Mídia, subjetividade e resistência: a escritura do adolescente Media, subjectivity and resistence: the charter in an adolescencent Medios de comunicación, subjetividad y resistencia: la escritura del adolescente
Marcelo Moreira Cezar Universitat Autònoma de Barcelona (UAB), Barcelona, España. Roberta Fin Motta Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, RS, Brasil.
Resumo Este artigo analisa alguns discursos que operam na subjetividade de adolescentes que moram em uma comunidade em situação de vulnerabilidade social. Por meio das narrativas, foi analisada a influência da mídia na subjetividade em adolescentes que ouvem e se apropriam de mensagem emitida pelo rádio. Para isto, formou-se um grupo focal com nove adolescentes entre 12 a 15 anos. Baseia-se na análise de discurso e aspectos culturais inspirados nas obras de Jesús Martín-Barbero, Félix Guattari e Gilles Deleuze, a fim de possibilitar diálogos interdisciplinares em relação à influência da mídia. Os discursos analisados apontam para práticas de individualização e de resistência, relacionadas ao: consumo de programações e de músicas, como formadores da subjetividade do adolescente. A pesquisa sinalizou para os efeitos da influência do rádio no cotidiano do adolescente e a forma de seus usos. Destacando-se para novas modalidades de compreensão dos sujeitos através da interdisciplinaridade entre psicologia e a comunicação. Palavras-chave: Mídia; Rádio; Adolescente; Psicologia.
Abstract This article analyze some discourses operating in the subjectivity of adolescents that live in an area of social vulnerability. Trough the narratives, the media influence in subjectivity was analysed in adolescents that listen messages about radioand appropriate. Thereunto, was formesa focal group with nine adolescents between twelve and fifteen years. Based in discourse analysis and cultural aspects inspired in the works of: Jesús Martín-Barbero, Félix Guattari and Gilles Deleuzein order to provide interdisciplinary dialogues around media influence. The analysed discourses point to practices of individualization and resistance, associated to: programs consumption and music, like a subjectivity constructor. This research pointRev. Polis e Psique, 2014; 4(2): 126 – 140
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ ed to daily influence of radio and effects on the adolescents, based in a form of uses. Highlighting, new compression modalities of subject trough interdisciplinary context between the areas of communication and psychology. Keywords: Media; Radio, Adolescent; Psychology.
Resumen Este artículo analiza algunos discursos que operan en la subjetividad adolescente que viven en una comunidad en situación de vulnerabilidad social. Por medio de narraciones, se analizó la influencia de los medios de comunicación en la subjetividad en adolescentes que oyen y se apropian de mensajes emitidos por la radio. Para eso, se formó un grupo focal con nueve adolescentes de 12 a 15 años. Con base en el análisis de discurso y en los aspectos culturales inspirados en las obras de Jesús -Babero, Félix Guattari y Gilles Deleuze con el fin de proponer diálogos interdisciplinares relacionados con la influencia de los medios de comunicación. Los discursos apuntan para prácticas individuales y de resistencia relacionadas al consumo de programas y de músicas como formadores de la subjetividad. La investigación señaló efectos de la influencia del radio en el cotidiano del adolescente y las formas de usos de estas comunicaciones. Se destacan nuevas modalidades de comprensión de sujetos a través de interdisciplinariedad entre psicología y la comunicación. Palabras Clave: Medios de Comunicación; Radio; Adolescente; Psicología.
Introdução
conduta e o meio de comunicação de massa no cotidiano daquela comunidade. Com
Este artigo aborda os atravessamen-
isso, trabalha-se com o pressuposto de pro-
tos ocasionados pelas invenções tecnológi-
dução de sentidos atribuído pelos adoles-
cas refletidas na subjetividade de adoles-
centes para os meios de comunicação. Esta
centes, e decorre de uma pesquisa com um
discussão da questão da “vulnerabilidade
grupo de adolescentes que vive em uma
social” está entrelaçada ao papel da cultura
comunidade em situação de vulnerabilida-
de massa, que visa ao contato de morado-
de social, na cidade de Santa Maria/RS,
res de regiões mais longínquas para captá-
Brasil. Esta pesquisa discute a dimensão e
los.
