Metodologia do Direito. Apontamentos de apoio às aulas práticas [Versão redux 2.0: O esquema metod(olog)ico], 7.ª versão, Coimbra, 2016, pp. 133.

May 26, 2017 | Autor: L. Malheiro Menes... | Categoria: Metodologia, Theory of Law, Logic in Law, Methodology
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LUÍS ANTÓNIO MALHEIRO MENESES DO VALE

METODOLOGIA DO DIREITO Apontamentos de apoio às aulas práticas [Versão redux 2.0: O esquema metod(olog)ico]

K.Malevich, Quadrado Preto e Quadrado Vermelho (1915)

COIMBRA, 2016

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Gustav Klimt, Jurisprudenz, 1903-1907



(Painel da Aula Magna da Universidade de Viena, destruído num incêndio em 1945)

W. H. Auden, Law, like Love Law, say the gardeners, is the sun, Law is the one All gardeners obey Tomorrow, yesterday, today. Law is the wisdom of the old, The impotent grandfathers feebly scold; The grandchildren put out a treble tongue, Law is the senses of the young. Law, says the priest with a priestly look, Expounding to an unpriestly people, Law is the words in my priestly book, Law is my pulpit and my steeple. Law, says the judge as he looks down his nose, Speaking clearly and most severely, Law is as I've told you before, Law is as you know I suppose, Law is but let me explain it once more, Law is The Law. Yet law-abiding scholars write:

Law is neither wrong nor right, Law is only crimes

That the Law is And that all know this If therefore thinking it absurd

Punished by places and by times, Law is the clothes men wear Anytime, anywhere, Law is Good morning and Good night.

To identify Law with some other word, Unlike so many men I cannot say Law is again,

Others say, Law is our Fate; Others say, Law is our State; Others say, others say Law is no more, Law has gone away. And always the loud angry crowd, Very angry and very loud, Law is We, And always the soft idiot softly Me. If we, dear, know we know no more Than they about the Law, If I no more than you Know what we should and should not do Except that all agree Gladly or miserably

No more than they can we suppress The universal wish to guess Or slip out of our own position Into an unconcerned condition. Although I can at least confine Your vanity and mine To stating timidly A timid similarity, We shall boast anyvay: Like love I say. Like love we don't know where or why, Like love we can't compel or fly, Like love we often weep, Like love we seldom keep.

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ÍNDICE Prolegómenos Prólogo (2016/2017) Preliminar (para os alunos de 2011/2012) Nota preambular à quarta versão (aos alunos de 2010/2011) Pródromo à terceira versão (aos alunos de 2009/2010) Proémio à segunda versão (aos alunos de 2008/2009) Abertura da primeira versão (aos alunos de 2008/2009)

PARTE I – INTRODUÇÃO: A SITUAÇÃO DA METODOLOGIA JURÍDICA PARTE II – O JURISPRUDENCIALISMO DA ‘ESCOLA DE COIMBRA’ PARTE III – A METODOLOGIA JURÍDICA NUMA PERSPECTIVA JURISPRUDENCIALISTA (DE CASTANHEIRA NEVES A PINTO BRONZE) A). INTRODUÇÃO B). A RACIONALIDADE JURÍDICA C). O ESQUEMA METÓDICO 1. Considerações preliminares 1.1. Precauções 1.2. Analítica elementar 1.2.1. A meta 1.2.2. O odos 1.2.2.1. Referências cardeais 1.2.2.2. Questão-de-facto e questão-de-direito: sentido de uma distinção 1.2.3. O logos 1.2.3.1. A dialéctica sistema-problema 1.2.3.2. A dialectica e a analogia ao longo do esquema metódico 1.2.3.3. A equação metodológica 1.2.4. O prius 1.2.5. O modus 1.2.5.1 O problema da perspectiva na relação metódica caso/norma 1.2.5.2. A perspectiva da norma a). O modelo de concretização de F. Müller b). A teoria da Fallnorm de W. Fikentscher 1.2.5.3. A perspectiva do caso a). O pensamento hermenêutico-prático de J. Esser b). O pensamento da decisão racional-argumentativa e justa de M. Kriele 1.2.5.4. Perspectiva adoptada 2. O esquema metódico em pormenor 2.1. Enquadramento: Noção e Etapas 3

