Mídia e argumentação: a guerra dos índices

June 4, 2017 | Autor: D. Santos Filho | Categoria: Linguistics, Midia, Análise do Discurso, Mídias na Educação, Mídia e Sociedade
Share Embed


Descrição do Produto

XIX Seminário do CELLIP Pesquisa em Língua e Cultura na América Latina

De 21 a 23 de outubro de 2009 UNIOESTE – Cascavel, Paraná

Midia e argumentação: a guerra dos índices Dorival Gonçalves SANTOS FILHO (UNESP)1 Jeane Mari Sant’Ana SPERA (UNESP)2 RESUMO: Neste trabalho, procuramos observar as estratégias argumentativas empregadas por canais de televisão em discursos veiculados pela mídia impressa, com o objetivo de convencer o leitor do lugar de destaque que cada um ocupa na preferência dos telespectadores. Foi possível verificar a presença de vários recursos argumentativos, em cada uma das batalhas argumentativas, nos diferentes jornais e revistas, dos quais destacamos a revista VEJA e o jornal Folha de São Paulo. Chamou a atenção o fato de o mesmo documento - Índices do IBOPE – servir de argumento de autoridade para cada uma das diferentes emissoras, dependendo apenas do recorte feito no quadro apresentado pela instituição encarregada de aferir a audiência. A leitura atenta dessas peças publicitárias revelará a manipulação de uma informação técnica que deveria, em princípio, fundamentar, sem possibilidade de dúvidas, a tese defendida pelas emissoras: ser a primeira e a segunda em índice de audiência. PALAVRAS-CHAVE: Argumentação; discurso polêmico; argumento de autoridade. Introdução A briga pela audiência entre as emissoras de televisão brasileira é antiga, mas a guerra pela disputa dos 1 e 2 lugares eclodiu em 2007 quando a Record veiculou discursos, fundamentado pelo argumento de autoridade (IBOPE), por meio de peças publicitárias em jornais e revistas. Nesses textos se auto-intitulou “a emissora vice-líder absoluta de audiência em todo o Brasil”. O SBT, que por muitos anos ostentou o posto de 2 lugar, reagiu ao discurso da Record, refutandoo, inclusive com a manipulação do mesmo argumento de autoridade, a fim de que os dados do Ibope se ajustassem a seu favor, dando-lhe o disputado 2 lugar. A partir daí, percebemos o caráter polêmico dos discursos. O triângulo bélico se formou com a inclusão da rede Globo na polêmica, usando os mesmos argumentos de autoridade das suas concorrentes, mas para satirizálas e afirmar sua soberania, autodenominando-se como emissora de tamanho ''G''. Ao empregar o símbolo já reconhecido pelos falantes da língua – a seqüência P M G, para designar pequeno, médio e grande, respectivamente – a Globo condena as demais emissoras envolvidas na polêmica como emissoras de categoria ou tamanhos inferiores. É claro que a escolha do índice de tamanho G também aproveitou a inicial da emissora. Assim, 2008 constitui a segunda rodada de réplicas e tréplicas entre as várias emissoras envolvidas na guerra pelos índices do IBOPE. Historiando A polêmica dessa guerra se iniciou quando a Record anunciou a inauguração do canal de notícias Record News, que é gratuita, contrapondo-se à Globo News que é paga. A inauguração ocorreu com uma cerimônia em que Edir Macedo (dono da Record), ao lado do presidente da República, acionou o botão que marcou o início das operações da Record News, em 27 de setembro de 2007. Dorival Gonçalves dos Santos Filho, graduando. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – [email protected] 2 Jeane Mari Sant´Ana Spera, Profª Drª. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – [email protected] 1

