárias, ou mesmo das referidas palavras ou princípios, se deve preocupar não só com as doutrinas ou sistemas de alguns, mas com as suas manifestações coletivas. Essa investigação tem que isolar esse material nas crenças, devoções, gostos, aspirações das classes educadas, numa geração ou em várias. E esse material tem que ser pesquisado nas suas manifestações mais difusas, ou seja no stock de qualquer pensamento.17 No que segue, vemos que Lovejoy estava consciente dos perigos que mais tarde Skinner encontra em se fazer a história das ideias, partindo dos pressupostos do primeiro. Diz Lovejoy que o estudo da história das ideias tem os seus perigos, as suas armadilhas, e pode degenerar facilmente em espécies de mera generalização imaginativa da história. Também é preciso ter em conta que ao pedir material a outros campos do conhecimento, pode-se estar sujeito ao erro de não especialistas. Outro aviso que nos deixa Lovejoy é que só teremos sempre uma parte do pensamento dos filósofos e duma época determinada e assim devemos ter o cuidado de não tomar a parte pelo todo. Também tem que se ter em conta que a história a contar, resultante de uma determinada investigação, é em grande parte a história do conflito entre as ideias e uma série de conceções antagónicas que temos observar à luz dessas antíteses e nada do que dissermos deve ser construído como uma exposição compreensiva dessas antíteses.18 Temos vindo a expor o método, o objeto e o campo do que Lovejoy entende ser a história das ideias, com o intuito de mostrar que as objeções feitas por Skinner resultam de uma compreensão que lhe é própria. Nenhuma das objeções de Skinner consegue ferir de morte a teoria de Lovejoy. No entanto, achamos que para se pensar uma metodologia para a história das ideias, devemos albergar parte da teoria de Skinner. Skinner levanta a questão da intenção dos autores quando interpretamos a sua obra, dizendo que temos que desviar o olhar que se fixa no que o autor disse. Segundo Skinner só podemos compreender um determinado texto quando conseguirmos

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Conf. ibidem, pág. 14 – 15. Conf. idem, pags. 21 – 22.

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interpretar o que o autor estava a fazer quando disse o que disse.19 Neste aspeto, pensamos que procurar as ideias unitárias de Lovejoy nas obras de um autor, tem no fundo essa intenção: compreender o que um autor estava a fazer quando disse o que disse. De qualquer modo Skinner tinha outra intenção ao levantar a questão. Skinner estava a pensar no contributo que a linguística pode dar à história das ideias, a começar pela ajuda relativa ao significado dos termos ao longo do tempo, pois não podemos interpretar os conceitos dos autores clássicos com aquilo que os mesmos conceitos significam no presente, sob pena de errarmos nas nossas interpretações.20 Para Skinner, a metodologia a seguir na análise dos textos clássicos tem que procurar perceber o sentido que no texto o autor pretendeu que fosse captado. Para isso deve-se começar por se fazer um elenco de todas as comunicações que podiam, no momento em que o autor escreveu, ser comunicadas pelas expressões que o autor escolheu. Também devese confrontar essas expressões com o seu contexto linguístico para podermos determinar a intenção do autor. Skinner chama a atenção para o contexto sociolinguístico dos termos que um autor usou. (Pensamos que Lovejoy está próximo desta posição quando afirma que as ideias unitárias, as palavras, as frases, os hábitos mentais, as lógicas e pseudológicas, devem ser pesquisadas tendo em conta os outros campos intelectuais.) Conseguida a intenção do autor, pode então surgir o contexto social como contexto em que a pesquisa linguística se dá. E esse contexto é fundamental para se perceber os significados que o autor tinha a intenção de comunicar, como se fosse um tribunal de última instância, pois ajuda a apurarmos quais as intenções que podiam ser as do autor. Isto é, um determinado autor só pode intencionar aquilo que o seu contexto social lhe faculta, caso contrário estaríamos a imaginar uma anacronia, por exemplo, em que se atribui a Hobbes intenções que foram as de Maquiavel.21 Koselleck. Contributo da história dos conceitos O que vamos agora expor, parte do pressuposto de que embora a história dos conceitos, que mantém uma relação de interdisciplinaridade com a história social e ciências políticas, tenha surgido precisamente em oposição à história das ideias, no que

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Conf. Skinner, Q., Significação e compreensão na História das Ideias, pág. 113 Ibidem. 21 Conf. idem, págs. 123 – 124. 20

