Micotoxinas na ração: um inimigo silencioso na criação de peixes e camarões

June 30, 2017 | Autor: Fernando Kubitza | Categoria: Aquaculture, Fish Nutrition, Feed Additives, Fish and Shrimp Nutrition
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Panorama da AQÜICULTURA, março, abril 2015

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Micotoxinas na ração: um inimigo silencioso na criação de peixes e camarões Por: Fernando Kubitza, Ph.D. Acqua Imagem Serviços em Aquicultura [email protected]

Criadores de peixes e camarões estão constantemente atentos a potenciais riscos aos seus cultivos. Perdas crônicas devido a enfermidades são uma constante, especialmente em criações mais intensivas. Baseado nas experiências práticas e em informações técnicas cada vez mais disponíveis, os produtores valorizam mais a importância da qualidade do ambiente (água) e da nutrição para o sucesso dos cultivos. Há poucos anos a escolha das raçoes era baseada muito mais no preço do que nos benefícios ao desempenho e saúde dos animais. Hoje, muitos produtores já estão mais atentos ao desempenho dos animais e o fator preço já passa a ser secundário, sendo a seleção das rações feita com base nos níveis de proteína, conteúdo em gordura, suplementação vitamínica e mineral e composição básica em ingredientes. Também são considerados os resultados obtidos em seus cultivos. Diversos produtores ainda cobram dos fabricantes a inclusão de aditivos que possam ajudar a reduzir a mortalidade crônica registrada nos cultivos. De um modo geral, os esforços em prover adequado ambiente e uma melhor nutrição têm contribuído para a redução de perdas de peixes e camarões por enfermidades em diversos polos de cultivo. No entanto, ainda é comum observar perdas crônicas de camarões e peixes, que impedem os produtores de maximizar os lucros em seus empreendimentos. 14

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presença de micotoxinas nas rações, mesmo em doses subletais, é um sério risco aos cultivos de organismos aquáticos e, seguramente, um fator que, de forma silenciosa, potencializa as mortes dos animais ao longo dos cultivos. Em estudos realizados com diversas espécies de peixes e camarões, a presença de mixcotoxinas nas rações, mesmo em doses muito baixas (ou doses subletais, que não chegam a matar diretamente os animais), provocou significativa supressão na resposta imunológica dos animais, deixando-os mais susceptíveis a infecções. Grande parte desses experimentos foi realizada em laboratórios, onde a presença de patógenos ocorre em grau muito menor (ou mesmo nem ocorre) comparado ao que se vê nas fazendas de cultivo. A combinação de doses subletais, porém imunossupressoras, de micotoxinas nas rações com a presença de potenciais patógenos (seja na água ou habitando naturalmente a microflora intestinal dos animais) pode potencializar as perdas de peixes e camarões ao longo dos cultivos. Os produtores geralmente consideram essas perdas normais ou as atribuem a alguma enfermidade. Risco de ocorrência de micotoxinas em rações para peixes e camarões no Brasil Micotoxinas são substâncias produzidas por fungos e que possuem ação tóxica aos animais. Mais de 300 micotoxinas já foram identificadas. No entanto, as micotoxinas produzidas por fungos dos gêneros Aspergillus, Penicillium e Fusarium são as mais importantes no que se refere à nutrição humana e animal. A aflatoxina B1 (AFB1), a fumonisina B1 (FB1), a toxina T-2, o ácido ciclopiazônico (CPA), a ocratoxina A (OA) e o deoxinivalenol (DON) são alguns exemplos. Uma revisão detalhada sobre micotoxinas e seus potenciais riscos em rações para organismos aquáticos poderá ser consultada em matéria publicada nesta revista (Panorama da AQÜICULTURA, Vol 20 no 121 Set/Out. 2010). As micotoxinas podem estar presentes nos ingredientes usados nas rações, especialmente os grãos e subprodutos vegetais, entre eles o milho, o sorgo e o arroz, nos farelos de trigo, de soja, de arroz, de algodão, de amendoim e de girassol, entre outros ingredientes. Daí a importância de um adequado controle de qualidade das matérias primas por parte dos fornecedores de insumos e dos fabricantes. A contaminação das rações por fungos também pode ocorrer durante o armazenamento dos produtos nas fazendas de cultivo, especialmente se esse ocorre em condições adversas (em local úmido, sob altas temperaturas e pouca ventilação, por exemplo). De um modo geral as aflatoxinas e fumonisinas são as micotoxinas mais predominantes em rações para animais. Em um levantamento de 10 anos feito pelo LAMIC (Laboratório de análises de micotoxinas, em Santa Maria – RS), 50% das amostras de milho grão recebidas pelo laboratório foram testadas positivas