a influência do rádio na formação de subje-
Assim, o aforismo “adolescente”
tividade, da mesma forma que envolve a
está voltado ao Estatuto da Criança e do
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ Adolescente (ECA) em uma faixa etária
dida como um processo que ocorre durante
que abrange dos 12 aos 18 anos de idade
o desenvolvimento evolutivo do indivíduo,
(Brasil, 1990). Porém, leva-se em conta
também pode ser considerada um como um
que a fase da adolescência pode ser com-
período de transição do estado infantil para
preendida como uma construção social
o estado adulto. Para o mesmo autor, é
moderna, representando uma possibilidade
necessário uma compreensão que envolva
de emergência com novas referências e
aspectos biológicos e psicológicos neste
padrões identitários (Levisky, 2005). A
processo, sobretudo os modos de vida e os
discussão para o desenvolvimento destas
costumes do adolescente. Na perspectiva
prerrogativas tem embasamento referencial
de Donzelot (1986), esta compreensão apa-
com ênfase na área de investigação inter-
rece na transitoriedade entre infância e a
disciplinar, na qual o objetivo é compreen-
preparação para a idade adulta. Em meio à
der a influência presente na mídia, em es-
adolescência e à formação de subjetivida-
pecial no rádio, e como ela é apropriada
de, que neste escrito é utilizada como um
pelos adolescentes.
conceito que não é constante tampouco
Para isso transita-se através de in-
imutável, é produzida na relação constituí-
terlocutores teóricos como Jesús Martín-
da e modelada no âmbito social em que diz
Martín-Barbero (2009), Gilles Deleuze e
de um reconhecimento de pertinência em
Félix Guattari (1997), Félix Guattari
um corpo coletivo e social, e que faz parte
(2004), David Léo Levisky (2005), Nilda
das relações plurais entre os adolescentes
Jacks (1999), Ana Carolina Escosteguy
(Rolnik & Guattari, 1989).
(2005), Suely Rolnik (1989, 1996), dentre
Com isso, a relação do uso do rádio
outros. Essas discussões possibilitam diá-
como mass media1 proporciona uma matriz
logos centrados na influência da mídia no
de contradições e reapropriações dos estí-
público adolescente, proporcionam concei-
mulos, a partir do adolescente, que realça
tos acerca de si, além de contribuir para a
os poderes de afetar e ser afetado, além de
discussão da temática dentro de uma esfera
provocar apropriações pelos. Desta forma,
social.
as apropriações emergem de conteúdos Em função disso, as intensas trans-
midiáticos em que o sujeito se articula com
formações tecnológicas que envolvem a
os processos de mudança na ordem social,
sociedade e ressonam especificamente so-
relativos à produção de subjetividade
bre o público adolescente, que, para Le-
(Martín-Barbero, 2009).
visky (2005), adolescência pode ser entenRev. Polis e Psique, 2014; 4(2): 126 – 140
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ Esta pesquisa entra em xeque, so-
Método
bretudo, na condição egotista, do universo tecnológico e da experiência sensorial ter-
Percurso para a formação lógica da
ritorializada2 referente ao que o adolescen-
produção
te identifica-se e (re)apropria-se de si. Assim, não há uma premissa que guia a pre-
Este artigo fundamenta-se em fer-
sente pesquisa, mas estabelece a sua emer-
ramentas metodológicas apoiadas na análi-
gência acerca do objetivo deste trabalho,
se dos discursos sociais (Jacks, 1999) e nos
que não é formular um conceito, mas apro-
estudos de recepção latino-americanos
priar os sujeitos a certas condições em que
(Escosteguy, & Jacks, 2005) sobre o sujei-
foram transformando em objeto-alvo de
to ativo no processo comunicacional. Par-
perspectivas modelizadoras (Pal Pelbart,
te-se do pressuposto que os objetos adqui-
2000).
