METODOLOGIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DE UM ESTILO NA IDENTIDADE PORTUGUESA

June 30, 2017 | Autor: Susana Leonor | Categoria: Generative design
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METODOLOGIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DE UM ESTILO NA IDENTIDADE PORTUGUESA1

Susana Leonor Doutoranda em Design na Universidade de Aveiro Professora da Universidade Lusófona, ECAATI / CICANT E-mail: [email protected]/ [email protected] Orientação Professor Doutor José A. Bragança de Miranda Co-Orientação Professora Doutora Joana Quental

Resumo: A identidade portuguesa nem sempre se revê nos objectos, marcas, ícones ou Design português; o que nos desperta obrigatoriamente para uma questão: o que caracteriza a identidade de Portugal? Interpretar o passado, reinterpretar os factos históricos estilísticos e descodificar para redesenhar o presente, é a proposta deste artigo que resulta de um projecto de investigação no âmbito da tese de doutoramento, no qual temos como hipótese a identificação dos elementos identitários de um estilo português aplicado ao Design. O artigo pretende apresentar a abordagem metodologia do projecto de investigação com enfoco na vertente de revisão literária estrutural da investigação. Foram várias as tentativas do passado para criar programas ou reformas da identidade nacional, que deixaram referências na história; mas quais as repercussões na construção da identidade nacional? Em que produtos se revêm um estilo tipicamente português e de que forma revemos este contributo no Design português. A proposta consiste na construção de uma metodologia para a análise e interpretação dos signos, através de uma matriz desenvolvida para caracterizar o estilo identitário de Portugal.

Palavras-chave: Identidade, Portugal, Estilo, Design e Parametrização

Abstract: The Portuguese identity is not always reflected on the objects, brands, and icons of the Portuguese Design. This raises a question: what characterizes the identity of Portugal? Interpret the past, reinterpret the stylistic and historical facts and to decode them in order to redesign the present is the purpose of this paper. This work is part of an

1

Trabalho apresentado no VII Congresso SOPCOM, realizado de 15 a 17 de Dezembro de 2011, na Universidade do Porto.

Doctoral thesis research project, in which the research aim is to identify the identity elements of a Portuguese style applied to design. The paper aims to present the research methodology approach, focuses on a literature review slope as the structural element for the it’s development. There were several attempts in the past to create programs or reforms of national identity, which left no references in the story, but what are the repercussions in the construction of national identity? What products reflect a typical Portuguese style and how this contributed to the Design Portuguese. The proposal involves the construction of a methodology for the analysis and interpretation of signs, using a matrix developed to characterize the style of Portuguese identity.

Keywords: Identity, Portugal, Style, Design and Parameterization

Introdução

O objectivo desta investigação é a identificação do significado da identidade de Portugal. É possível identificar elementos iconográficos associados a determinadas regiões do país, que têm a sua relevância, mas que não constituem os signos necessários para a predominância simbólica de um país. Será que existe um estilo Português? Estudar e analisar o estilismo dos principais momentos que marcaram a história nacional, permitirá compreender e identificar traços identitários de Portugal? Na existência de um estilo identitário, poderá este ser “impresso” nos produtos de Design português? De que forma nos podemos rever num determinado estilismo? A abrangência do objecto de estudo poderá destorcer a pertinência da questão, mas por outro poderá deixar em aberto outras possibilidades. A diversidade poderá constituir um problema para o desenvolvimento da matriz, mas simultaneamente contribuir para a criação de uma base de dados que possa cooperar para a investigação do Design nacional: uma necessária reflexão sobre o Design, para o Design e através do Design. A transformação dos dados analisados em informação acessível a todos os Designers, como uma metodologia de identificação estilística, poderá auxiliar à compreensão de ser português e comunicar Portugal.

