Mídia-Educação, identidade e memória

July 22, 2017 | Autor: M. Pegurer Caprino | Categoria: Media Education, Media Literacy
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Mídia-educação, identidade e memória1 Mônica Pegurer Caprino 2 Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo-SP

Resumo O texto discute as possíveis relações entre mídia-educação, identidade e memória, a partir a ideia de “empoderamento” da cidadania através da produção ativa de conteúdos comunicacionais. Para isso, o trabalho analisa os principais conceitos relacionados à alfabetização midiática (media literacy) e à mídia-educação (media education). O trabalho se vale de análise realizada em documentos e declarações da UNESCO elaborados sobre o tema desde 1982, quando a Declaração de Grunwald colocou a mídia-educação como elemento fundamental para o exercício da cidadania em uma sociedade tecnológica e midiatizada. A partir da análise realizada, pode-se dizer que a educação para as mídias tem o potencial de enfatizar a expressão da memória coletiva uma vez que propicia o domínio de práticas comunicacionais que podem ser colocadas à disposição da cidadania para a consolidação de sua identidade. Palavras chave: Mídia-Educação; Memória; Identidade; Cidadania.

Introdução A existência de pelo menos sete importantes declarações sobre mídia-educação e media literacy 3, oriundas de conferências patrocinadas pela UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization) nos últimos 35 anos, aponta a crescente relevância que o tema tem ganhado durante as últimas décadas no âmbito internacional. 1

Trabalho apresentado no GT Práticas de educação, preservação e acervo de histórias de vida e memórias. Simpósio Internacional de Comunicação e Cultura: Aproximações com Memória e História Oral, realizado na Universidade São Caetano do Sul, São Caetano do Sul – São Paulo, de 27 a 30 de abril de 2015. 2 Pesquisador pós-doutoral (PNPD-Capes) no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo-SP, e-mail [email protected]. 3 Aqui iremos traduzir o termo em inglês media literacy por alfabetização midiática, embora existam outras possibilidades, como comentamos mais adiante.

Ainda que na década de 1920 os estudos de alfabetização midiática tenham começado analisando questões relacionadas simplesmente à interpretação de imagens 4, a partir dos anos de 1970, a mídia-educação começou a ser reconhecida como uma “prática crítica de cidadania”. Em anos recentes, se observa que os conceitos e práticas de media literacy valorizam muito mais a orientação participativa, a produção social e coletiva de produtos comunicacionais, a interatividade e o diálogo (PÉREZ-TORNERO & VARIS, 2012). Organismos internacionais como a já citada UNESCO passaram a valorizar a mídia-educação como fator importante para o “empoderamento” da cidadania e elemento chave para o desenvolvimento pleno da liberdade de expressão e do direito à informação na sociedade contemporânea. Hoje, media literacy é um dos temas tratados pelo Departamento de Comunicação e Informação da UNESCO e tem merecido, nas últimas décadas, diversos estudos e conferências 5. O assunto também tem sido objeto de constantes

pesquisas

patrocinadas

pela

Comissão

Europeia,

resultando

em

recomendações dirigidas aos países membros. 6 Nesse panorama, em que se enfatiza a cidadania e a expressão comunicativa do indivíduo e da comunidade, é que propomos discutir as relações que se possam estabelecer entre a alfabetização midiática, o desenvolvimento da identidade do cidadão do século XXI e a construção da memória através de narrativas orais ou comunicacionais. Para estudar este tema, repassamos os conceitos de media literacy consolidados no âmbito internacional, bem como os principais documentos e declarações elaborados pela UNESCO sobre o tema, buscando aspectos que possam validar a ideia de que a alfabetização midiática não só pode favorecer as possibilidades de expressão

4

Naquele momento, se entendiam a media literacy e a media education (mídia-educação) como uma “defesa cognitiva” que permitia combater as muitas formas de propaganda veiculadas pelos meios de comunicação (HOBBS & JENKINS, 2009). 5 Ver: http://www.unesco.org/new/en/communication-and-information/media-development/media-literacy/ 6 Ver: http://ec.europa.eu/culture/policy/audiovisual-policies/literacy_en.htm

comunicativa como reforçar os esforços de valorização da identidade do sujeito e da memória coletiva.