rem sentido através do processo de formaInicialmente, neste artigo é realçada
ção e transmissão de crenças, conhecimen-
a perspectiva de resistência à influência da
tos, comportamentos e outros valores soci-
mensagem emitida pelo viés do rádio, em
almente validados, agenciados pela mídia
estratégia de significação por quem escuta
dentro de um determinado contexto dia-
e o sentido produzido sobre as lógicas de
crônico. Além disso, tem-se como ponto de
valores. Ou seja, esta produção de sentido
partida a hipótese, de heterogeneidade e-
que está centrada em máquinas3 de produ-
nunciativa que se manifesta, por Bakhtin
ção em massa, isto é, na interação entre o
(2000), em dois níveis: o da heterogenei-
contexto social e a mensagem veiculada.
dade quando apresentada em um texto se
Na sequência, analisa-se como a constitui-
reporta ao que há em cada fala e na enun-
ção da subjetividade do adolescente está
ciação de cada voz, neste artigo destacado
ligada à oralidade, na inscrição de afetos
por aspas; e o da heterogeneidade constitu-
em meio à massificação às avessas aos
tiva, pela ideia de discursos preexistentes
usos dos conteúdos pré-fabricados. Por
sem que, propriamente, sejam citados. As-
fim, analisa-se como o adolescente resiste
sim sendo, para a análise de discurso, cada
a um ideal de consumo e cultural, embasa-
texto deriva de um gênero de discurso e,
do por alguns discursos sobre a as gratifi-
para cada gênero, produz-se o que se de-
cações musicais a serviço da cultura (Es-
nomina dispositivo de enunciação, para
costeguy, & Jacks, 2005).
esclarecimento dos diferentes “posicionamentos ideológicos”, “posições enunciati-
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ vas”, ou, ainda, “lugares de fala” (Bakhtin,
reciprocamente, experimenta os apelos do
2000).
mundo moderno e reorienta os meios de No cenário da comunicação de
comunicação (Levisky, 2005).
massa, ressurge a necessidade de resgatar a
A partir dessas ponderações, neste
complexidade da vida cotidiana, onde se
estudo tomou-se a técnica de grupo focal,
dão as mediações como espaço de produ-
conforme Romero e Scarparo (2008), con-
ção de sentido, conforme apontado por
sistindo na participação de uma sessão
Martín-Barbero (1995). Resgate no sentido
grupal de nove participantes, demonstran-
de pensar os meios de comunicação em
do quanto os meios de massa interferem na
termos de conhecimento, desconhecimento
vida dos adolescentes, os quais foram esco-
e reconhecimento no uso e na relação com
lhidos por conveniência, e vivem na região
o social, a fim de estabelecer relações entre
leste e periférica da cidade de Santa Mari-
o concreto e o abstrato, entre o geral e o
a/RS, Brasil, de ambos os sexos e com
particular acerca dos dados analisados co-
idades entre 12 e 15 anos.
mo realidade, ou seja, em sua materialida-
Para a condução da entrevista, con-
de pura e simples de coisas ditas em de-
forme Bauer e Gaskell (2007), foram utili-
terminado tempo e lugar, sendo constituti-
zados perguntas convidativas de situações
vos de sujeitos e modo de existência (Mar-
cotidianas relacionadas ao tema do rádio,
tín-Barbero, 2009; Fischer, 1997).
como também questões que provocassem
Buscando compreender os proces-
informações contextuais para entendimento
sos que os adolescentes estabelecem com a
das posições discursivas dos entrevistados.
sociedade, recorre-se à compreensão sobre
O início da pesquisa se deu mediante a
como o consumo midiático, em especial no
aprovação pelo Comitê de Ética em Pes-
rádio, é apropriado pelos adolescentes.
quisa do Centro Universitário Franciscano
Considera-se, neste sentido, que a cultura
- CEP/UNIFRA e a assinatura do Termo de
de massa tende a integrar os temas disso-
Consentimento Livre e Esclarecido, pelos
nantes da adolescência, fornecendo-lhes
pais ou responsável legal pelos participan-
modelos ao mesmo tempo em que tende a
tes, sobretudo esta pesquisa respeita as
minimizar seu próprio dinamismo adoles-
normativas
cente. A ação prática dos grandes temas
196/1996 (Brasil, 1996).