é de fundamental importância assegurar local adequado para o armazenamento e evitar a estocagem prolongada das rações. Efeitos deletérios da aflatoxina nos peixes e camarões Os prejuízos causados por micotoxinas no desempenho e saúde dos peixes e camarões dependem, principalmente, da concentração e do tipo de toxina presente na ração, do tempo em que os animais consomem a ração contaminada e dos potenciais desafios impostos por patógenos nas fazendas. A presença de duas ou mais micotoxinas em uma mesma ração pode potencializar o efeito tóxico das toxinas aos animais. Na Tabela 1 são resumidos alguns sinais da intoxicação de peixes e camarões por aflatoxinas. As intoxicações por micotoxinas podem ser consideradas leves, crônicas ou agudas. Intoxicações leves ocorrem sob baixas concentrações de micotoxinas (geralmente abaixo de 50 ppb) e provocam redução no apetite e alguma piora na conversão alimentar. Externamente quase não se observa sinais clínicos evidentes. Os animais podem apresentar anemia, em especial pela redução no número de células sanguíneas (hemácias e leucócitos nos peixes e hemócitos nos camarões). Também há redução na concentração de hemoglobina no sangue. A mortalidade no cultivo não chega a ser tão expressiva a ponto de chamar a atenção dos produtores, salvo em condições particulares de grande desafio por patógenos, que se beneficiam da queda na imunidade pela exposição dos animais a níveis não letais de micotoxinas. As intoxicações crônicas ocorrem com a ingestão de alimentos com níveis mais elevados de micotoxinas

Tabela 1. Sinais indicativos e efeitos da intoxicação por micotoxinas em peixes e camarões

Peixes Redução no apetite, rejeição do alimento, reduzido ganho de peso, alterações renais e hepáticas, lesões e excessiva deposição de gordura no fígado. Redução na contagem de células sanguíneas, supressão imunológica, mortalidade crônica associada à infecção por patógenos. Os peixes ainda podem apresentar letargia, pigmentação amarelada na pele e olhos (icterícia Fotos 1 e 2), cataratas e necrose na nadadeira caudal, regurgitação do alimento e diarreias. Pior digestão de gordura devido à insuficiente produção de sais biliares.

Camarões Redução no crescimento, diminuição da digestibilidade dos alimentos, piora na conversão alimentar. Alterações na estrutura dos tecidos e na fisiologia de órgãos internos, como o tecido hematopoiético (responsável pela síntese de células sanguíneas ou hemócitos) e o hepatopâncreas (onde ocorre a síntese de enzimas digestivas, o processo de digestão e absorção de nutrientes e a síntese de proteínas de importância fisiológica e imunológica, como a hemocianina e as proteínas de reconhecimento de patógenos). Os camarões podem apresentar uma coloração avermelhada difusa pelo corpo, devido aos danos causados ao hepatopâncreas e difusão de carotenoides desse órgão para os demais tecidos corporais.

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Micotoxinas na ração Espécies marinhas na Galícia