Sociedade em transformação Se ao longo do século XX os produtos comunicacionais eram de domínio quase que exclusivo dos veículos de comunicação de massa e elaborados por profissionais do setor, esse panorama se transformou de maneira abrupta com o avanço das tecnologias digitais e a popularização da Internet. Aqueles que eram preponderantemente receptores da informação começaram a participar de seu processo de produção (GILLMOR, 2006) e os meios de comunicação tradicionais passaram a configurar espaços a que o cidadão comum pode aceder com sua opinião ou informação. Além da opção de serem leitores-repórteres, os cidadãos do século XXI também podem ter seus próprios meios de divulgação, como blogs, páginas de Internet ou espaços de expressão nas redes sociais. Assim, já não são somente observadores atentos da realidade que os circunda, mas podem se transformar em produtores de conteúdo. O que se deve destacar, entretanto, é que somente o acesso às novas tecnologias não é suficiente para garantir a produção eficiente de conteúdos comunicacionais pelo cidadãos uma vez que uma série de habilidades e competências serão necessárias para que se possa exercer esse novo papel na sociedade. Podemos afirmar que, mais do que nunca, passa a ser necessário que os cidadãos sejam letrados midiaticamente. Pode soar estranho dizer que o cidadão do século XXI necessite ser “educado” para exercer seu papel nos processos comunicativos atuais, pois se poderia pensar que uma boa parte dos cidadãos contemporâneos, sobretudo os jovens, já são “nativos digitais”, como os denominou Prensky (2001). Há, porém, estudiosos que se contrapõem a esse conceito e defendem a necessidade da alfabetização midiática na sociedade do século XXI. Buckingham (2009)

acredita que muitos dos chamados “nativos digitais” seriam, na verdade, apenas usuários mais intensivos de mídia digital. A crença de que a simples imersão nas novas tecnologias faria alguém apto a lidar com a tecnologia e produzir conteúdo como usuário consciente e ativo poderia, portanto, se revelar falsa. No Brasil, o uso crescente das ferramentas digitais e dos usuários de Internet poderia supor um alto índice de letramento midiático na sociedade brasileira, mas certamente não é isso que concluiríamos ao verificar alguns dados estatísticos e objetivos. Os números sobre o acesso às Tecnologias da Informação e da Comunicação de 2013 (CETIC, 2013) mostram que 41% dos domicílios brasileiros dispõem de acesso a Internet. Esses números podem subir a 91% se vamos às classes sociais economicamente mais favorecidas e, se detalharmos por faixa etária, os dados nos mostrarão que 89% dos jovens de 10 a 15 anos já usaram Internet de alguma forma, em suas casas ou em outros espaços, como as lan houses. A mesma pesquisa do CETIC mostra, porém, que esse uso não se traduz em processos de apropriação de informação e conhecimento ou participação da cidadania: somente 17% dos que usam Internet no Brasil já utilizaram a rede para interagir com autoridades públicas e apenas 20% criaram conteúdos por meio de blogs, páginas na Internet ou websites.

Media literacy O termo em inglês media literacy não tem seguido uma tradução ou adaptação única nos países ibero-americanos. Embora em Portugal se encontre certo consenso para a tradução “literacia mediática” e nos países de língua espanhola se utilize amplamente o termo “alfabetización mediática”, no Brasil, vemos a utilização de várias expressões. Alguns preferem letramento midiático à alfabetização midiática e outros utilizam mídiaeducação, em paralelo ao termo em inglês media education, usado muitas vezes como sinônimo de media literacy. Em geral, todas as versões formuladas sobre o conceito de media literacy compartilham um mesmo núcleo de sentido comum, a partir do que foi elaborado em

1992 durante a National Leadership Conference on Media Literacy: a alfabetização midiática seria a capacidade de um cidadão para acessar, analisar, avaliar e produzir informação para um resultado específico (AUFDERHEIDE, 1992). De modo mais completo, se pode dizer que: Media literacy é o termo usado para descrever as competências e habilidades requeridas para o desenvolvimento independente e consciente do cidadão no novo entorno comunicacional – digital, global e multimedia – da sociedade da informação. A media literacy (o letramento mediático) é considerada o resultado do processo de media education (mídia-educação) (PÉREZTORNERO, 2008, p.103).