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respeita também às ideias imutáveis a que Skinner se opõe temos que pensar que sendo a história das ideias uma história que também manuseia a história do pensamento, pode receber um importante contributo da história dos conceitos que trata dos contextos linguísticos na história. Para Koselleck, a metodologia da história dos conceitos tem por objeto os atos de linguagem que ocorrem num determinado acontecimento histórico e por isso exigem uma análise linguística para que se compreenda a ação que não poderia ter acontecido sem a linguagem. Esta análise linguística requer que se analisem os termos linguísticos no seu contexto linguístico e historico, tendo em conta os fenómenos de sincronia e de diacronia. Kosellek afirma que quando fazemos um estudo histórico temos que ter sempre em conta o acontecimento social e este, mesmo no dia-dia, é resultado de uma mediação linguística, sendo que nessa mediação ocorrem os atos de linguagem, ou a ação do sujeito do acontecimento através da linguagem. A esse respeito Koselleck evidencia dois pressupostos: em primeiro lugar, dado um determinado acontecimento, a compreensão linguística deste não está relacionada com o que aconteceu; em segundo lugar, as coisas que acontecem já foram alteradas pelo seu processo linguístico. 22 Existe um fosso entre o que se falou ou se escreveu no momento de uma determinada ação e aquilo que depois se apreende analisando-se a mesma linguisticamente. A linguagem usada na ação tem premissas linguísticas além dela, como veremos. Por outro lado, não existe qualquer ação, atitude ou comportamento que consista em prepará-la, pô-la em movimento e seguir em frente. Aconteça o que acontecer, esse acontecimento está aquém do seu processo linguístico, pois é através dele que o acontecimento acontece. The order or mutual resolution or elemental shout to kill are not identical to the act of killing itself. The expressions used by lovers do not amount to the love two people feel.23 Mais, sabemos que a palavra tem efeitos irrevogáveis e por isso aquilo que se diz e se escreveu, faz-nos refletir sobre as consequências, sendo na maior parte das vezes encriptada. Estas considerações levam 22

Conf. Koselleck, Reinhart, Social history and Begriffsgeschichte! in History of Concepts: Comparative Perspectives, editado por Hampsher-Monk, Iain, Tilmans, Karin & Vree, Frank van, Amsterdam University Press, Amsterdam, 1998, 2º Cap, págs. 23 - 35. idem, pág. 25. 23 Ibidem, pág. 26.

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a concluir que o sujeito da ação, da atitude ou do comportamento, vai sempre além da linguagem através de uma representação e aí já não é a linguagem falada ou escrita em si que apresenta a ação, mas sim elementos extralinguísticos que só são interpretáveis através de ciências translinguísticas como a semiótica, a ciência dos sinais.24 Outros exemplos de elementos extralinguísticos são:

[…] rubble that bears witness to

catastrophes, coins to economic organization, buildings to community, governance and services, roads to trade or war, cultural landscapes to the labor of generations, monuments to victory or death, weapons to battle, roots to inventions and applications, and 'relics' or 'discoveries' - or images - that may bear witness to all of these things at once.[…]25 A estes elementos extralinguísticos que tornam possível, juntamente com a linguagem, o acontecimento histórico, juntam-se outros elementos analíticos. Koselleck determina-os como elementos pré-linguísticos de que são exemplo […] spatial proximity or distance, distances that, according to circumstances, may foster or delay conflicts; the temporal differences between the age-groups in a generational unit, or the bipolarity of the sexes. […] Birth, love, death, food, hunger, misery and disease, perhaps also happiness, in any case abduction, victory, killing and defeat […].26 Devido a estes elementos analíticos a que se junta a linguagem falada ou escrita, a linguagem, tem que ser, na análise do acontecimento histórico, suspensa de maneira a controlarmos ou captarmos atos relevantes e reduzir esses elementos extralinguísticos à linguagem, ou seja, verbalizá-los. Esses elementos extralinguísticos têm que ser transportados para a linguagem, pois eles falam sobre o acontecimento histórico. Devemos ter em conta os elementos analíticos extralinguísticos, não porque eles possam trazer veracidade ao acontecimento histórico, mas para os traduzir em linguagem, de forma a captar os atos de linguagem e o acontecimento. Os testemunhos analíticos destacados dão informação à história sobre o acontecimento, mas só a linguagem pode ser testemunha de um acontecimento histórico, pois o que de facto aconteceu só a linguagem oral e escrita pode dizer de forma segura. É nas fontes

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One thinks of bodily gestures, in which language is communicated only in encoded form, of magical rites extending to the theology of the sacrifice, which is historically located not in the word but in the cross, of group behaviours established by virtue of their symbols, or of modern traffic signs […]. Idem. 25 Idem, pág. 28. 26 Idem, pág. 27.