XIX Seminário do CELLIP Pesquisa em Língua e Cultura na América Latina

De 21 a 23 de outubro de 2009 UNIOESTE – Cascavel, Paraná

Esse fato caracteriza o pivô da guerra que se instaurou nos meios de comunicação impressa, como, por exemplo, a Folha de São Paulo, do dia 16/09/2007, em que, em uma peça publicitária, a Record (baseando-se no IBOPE) intitula-se vice-líder isolada na audiência. Nesse caso, destacava que estava próxima de se tornar líder. O primeiro a reagir foi o SBT, no mesmo veículo, tentando desqualificar o argumento da Record, dizendo ser ele o vice-líder absoluto. Para isso, usou de manobras para provar seus dados: ao se autodenominar “vice-líder absoluto em todo o Brasil”, o SBT cita o discurso da emissora R (Record), cujo anúncio dizia ser ela própria (a Record) a vice-líder, e afirma, fazendo um jogo de palavras, que “não passa informação errada, nem repassa”, referindo-se a um de seus programas, o “Passa ou repassa”. A seguir, O SBT mostra um quadro do IBOPE que a coloca como vice-líder, em um determinado período do ano (de janeiro a agosto de 2007), cujos índices eram favoráveis à emissora. A manobra consiste, então, em manipular a data. Assim, enquanto o índice de audiência da Record foi medido de agosto de 2006 a agosto de 2007, o índice de audiência do SBT foi medido de janeiro a agosto de 2007, como já afirmamos anteriormente. Houve, portanto, um recorte no documento de autoridade que, em dado período, favorece a Record e, em outro, o SBT. O triângulo bélico se forma com a inclusão da Rede Globo, alguns dias após a Record e SBT publicarem suas notas na imprensa. A Rede Globo, usando dos mesmos argumentos de autoridade, satiriza suas concorrentes. Primeiramente, mostra lado a lado os anúncios publicitários que a Record e SBT veicularam. Em seguida, cita: “É emissora R pra cá, é emissora B pra lá. O fato é que a soma das duas não chega nem perto da emissora tamanho G”, dando a entender que as duas (Record e SBT) ficam, como se diz popularmente, em “conversa pra cá, conversa pra lá”, ou que ficam só na conversa. De fato, a soma das duas não chega perto da emissora tamanho G, outro jogo de palavra, já que G pode remeter a Globo, grande, gigante. Além disso, remete ao pressuposto comum de que há tamanhos p, m e g nas vestimentas. Assim, ao colocar-se como tamanho G, a Globo coloca as outras necessariamente como p ou m. A seguir, apresenta uma tabela (IBOPE) mostrando que em agosto de 2007 as 20 maiores audiências foram todas da Rede Globo e, ainda, para encerrar seu discurso, determina “E não se fala mais nisso”, outro mecanismo de encerramento de discurso, sinalizando que não há interesse em continuar o jogo discursivo. Nesse contexto, a Record volta a atacar, mas com foco somente na Globo, sua maior concorrente. Lança então nova nota na imprensa em que mostra a queda substancial da emissora líder e já começa apontando “Arrogância até na queda”. Abaixo, reproduz a nota dizendo que a emissora que se diz tamanho G não quer mais falar sobre audiência porque, segundo o Ibope, a maioria de suas programações teve queda na audiência. Para validar sua afirmação, insere novamente, insistindo em seu argumento de autoridade, a tabela do IBOPE de agosto de 2006 a agosto de 2007, mostrando que, nesse tempo, das 20 programações da Globo, somente uma não teve queda, três tiveram um leve aumento de audiência e as demais tiveram quedas de audiência. Termina negando o encerramento determinado pela Globo: “E vamos continuar falando nisso, sim!” Observe-se, portanto, que os argumentos de autoridade por competência são usados por todas as emissoras, tanto para qualificar um argumento quanto para desqualificar outros. Às vezes são usados também como manobras para provar fatos não verídicos, em um movimento claramente manipulador, visto que, o que permite que uma ou outra se considere em lugar mais prestigiado é apenas o recorte que a emissora interessada faz do documento de autoridade. Os discursos se intensificaram com réplicas e tréplicas, e 2007 terminou com a Globo em 1 lugar em audiência, a Record em 2 e o SBT em 3, segundo os índices oficiais. O final do armistício, no início de 2008, representou o começo de uma nova guerra argumentativa, em que foi possível verificar a presença de vários outros recursos argumentativos