Este conceito, com pequenas variações, foi assumido posteriormente por vários organismos internacionais, como a UNESCO e a Aliança das Civilizações - UNAOC (organismo da ONU que ajuda a promover o entendimento e a cooperação entre as nações). Em 2009, a Comissão Europeia, tomando por base propostas e estudos anteriores, estendeu o alcance do conceito de “alfabetização midiática” e passou a considerá-la uma competência imprescindível para os cidadãos. Hoje, liderados e patrocinados no âmbito internacional principalmente pela UNESCO, os projetos e ações de mídia-educação ampliaram o conceito e a nomenclatura para Media and Information literacy –MIL (ou Alfabetização Midiática e InformacionalAMI em português). Uma das palavras chaves nessa ampliação do conceito é o “empoderamento” (empowerment) e participação da cidadania em espaços e sociedades democráticas. Assim, pela definição da UNESCO (GRIZZLE et al., 2013, p.14), a Alfabetização Midiática e Informacional - AMI é entendida como um conceito composto, que engloba conhecimentos, habilidades e atitudes que permitam aos cidadãos acessar, analisar, avaliar, usar, produzir e divulgar informações e conhecimento de forma criativa, legal e ética,

respeitando

os

direitos

humanos.

Indivíduos

letrados

midiática

e

informacionalmente podem usar diversas mídias, fontes de informação e canais em sua vida privada, profissional e pública. Eles sabem quando e qual a informação precisam e para quê, onde e como obtê-la. Eles entendem quem criou essa informação e por que,

assim como os papéis, responsabilidades e funções dos meios de comunicação, fornecedores de informação e instituições. A UNESCO utiliza esta noção composta e unificada de Media and Information Literacy pois acredita que deve incluir não só o conhecimento essencial sobre as funções dos meios de comunicação, como também abarcar a produção de informação pelas bibliotecas, arquivos e outros provedores de conteúdo nas sociedades modernas. O “empoderamento” dos cidadãos também deveria se dar em todos os âmbitos da vida visando buscar, avaliar, utilizar e criar a informação de forma eficaz sob qualquer formato (WILSON et al., 2011). Assim, quando se menciona “informação”, podemos pensá-la como algo que é manuseado pelas mídias e por outros provedores, como bibliotecas, museus, arquivos e internet, como já citamos. A UNESCO (GRIZZLE et al., 2013) destaca que esses provedores de informação que se conjugam aos meios de comunicação desempenham papéis importantes na sociedade atual entre eles o de construir e preservar a memória coletiva para a sociedade.

Memória e identidade Assim como a mídia e sua influência em todos os setores das vida cotidiana atual, a memória também representa outro importante objeto de reflexão e uma das grandes preocupações culturais e políticas das sociedades ocidentais contemporâneas. Esse interesse é justificado pelo fato que, ao resguardar traços do passado, a memória pode atuar como forma de se contrapor aos efeitos desintegradores da “rapidez contemporânea”, conforme destacava Maurice Halbwachs (1990), já no início do século XX. Aliás, desde a segunda metade do século XX, as preocupações científicas com a memória começaram a ganhar importância nos estudos das Ciências Humanas e Sociais, que passaram a valorizar a subjetividade e o indivíduo, que adquiriu importância na sua condição singular.