propostas
na
Resolução
identificatórios da cultura ocidental (amor,
Ao mapear os enunciados e as pos-
felicidade, valores privados, individualis-
síveis relações, além dos modos como tais
mo) é mais intensa na adolescência que,
discursos operam no cotidiano dos adoles-
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ centes, emergiram questões como: “A rá-
participantes que estão registradas nos pa-
dio da alegria”: os fluxos incandescentes
rágrafos seguintes.
da formação de massa, desdobrando-se em
Ao discutir sobre as emissoras de
uma subcategoria chamada de “A rádio de
rádio que eram usualmente sintonizadas
louco”: a resistência na adolescência, e
pelos adolescentes, o Participante 5 excla-
uma categoria denominada de “Todo mun-
ma: “Medianeira FM, a rádio da alegria!”,
do gosta”: archi-escritura de um povo. As
em que pode ser comparado com o signifi-
duas categorias gerais aludindo aspectos e
cado de uma propaganda de uma mass me-
características comuns que se relacionam
dia, ou um emissor. Ou seja, em vias de
entre si.
estratégia de significação, embora alternativa e defensora das condições particulares
“A Rádio da Alegria”: os fluxos
de quem escuta e o sentido universal do
incandescentes da formação de massa
aparelho que emite suas lógicas de valores e sentimentos. Conforme discutido por
A com(unica)ção4 pode ser pensada
Rolnik (1989), há distribuição de papéis
como um efeito a ser causado sobre o re-
entre os modelos de aspectos tanto do tra-
ceptor, sendo o alvo da influência os pro-
balho e da vida econômica quanto da cultu-
cessos resultantes de interações dos mo-
ra. E como geradores de relações sociais as
dismos mediados. E, ainda, pensada como
leis, os costumes e as práticas passam por
tentativa de individualização pela via de
procedimentos de escritura econômica que
chegada de mensagens, tratando, assim,
podem variar no prisma da conservação e
cada indivíduo como exclusivo consumi-
da ordem social.
dor de determinado produto, consistindo
A fala expressa pelo Participante 1:
em práticas sociais e apropriações de efei-
“Filha, onde você está? Aonde você vai?”
tos, conforme a recepção da narrativa pela
refere-se à possibilidade de a mãe controlá-
audiência. Dessa forma, o conteúdo pode
la através da programação do rádio. Na
moldar e interferir no modo de ser dos seus
forma de que a escuta gera um território de
ouvintes na construção de identidade e
existência que poderia servir como o con-
ajustamento social, a partir de propostas
trole entre os ouvintes dentro da programa-
expostas pelos meios de massa; tratando-
ção de uma emissora, servindo como um
se, pois, de questões que serão discutidas
dispositivo mediador de comunicação.
na relação com as falas expressas pelos
Com isso, Guattari (2004) propõe que as relações entre as pessoas podem ser carac-
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ terizadas pelo seu enredo geracional, pois
apropriam segundo um processo de singu-
seus modos de vida refletem a realidade do
larização com determinada proposição por
capitalismo. E este reflexo torna a plata-
parte da mídia, que circula entre opressor e
forma do rádio um objeto de pura contem-
oprimido (Deleuze, 1997a).
plação do ouvinte, que se torna um instru-
Com isso percebem-se no decorrer
mento de unificação quase que invisível
da pesquisa algumas formas de resistência
pelos adolescentes (Guattari, 2004).