2.2. A questão-de-facto 2.2.1. A delimitação do âmbito de relevância jurídica do caso e a sua qualificação jurídica 2.2.1.1. A determinação do âmbito de relevância jurídica do caso 2.2.1.2. A qualificação jurídica 2.2.2. A comprovação prático-normativa 2.3. A questão-de-direito 2.3.1. A questão-de-direito em abstracto 2.3.1.1. A determinação do critério hipoteticamente aplicável ao caso a). Considerações gerais b). O caso e as suas circunstâncias c). A norma e os seus momentos constitutivos 2.3.2. A interpretação jurídica (entre a questão-de-direito em abstracto e a questão-dedireito em concreto) 2.3.2.1. O problema metodológico da interpretação jurídica 2.3.2.2. As disposições pertinentes do Código Civil 2.3.2.3. A perspectiva hermenêutico-cognitiva da interpretação jurídica 2.3.2.4. A perspectiva prático-normativa da interpretação jurídica 2.3.2.5. Quadro sinóptico: para um exercício de comparação 2.3.2.6. Alguns confrontos doutrinais a). Miguel Teixeira de Sousa b). José Lamego 2.3.2.7. Exemplificação jurisprudencial a). Acordão n.º 5/95 do STJ b). Acordão n.º 11/96 do STJ c). Acordão n.º 4/04 do STJ 2.3.3. A questão-de-direito em concreto 2.3.3.1. Ponto de ordem: a realização do direito pela mediação de um critério 2.3.3.2. Momento do âmbito de relevância material 2.3.3.2.1. Caracterização geral 2.3.3.2.2. Resultados possíveis a). A assimilação total ou por concretização b). A assimilação parcial i. Por adaptação ) Noção ) Modalidades (extensiva e restritiva) ii. Por correcção ) Noção ) Pressupostos ) Limites ) Tipos (sincrónica e diacrónica) c). Não assimilação – a superação por obsolescência 2.3.3.3. Momento da teleologia 2.3.3.3.1. Sentido 2.3.3.3.2. O momento da teleologia e o momento da relevância material 2.3.3.3.3. O papel problemático-normativamente determinante da casuística e da elaboração dogmática a). Pela experiência jurisprudencial 4

b). Pela reflexão doutrinal 2.3.3.3.4. Os resultados interpretativos a). Em geral b). A interpretação correctiva i. Extensão teleológica ii. Redução teleológica 2.3.3.4. Momento dos fundamentos 2.3.3.4.1.Noção 2.2.3.4.2. Modalidades a). Interpretação conforme os princípios b). Correcção i. Sincrónica ii. Diacrónica c). Preterição d). Superação por caducidade 2.2.3.4.3. Confronto com a interpretação conforme a constituição. 2.3.3.5. Momento (eventual) das consequências 2.3.3.5.1. Caracterização geral 2.3.3.5.2. Funções possíveis 2.2.3.5.3. Prós & contras 2.2.3.5.4. Posição adoptada 2.3.4.6. Elementos para a discussão doutrinal 2.3.4.7. Arestos para reflexão e debate a). Acordão n.º 130/2009 do TC b). Acordão n.º 370/2007 do TC c). Acordãos do Supremo Tribunal Administrativo 2.3.4. A realização do direito sem a mediação de um critério: desenvolvimento trans-sistemático do direito e autónoma constituição normativa da juridicidade. 2.3.3.1. O problema anteriormente conhecido por problema das lacunas a). Pressupostos b). Caracterização c). Métodos de integração 2.3.3.2. Recuando à questão-de-direito em abstracto a). A procura de critérios normativos mobilizáveis b). O recurso aos demais estratos do sistema c). A incontornável pressuposição do sistema d). O desenvolvimento trans-sistemático do direito (segue) 2.3.3.3. A autónoma constituição normativa a). Condições b). Princípios c). Limites 2.3.3.4. Os limites da juridicidade e o problema do direito

D). O problema político da jurisdição.