XIX Seminário do CELLIP Pesquisa em Língua e Cultura na América Latina

De 21 a 23 de outubro de 2009 UNIOESTE – Cascavel, Paraná

e a diversidade das estratégias adotadas por cada uma das emissoras envolvidas em cada uma dessas batalhas. Verificaram-se, nesses novos discursos – veiculados pela mesma mídia que publicou os primeiros – a mesma disposição para a polêmica e os mesmos procedimentos manipuladores. Agora, a presença da Rede Globo se destaca mais – fazendo supor que a líder tenha se sentido atingida – enquanto a Record optou pela moderação, já que sua pretendida segunda posição ficou abalada. A polêmica mostra uma outra feição, embora as emissoras continuem a manejar as mesmas armas. 1.O discurso polêmico Segundo Pêcheux (1975), o processo discursivo implica produção de sentido, portanto, ''o discurso passa a ser o espaço em que emergem as significações'', pois esse processo – ou os processos discursivos – são a origem da produção dos efeitos de sentido. Ora, no processo discursivo levado a efeito na discussão entre as emissoras, emergem significações construídas pelo manejo dos pontos de vista que orientam a interpretação do argumento. No decorrer da campanha, constroem-se discursos que traduzem, pelas suas especificidades, discursos polêmicos que buscam desqualificar o discurso do outro. O discurso polêmico implica a refutação, que consiste em recusar a fala do outro e contrapor a ela a própria fala. Ao tentar apagar a fala do interlocutor da cena enunciativa, a refutação constitui um contradiscurso, que acaba por ser o elemento que caracteriza a polêmica. Polemizar, portanto, é, como afirma Brandão (1998), “... tentar falsear a fala do outro, é desqualificar o discurso do adversário numa situação em que duas posições antagonistas se confrontam e se afrontam.” (p.93) Outra estratégia comumente empregada no discurso polêmico é a retorsão, réplica que consiste na utilização dos argumentos do interlocutor, transformando-os em argumentos para a fundamentação da tese que se quer defender, segundo Abreu (2001, p.52). É exatamente esse jogo argumentativo de refutação, em que se recusa a fala do outro para contrapor sua própria fala, e de retorsão, em que se utilizam os argumentos do interlocutor para a fundamentação de seu próprio argumento, que vemos nas diversas peças publicitárias das emissoras envolvidas. A cada discurso, corresponde outro, com refutações e contorções. 2. A polêmica entre Globo, Record, SBT O corpus deste trabalho é constituído do material midiático recolhido em 2008, visto que, já em nosso trabalho com os discursos das emissoras em 2007, exposto na introdução deste texto, era possível prever uma continuação com o mesmo nível discursivo. Assim, este trabalho constitui uma continuação de um trabalho anterior, já exposto e discutido em outras reuniões científicas. A análise do corpus revelou, assim como no estudo anterior, o caráter polêmico dos discursos e a manipulação do argumento de autoridade, nas estratégias argumentativas ali contidas. A segunda guerra discursiva entre as emissoras também começou com argumentos de autoridade sendo manipulados e com discursos com carga polêmica mais atenuada, devido à mudança nas estratégias dessas batalhas argumentativas, principalmente, nos textos da Record, que precisou reenquadrar seu discurso, uma vez que a liderança almejada ficou mais distante, quando seu posto conquistado começou a oscilar negativamente.