para aflatoxinas, com níveis médios de 14 e máximo de 14.000 ppb. Considerando que o milho é um dos principais ingredientes nas rações animais, é quase certo que a grande maioria das rações teste positiva para aflatoxinas. Uma ração que receba a inclusão de 20% de milho com 500 ppb de aflatoxinas vai conter pelo menos 100 ppb de micotoxinas (valor 5 vezes maior que os 20 ppb considerados seguros e estipulados como limite máximo pelo MAPA). Um estudo realizado em Recife analisou produtos derivados de milho (canjica, farinha, fubá, flocos e quirera) e detectou a presença de fumonisina B1 em 71 das 74 amostras de produtos colhidas, em concentrações entre 20 e 8.600 ppb. Em outro diagnóstico de alimentos usados para animais na região Sul do Brasil, das 3.751 amostras analisadas, 40% foram positivas para a presença de fumonisina B1, apresentando uma concentração média de 590 ppb dessa micotoxina. Em 2001 foi realizado um levantamento no Norte do Paraná (região de Londrina), no qual foi detectada a presença de aflatoxina B1 (AFB1) em 12 e fumonisina B1 (FB1) em 24 das 42 amostras de ração para peixes. O maior nível de AFB1 mensurado foi 15,6 ppb, enquanto que o nível máximo de FB1 foi de 11,2 ppb, valores abaixo do limite máximo de 20 ppb estabelecido pelo MAPA para a presença de micotoxinas nas rações animais. No entanto, 24% das rações apresentaram uma ocorrência simultânea das duas micotoxinas, o que pode potencializar seus efeitos sobre os animais. Outro estudo analisou sessenta amostras de rações para tilápia provenientes de diferentes fazendas do Rio de Janeiro. Fumonisina B1 foi detectada em 98% das amostras e Aflatoxina B1 em 55% das amostras analisadas. Dos Santos (2006) avaliou 144 amostras de rações coletadas de 4 fazendas de camarão no Estado do Piauí. Dessas amostras 136 (94,4%) apresentaram contaminação por fungos dos gêneros Aspergillus, Penicillium, Fusarium, Absidia, Cladosporium, Rhizopus e Mucor. O gênero Aspergillus foi o mais frequente (detectado em 86% das amostras) e presente em maior densidade nas rações. Em geral, durante o período chuvoso foram obtidas as maiores contagens de colônias de fungos nas amostras de ração. Apesar de não ter sido analisada a presença de micotoxinas, os resultados desse estudo indicam que as rações para camarões, contendo fungos potencialmente produtores de micotoxinas, podem conter micotoxinas, dependendo das condições ambientais e do tempo de armazenamento. Portanto, podemos dizer que a presença de micotoxinas em rações para peixes e camarões é algo muito provável. O importante, porém, é que a concentração dessas toxinas não excedam os níveis seguros. Para isso os fabricantes devem adotar boas práticas de fabricação, especialmente no que diz respeito à análise sistemática dos ingredientes de potencial risco e o adequado armazenamento desses ingredientes antes do uso na produção das rações. Outra forma de mitigar os efeitos negativos de eventuais micotoxinas é a inclusão de aditivos adsorventes às rações (que podem ser argilas específicas, também chamadas de alumínio-silicatos ou compostos esterificados de B-glucano). Aditivos imunoestimulantes também ajudam a restaurar a resposta imunológica dos animais intoxicados por micotoxinas. O uso de adsorventes e imunoestimulantes é uma prática de rotina na produção de aves e suínos e deverá ser cada vez mais adotada em rações para peixes e camarões, a medida que seus benefícios comecem a ser mais divulgados e conhecidos entre produtores, técnicos e fabricantes de rações. Nas fazendas,

Micotoxinas na ração

Tabela 2. Doses de Aflatoxina B1 e seus efeitos em tilápias e camarões marinhos (1 ppb ou “uma parte por bilhão” equivale a 1 mg de toxina por tonelada de ração) AFB1 na ração

Efeitos observados

Referências

Tilápia-do-Nilo Oreochromis niloticus 5 a 30 ppb

33% de mortalidade em juvenis de 30 a 60 g após 120 dias consumindo as rações contaminadas.

Cagauan et al., (sem data).

6,3 ppb

Em tilápias adultas observou-se acúmulo de líquido no abdômen (ascite) e fígado pálido – amarelado, com excesso de gordura, aspecto quebradiço e necroses.

Souza et al., 2000.

30 a 70 ppb

58% de mortalidade em juvenis de 30 a 60 g após 120 dias. Fígado aumentado e amarelado, com lesões granulomatosas mais pálidas do que o tecido circundante.

Cagauan et al., (sem data).

75 ppb

Redução no ganho de peso, comparado a juvenis de tilápia alimentados com ração sem aflatoxina.

Lim et al., 2001.

200 ppb

Por 3 semanas em tilápias de 100 g resultou em severa anemia e supressão da resposta imunológica, com sobrevivência de apenas 2% após desafio por Streptococcus iniae contra uma sobrevivência de 19% para o grupo controle sem AFB1.

El-Boshy et al., 2008.

200 ppb

Por 70 dias em juvenis de tilápia de 20 a 50 g resultou em redução de 50% no ganho de peso e mortalidade de 33% (contra sobrevivência de 100% no grupo controle). Mortalidade 80% maior em relação ao controle após desafio por Aeromonas hydrophila.

Selim et al., 2014.

Camarão Branco do Pacífico Litopenaeus vannamei 20 ppb

Redução no crescimento e ligeiro aumento na mortalidade com apenas 10 dias consumindo a ração com AFB1.

Bintvihok et al., 2003.

50 ppb

Anormalidades no hepatopâncreas e nas glândulas antenais após duas semanas consumindo a ração. Redução no crescimento somente foi registrada sob concentrações de AFB1 a partir de 400 ppb.

Meissner et al., 1995.

> 60 ppb

Piora na conversão alimentar.

Tapia-Salazar et al., 2012.

75 ppb

Redução de 14% no ganho de peso em relação a animais alimentados com ração sem AFB1.

García-Pérez et al., 2013.

15.000 ppb

Mortalidade de 100% dos animais após duas semanas consumindo a ração.