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Prólogo Chegada a hora do regresso às lides lectivas, após um afastamento auto-imposto1, entendeu-se por bem poupar os alunos à angústia de uma selecção dos materiais costumadamente disponibilizados nas aulas práticas, para isso amputando o respectivo guião de uma parte substanciosa dos seus contentos. Em ambiente pós-Bolonha e sabendo-os jungidos pelo apertado tripalium de longas jornas de aulas e avaliações continuas e repartidas, pareceu curial uma redistribuição dos ónus, que lhes diminuísse ligeiramente a responsabilidade, sempre indeclinável, de discernir o decisivo por entre o importante. Nada, porém, que se houvera por potencialmente prejudicial à (ou sequer significativamente repercutente, em geral, na) relação que os senhores estudantes devem manter com o curso, atento sobremaneira o facto de os apontamentos facultados jamais terem simulado voos impossíveis às suas asas de dodó: nunca pretenderam senão anotar os tímidos e rasos volteios ensaiados nas aulas práticas, descansando na reserva às lições magistrais e à bibliografia indicada, dos golpes de asa mais arriscados, nos quais colhem/dos quais bebem a sua inspiração. Permanecem, pois, como um amparo não tanto para o estudo (ou para o acompanhamento das aulas teóricas), como para o bom sucesso das próprias prelecções práticas, coadjuvando o professor nessa tarefa, à laia de complementos ou suplementos do sempre mui falível registo oral – amiúde omisso, contingentemente desequilibrado, por vezes truncado ou eivado de lapsos. Acresce que a perspectiva de publicação de um muito ansiado compêndio de lições de metodologia por parte do Senhor Doutor Pinto Bronze, de um lado, e o renovador sopro que serenamente se antessente nos estudos de mestrado sobre o tema, com a comissão da disciplina pertinente à Senhora Doutora Ana Gaudêncio, mais sentido retiram ao sobre-investimento na melhoria de uma ferramenta reconhecidamente obsoleta (e até caduca) - como se procurando salvála ao naufrágio do tempo, apenas para ser de seguida abatida e aposentada à guisa de mero espólio museal, sem qualquer atractivo, contudo, para turística visitação. Mas se é verdade que não fazem dano as musas aos doutores - outras embora aquelas e este - a ambição, menos de os alçar a suporte condigno da preparação estudantil, que de os afeiçoar tão-somente às necessidades mais instantes, apesar de universitariamente discutível, adquire foros de pragmática legitimidade académica. Desistindo do vão bloqueio manual do vento e da perseguição insana da própria sombra, parte-se de uma modesta admissão da distância crescente entre as promessas criadas pelos possíveis e o exequível cumprimento de tais deveres. Na verdade, a pertinência geral do tema aumentou2. Uma consulta dos catálogos editoriais3, das agendas4 e curricula universitários e dos projectos de investigação inter e transnacionais mostram-se Na esperança infelizmente baldada de proveitos investigatórios que justificassem a renúncia ao prazer imediato desse combate em prol do seu futuro deleite. 2 A mera erosão da dogmática e a conseguinte inoperacionalidade das normas primárias em contextos de grande complexidade, logo provocam um claro deslize das atenções e do esforço reflexivo para domínios 1

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suficientemente elucidativas. As publicações cresceram. Entre nós, propôs-se já introduzir o estudo ao direito pelo método do caso (numa cedência inexplicada, porém, ao método langdelliano) 5, destacou-se recentemente a pragmático-linguística relevância da interpretação jurídica em abordagens de cunho sofisticadamente positivista6, apela-se por vezes à disquisição teóricometodológica em chave realista7, dão-se à imprensa cursos expressamente dedicados à metodologia8 ou cada vez mais se incorporam as perspectivas metodológicas na excogitação dos problemas jurídicos das diferentes regiões dogmáticas9. Multiplicam-se entretanto os artigos, surgem monografias, aparecem obras conjuntas10.