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linguísticas que o que sucedeu no passado se divide em linguística e facto. 27 O acontecimento histórico é linguagem e facto sem que os dois coincidam, estando contudo relacionados. Tal como vimos, a análise da diferença entre linguagem e ato requer que tenhamos em conta elementos analíticos extralinguísticos e linguísticos do ato falado relativamente ao acontecimento histórico. Contudo, é necessário prestar atenção ao facto de que temos estado a falar de acontecimento histórico e da história a ocorrer (geschehendeGeschichte e geschehene Geschicshte) in actu, ou seja, em que a linguagem e o acontecimento se relacionam numa secção cruzada sincrónica. Há que levar em conta, quando analisamos o acontecimento e o acontecer do ato histórico, outros dois elementos analíticos, neste caso temporais, que dizem respeito ao ato falado. Olhámos para o acontecimento histórico enquanto história a ocorrer, como se temporalmente o ato falado estivesse inscrito somente no presente. Mas todo o ato falado é simultaneamente sincrónico e diacrónico. Ou seja, temos que contar com uma perspetiva diacrónica desse mesmo ato sincrónico como sendo uma conjunção de passado e futuro. É essa a sua dimensão diacrónica.28 O que ocorre numa palavra que expressa uma experiência ou expectativas não existentes antes na linguagem, não pode ser algo tão novo que não fosse contido virtualmente na respetiva linguagem já existente. Interessa à historia dos conceitos distinguir então o discurso em uso no momento da ação, o discurso corrente, das premissas linguísticas que estão presentes na dimensão diacrónica do ato falado. Se formos estudar um fenómeno social expresso numa palavra, o caso do casamento, exemplo dado por Koselleck, a primeira abordagem seria vermos nos testemunhos históricos escritos que atos de linguagem aí ocorrem que permitam a interpretação linguística e factual do acontecimento enquanto acontecer, ou seja, poríamos em jogo uma abordagem sincrónica. Ainda nesta abordagem seria feita a pesquisa das condições diacrónicas da palavra, ou seja, tentar perceber o que ela tem em si de experiência ou expectativa ainda não existente na linguagem, bem como as transformações que foi sofrendo ao longo de grandes períodos de tempo. 29

27

Conf. idem, pág. 28. Conf. idem, pág. 30 29 Conf. Idem, pág. 33 28

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Resumindo, a história dos conceitos preocupa-se com a relação entre ato e linguagem dentro de unidades de ação, das mais simples às mais complexas, em que ocorre uma relação entre atos de linguagem e acontecimento, tendo em conta o indivíduo e as suas múltiplas interações sociais, revelando-se assim o acontecido e as suas conexões. Assim, desta exposição do que é o objeto e a metodologia da história dos conceitos, retiramos a importância do seu objeto, os termos e os seus contextos linguísticos. Vimos que Lovejoy falou de palavras e frases (princípios) que são também ideias, mais explícitas do que as ideias unitárias e que devem ser objeto de uma pesquisa para evitar ambiguidades, quanto à influência que determinado termo pode ter num sistema ou doutrinas, ao tomar outros como seus corolários. E devemos também observar como estas influenciam e mudam as crenças prevalentes, os valores vigentes e os gostos de uma época. Também vimos que Skinner defende que se deve fazer uma análise linguística, de forma a apreendermos a intenção do autor ao dizer o que disse referindo-se aos contextos sociolinguísticos. Sendo assim, só podemos defender que a história dos conceitos com o seu método e objeto deve ser abraçada como podendo dar uma contribuição importantíssima para história das ideias. Aliás, Koselleck, como vimos acima, dá a entender que sem a análise linguística dos atos de linguagem, no seu contexto histórico e sociolinguístico, não pode existir qualquer estudo da história.