Ostrowski-Meissnera et al., 1995.

0,5 a 1 ppb

Consumo de ração com fumonisina B1 reduziu a contagem de hemócitos e a atividade de fenoloxidase. Também foram observadas alterações histológicas no hepatopâncreas.

Mexía-Salazar et al.,

Camarão tigre (Penaeus monodon) 25 ppb 50 a 100 ppb

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Resultou em alterações histopatológicas no hepatopâncreas. Não prejudicou o crescimento. Mas a 100 ppb foram registrados severos danos ao hepatopâncreas.

Bautista et al., 1994. Boonyaratpalin et al., 2001.

74 ppb

Redução no crescimento, alterações no hepatopâncreas e maior incidência de doenças no exoesqueleto (casca). Alterações no hepatopâncreas não foram observadas em animais que receberam rações com 37 ppb AFB1.

Boonyaratpalin et al 2000.

2.500 ppb

Mortalidade de 74% dos animais.

Boonyaratpalin et al., 2001.

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Efeito das micotoxinas no sistema imunológico dos peixes e camarões

Foto 1. Exemplares de tambacu e de pintado da Amazônia com sinais de icterícia (Fotos: Wellington Correa Silva)

Foto 2. Híbrido de pintado com suspeita de intoxicação por micotoxina. Os peixes apresentam pele e carne bastante amarelada (icterícia). O fígado do peixe intoxicado também se apresenta aumentado em tamanho e com pigmentação amarelada

(geralmente acima de 100 ppb). Quanto mais tempo se consome um alimento contaminado, mais severos serão os danos aos animais. Nas intoxicações crônicas, além da redução do apetite, os animais podem ainda rejeitar por completo o alimento e apresentar comportamento letárgico. Em peixes também podem ser observadas diarreias, pigmentação amarelada na pele e nos olhos (icterícia - Fotos 1 e 2) e cataratas (olhos opacos). Para o catfish americano há registro de regurgitação do alimento contaminado. Internamente, podem ocorrer lesões no fígado e nos rins, embora essas lesões não sejam fáceis de serem visualizadas pelos produtores. O quadro de anemia fica ainda mais acentuado, o que pode ser observado no vermelho menos intenso das brânquias. Nos camarões pode ocorrer vermelhidão nos tecidos e aumento da ocorrência de infecções no exoesqueleto. Ocorrem danos aos tecidos do hepatopâncreas e tecido hematopoiético. Isso prejudica a digestão e absorção do alimento, a síntese de proteínas importante em processos fisiológicos e imunológicos e a síntese de hemócitos (células sanguíneas), que são de fundamental importância no combate aos patógenos. Intoxicações agudas ocorrem com a ingestão contínua de ração com elevados níveis de micotoxinas (geralmente

A intoxicação por aflatoxina e fumonisina geralmente resulta em supressão da capacidade de defesa dos animais contra patógenos. Para compreender um pouco melhor esses efeitos, apresentamos uma resenha e simplificada resenha dos principais mecanismos de defesa contra patógenos dos peixes e camarões (Tabela 3). O sistema de defesa contra patógenos nos peixes começa com uma barreira de macrófagos (células de defesa) nas brânquias, pele e mucosa intestinal Figura 1). Estas células identificam e combatem os patógenos com o auxílio de enzimas (lisozimas) e de proteínas de reconhecimento e marcação (conhecidas como complementos). Dessa forma os peixes se protegem de patógenos presentes na água, nos alimentos ou na flora intestinal. No sangue e nos tecidos também há uma forte defesa celular provida por macrófagos, neutrófilos e linfócitos, que combatem os patógenos que conseguiram atravessar as barreiras de defesa da pele, brânquia e mucosa. Os macrófagos comem e digerem os patógenos, num processo conhecido como

Tabela 3. Resumo comparativo dos principais mecanismos de defesa dos peixes e camarões Mecanismos de defesa

Peixes

Camarões

Sim

Sim

Coagulação do sangue (ou hemolinfa)

Sim

Sim

Áreas de inflamação ou encapsulação/ aglutinação

Sim

Sim

Macrófagos

Hemócitos

Produção de ROS – substâncias oxigenadas reativas

Sim

Sim

Lisozimas e proteínas antimicrobianas

Sim

Sim

Memória imunológica (Imunoglobulinas produzidas por linfócitos)

Sim

Não

Sistema fenoloxidase (produção de melanina)

Não

Sim

Proteínas de reconhecimento de patógenos

Sim

Sim

Barreira de defesa nas brânquias e mucosa intestinal Formas de conter uma infecção

Fagocitose realizada por

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Micotoxinas na ração Espécies marinhas na Galícia

acima de 500 ppb). Este tipo de intoxicação pode causar a morte dos animais em poucas semanas.