meta-problemáticos, na tentativa de dilucidar prévias questões teórico-metodológicas relativas ao sentido e âmbitos (temporais, espaciais, subjectivos, materiais) da vigência, às fontes do direito, ao sistema e à interpretação jurídicas. Modestamente temos chamado a atenção para os débitos metodológicos, inter alia, do direito da união europeia, divulgando alguns dos progressos mais recentes e explorando os contributos da metódica historiográfica e comparada no âmbito do direito público em geral, mormente quando relacionado com a teoria constitucional. 3 Tenham-se em contas as Dissertações de Doktorat e Habilitation vindas a público sob a chancela da prestigiada Mohr Siebeck, ou as obras originais ou compilatórias lançadas por editoras como a Nomos ou a Duncker & Humblot. Em tempos mais recentes, a internacionalização do direito constitucional e a constitucionalização do direito internacional converteram os estudos de direito público geral, mormente internacional, constitucional e administrativo, num espaço privilegiado para a consideração de questões filosóficas, teóricas e metodológicas em torno dos grandes temas da política, do direito, da sociologia e das relações internacionais – encontrando um respaldo crescente no mundo de língua inglesa (a ponto de azarem novas linhas e séries editoriais, monográficas ou periódicas). 4 Realizaram-se no passado dia 6 de Outubro as II Jornadas de Metodologia Jurídica, sob o tema agregador do Desenvolvimento Judicial do Direito, promovidas pelo Centro de Investigação em Direito Privado da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, por exemplo. 5 Gonçalo de Almeida Ribeiro/Patrícia Fragoso Martins/Pedro Garcia Marques, Método do Caso – Uma Introdução ao Direito, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2.ª edição, 2015. 6 Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, Coimbra, 2012. 7 António Hespanha, O Caleidoscópio do Direito, Almedina, Coimbra, 1.ª edição, 2009 (com 2.ª edição, reelaborada e muito aumentada, de 2014). 8 José Lamego, Elementos de Metodologia Jurídica, Almedina, Coimbra, 2016. 9 Filipa Lemos Caldas (Coord.), Analogia em direito administrativo: os limites à integração analógica das normas administrativas, AAFDUL, Lisboa, 2016; Francisco Aguilar, A Norma do Caso como Norma no Caso, Almedina, Coimbra, 2016; Ana Paula Dourado, O Princípio da Legalidade Fiscal - Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Almedina, Coimbra, 2007; Cecília Xavier, A Proibição da Aplicação Analógica da Lei Fiscal no âmbito do Estado Social de Direito, Almedina, Coimbra, 2006; Mafalda Miranda Barbosa, Do Nexo de Causalidade ao Nexo de Imputação (2 vols), Principia, Cascais, 2013; Idem, “Reflexões em torno da responsabilidade civil: Teleologia e Teleonomologia em Debate”, in BFDUC, 81, 2005, pp. 511-600; José Mouraz Lopes, A Fundamentação da Sentença no Sistema Penal Português - Legitimar, Diferenciar, Simplificar, Almedina, Coimbra, 2011. 10 V., por exemplo, de um discípulo directo de A. Castanheira Neves e Aroso Linhares: António Ulisses Cortês, a dissertação de doutoramento Jurisprudência dos Princípios - Ensaio sobre os fundamentos da decisão jurisdicional, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010; cf. também, Fernando José Bronze et alii (Coord.), Juizo ou decisão?: o problema da realização jurisdicional do direito - VI Jornadas de teoria do direito, filosofia do direito e filosofia social, Instituto Jurídico, Coimbra, 2016; Alexandre Mota Pinto, «“Falibilismo” Jurídico? Ensaio de aplicação ao direito do modelo metódico da falsificação, proposto por Karl Popper», in Ars Iudicandi – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 887966; Cláudia Trabuco/Beatriz Segorbe, “Inteligência Artificial e Direito”, in Themis, ano I, n.º 2, 2000, pp. 248-251; António Menezes Cordeiro, «Introdução à Edição Portuguesa” de Claus-Wilhelm Canaris, Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito, 4.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2008; P. Ferreira da Cunha, “Dialéctica, tópica ou retórica jurídicas?” in Direito e Justiça, volume XVI, tomo 2, 2002, pp. 61-83; Idem, Iniciação à Metodologia Jurídica – Memória, Método e Direito, 2.ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2009; Manuel da Costa Andrade, “O princípio criminal nullum crimen sine lege e a analogia no domínio das causas de justificação”, in RLJ, 134, 2001, n.ºs 3924 e 3925, pp. 72 e ss.; José de Faria Costa, “Construção do tipo legal de crime à luz do princípio da legalidade: duas questões ou um só 7