e unidimensionalidade referente ao estado
Nessa perspectiva de controle, ajus-
social8. De certo modo alienante, assim
tamento e significação, a produção de sen-
que semióticas9 de modelização referente a
tido está centrada em agentes individuais,
produção de subjetividade que permutam
no caso os clientes que são produtores de
pelo cortejo e pela valorização de aconte-
audiências. Como no caso evidenciado
cimentos. Conforme a fala do Participante
pelo Participante 2, quando se refere às
1 que se refere ao desejo e à realidade de
emissoras: “Às vezes na 97.7 FM 5 quando
suas escolhas: “Depende do humor da gen-
eu escuto dá sempre as mesmas músicas”,
te!”, e Participante 2: “Às vezes a gente
ainda para o Participante 2: “eu escuto
pode
6
acordar
triste,
acordar
mal-
100.9 ” [...] “É a medianeira FM”, e o
humorada” [...] “Quando eu tô triste não
Participante 1: “Eu escuto lá aquele pampa
escuto!”. Para tanto, Deleuze (1997a) afir-
tchê7”, citando três disposições de emisso-
ma que o espetáculo centra-se na separação
ras de comunicação. Infere-se, segundo
medida de mensagens, que vastamente
Guattari (2004), que o lucro no sentido
contemplam a visão de uma só produção:
capitalístico é produtor de poder subjetivo,
“o consumo” – Participante 1: “Ah! eu
na posição de consumidor de uma progra-
escuto e, daí, me alegro bem rapidinho”.
mação, de um estilo musical ou de uma
O que chega através da mídia, se-
emissora. Em contraponto, Rolnik e Guat-
gundo Rolnik (1996), não são apenas idei-
tari (1989) propõem que o modo de vida
as, mas de um lado “máquina” produtora
do adolescente, que esta constantemente
de controle social e, de outro, uma instân-
em busca pela individualização, faz com
cia psíquica e a maneira de perceber o
que se transite entre os extremos: alienante
mundo, conforme a fala de Participante 1
e opressor. Nesta perspectiva os compo-
ao se referir ao uma música é reconhecida
nentes para subjetivação que são apropria-
dentro do território de uma programação:
dos podem ser sugeridos pelo rádio. Com
“Como um toque de mágica!”. Guattari
isso, os componentes de subjetivação se
(2004) prediz que o pensamento de massi-
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ ficação como algo que “parasita” cada ou-
gramação de rádio. E a (re)descoberta de
vinte, cuja missão é preservar o autêntico
si na transição que compreende a fase do
de cada audiência, a inclinar-se para a do-
adolescente imbricado no viés da “mass
minação social às induções de uma classe
media”. Pode ser visível através de falas
favorecida. Deleuze e Guattari (1997b) e
expressas, nos parágrafos seguintes, pelos
Martín-Barbero (2009) associam e articu-
participantes do grupo, referente a esta
lam elementos para a adaptação, ressaltan-
pesquisa.
do valores e concepções em virtude de uma
O modelo para a identificação dos
legitimidade cultural, que permite que o
adolescentes de hoje parte de um identitá-
ouvinte exista e seja manipulado.
rio atravessado pela fala. Da mesma forma
Decorrente das ideias de influência
em que o Participante 1, quando ele se re-
e de resistência na formação de massa e
fere a determinada programação e a identi-
dos aspectos das formas emitidas pelo rá-
fica como a “rádio de louco”, segundo ele,
dio discute-se nos parágrafos seguintes a
a emissora tem uma programação que não
enunciação da forma adolescente e as des-
o convence. Então, pode-se inferir que,
cobertas de si, referentes a uma subcatego-
nesta perspectiva, inclina-se ao discurso
ria com ênfase ao que se refere à produção
como produtor de subjetividade. Neste
de subjetividade.
caso, pelo individualismo o sujeito provará a autonomia dos modos de vida, referindo
“A rádio de louco”: a resistência na
as mensagens lançadas aos receptores ati-
adolescência
vos de conteúdos, estes que são resultantes da massificação e do produtor de desejo,
Frente ao transitório e aos posicio-
conforme Guattari e Rolnik (2006).
namentos aos objetos da comunicação,
Dessa forma, o indivíduo capturado
discute-se a constituição da subjetividade
pelo peso das incorporações massivas dos
na via da singularidade do adolescente, em
equipamentos, irrompem as formas políti-
que a subjetividade está a serviço da expe-
cas de posicionamento frente ao novo obje-
rienciação de autonomia e de construção
to que implica em sustentação de subjeti-
de identidade própria, sobretudo a serviço
vidades. Objetos que estão carregados de
da resistência e produção de modos vida.