Micotoxinas na ração

Defesas contra patógenos (Kubitza e Kubitza, 2013)

Figura 1. Ilustração da barreira de defesa que os peixes possuem na pele, brânquias e mucosa intestinal, prevenindo contra uma infeção por patógenos presentes na água, nos alimentos ou mesmo alojados naturalmente na microflora intestinal

os macrófagos ingerem e digerem (fagocitose) os patógenos ou seus fragmentos e apresentam Escamas, pele e os resíduos aos linfócitos que se encarregam de muco - barreiras fisicas e química produzir anticorpos (imunoglobulinas) contra os Barreira de macrófagos - intestino e brânquias patógenos daquela vacina. Os camarões não são Lisozimas ajudam a destruir a parede das bactérias capazes de produzir anticorpos. Assim, vacinas não são eficazes para o camarão. Células de defesa - no sangue e tecidos (macrófagos, neutrófilos, linfócitos). O sistema de defesa nos camarões é Complementos - ajudam as células de defesa a identificar, atrair e destruir um patógeno. um pouco mais simples do que o dos peixes. Sem contar com “memória imunológica” as defesas do camarão procuram evitar a invasão Ilustração da Fagocitose por um macrófago do corpo pelos patógenos. Os camarões também contam com barreiras de defesa nas brânquias, na mucosa do trato digestivo e na pele para impedir ou dificultar uma eventual invasão de patógenos. Em caso de lesões ou ferimentos, bem como de processos infecciosos, os mecanismos de defesa procuram evitar que o patógeno se espalhe para outros tecidos e órgãos do corpo (Figura 4). Mecanismos como a coagulação da hemolinfa, encapsulação e aglutinação são usados nessa contenção de patógenos. Eventuais patógenos que invadiram o corpo são rapidamente marcados (por um conjunto de substâncias, normalmente proteínas, similar ao sistema de “Complementos” nos peixes e outros animais). Os patógenos marcados pelos complementos são rapidamente identificados pelas células de defesa do camarão (os hemócitos). Os complementos aderidos aos patógenos evitam que os hemócitos ataquem por engano as células do próprio corpo. (Kubitza e Kubitza, 2013) Para melhorar ainda mais o reconhecimento dos patógenos, os hemócitos também contam com proteínas específicas em suas membranas (as proteínas de reconhecimento). Essas proteínas, Figura 2. Ilustração do processo de fagocitose em contato com um patógeno, reconhecem padrões moleculares (1) Os macrófagos ou hemócitos engolem e encapsulam o patógeno que foi aderido às proteínas de reconhecimento ou que foi marcado por um complemento. na membrana do agente invasor, e indicam para os hemócitos qual Nesse processo é formado um fagossomo procedimento de extermínio deve ser adotado. Alguns estudiosos (2) O fagossomo se une a um lisossomo, formando um fagolisossomo. No sugerem que as proteínas de reconhecimento de patógenos ou de fagolisossomo existem enzimas (lisozimas) e substâncias antimicrobianas que promovem a destruição e digestão do patógeno padrões moleculares na superfície dos patógenos funcionariam (3) Os resíduos do patógeno são descartados pelo macrófago. Estes resíduos como uma “memória imunológica” nos camarões, facilitando o podem estimular os linfócitos a produzir anticorpos específicos para um rápido reconhecimento de um determinado patógeno. No entanto, determinado patógeno (imunoglobulinas) essa memória imunológica não resulta na produção de anticorpos, como ocorre nos peixes e outros animais vertebrados. Uma vez fagocitose (Figura 2). Os resíduos do patógeno digerido reconhecido o patógeno e ligado a ele através da proteína de pelos macrófagos ativam os linfócitos, que passam a produzir reconhecimento, os hemócitos decidem se devem: 1) engolir o anticorpos específicos (imunoglobulinas) contra o patógeno patógeno (fagocitose); ou 2) lançar sobre ele um arsenal de subsque foi digerido (Figura 3). Esse processo de produção de tâncias capazes de destruí-lo (desgranulação dos hemócitos). anticorpos específicos é chamado de “memória imunológica”. Uma Na fagocitose os hemócitos engolem e digerem o patógeno, em vacina (oral ou injetável) contém um ou mais patógenos mortos ou processo semelhante ao que ocorre em outros animais (Figura atenuados (ou mesmo fragmentos dos patógenos). Após a vacinação, 2). Já no processo de desgranulação, os hemócitos se rom-