O conjunto de dados terá uma pré condição que não permite o desvincular de uma conformidade identitária (estilo), uma vez que só assim será possível a construção simbólica de uma identidade de Portugal. A investigação realizada por Bruce D. Keillor e Tomas M. Hult, demonstra a necessidade e aplicabilidade de um estudo que reflecte as diferenças entre a identidade de 5 países2 e as vantagens deste factor para a competitividade no mercado internacional. As 4 questões de contextualização utilizadas para o estudo destes autores, são também indicadores para este projecto: - Existe necessidade de uma definição de identidade nacional e seus subcomponentes? - Qual a função da identidade nacional? - Quais os elementos dentro de uma sociedade que definem as características únicas da identidade nacional de uma determinada cultura? - Qual a utilidade do conceito de identidade nacional para o mercado internacional operacional? (Keillor e Hult, 1998). A necessidade de questionar e reflectir a identidade de um país, é necessária para a continua construção da identidade cultural e para que se transforme e materialize em Design.

Contextualização

A revisão literária segundo a metodologia estrutura para este projecto, terá de introduzir a problemática da identidade de Portugal. Após uma pesquisa mais aprofundada e a leitura de alguns autores de referência, foi possível identificar como nota introdutória o ponto de vista de vários autores como, Eduardo Lourenço, António Quadros, José Gil, Eduardo Prado Coelho, José Miguel Sardica até ao historiador José Augusto-França; Portugal sofre de um saudosismo criado pela historicidade de há 500 anos, que se transformou numa ideia fragmentada e adornada pelo tempo. Se analisarmos as palavras de José Gil, podemos considerar que para além de uma descrença na identidade portuguesa, em consequência da crise global, há muito que se evidência e agrava a perda de uma imagem de si. (Gil, 2009, p.11) As suas palavras relembram o passado, as palavras de Fernando Pessoa na sua obra a Mensagem:

2 USA, México, Japão, Suiçan e Hong Kong

Nevoeiro (…) Ninguém sabe que coisa quer. Ninguém conhece que alma tem, Nem o que é mal nem o que é bem. (Que ânsia distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro… É a Hora! (Pessoa, 2010, p.91)

Também outros preconizaram esta ideia no passado, apesar do interesse em construir uma nação ideológica moderna e caracterizada pela liberdade democrata. Salazar contrariou esta lógica com “um Portugal verdadeiro, duradouro, pacifico e reconciliado (isto é, imune à «nefasta» luta de classes) só seria possível através da restauração das instituições e dos valores tradicionais. Logo o lema principal do novo regime seria «Deus, Pátria e Família», com o slogan adicional e orientador de «Tudo pela Nação, nada contra a Nação»”. (Sardinha, 2011, p.62) Mas na pós-modernidade, a ideia de um homem consolidado fragmenta-se. Segundo o sociólogo Stuart Hall a identidade torna-se numa “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (Hall, 2003, p.13) Mas por outro, a investigação desenvolvida por D.J. Huppatz, Hugh Aldersley-Williams e Guy Julier, demostra um interesse crescente em identificar as representações nacionais ou as predominâncias da sua identidade. A distinção entre as várias culturas tornou-se num facto atractivo para o desenvolvimento das regiões, pelo que se impõem a verossemelhança da identidade nacional. A cultura global é oriunda dos grupos étnicos, dos meios, das tecnologias, das finanças e dos significados ideológicos, onde o local e a identidade possam ser compreendidos em várias dimensões. (Design Studies, Julier, 2009, p.436) Auxiliar a compreensão dos signos associados à identidade nacional, poderá também ser objecto de análise das entidades nacionais, como estratégia para seu posicionamento internacional. Os signos identitários de Portugal são também um meio de posicionamento na globalização em que vivemos.

Para identificar este estilo será necessário recorrer aos afectos (signos), aos perceptos (essências) e junta-se um terceiro elemento, que são os conceitos (noções). (Godinho, 2007,p. 170) Segundo análise interpretativa de Ana Godinho sobre a definição que Deleuze aplica ao estilo na literatura, enumera-se: 1. 2. 3. 4. 5.