Para dar conta da identidade pós-moderna, a ênfase à memória e ao testemunho oral passam a ser valiosos para os estudos de comunicação e cultura (CAPRINO; PERAZZO, 2011). Afinal, a memória normalmente está expressa por um discurso, evidencia um sistema de símbolos e convenções produzidos e utilizados socialmente. Le Goff (2003) também destaca que o ato de rememoração requer um comportamento narrativo. Além de perceber e construir a realidade por meio das narrativas, ao rememorar a sua trajetória de forma mais completa possível, o indivíduo que rememora se esforça na construção de sua própria identidade. Podemos dizer, portanto, que a questão da identidade adquire fundamental importância quando abordamos o tema da memória. A identidade se dá por meio do “processo pelo qual um ator social se reconhece e constrói significado principalmente com base em determinado atributo social” (CASTELLS, 2002, p. 22). Pela memória, temos a propriedade de conservar certas informações que nos permitem, principalmente, atualizar impressões e informações passadas ou que representamos como passadas mas é importante destacar que memória é mais do que simplesmente se remeter aos fatos passados. (LE GOFF, 2003). Não podemos esquecer que, no século XXI, as narrativas individuais e coletivas se traduzem, na maior parte das vezes, em produtos e conteúdos comunicacionais. Além da importância dos relatos orais, os vários tipos de mídia ganham destaque pois a expansão de seu acesso por meio das tecnologias digitais irá permitir que colaborem no processo de construção e manutenção da memória.

Relações entre mídia-educação, identidade memória Para realizar a discussão proposta sobre as relações entre a media literacy, identidade e memória, propomos a observação de alguns documentos internacionais sobre media education e media literacy. A maioria está relacionada a ações da UNESCO e são

declarações produzidas em encontros internacionais sobre educação e mídia realizados a partir de 1982. Podemos visualizar os documentos estudados a partir no quadro que vemos a seguir. A tabela inclui os títulos dos documentos, os eventos em que foram produzidos, bem como os principais organizadores de cada evento, local de realização e data.

Documento

Conferencia em que foi produzido International Symposium on Media Education Toulouse Colloquy "New Directions in Media Education”

Organizadores/ patrocinadores

Local

Ano

-

UNESCO

Grunwald/ (Alemanha)

1982

-

Toulouse (França)

1990

Paris Agenda Or 12 Recommendations for Media Education

Meeting - 25 years after the adoption of the Grünwald Declaration

-

Paris (França)

1997

Educating for the Media and the Digital Age

Vienna Conference

-

Viena (Austria)

1999

Youth Media Education (Recommendations addressed to the United Nations Educational Scientific and Cultural Organization UNESCO) Fez Declaration On Media And Information Literacy

Youth Media Education

UNESCO British Film Institute CLEMI (Centre de Liaison de L'Enseignement et des Moyen D'Information) Comissão Nacional da UnescoFrança UNESCO Apoio: Council of Europe e Ministério da Educação da França Comissão Nacinal da Unesco na Austria Ministério da educação e Cultura da Austria Televisión de Andaluzia International Association of Educational Televisions (AITED) UNESCO

Sevilha (Espanha)

2002

Grupo de pesquisa Mass Communication, Culture and Society Laboratory of Discourse, Creativity and Society: Perception and Implications Faculty of Arts and Humanities, Sais-Fes Sidi Mohamed Ben Abdellah University Apoio: UNESCO e United Nations Alliance of Civilizations (UNAoC), entre outros Ministério da Cultura da Rússia Agência Federal para Imprensa e Comunicação de Massas da Rússia Comissão Nacional da UnescoRússia UNESCO International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) Comissão Europeia UNESCO EMEDUS Research Project Gabinete de Comunicación y Educación (Universitat Autònoma de Barcelona) Apoio: Global Alliance for Partnerships on Media and Information Literacy (GAPMIL)

Fez (Marrocos)

2011

Moscou (Rússia)

2012

Paris (França)

2014

Grünwald Declaration on Media Education New Directions in Media Education

-

First International Forum on Media and Information Literacy (MIL)