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Figura 3. Ilustração do processo de produção de imunoglobulinas (anticorpos) (1) No baço dos peixes um linfócito T é transformado em um linfócito B (2) Em contato com os resíduos de um patógeno eliminado pelo macrófago, os linfócitos B se diferenciam e (3) começam a produzir proteínas específicas (imunoglobulinas ou anticorpos) para aquele patógeno. Esses linfócitos diferenciados guardam consigo a memória imunológica (capacidade de produzir anticorpos específicos). Sempre que o peixe é exposto a um potencial patógeno, esse processo de produção de imunoglobulinas específicas é ativado e outros linfócitos adquirem a capacidade de produzir novas imunoglobulinas. As imunoglobulinas se distribuem por todo o corpo do animal, particularmente no muco, pele, tecidos branquiais e na mucosa gastrointestinal, ajudando a fortalecer a barreira de defesa do animal, prevenindo contra eventuais infecções

Micotoxinas na ração Espécies marinhas na Galícia

Produção de imunoglobulinas

(Kubitza e Kubitza, 2013)

pem e liberam seus grânulos no entorno do patógeno ou nos próprios tecidos infectados com o patógeno (Figura 4). Nesses grânulos existem enzimas, proteínas antimicrobianas e fatores de coagulação que podem agir diretamente sobre os patógenos, destruindo-os, ou promover a coagulação da hemolinfa e aglutinação dos patógenos. Nos grânulos também existem proenzimas que desencadeiam a produção de substâncias oxigenadas reativas ou ROS (os ânions superóxido, o peróxido de hidrogênio, o hipoclorito, entre outras substâncias de ação desinfetante), que atuam diretamente na destruição dos patógenos

ou dos tecidos necrosados. Uma dessas proenzimas desencadeia o sistema da fenoloxidase, que resulta na produção de melanina necessária para o processo de encapsulação (contenção) dos patógenos. O mecanismo da fenoloxidase é uma importante ferramenta de defesa em crustáceos e insetos. Diversos estudos demonstraram que o consumo de rações contaminadas com micotoxinas, mesmo em doses muito baixas, debilita (enfraquece) as respostas

Principais mecanismos de defesa dos camarões (adaptado à partir de Smith et al., 2010)

O2- - ânion supertóxico H2O2 - peróxido hidrogênio HOCl - hipoclorito NOS/NO - óxido nítrico NO2Cl - cloreto de nitrito NO2O- - nitrito superóxido

Figura 4. Ilustração dos principais mecanismos de defesa dos peixes e camarões. (1) Os hemócitos utilizam proteínas de reconhecimento para identificar e se conectar a um patógeno invasor. Conectado ao patógeno decidem se vão engolir o patógeno (2 - fagocitose) ou se vão se auto-destruir lançando sobre os patógenos um arsenal de substâncias presentes nos seus grânulos (3- desgranulação). Os grânulos lançados sobre os patógenos e tecidos infectados desencadeiam a produção de radicais oxigenados(4-ROS) ou ativam o sistema da fenoloxidase, resultando na produção de melanina (5-fenoloxidase). Ainda são liberadas proteínas antimicrobianas e enzimas que, em conjunto com os radicais oxigenados, destroem as células dos patógenos. Outros hemócitos, a melanina produzida no sistema da fenoloxidase e as proteínas de aglutinação vão se unir para encapsular e aprisionar os patógenos e seus fragmentos, assim como as células do próprio corpo que foram destruídas (6- Encapsulação/melanização). Na encapsulação e melanização formam-se áreas melanizadas (escurecidas) que geralmente podem ser vistas no tegumento dos camarões e que são eliminadas durante a ecdise (troca da casca ou muda)

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Figura 5a. A capacidade de resposta imunológica de tilápias alimentadas com ração contendo 200 ppb de aflatoxina B1 (AFB1) caiu para 44 a 65%, comparado a resposta imunológica de tilápias que comeram ração sem aflatoxina (ração controle). A adição de 0,1% de B-glucano à ração com 200 ppb AFB1 restaurou a resposta imunológica para valores próximos aos dos peixes que receberam a ração sem aflatoxina (El-Boshy et al 2008) Tilápia - sobrevivência 15 dias após infecção experimental por Streptococcus iniae