Conclusão Mostrou-se neste artigo que Lovejoy continua a ser uma referência para a metodologia da história das ideias. A crítica severa feita por Skinner acaba por esbater-se uma vez que ataca Lovejoy onde ele não tinha por onde ser atacado. Compreender as ideias unitárias como nomes, como unidades abrangentes, como faz Skinner, não alcança o que Lovejoy entende por ideias unitárias. Para Lovejoy só existem três ideias unitárias: hábitos mentais, motivos dialéticos e pathos metafisico. Estas ideias unitárias funcionam como operadoras, podemos dizer que psicoemocionais, do pensamento dos autores na área da filosofia que são influenciados por elas conjugando-as de maneiras distintas. Talvez Skinner tivesse em mente aquando da sua crítica outra espécie de ideias a que Lovejoy se refere, mas que não são as que se manifestam originariamente nas obras desses autores. Ou seja, não são essas que definem os seus sistemas, heterogéneos em virtude das ideias unitárias. Lovejoy aponta para aquelas palavras ou frases (princípios) que numa determinada época devido aos seus significados estabelecem as crenças 13

prevalentes, os valores vigentes e os gostos e que quando mudam de significados acabam também por trazer mudança a essas mesmas crenças, valores e gostos. De igual modo se devem analisar essas palavras e princípios, pois influenciam os autores quando as encontram e tomam-nas como corolários daquilo que pensam ou querem dizer. Por isso essas ideias, bem como as ideias unitárias, têm que se fazer a partir de outras províncias da história, em que figuram com algum grau de importância como na filosofia, ciências, literatura, arte, religião ou política. Foi a partir desta abertura aos contextos linguísticos, que Lovejoy não expressa mas nós fazemo-lo, que encontramos a possibilidade de relacionar a metodologia de Lovejoy à de Q. Skinner e de Koselleck como justificámos.Embora Koselleck não tivesse em mente a relação da história dos conceitos com a história das ideias, expõe como todo o estudo histórico que tem necessariamente de recorrer ao estudo dos atos de linguagem, pois todo o acontecimento humano acontece pela e na linguagem em contexto social. A história dos conceitos, segundo Koselleck, analisa linguisticamente esses atos de linguagem e a história das ideias pode aproveitar esses estudos para alcançar o significado das palavras ou princípios a que Lovejoy se refere e assim apurar que influência tiveram no pensamento de um autor, tal como qual o significado que tomam nas suas obras. De um ponto de vista pratico, podemos, a partir da metodologia de Lovejoy, conceber o estudo do conceito de liberalismo na Grã-Bretanha do século XIX. Começaríamos por abordar os autores que se dedicaram a refletir sobre esse tema e procuraríamos perceber que tipo de hábitos mentais, de motivos dialéticos e pathos metafisico influenciam as suas obras. Com isso ficaríamos a conhecer a mente e temperamento desses autores e poderíamos apurar os motivos do que escreveram. Também teríamos que analisar quais os tipos de ideias unitárias que eram mais contempladas nesse século e no país em que o autor pensou as suas obras, pois é mais que possível que sejam essas as ideias a influenciar os autores. Tendo em conta as outras ideias a que Lovejoy se refere, teríamos que apurar as palavras que os autores usaram para dar o significado do conceito em causa e que significados poderiam ter essas palavras e esse conceito nas outras áreas do saber (filosofia, ciências, literatura, arte, religião ou política), a fim de apurar até que ponto ele é influenciado pela sua época. Ainda aqui também teríamos que ver que significados corolários do conceito pensado por esses autores podiam tê-los influenciado. Não poderíamos deixar de estar atentos às advertências feitas por Lovejoy e evitar espécies de mera generalização imaginativa da história. Devemos ter consciência que o material transportado de outros campos do conhecimento pode estar sujeito ao erro de não especialistas. Assim como devemos ter sempre em conta que só temos uma parte do pensamento dos filósofos e duma época determinada e não tomar a parte pelo todo. Por fim, devemos ter a perceção que a 14

história que temos para contar é em grande parte a história do conflito entre as ideias e uma série de conceções antagónicas, as quais teríamos que observar à luz dessas antíteses e nessa história evitar construir uma exposição compreensiva dessas antíteses. Penso que aqui já teríamos em conta o que estavam a fazer os autores quando escreveram o que escreveram e o contexto linguístico a que se refere Q. Skinner. Podíamos pedir também à história dos conceitos o que significava o conceito na Grã-Bretanha do séc. XIX e que ato de linguagem estavam a praticar esses autores.

Bibliografia Knight, Unit-Ideas Unleashed: A Reinterpretation and Defence of Lovejovian Methodology in the History of Ideas, Journal of the Philosophy of History 6 (2012), págs. 1–23. Macksey, Richard, The History of Ideas at 80, MLN. Comparative Literature Issue, 2002, Vol. 117, No. 5, págs. 1083–1097.

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