O estilo é uma língua estrangeira dentro da língua materna O estilo introduz um “fora” dentro da língua O estilo implica um cromatismo alargado O estilo é “agramatical” O estilo é um movimento de variação contínua de todos os elementos da língua (Godinho, 2007, p. 174)

Sendo estas as possíveis variáveis do discurso para Deleuze, de que forma será possível fazer o mesmo tipo de análise, aproximando do discurso estético e comunicacional? A proximidade à linguística através da metodologia qualitativa, irá permitir caracterizar um estilo? A metodologia estruturada pretende responder a estas questões.

Abordagem metodológica

A metodologia de investigação para o desenvolvimento do estudo proposto neste artigo e que irá complementar a tese de doutoramento, consiste na articulação de 3 etapas compostas por: uma revisão literária, sobre quatro momentos históricos cruciais para o desenvolvimento da identidade portuguesa, uma análise qualitativa dos signos identificados na etapa anterior, através da criação de uma matriz analítica que permita a interpretação de elementos identitários portugueses e posteriormente, será necessário aplicar os resultados num inquérito a consultar ao público, para inquirir através de uma abordagem quantitativa, o nível de reconhecimento dos elementos estilísticos resultantes das duas etapas anteriores. As três etapas são estruturadas metodologicamente por subestruturas:

1ª- Revisão Literária: A) Revisão literária sobre os quatro momentos históricos do desenvolvimento da identidade nacional, sendo os três primeiros momentos importantes por serem estruturante, mas sendo o ultima período de maior relevância, pelos contrastes resultantes de um pós-guerra civil, politico e social. 1.1

Manuelino

1.2

Da Monarquia à implementação da República

1.3

Estado Novo

1.4

Pós 25 de Abril.

B) Posteriormente, identificação de casos de estudo como mostra de referência a cada um dos momentos históricos identificados anteriormente. Processo que terá de ser desenvolvido mediante investigação em arquivos / acervos públicos e privados. C) Após a recolha de dados para a metodologia de análise, será utilizada uma ferramenta qualitativa, através de uma matriz estruturada por um primeiro nível, que será constituída por: 1.Observação / Processos 2.Documentos / Produtos 3.Entrevistas / Pessoas D) Num segundo nível serão indicados parâmetros específicos. Neste momento será necessário dinamizar o processo metodológico para inclusão de novos indicadores, perante a diversidade estrutural dos objectos em estudo.

2ª- Analise Qualitativa: A) Em consequência da análise anterior, será necessária aplicação da matriz de metodologia qualitativa através do Software Nvivo que irá permitir a edição, visualização, interligação de vários documentos como texto, som, vídeo e imagem; assim como, criar categorias, codificações, filtros, padrões e transformar em dados para responder objectivamente a problemáticas qualitativas. B) A análise dos conteúdos terá de obedecer aos seguintes parâmetros: Organização da Análise, Codificação, Categorização, Dados brutos _ Dados organizados e Inferência. C) Esta matriz “estilística” será o meio de identificação dos elementos, simbologias e significantes, para a interpretação das intensidades que resultam num estilo. Em suma será uma articulação entre o estilo, a semiótica e a palavra. D) Em simultâneo será necessário rever a matriz desenvolvida com a revisão literária e redefinição do conceito de estilo (identidade e design). O processo será necessariamente o ciclo de amostra teórica, recolha de dados, ordenação de

dados, análise de dados, desenvolvimento teórico e se necessário rever novamente o ciclo.