desejos pelas invenções tecnológicas, co-
Ao passo que esta resistência do adoles-
mo exposto por Participante 1 sobre a e-
cente instaura a oralidade na inscrição de
missora: “Atlântida10 [...] e o locutor João
afeto territorializados dentro de uma pro-
Carlos Maciel11”, referindo aos usos dos
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ conteúdos emitidos pelo rádio, compondo
forma particular de resistência, pois o es-
agentes de produção de sentidos aos dis-
paço econômico imposto está possibilitan-
cursos das diferentes audiências (Escoste-
do a fabricação de um espaço literário,
guy, & Jacks, 2005).
privando o sujeito de seu “personológi-
Com isso, a produção de sentido
co12”.
pode ser traduzida pela via da escrita e está
Assim, a mídia não só influencia
relacionada com a tentativa de resistência à
nos modos de subjetividade, mas também
captura pelo produto midiático. Ensaiando
cria e contribui para a criação de subjetivi-
sobre a criatividade nas formas de trans-
dades. E a “formação de si” está direta-
gressão e a busca de singularização em
mente relacionada às experiências que o
meio à massa, como expresso nas falas dos
sujeito faz em um jogo de verdade em que
adolescentes apresentados nos próximos
é fundamental a relação “consigo” e com o
parágrafos.
“meio” (Moreira, 2009). Assim sendo, é a
A escrita converte-se em uma práti-
mídia que se configura como a experiência
ca de descrição de identidades e de “ins-
de constituir “novos” agenciamentos –
trumento” de resistência à incorporação
componentes da ordem e maquínica 13 - na
massiva, levando ao mundo adolescente a
produção de discurso e padrões de vida que
arte de transcrever a fala. Também a di-
é modelada ao consumo da máquina capi-
mensão e a forma de um meio de comuni-
talística14 (Guattari, & Rolnik 2006).
cação transformando-o em agente de
A escrita se propõe a um ato de re-
transmissão de informação, pois envolvem
sistência a massificação dentro desta lógica
em si as interfaces entre o meio e o subje-
de padronização. Assim, esta escrita de si
tivo adolescente. Desse modo, para Guatta-
resiste, também, a generalização das audi-
ri (2004), o escritural é trabalhado pela
ências que são impostas pelas programa-
oralidade na inscrição de afeto desterritori-
ções do rádio. E problematiza a e incansá-
alizado a partir de percepções, a fim de dar
vel busca do ter para ser e, principalmente,
“voz” ao discurso interior e com a presença
o uso dos produtos de si no mundo do ado-
de si no que se pode ser mais padronizado.
lescente.
Ou seja, uma redescoberta de “si” no meio da “multidão”. O Participante 2, ao ser impulsionado pelo âmbito musical e ao escutar a programação de rádio diz: “Escrevi uma música!”, frase que ensaia uma Rev. Polis e Psique, 2014; 4(2): 126 – 140
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ “Todo mundo gosta”: a archi-escritura15
como no caso da fala do Participante 1 no
de um povo
momento em que as preferências por estilos musicais dentro das programações sur-
A escrita possibilita ao imaginário
gem: “rock”, no discurso do Participante 2:
do autor singularizar-se em meio ao molde
“sertanejo”, do Participante 3: “pop”, Par-
padrão do “ser”, considerando que as pala-
ticipante 4: “funk” e na fala do Participante
vras são antecipadas, ou seja, já foram es-
5: “pagode”. Jacks (1999) observa que as
critas ou ditas. Discute-se, nos parágrafos
músicas manejam com enunciados que
subsequentes, a perspectiva proposta pelo
trazem consigo potencialidades, como
rádio, na padronização do consumo e do
forma de aconselhamento e apoio, na for-
uso das programações feitas pela audiên-
ma de modelagem de estilos musicais com
cia.
o papel e expressão de emoções no cotidiJunto ao modelo de consumo, a pa-
ano de cada singularidade, por intermédio
dronização das escolhas inviabiliza realizar
da identificação do adolescente com o con-
escolhas legítimas, sobretudo ao propor-
teúdo da música.