-

The Moscow Declaration on Media and Information Literacy

Paris Declaration on MIL in the Digital Era

International Conference Media and Information Literacy for Knowledge Societies

-

European Media and Information Literacy (MIL) Forum

-

-

-

A Grünwald Declaration on Media Education (UNESCO, 1982) é o documento que dá origem a um longo debate sobre as relações entre comunicação e educação enfatizando a necessidade de uma educação para o uso dos meios de comunicação, principalmente diante do desenvolvimento da tecnologia. O texto dizia que “em um futuro próximo”, as possibilidades comunicativas poderiam ser avassaladoras devido ao incremento das tecnologias relacionadas aos satélites, aos sistemas de cabo, à combinação de computador e televisão e outras possibilidades que se vislumbravam naquele momento. A parte final da Declaração de Grunwald inclui um chamamento à ação cidadã e faz menção à necessidade de implantação de programas de educação em meios que não só abarcassem a questão da análise de conteúdo mas também a “utilização dos canais disponíveis” e fosse baseada “em uma participação ativa”. Ainda que nada se mencione nesse momento sobre a aspectos relacionados à memória ou à identidade, já se evidencia uma preocupação nascente de que a mídia-educação dê voz e ferramentas aos cidadãos. Já a declaração New Directions in Media Education (THOMAN, 1990), resultado da conferência promovida pela UNESCO em 1990, em Toulouse, enfatiza que os consumidores de mídia eram agora também produtores de sentido. Ou seja, que a mídiaeducação deveria ajudar os cidadãos para que contassem suas histórias e produzissem seus conteúdos. É, neste momento, que se dá destaque à palavra “empoderamento”, que se repetirá em futuros documentos da UNESCO sobre media literacy; “O objetivo educacional é agora o ‘empoderamento’ do espectador para processar as mensagens dos meios de comunicação de massa e produzir significados que sejam tanto pessoal como socialmente relevantes.” (THOMAN, 1990). A declaração redigida em Viena (KRUCSAY, 1999), com o título “Educando para os meios e a era digital”, volta a enfatizar que a mídia-educação deve permitir às pessoas não só compreender os meios de comunicação como também adquirir ferramentas para usar a mídia para comunicar-se por meio de suas próprias mensagens e histórias (KRUCSAY, 1999). Segundo a declaração, a mídia-educação pode ajudar os cidadãos a

reconhecer o potencial dos meios de comunicação para representar (ou deturpar) sua cultura e tradições. Aqui, de maneira explícita, se menciona a preservação da cultura e da memória coletiva. Outro documento, resultado de seminário realizado na cidade espanhola de Sevilha, em 2002, intitulado Youth Media Education Seminar (BUCKINGHAM, et al, 2002) volta a ressaltar que a mídia-educação pode propiciar aos jovens a possibilidade de comunicar suas próprias mensagens e histórias. Segundo esta declaração, a educação midiática deve “promover o sentido de comunidade e de responsabilidade social, bem como a auto-realização individual”. Redigida durante encontro comemorativo dos 25 anos da Declaração de Grunwald, a Agenda de Paris, também chamada de 12 Recommendations for Media Education (UNESCO, 2007), reforça os três eixos que já vinham sendo alvo das definições de media literacy: acesso; análise/avaliação; criação de conteúdos. É ressaltada a ideia de que a mídia-educação será fundamental para participar da vida democrática e fortalecer a autonomia dos indivíduos e seu potencial como usuários ativos de todos os tipos de mídia. Praticamente os mesmos pontos serão enfatizados no documento resultante do The First International Forum on Media and Information Literacy, realizado no Marrocos em 2011. Um aspecto importante, neste momento, é a sugestão de que se passe a adotar a nomenclatura Media and Information Literacy - MIL. Esse ponto toma particular relevância ao nosso debate, visto que a inclusão da Information Literacy abarca aspectos diretamente ligados à preservação da memória e da identidade. O documento também enfatiza a importância que a AMI pode desempenhar na construção de uma cultura de paz para o diálogo intercultural, o conhecimento mútuo e compreensão entre as civilizações. Redigida em 2012, a Declaração de Moscou (UNESCO, 2012) ratifica que Alfabetização Midiática e Informacional - AMI é um pré-requisito para o desenvolvimento sustentável das sociedades do conhecimento, bem como para que sejam abertas, plurais, inclusivas e participativas.