Por outro lado, o interesse pessoal não diminuiu. Pelo contrário. Os estudos desenvoltos, conquanto conduzidos nas periferias ou orlas da metodologia, só lhe corroboraram a centralidade, no domínio jurídico, como aliás no político até e social. A terminar, tão pouco escasseiam os equívocos e mal-entendidos, os tráficos e contrafacções científicas e culturais, concitando, portanto, um escrutínio universitário empenhado 11. Simplesmente, a todos os citados propósitos não falta quem faça mais e melhor. Por tudo o que, desta feita, se tentou ir ainda mais longe na contenção. Ou por outra: ousou-se ficar pelas cercanias. Se a 6.ª versão, limitando-se à Parte III, mas incluindo os Pontos A, B e C, não deixou pegada12, esta 7.ª13 aposta com mais denodo na auto-restrição, cerceando arrojos inconsequentes, com a significativa expunção dos segmentos A e B. Confinado o guião ao tratamento do esquema metódico, remeter-se-á para os sumários o registo de novas aproximações eventualmente experimentadas in classis, ao mesmo tempo que se procurará facultar, de forma autonomizada e após liminar revisão, os materiais de apoio atinentes à racionalidade argumentativa e hermenêutica - com pequenos textos sobre Habermas, Alexy e Dworkin, acompanhados de raras notas e singelos esquemas sobre a actual situação metodológica. Tanto basta para pagar à honestidade do exercício ensejado, sem nos vincular, porém, a um lance outrossim de difícil cobertura. Contudo, tendo em mente os alunos de mais um curso, e respondendo ao que julgamos um imperativo irrecusável, não deixámos de repensar o itinerário temático proposto, porque somos feitos dos caminhos que se fazem enquanto os caminhamos. E dado que se trata do último ano lectivo em que poderemos beneficiar todos do magistério directo do Senhor Doutor Pinto Bronze – com quem se encerra um período de luzido fulgor (intenso, mas discreto, i.e., concentradamente irradiante aos olhos certos) da reflexão metodológico-jurídica coimbrã – quisemos assinalar e significar, inter amicos (no regaço muito particular em que nos abraçam os auditórios universitários), a comoção do momento, testemunhando-a num pequeno gesto de aperfeiçoamento 14 – modesta performance

problema”, in RLJ, 134, 2002, n. 3933, pp. 354 e ss.; Plínio Melgarè, “Da demonstração à argumentação: apontamentos sobre o pensamento jurídico e a nova retórica”, in Ars Iudicandi – Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, volume I, op. cit., pp. 765-801. 11 Pense-se na débil consistência, mesmo num plano exclusivamente propedêutico e didascálico, de certas iniciativas editoriais, sem vezo nem linhas condutoras discerníveis ou então prestantes a naturais e legitimas solicitações não jurídicas mas faltos das necessárias precauções epistemologicamente pressuponendas, todavia. É assim que encontramos manuais de Introdução ao Direito elaborados por uma plêiade de autores, sem o cuidado de uma verdadeira coordenação universitária de calibre científico-cultural, que vá além da sistematização de artigos temáticos voltados a uma pretensa iniciação às várias disciplinas do sylabus; ou então ajustados a públicos não jurídicos, segundo graus de funcionalização que por vezes extravasam a mera intenção didáctica para permearem todo o texto, dispensando-se porém a extrinsecação dos assumidos teoréticos implícitos nessa opção. Temos assim direito para x e para y, sem que se diga que direito, que x, que y, e como se relacionam, afinal, semelhantes termos. 12 Fornecida aos alunos do curso de 2015/2016, com muito pontuais correcções e quase nenhum aditamento face à versão imediatamente anterior, remontável a 2011/2012. 13 V. o índice. 14 Ainda assim inevitavelmente falho aos seus próprios propósitos, por incontornável falta de tempo. Tratouse tão-somente de uma reordenação das matérias consignadas a propósito da análise do esquema metódico, operação essa que implicou, todavia, uma ligeira provisão de suplementares nutrientes reflexivos e um 8