cionar uma música que, ao ser ouvida, sem
Contudo, a afirmação da aparência
estranhamento, ressone a totalidade, che-
de toda vida social, sendo o consumo e a
gando a tornar-se de uso popular e permi-
influência derivadas da modelização, e, de
tindo o reconhecimento cultural pelos su-
acordo com Rolnik e Guattari (1989),
jeitos. Realçada pela música a forma de se
constituintes da dimensão do capital e da
relacionar com o consumo e o conteúdo
realização pessoal. A busca do “ter” e do
transmitido, ao inferir: capital, consumo e
“parecer” para realização singular na vida
produção de desejo; a ressonância que
social e ter-se prestígio, especificamente,
concerne ao discurso expresso pelos ado-
naquilo que não se é (Debord, 2003), onde
lescentes pela via do consumo.
o mundo converte-se em imagens forman-
Neste contexto, o uso do rádio con-
do os “seres reais”. Conforme proposto por
diz com a consumação dos meios, forman-
Deleuze e Guattari (1997b), que, por meio
do subjetividades moldadas, agregadas no
de dispositivos produtores de discursos
plano de consistência16 apontadas do con-
como: Participante 5 ao se referir e justifi-
sumo das programações. Esses meios, que
car a preferência pelo estilo musical serta-
surgiram como temática trazida pelo grupo
nejo: “Todo mundo gosta”, Participante 1:
e baseada nos modelos de produção dese-
“Quem não gosta de sertanejo?”, Partici-
jante, tendo como fundamento a música,
pante 2 quando se refere a uma emissora:
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ “Ei, só música boa lá”, consolida-se a a-
motivada por fatores de reprodução intrín-
propriação dos produtos baseados nos gos-
seca, que está envolvida com agregações e
tos pessoais, que prevalece sobre o valor
experiências para a formação de Si. Para
do uso e da troca de mensagens. Neste ca-
Escosteguy & Jacks (2005), possibilita a
so, o Participante 1 quando afirma que a
confrontação de realidades em busca de
emissora não é de sua preferência, porém
soluções e explicações para as interações
traz questões que permitem a identificação
com a sociedade.
dentro da programação: “Eu boto um CD enquanto dá propaganda!”, afirma que as
Considerações finais
mensagens emitidas são tomadas de discursos estruturados, ou seja, situações rele-
Ao pensar adolescência adentrava-
vantes para o ouvinte que está emanado no
se em um terreno de reflexão em relação
deturpo da invisibilidade.
ao poder e ao efeito a ser causado sobre o
Cabe ao ouvinte a negociação e re-
receptor, sendo o alvo da influência, como
futação das mensagens em prol de novas
processos resultantes de interações dos
produções de sentidos, tornando-se ainda
modismos mediados. Entretanto, podem-se
mais invisível acerca da apropriação de
perceber algumas estratégias de resistên-
outro tipo de situação: “A música que vai
cias estigmatizadas pelos meandros de um
tocar!”, exposta na fala do Participante 1
interdito acerca do discurso, apontando
quando diz sobre si e a forma como esco-
para outras possibilidades de significação
lhe emissora, que significa outra forma de
através do choque entre as diferentes rela-
consumo ao da propaganda, instaurando ao
ções e entre os enredos geracionais que
sujeito o indiscernível da transmissão, o-
englobam o universo adolescente.
portunizando a “indissociação” do indivi-
Tecendo considerações acerca do
dual ao massivo, tornando-o invisível, po-
processo de formação de subjetividade,
rém consumista do produto que vai tocar,
principalmente, em relação ao público ado-
conforme Martín-Barbero (2009).
lescente, elenca-se a necessidade e a im-
Ao viés do consumo, a programa-
portância de se continuar estudando o as-
ção, como fluxo de conteúdos, é escolhida
sunto. A interdisciplinaridade e o avanço
por correspondência a objetivos relaciona-
em outras áreas alheias à psicologia como:
dos às circunstâncias sociais na visão de
a comunicação social, que enriquece o co-
Jacks (1999). A opção por determinada
nhecimento sobre os processos de comuni-
forma (estilo musical) de comunicação é
cação que emanam do sujeito, destacando
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ para novas modalidades de compreensão
res são o modo de construção de sujeitos e
da subjetividade e suas apropriações com
os sentidos que adquirem em sua subjetivi-
as plataformas midiáticas, em especial,
dade.