Outro aspecto reforçado nesse documento é que a alfabetização midiática e informacional aborda todos os tipos de meios de comunicação (oral, impresso, analógico e digital) e todas as formas e formatos de recursos. Em 2014, durante o Fórum Europeu de Alfabetização Midiática e Informacional, realizado na sede na UNESCO, é aprovada a Declaração de Paris sobre Alfabetização Midiática e Informacional na Era Digital (UNESCO, 2014). Esta declaração ressalta a realidade comunicacional do mundo contemporâneo, em especial o acesso dos cidadãos às redes sociais e ferramentas digitais disponibilizadas na Internet. Volta a enfatizar também a importância da Alfabetização Midiática e Informacional para a construção da identidade e as mudanças sociais. Quanto a esse aspecto, afirma que a AMI propicia e reforça a auto expressão, o diálogo intercultural e inter-religioso, a igualdade, bem como o direito e a capacidade dos indivíduos tomarem as próprias decisões. Um aspecto que chama atenção praticamente em todos os documentos é a ênfase que se dá à relação da mídia-educação com o desenvolvimento da cidadania ativa e da participação dos cidadãos na sociedade contemporânea. Principalmente a partir da conferência de Sevilha, não só a UNESCO como estudiosos do tema passaram a enfatizar o papel chave da alfabetização midiática para o desenvolvimento pleno da liberdade de expressão e do direito à informação. Além das declarações produzidas nas conferências patrocinadas pela UNESCO sobre o tema da media literacy, também podemos analisar outro documento importante. Em 2013, a UNESCO publicou o seu “Guia de Políticas e Estratégias sobre a Alfabetização Midiática e Informacional” (GRIZZLE et al., 2013). Segundo a UNESCO (GRIZZLE et al., 2013), as políticas de AMI são necessárias para que as pessoas adquiram competências para compartilhar suas histórias e proteger sua diversidade cultura, o multilinguismo e o pluralismo. Novamente, se reconhece a importância de todas as formas de mídia e se inclui aqui também a mídia comunitária. Além disso, “deve notar-se que o conceito não está limitado às tecnologias de informação e comunicação, mas também inclui tradições orais”

(GRIZZLE et al., 2013,p. 14), ou seja, um tipo de comunicação fundamentalmente valorizado nas práticas de preservação da memória. De maneira explícita, o citado guia de políticas de AMI afirma que a alfabetização midiática deve incluir aspectos de “proteção da memória de uma nação através de suas bibliotecas, arquivos e museus”, entidades estas basicamente relacionadas com a Information Literacy, (GRIZZLE et al., 2013, p.19). De maneira mais genérica, o documento afirma que a AMI é fundamental para construir uma nação, garantir seu desenvolvimento econômico e social, proteger os direitos humanos e fazer frente aos desafios da diversidade cultural e linguística (GRIZZLE et al., 2013, p. 25).

Considerações finais O que podemos perceber é que praticamente todos os documentos da UNESCO relacionados com a media literacy mencionam algum aspecto que destaca a importância da mídia-educação para reforçar a identidade do cidadão nas sociedades midiatizadas e tecnológicas e construir e preservar a memória e a cultura de um povo. Afinal, devemos ressaltar que, na Era da Informação, não vivemos somente os tempos da globalização e mundialização da cultura e da produção midiática. As identidades individuais também se ressaltam: os indivíduos, os anônimos, o cotidiano, a simplicidade do cidadão comum surgem também como elementos fundamentais na sociedade do século XXI. A nova dinâmica dos variados tipos de meios de comunicação, proporcionada pelas novas tecnologias, propõem possibilidades de participação que podem ser facilitadas pela educação midiática. O cidadão comum, normalmente excluído dos fatos midiáticos, cujo registro nos grandes meios de comunicação de massa só se dá no âmbito do sensacionalismo, tem a possibilidade de contar sua história de vida se puder acessar, analisar, entender como funciona a mídia e tiver as competências e habilidades de criar seus próprios conteúdos, ou seja, se ele for letrado midiaticamente.

O “letramento midiático”, tomado em seu sentido mais amplo, trata justamente de “empoderar” as pessoas para serem pensadores críticos e produtores criativos de todo o tipo de mensagens que incluam imagens, som e linguagem. Dessa forma, conforme destacam Carlsson et al (2008, p.21), “a alfabetização midiática ajuda a reforçar as capacidades críticas e competências comunicativas que dão significado à existência humana e habilitam o indivíduo a usar a comunicação para a mudança”.

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