intelectiva lastrada em instalação textual. Já que não podemos ecoar as estórias escutadas senão vivendo-as nas nossas, umas e outras nunca completamente inscrevíveis na história oficial e na crónica oficiosa, foi, talvez, a maneira canhestra e pessoal de agradecer academicamente. Tentando honrar, cuidando, dando em pensamento, dando o pensamento, pensando-dando – como Für-Sorge e gratidão pensante: Gedankendenke e Dankgedenkt. Desde os últimos escritos perdemos muitos do nosso convívio. Deste paço de tantos passos e das andaduras da própria vida. Permita-se-nos a lembrança de todos: dos que abandonam a casa familiar às memórias de Para Sempre, espectros que as janelas abertas não libertam nem dissolvem, para quem deles tem parte; dos que apenas se ausentaram deste Lebenswelt particular, que é a Faculdade, mas felizmente sabemos bem, à distância só física. Avizinhando-se orfandades e maioridades forçadas (virão estas?) – e como não possamos ser filhos dos filhos – restam-nos a amizade e o estudo, formas primordiais de saber a vida, em symposium. E se, como Pilatos, desconhecemos humildemente os lumes e gumes da verdade, procurámo-la ainda como o magis amicus platónico; uma busca desveladora, que frutifica e floresce em amigos, porque é o próprio amor: desejo, dom, partilha, esse punhado de sementes belas, onde se gesta o sabor - philein, eros, agapé.

«A sabedoria engrandece os seus filhos, toma sob a sua protecção aqueles que a buscam. Aquele que a ama, ama a vida, e os que madrugam por ela ficarão cheios de alegria» Ben Sira, 4, 11.

inevitável esforço de reescrita, com vista ao reajuste pretendido. Com efeito, a expunção dos capítulos referentes à racionalidade e à metodologia em geral (introdução) abriu espaço para que, em jeito de preâmbulo ao estudo do método, se cuidasse das relações de mútua pressuposição que se estabelecem entre o nomos, a meta, o odos, e o logos, este último, por sua vez, manifesto na dinâmica de dialéctica remissão recíproca e analógica imbricação entre os pólos de prático-problemática e axiológico-normativa validade sistematicamente objectivada, a que se fez abundante alusão. Como também repetidamente se aduziu, os momentos constitutivos da metodonomologia só na síntese da sua histórico-concreta explicitação se nos revelam inteligíveis, em toda a sua interna coerência, entretecida pelas intencionalidades problemática do direito e normativo-jurídica do caso, pela crítico-reconstrutiva reflexividade dessa razão dialéctica relativamente à praxis metódica dos juristas, desdobrada nos seus vários momentos – que aquela radicalmente pressupõe, e perpassa, inervando-a; tudo concorrendo, enfim, para a prolação de um juízo decisório, cuja justeza e correcção - só aposterioristicamente confirmáveis - corroborem a razoabilidade de todo o exercício de (re)constitutiva realização da juridicidade que o mesmo permitira, desde o início, projectar intencionalmente como horizonte e regular constitutivamente in itinere, enquanto referência do pensamento pressuponendo na prática do jurista, cuja mediação subjectiva se faz e revela prudente e judiciosa, no desincumbir-se dessa tarefa de intersubjectiva descoberta-invenção (i.e., problematicamente mediada e metodologicamente escrutinada recompreensão recriadora) do direito. 9

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