sobre o rádio. Este estudo encontrou limitações na
Notas
lacuna da interlocução interdisciplinar, apropriando os processos sociais da comu-
1
nição e os processos de subjetivação no
concepção que não vê nessas formas da
lugar da “silenciosa” e “simplória” singula-
indústria da cultura e da informação outra
rização das áreas. A fim de refletir sobre o
coisa a não ser dispositivos de emissão e
espaço de consumo e de práticas de usos
capacidade
em relação ao comportamento e ao tempo,
mensagens para audiências massivas (Go-
do alcançável e do inatingível. Inscrevendo
mes, 2004, p. 5).
demandas e dispositivos provenientes de
2
diversas esferas culturais, constitutivos a
quanto a um sistema no seio ao qual o su-
partir de um enunciado, uma programação,
jeito se reconhece, apropriando-se da sub-
contudo, os objetivos do estudo de refletir
jetivação sobre si (Rolnik, 1989).
sobre a influência da mídia na subjetivida-
3
de do adolescente foram alcançados.
tras. Selecionam-se umas as outras e dão
A expressão se constrói a partir de uma
de
difundir
conteúdos
e
Relaciona-se tanto ao espaço vivido
Máquinas não se engendram umas as ou-
Para isto, a perspectiva de estudo
lugar a novas linhas de potencialidades,
em relação a outros entendimentos, em
que funcionam por agenciamentos (Rolnik,
relação à afinidade nas diferentes diacroni-
1989).
as das fases do desenvolvimento humano,
4
pode, cada vez mais, enriquecer o debate
nomenclatura.
acerca da influência dos meios, dos usos e
5
Emissora de rádio de caráter regional.
dos sentidos, na busca de expandir e enri-
6
Emissora de rádio de caráter municipal.
quecer as discussões interdisciplinares en-
7
Programa de rádio de caráter municipal.
tre a psicologia e a comunicação.
8
O terreno da vulnerabilidade passou a ser
Grifo dos autores para a formação desta
Por fim, trata-se de um processo re-
na atualidade a capacidade de sobreviver e
sultante da interação entre receptor, media-
criar. Implicando os sistemas de garantias
ção e rádio, provocando reações emocio-
radicalmente alienante e subvertido (Rol-
nais nos receptores. As audiências, a re-
nik, 1989).
cepção e as resistências dos setores populaRev. Polis e Psique, 2014; 4(2): 126 – 140
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ 9
“Interações semióticas podem ser enten-
Referências
didas como: sistemas de signos que trabalham diretamente com as realidades, ope-
Bauer, M., & Gaskell, G. (2007). Qualita-
rando a uma proporção de equivalência de
tive researching with text, image,
realidades” (Guattari, 2006, p. 320).
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10 11
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municipal. 12
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do, Programa de Pós-Graduação em
p. 321).
Psicologia Clínica, PUCSP, São
13
Paulo, SP.
De ordem mecânica fechada sobre si
mesma, mantendo com o exterior das rela-
Brasil. Conselho Nacional de Saúde.
ções perfeitamente codificadas. Constitu-
(1996). Resolução nº 196, de 10 de
indo diferentes estéticas em relação ao
outubro de 1996. Diretrizes e nor-
espaço e tempo, faz aparecer novas linhas
mas regulamentadoras de pesquisa
de potencialidades (Rolnik, 1989).
envolvendo seres humanos. Brasí-
14
lia.
O modo de produção capitalista investe
na produção de determinadas formas de subjetividade a fim de garantir sua continuidade e expansão, chamado de: “Modo-
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15
34.
Arque-escrita sempre precede qualquer
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Processo de transformação real (Rolnik,
1989).
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E-mail:
[email protected]
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UFRJ.
CRS) e com período de estágio sanduíche na Faculdade de Psicologia e de Ciências
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Cezar, M.; Motta, R. ___________________________________________________________________________ da Educação da Universidade do Porto (UP), Portugal. Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, RS, Brasil. Email:
[email protected]
Enviado em: 26/06/2014 - Aceito em: 06/10/2014
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