XIX Seminário do CELLIP Pesquisa em Língua e Cultura na América Latina

De 21 a 23 de outubro de 2009 UNIOESTE – Cascavel, Paraná

O SBT, por sua vez, recuperou a vice-liderança somente em agosto, mas foi em setembro que veiculou seu discurso se autointitulando “vice-líder absoluto nas 24 horas do dia”. A rede Globo, em 2008, entrou nessa guerra, após os ataques da Record, com diversas técnicas discursivas, talvez, como já afirmamos, por ter-se sentido ameaçada com a batalha do ano anterior. Em fevereiro de 2008, a guerra se instaura com a rede Record usando argumentos de autoridade (IBOPE). Nesse argumento, logo de início, a Record afirma, baseando-se no IBOPE, que sua audiência cresceu 28% em fevereiro. Depois diz: “Viu, não são só os personagens da nossa novela que têm superpoderes.” Em seguida, mostra um gráfico em que apresenta a variação de sua audiência no período de fevereiro de 2007 a fevereiro de 2008, da emissora que ela denomina como emissora “A” e da emissora que ela chama de emissora “C”. Nesse gráfico, fica evidente que a Record cresceu 28% e que as demais emissoras tiveram queda em suas audiências. Nesse contexto, diz que não são só as suas novelas que têm superpoderes. Afirma também que, além de superar o desempenho das outras emissoras, não para de crescer. Assim, usa dois argumentos importantes: que tem superpoderes e que não para de crescer. Ao usar “superpoderes”, faz uma clara referência a uma de suas novelas, “Caminhos do coração”, mais tarde denominada “Os mutantes”, pois, nessa novela, as personagens possuíam poderes sobrenaturais. Começa finalizar seu discurso dizendo: “Compare os números e entenda como conquistamos o segundo lugar consolidado de audiência no mercado nacional.” (Veja, 19/03/2008). Vemos que o argumento de autoridade se dá com o gráfico de índice de audiência da Record mostrando que em fevereiro cresceu 28 %, e que a medição desse índice foi feito das 7h à 0h, portanto, não nas 24 horas do dia. Esse recorte constitui um estratagema que pode elevar seus índices, uma vez que os números de audiência no horário da madrugada não são contabilizados. A resposta da Globo não tarda. Veiculado pelo mesmo veículo (VEJA), o seu discurso agora está centrado no desenho da letra''Q'', formada com suas principais estrelas. E, ao lado, afirma que ela tem um ''que'' que é só dela: o ''Q'' da Globo é de qualidade. Nesse discurso, a emissora afirma ainda que: “Levar qualidade para você é nossa motivação: a qualidade do talento brasileiro, a qualidade do nosso elenco, da nossa credibilidade até a mais pura emoção.” Chama ainda para argumentos emotivos, ao comprometer-se: “E com esse compromisso em nossos corações, defendendo liberdade de expressão e respeitando opinião, estamos sempre ligados em você e na sua família.” Termina o discurso dizendo: “É qualidade dos dois lados da telinha. Que nos inspira a trabalhar mais... a inovar mais... a criar mais. Para entregar na sua casa, por todo o Brasil, aquele “Q” de qualidade que ontem, hoje e sempre só se vê na Globo.”(Veja, 26/03/2008) Nesse discurso, a Globo não faz menção a índices de audiência, uma vez que sua queda nos números foram veiculados pelos mais diversos meios de comunicação impressa e eletrônica.3 A Record se manifestou, refutando o discurso da Globo alguns dias depois (Veja, 02/04/2008), dizendo que sua concorrente “precisa” lembrar que o Q em questão significa q de qualidade, já que, para a Record, o ''Q'' de qualidade da Globo tem um ''Q'' de queda de audiência. Para fundamentar seu discurso irônico, a Record mostra novamente o argumento de autoridade (IBOPE), ou seja, a mesma tabela de seu discurso anterior, com os mesmos números de índices de audiência que apontam um crescimento de 28% no período de um ano. Termina seu discurso dizendo se sentir orgulhosa em ter uma programação que muitas vezes lidera a audiência. Nesse mesmo discurso, deprecia a emissora ''C'' (SBT), ao dizer que o telespectador não tem apenas uma opção de tv aberta como antigamente; ou seja, não reconhece que o SBT, historicamente vice-líder, tivesse sido uma opção de tv aberta. A Record continua seus ataques alguns dias depois, publicando outra nota publicitária em que usa expressões da variante popular em seu discurso: 3

O Estado de S. Paulo- 09/01/2008- e Carta Capital- 27/10/2007, por exemplo.

XIX Seminário do CELLIP Pesquisa em Língua e Cultura na América Latina

De 21 a 23 de outubro de 2009 UNIOESTE – Cascavel, Paraná

A Record vai e evolui sua programação. Nossa concorrente vem e diz que tem qualidade. A Record vai e aumenta a audiência como nunca. Nossa concorrente vem e mexe na grade. A Record vai e investe como nenhuma outra emissora no país. E você assistindo a tudo isso fica com uma certeza: sua tv evoluiu. (Veja, 09/04/2008) Nesse novo ataque feito à rede Globo, a Record continua fundamentando seu discurso no IBOPE.

Nesse discurso é evidente o uso da variante popular ''vai e ...'' usando o mecanismo de movimento para frente e movimento para trás, numa relação de causa e efeito. Ao dizer que vai e evolui, a Record se projeta para frente; com vem e diz, faz o contrário com a concorrente (Globo), que é inserida em um movimento para trás. Com a repetição da tabela do IBOPE do discurso anterior, a emissora ilustra esse movimento de sua projeção para frente com + 28% e de retração das emissoras ''A'' (Globo) com –9% e "C" (SBT) com – 4%. Assim, emprega o mesmo argumento de autoridade de seus dois discursos anteriores, e seu slogan ''a caminho da liderança'' marca fortemente sua projeção para frente. Depois dos discursos da Record, o SBT reage afirmando sua segunda posição em audiência sem falar em números (grifamos), mas destacando sua liderança com o apresentador número 1. Fundamenta seu discurso com o argumento de autoridade oferecido por reportagem da revista VIP, que destaca Silvio Santos, dono do SBT, como o maior nome da TV brasileira: QUANDO VOCÊ PENSA EM TV, QUAL É O SEGUNDO NOME QUE VEM A SUA CABEÇA? Sílvio Santos. Eleito o maior nome da TV brasileira segundo a revista VIP.(Revista VIP – 09/2008, p.114)