Tilápia - aflotoxina e alumínio silicato na ração

Figura 5b. Após infecção experimental por Streptococcus iniae, tilápias que ingeriram ração contaminada com AFB1 apresentaram sobrevivência quase 10 vezes menor do que os peixes alimentados com a ração controle, sem AFB1. A inclusão de B-glucano na ração contaminada com AFB1 aumentou expressivamente a resistência das tilápias à infecção por Streptococcus, a um nível 2,5 vezes maior que os animais controle, Isso sugere que o B-glucano, além de restaurar os parâmetros imunológicos que foram mensurados, pode ter potencializado outros mecanismos e barreiras de defesa não quantificados no experimento (El-Boshy et al 2008)

imunológicas dos peixe e camarões, deixando os mais susceptíveis à doenças. Isso, seguramente, contribui para o aumento das perdas nos cultivos comerciais. Vamos ilustrar esse efeito com alguns trabalhos de pesquisa realizados com tilápia e com camarão marinho. Tilápia do Nilo – a inclusão de 200 ppb de aflatoxina B1 (AFB1) nas rações resultou em severa supressão da resposta imunológica (Figura 5a) e reduziu a resistência dos peixes à infecção por Streptococcus iniae (Figura 5b). A inclusão de B-glucano em rações contendo aflatoxina ajudou a restaurar a capacidade de resposta imunológica dos animais e melhorou a sobrevivência após a infecção experimental por Streptococcus. Ainda com tilápia, outro experimento verificou que a inclusão de 200 ppb de aflatoxina B1 na ração

resultou em peso médio final e sobrevivência 30% inferiores comparado a peixes que consumiram ração sem aflatoxina. A inclusão de um adsorvente de aflatoxina (argila - alumínio silicato) ajudou a restaurar parte do ganho de peso e sobrevivência (Figura 6a). A presença de aflatoxina na ração reduziu a contagem de glóbulos vermelhos (eritrócitos) e brancos (leucócitos) e a concentração de hemoblobina no sangue das tilápias para patamares ao redor de 70% em relação ao tratamento controle (ração sem aflatoxina). Esses parâmetros melhoraram com a adição de alumínio silicato à ração com aflatoxina (Figura 6b).

Micotoxinas na ração Espécies marinhas na Galícia

Tilápia - aflatoxina, B-glucano e resposta imunológica

Figura 6a. Ração contendo 200 ppb de aflatoxina B1 (AFB1) prejudicou o crescimento e a sobrevivência da tilápia. A inclusão de um adsorvente de aflatoxina (alumínio silicato – Al-SiO3) na ração contendo AFB1 permitiu uma recuperação do crescimento e da sobrevivência dos animais (Selim et al 2014)

Tilápia - aflotoxina e alumínio silicato na ração

Figura 6b. No mesmo estudo, a ingestão de ração com 200 ppb de AFB1 reduziu a contagem de células (eritrócitos e leucócitos) e a concentração de hemoglobina no sangue das tilápias e o índice relativo de proteção (IRP) contra a infecção experimental por Aeromonas hydrophilla. A inclusão do adsorvente de aflatoxina na ração restaurou os parâmetros sanguíneos e aumentou significativamente a resistência das tilápias à infecção por Aeromonas (Selim et al 2014)

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Micotoxinas na ração

Camarão Penaeus monodon - níveis de aflatoxina (0 a 2.500ppb), peso final relativo, sobrevivência e imunidade

O índice relativo de proteção contra uma infecção experimental por Aeromonas hydrophila declinou significativamente em peixes que consumiram ração contendo aflatoxina, comparado aos peixes controle (20% vs 90%). A inclusão de alumínio silicato na ração com aflatoxina restaurou a proteção contra Aeromonas para níveis de 70%. Ou seja, conferiu maior resistência aos peixes contra a infecção bacteriana. Camarões marinhos – embora menos numerosos, os estudos sobre os efeitos da aflatoxina em camarões marinhos indicam que a presença de micotoxinas nas rações para camarão provoca redução no ganho de peso, aumento na mortalidade (menor sobrevivência), redução na contagem de hemócitos e na concentração de proteínas

Figura 7. Nesse estudo com o camarão tigre (Penaeus monodon) o aumento na concentração de aflatoxina B1 (AFB1) de 0 a 2.500 ppb nas rações reduziu o peso final dos peixes (primeira coluna do gráfico). Nesse gráfico, os valores em cada coluna devem ser comparados com o controle (seção em azul, normalmente fixado como 100%). A sobrevivência também reduziu com o aumento na concentração de AFB1 na ração (segunda coluna). A contagem de hemócitos reduziu significativamente em animais que comeram ração com níveis iguais ou maiores que 500 ppb (terceira coluna). A atividade da enzima fenoloxidase também foi reduzida em camarões alimentados com rações contendo 500 ppb ou mais de AFB1 (quarta coluna). A atividade antibacteriana na hemolinfa dos camarões reduziu com o aumento nos níveis de aflatoxina nas rações. Desse modo, o experimento mostrou o efeito supressivo da Camarão Fenneropenaeus indicus - aflatoxina x desempenho e parâmetros sanguíneos aflatoxina B1 na imunidade do camarão tigre (adaptado de Boonyaratpalin et al 2001)