3ª Análise quantitativa: A) Com os resultados obtidos, será necessário confirmar a sua validade através de um inquérito, com uma amostra mais alargada à população portuguesa para procurar quais os elementos identitários com maior aderência e percepção de pertença. B) Será definido um construto com base numa amostra forçada, pois torna-se importante a criação de grupos de inquérito com maior conhecimento do tema em comparação com grupos mais representativos da população em geral. O objectivo é encontrar estatisticamente elementos comuns entre os grupos e fazer uma análise mais detalhada dentro dos grupos de “especialistas” tais como escritores, historiadores, arquitectos e Designers. C) O resultado desta análise de informação irá conferir ao resultado final, a fiabilidade para ser aplicado e replicado por todos os interessados.

Relativamente ao desenvolvimento da metodologia, será possível à partida identificar vários momentos chave, para a exequibilidade do projecto. No entanto serão consideradas referências para a construção de uma linha temporal evolutiva, que irá demonstrar momentos históricos que preconizam a construção da identidade portuguesa. Considerando o Manuelino como ponto de partida para esta construção da imagética portuguesa, poderemos enumerar momentos como a propaganda de poder e celebração, as iconografias construídas em torno dos símbolos heráldicos e alegóricos, o exotismo artificial da época, as memórias de Gil Vicente e o Neo-Manuelino. Posteriormente, podemos identificar outro momento na história, a implementação da República, com a representatividade das obras artísticas como a Marcha Portuguesa de Alfredo Keil, as representações pictóricas de Amadeu de Souza-Cardoso e Almada de Negreiros, a caricatura de Zé Povinho de Rafael Bordalo Pinheiro e o Grupo Leão. Mas é efectivamente no período do Estado Novo que verificamos um interesse crescente pela ideia de nacionalismo, com as acções propagandistas de António Ferro (Secretário da Propaganda Nacional), a Exposição do Mundo Português e os questionamentos de Fernando Pessoa e as publicações na revista Orpheu.

Consequentemente e sendo este o principal objecto de estudo, o Pós 25 de Abril, através das inúmeras encomendas públicas da época, será possível analisar o racional no produto controlado, que por sua vez se divide em dois níveis: por um lado a interpretação dos outros e por outro, as parametrizações politicas. Desta forma também será possível determinar os aspectos que justificaram as opções de internacionalização, mas que não resultaram e não determinaram a Ideia de Portugal. Desta forma, comprometeu-se claramente o imaginário português, sendo também necessário analisar a imagética construídas nos meios de comunicação, como filmes, rádio e televisão, assim como dos icons /objectos / marcas do Pós-25 de Abril.

Conclusões

Em conclusão, o projecto ainda se encontra numa fase de desenvolvimento e experimentação, sendo a primeira fase de inspiração literária, para o desenvolvimento da metodologia. Verificou-se que nestes últimos anos houve uma crescente de publicações sobre a identidade de Portugal, mas com poucas reflexões sobre factores estéticos, simbólicos e criativos. O Design necessita desta analise para compreender e desenvolver estratégias de comunicação e de posicionamento no mercado, particularizados pela nossa identidade nacional. Neste momento desenvolvem-se os primeiros testes piloto para análise qualitativa, para a definição da matriz de análise e posteriormente a transformação para inquéritos. Em simultâneo caracterizam-se a relações entre conceito e estilo; o que é o estilo; o que é problema de estilo; o que origina os conceitos; o signo, significados e significantes; estilo dinâmico e estático; o simbólico e o ideológico; a relação entre identidade e Design e estilo e Design. A terceira variável será a utilização desta informação, numa plataforma digital para simplificar e diversidades os processo, ou seja, num sistema parametrizado e generativo. Também será de interesse para a comunidade apresentação das possíveis propostas de processos e disponibilização numa plataforma, para troca de experiências com outros Designers como arquivo das possíveis variáveis consequentes das experiências.

Referências

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Artigos de periódicos

KEILLOR, BRUCE & HULT, G. TOMAS. “A five-country study of national identity - Implications for international marketing research and practice”. In International Marketing Review, Vol. 16 No. 1, 1999, pp. 65-82. MCB University Press, 0265-1335.

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