Em uma nova peça publicitária, o SBT destaca que, nos últimos meses, vinha crescendo e que, no mês em que comemora 27 anos de existência, volta a ocupar a vice-liderança em audiência. Em seu discurso, ao agradecer o telespectador, cria um tom de familiaridade com o público. Além disso, comete um deslize argumentativo ao dizer que volta a ocupar o segundo lugar, admitindo, implicitamente, em seu contradiscurso, que realmente tinha perdido o seu posto em 2007, o que motivou, na época, as várias batalhas argumentativas. Nesse contexto, mostra ainda que a medição é feita minuto a minuto, nas 24 horas do dia. Diferentemente do argumento que a Record faz em seu discurso, em que apenas 12 horas do dia das suas programações são medidas, que reproduzimos a seguir: Nos últimos meses, o SBT só tem crescido. Em agosto, mês em que comemoramos 27 anos de história, voltamos a ocupar a vice- liderança absoluta de audiência nas 24 horas do dia*. E a gente na podia deixar de agradecer a quem colocou a gente lá. Telespectador: obrigado pela vice-preferência. SBT. De volta ao segundo lugar na audiência. *Fonte/MMW – Tabela Minuto a Minuto (06h00/05h59) –Dados Domiciliares –PNT – Ago/08.(Veja – 24/09/2008)

Em artigos publicados por vários analistas, destacou-se que nessa guerra houve alguns dias de trégua, uma vez que a Record, pivô dessa disputa, perdeu o segundo lugar alcançado no ano anterior. Sua estratégia muda ao se ver em terceiro lugar, o que implica a necessidade de mudança de argumento. Já não usa mais o argumento de autoridade, representado pelas pesquisas do Ibope. Agora passa a afirmar que é uma emissora de primeira (ou seja, de primeira qualidade), contrapondo-se aos ordinais primeiro ou segundo, que indicam fatos mensuráveis concretamente. Seus discursos põem em destaque a excelência de suas programações, fato perceptível apenas de modo abstrato. Em várias peças publicitárias, a Record informa que tem novelas de primeira, jornalismo de primeira e que, portanto, seria uma emissora de primeira, sem fazer menção a índices de

XIX Seminário do CELLIP Pesquisa em Língua e Cultura na América Latina

De 21 a 23 de outubro de 2009 UNIOESTE – Cascavel, Paraná

audiência, obviamente em conseqüência da sua regressão em relação a sua colocação nos índices. Assim, quando o SBT se consolida como vice-líder, refuta o argumento da Record de que ela é uma emissora de primeira. Em mais uma nota publicitária, faz um jogo de palavras em que afirma: A emissora que está em primeiro sempre esteve em primeiro. A emissora que diz que é de primeira está em terceiro e a emissora que dizem que está em terceiro está em segundo.(Veja – 22/10/2008)

Nesse contradiscurso, o SBT grifa as palavras primeiro, primeira, terceiro e segundo, deixando bem marcados quais são os respectivos lugares que elas ocupam. Percebe-se que o SBT faz referência a índices de audiência, além de inserir um argumento de autoridade com um recorte da própria Veja, intitulado “Oratória agressiva”, que mostra a agressividade verbal de um dos executivos da Record afirmando, a altos executivos da Globo, a pretensão da Record de “desbancar” a hegemonia da Globo num futuro próximo. Por enquanto, a nota reafirma o segundo lugar reconquistado pelo SBT em agosto e “em setembro também”, continua a nota. Depois de seu slogan “qualidade a gente vê por aqui”, veiculado no início do ano, a rede Globo não tinha se manifestado a respeito dos discursos provocativos que a Record tinha feito a ela, mas resolve responder a todos os discursos da Record de uma só vez. Começa replicando, na Veja de 26/11/2008, em página dupla, que suas novelas, além de divertir e emocionar, discutem temas relevantes para a sociedade; que seus programas jornalísticos informam e orientam a população; que apóia projetos que promovem a cultura, educação, esporte, saúde e inclusão social, e que esta qualidade a mais se chama valor público. Nota-se que a Globo usa uma das premissas da argumentação, a ressonância, que, é assim explicitada por Breton (1999, p.72): Uma nova apresentação dos fatos pode entrar em ressonância com nossa visão mais geral do mundo, mesmo que ela pareça dotada de um certo coeficiente de novidade. Esta ressonância tornará esta nova apresentação aceitável, sem outra conotação e com sentimento de evidência imediata. A argumentação que se apóia em valores é um bom exemplo dos efeitos da ressonância. Com as afirmações dos diversos valores que promovem a sociedade, o discurso da Globo reafirma sua qualidade em tudo, usando do recurso da ressonância, que, como já dissemos, a Globo chama de valor público. Essa resposta da Globo manteve a Record inerte por algum tempo, já que, segundo informações veiculadas por reportagens, em sites especializados em televisão4, a emissora do bispo esperava o surgimento de um novo argumento de autoridade que poderia consagrá-la como o veículo mais admirado do Brasil: uma publicação anual de um jornal que seleciona os ''veículos mais admirados: o prestígio da marca''. Ainda segundo essas mesmas fontes, em seus bastidores, a Record esperava desbancar a rede Globo, que há anos detém o título de veículo mais admirado do Brasil. Mas, para a frustração 4