Figura 8. Doses de aflatoxina B1 na ração de 200 ppb ou superior reduziram o peso final dos camarões. A presença de AFB1 nas rações reduziu a concentração de hemócitos e de proteínas plasmáticas (na hemolinfa) do camarão. A sobrevivência dos animais foi prejudicada com a presença de aflatoxina nas racões (adaptado de Ghaednia et al 2013) Camarão - Litopennaeus vannamei - aflatoxina e adsorventes

Figura 9. A inclusão de 500 ppb de aflatoxina B1 na ração (colunas vermelhas) reduziu o ganho de peso e a sobrevivência do camarão branco do pacífico. A adição de 1% de adsorventes de aflatoxina (alumínio silicato de cálcio e sódio Al-SiO2 ou vermiculita) proporcionou ganho de peso e sobrevivências muito próximas às observadas com animais que receberam a ração controle, sem aflatoxina (adaptado de Suppadit et al 2006)

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plasmáticas. Em geral, há uma redução na resposta imunológica dos animais, associada à presença da toxina no alimento. Nas Figuras 7, 8 e 9 são sumarizados os resultados de três estudos com distintas espécies de camarões marinhos. A adição de compostos imunoestimulantes e adsorventes de micotoxinas às rações pode ajudar a reduzir os efeitos deletério da aflatoxina em peixes. Embora não encontrei nenhum estudo sobre essa interação entre imunoestimulantes e micotoxinas em camarões, é muito provável que os imunoestimulantes possam compensar a queda na resistência imunológica em camarões que estão consumindo ração com micotoxinas. Metabolitos da fermentação por leveduras e componentes da parede celular de leveduras (no caso o B-glucano) possuem forte efeito imunoestimulantes em diversas espécies de camarões e podem ser uma boa opção para mitigar efeitos tóxicos da aflatoxina e outras micotoxinas presentes nas rações. Medidas para amenizar os riscos com micotoxinas nas rações para peixes e camarões No Brasil, um grande percentual das rações para peixe e camarões é composto por grãos e farelos vegetais, ingredientes mais susceptíveis à contaminação por fungos e, portanto, que podem conter elevados níveis de micotoxinas. Desse modo, as medidas de prevenção de problemas com micotoxinas em rações devem ser adotadas desde a produção, colheita e armazenamento dos grãos e farelos.. Dos fabricantes de rações espera-se um monitoramento sistemático da presença e quantidade de micotoxinas nas matérias primas e a adoção de outras boas práticas de fabricação (entre elas a adição de fungistáticos na ração e o adequado armazenamento do produto acabado). A adição de adsorventes de micotoxinas e de compostos imunoestimulantes, como os metabolitos da fermentação de leveduras e os esteres de B-glucano (este último, além de imunoestimulante, complexa parte da aflatoxina presente nos alimentos) ajuda a reduzir os riscos e mitigar os efeitos nocivos das micotoxinas. Essa prática é de especial importância, principalmente quando o fabricante não consegue realizar análises de rotina de micotoxinas nos ingredientes usados nas rações. Diversas empresas comercializam adsorventes de micotoxinas (geralmente argilas especiais e compostos a base de B-glucano) e imunoestimulantes para uso em rações animais. Cabe aos fabricantes de ração avaliar os produtos mais adequados para as necessidades de seus clientes. Da parte dos produtores, é necessário prover adequadas condições de armazenamento e uso das rações, de modo a evitar a contaminação do produto ou minimizar o desenvolvimento de fungos que possa aumentar a concentração de micotoxinas nas rações. Também é importante fazer um planejamento adequado da compra e do estoque, de modo que as rações permaneçam pelo menor tempo possível nos galpões das fazendas. Criadores de peixes e camarões compartilham problemas comuns no que diz respeito à sanidade nos cultivos e continuarão convivendo com o desafio diário de prover condições adequadas de ambiente e nutrição. Micotoxinas certamente estarão presentes nas rações para peixes e camarões no Brasil e deve ser uma preocupação constante para os criadores. O uso de rações nutritivas e seguras é fundamental para o sucesso dos cultivos. Na impossibilidade de realizar análises sistemáticas do valor nutritivo e potencial risco por micotoxinas nas rações, os produtores devem conhecer melhor o controle de qualidade e a importância dada pelos fabricantes à ração não apenas como fonte de nutrientes, mas também como ferramenta efetiva de fortalecimento da saúde e dos processos de defesa dos organismos aquáticos.

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