Com informações do Meio & Mensagem Online. magazinedatv.blogspot.com/2009_01_07_archive.html , revistanaweb.blogspot.com/2009/02/globo-provo...

XIX Seminário do CELLIP Pesquisa em Língua e Cultura na América Latina

De 21 a 23 de outubro de 2009 UNIOESTE – Cascavel, Paraná

da emissora, mais uma vez o pódio ficou com a rede Globo. Sem recuar, a valente emissora surge com uma outra nota publicitária (Veja, 10/12/2008), em página dupla, pondo em destaque sua posição como uma das duas emissoras de TV aberta com maior prestígio no Brasil, com ênfase para o fato de que 2008 foi um ano de primeira. A seguir, mostra uma tabela com sua ascensão da sexta para a segunda colocação, dentre os veículos mais admirados, com índice de prestígio da marca. A Globo, por sua vez, numa série de ataques coordenados num mesmo discurso, manifesta a sua vitória em relação ao que ela chama de segunda colocada na categoria. A emissora usa palavras que qualificam ainda mais as competências que a tornaram campeã: Rede Globo. O veículo mais admirado do Brasil em 2008. E, pelo 9° ano consecutivo, a TV aberta mais admirada do país. Mais que o dobro em independência editorial. Quase duas vezes mais em competência. Quase o dobro em eficácia. Mais que o dobro em conteúdo editorial. Mais que o triplo em credibilidade. E quase três vezes mais em ética, quando comparada à segunda colocada na categoria. E isso sem falar da liderança de audiência. (ESP – 15/01/2009)

Repetindo os argumentos que vinha empregando ao longo da batalha pelos índices do IBOPE, a Rede Globo ratifica sua superioridade, mostrando, com uma seleção lexical bastante significativa, seus traços superlativos: “mais admirado”, “mais que o dobro”, “quase duas vezes mais”, “mais que o triplo” etc.... Tudo isso condensado em valores que traduzem o efeito de ressonância apontado anteriormente: independência editorial, competência, conteúdo editorial, credibilidade e ética. Conclusão O exame dos textos publicitários veiculados pelas emissoras televisivas mostra que a luta pela audiência transforma as páginas de jornais e revistas em campos de batalha verbal. Os discursos – com réplicas e tréplicas – transformam a polêmica em espaço propício a manipulações que, no caso, se dá pelo recorte que cada um faz do mesmo argumento de autoridade. Com o recurso de argumentos refutativos, de efeitos de retorsão, de comparações imprecisas – mas convenientes – as emissoras procuram passar a impressão de confiabilidade. O efeito de ressonância ( a confirmação de valores sociais) é, no entanto, apenas mais um recurso, já que a ética e a credibilidade ficam enfraquecidas com a evidente manipulação de que são objeto os discursos das diferentes emissoras. Referências ABREU, A. S. A arte de argumentar gerenciando razão emoção. 9. ed. Cotia, SP: Ateliê, 2006. BRADÃO, H.H.N. Introdução à análise do discurso. 3.ed. Campinas, SP: EDUNICAMP, 1994. _______________ . Subjetividade, argumentação, polifonia. SP: Fundação Editora da Unesp, 1998. BRETON, P. A Argumentação na comunicação. Bauru, SP: EDUSC, 1999. CHARAUDEAU, P. & MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. SP: Contexto, 2004. CITELLI, A. Linguagem e persuasão. SP: Ática, 1985.

XIX Seminário do CELLIP Pesquisa em Língua e Cultura na América Latina

De 21 a 23 de outubro de 2009 UNIOESTE – Cascavel, Paraná

MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. SP: Cortez, 2008. PÊCHEUX, M. A análise do discurso: três épocas. In: GADET, F. HAK, T. (Org.). Por uma análise automática do discurso. Uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.