MÍDIA, VIOLÊNCIA CRIMINAL E A VIDA COTIDIANA: UM OLHAR CRÍTICO A MIDIATIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA EM BELÉM

May 26, 2017 | Autor: Albino Eusebio | Categoria: Sociology of Imaginary, Sociology of Violence and Crime
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MÍDIA, VIOLÊNCIA CRIMINAL E A VIDA COTIDIANA: UM OLHAR CRÍTICO A MIDIATIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA EM BELÉM

Albino José EUSÉBIO1 Universidade Federal do Pará

Resumo Os temas ligados à segurança pública, criminalidade e violência ocupam, atualmente, um lugar de destaque no cotidiano midiático brasileiro, particularmente em Belém, e têm a televisão como um dos principais veículos dinamizadores. O presente trabalho tem como objetivo fazer uma reflexão sobre os impactos que esse processo, que se pode denominar de “midiatização da violência”, pode ter na “construção social da vida cotidiana” (BERGER e LUCKMANN, 2004) no contexto de Belém. Ao longo do trabalho evidencia-se que, se por um lado a violência é um fenômeno real, concreto e explicito e que exerce uma influência até no que se pode denominar de “pequenas coisas” do cotidiano dos indivíduos, desde o simples fato de não sair de casa numa determinada hora, não atender o aparelho celular na rua, até o que Diego Amador Tavares denomina de uma “arquitetura do medo” caraterizada por uma paisagem de casas, pontos comerciais e prédios públicos protegidos o tempo inteiro por elementos como grades e cercas elétricas (TAVARES, 2013), bem como, pela proliferação de condomínios fechados, consolidando-se, desse modo, uma política de segregação social; por outro, a violência é um fenômeno midiático, baseada na superposição cotidiana de imagens da violência, que desafia as dimensões espaciais e temporais e que contribui para a construção do imaginário de medo, ao mesmo tempo em que reforça o sentimento generalizado de insegurança e vulnerabilidade que caracteriza o cotidiano dos indivíduos nesta realidade sociocultural. O sentimento generalizado de insegurança e de vulnerabilidade, seja ele fundamentado pela violência concreta, explicita e real, seja pelo fenômeno da “midiatização da violência cotidiana” através de programas televisivos e jornalísticos, afeta, de certa forma, a vida cotidiana dos indivíduos, que passa a ser caracterizada por um conjunto de táticas de sobrevivência (CERTEAU, 1998), acima referidos, que são próprias de uma sociedade onde reina uma cultura de medo. Palavras-chave Mídia, Violência criminal, Vida cotidiana, Indivíduo

1Doutorando

em Sociologia no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará – PPGSA/UFPA. Bolsista da Capes. Contato: [email protected].

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1. Apresentação Os temas ligados à segurança pública, criminalidade e violência ocupam atualmente um lugar de destaque no cotidiano midiático brasileiro, tendo a televisão como

um

dos

principais

veículos

dinamizadores.

Belém

é

uma

cidade

imageticamente violenta (SILVA e MENDONÇA, 2015). Ou seja, as imagens e informações de violência criminal e barbárie caracterizam o cotidiano dos moradores, tendo a televisão através de programas tais como: Metendo Bronca, ii) Cidade Alerta, iii) Barra Pesada e iv) Balanço Geral casos de polícia, só para citar alguns, como um dos principais veículos dinamizadores. Trata-se de programas que são produzidos em função das imagens de violência cotidiana, ao mesmo tempo em que enveredam, segundo Alda Cristina da Costa, por um caminho diferenciado do chamado “jornalismo investigativo”. Este, uma categoria jornalística que, indubitavelmente, se inscreve como uma das importantes contribuições prestada pela imprensa para a democracia, na medida em que, “fornece um mecanismo valiosos para monitorar o desempenho das instituições democráticas, incluindo organismos governamentais e a sociedade civil de todo” (DA COSTA, 2004, p. 176). Para a autora, alguns programas de âmbito policial ficam a periferia de um jornalismo investigativo, na medida em que, “a informação disseminada, ao ter como ponto central o espetáculo, constrói uma realidade sob égide da descontextualizacão, tendo maior centralidade na superficialidade dos fatos atenuando compromisso com a realidade”. (DA COSTA, 2004, p. 176). Ao priorizar o espetáculo os programas de natureza policial levam o telespectador ao divertimento e entretenimento, mesmo estando tratando de questões que merecem uma analise objetiva e imparcial (DA COSTA, 2004) tal como, incontestavelmente, é questão da violência criminal. Em torno desses programas, a realidade assume, ainda de acordo com a autora, aspectos de ficção com a exploração do sensacionalismo e a banalização da 2

violência criminal, da morte e sofrimento das vitimas, fatos que conduzem ao que Kátia Mendonça considera de “aprofundamento do vazio ético e existencial do homem contemporâneo, bem como, dos estados de impessoalidade e de incomunicabilidade” (MENDONÇA, 2013, p. 188) e que tem como corolário a afirmação da indiferença perante o outro, que caracteriza as sociedades modernas. Ou seja, “o significado político, econômico, cultural, social dos acontecimentos importa menos, interessando mais, a capacidade de despertar a curiosidade e prender a atenção publico” (DA COSTA, 2004, p. 178). A necessidade de prender o público tem um motivo “inconfundível”, associado ao fato de que o campo jornalístico e os programas televisivos são orientados pelas leis do mercado. Neste contexto os esforços são empreendidos e voltados fundamentalmente para o “alargamento das audiências” com forte apelo para o consumo (DA COSTA, 2004, p. 178), mesmo que esse “alargamento das audiências”, seja feito explorando o sofrimento alheio valorizando tal como evidencia a mesma autora episódios mais “trágicos e sangrentos”, sem nenhuma reflexão as respeito das causas determinantes desses acontecimentos “trágicos e sangrentos”. Ou seja, a violência e as ações criminais se tornam uma forma de “espetacularização” e “entretenimento”, apesar de não ser uma caraterística exclusiva das sociedades atuais. Se lançarmos um olhar na historia da humanidade, encontraremos casos semelhantes, de violência como espetáculo e entretenimento. “Os romanos suplicavam seus condenados, matavam os com requintes de crueldade e expunham seu suplício à vista de todos, transformavam sua morte em espetáculo” (GUARINELLO, 2007, p. 126). Este fato continua sendo uma realidade hoje em alguns contextos socioculturais apesar do grande avanço que se registou nos últimos anos quanto à questão dos direitos humanos.

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Contudo, é a luta entre os gladiadores, um dos exemplos mais clarividentes da violência como espetáculo e entretenimento na era do Império Romano. Não está em causa aqui a questão do sentido e do significado, no contexto hermenêutico weberiano dos termos, dessas ações para os seus atores, muito menos para os seus espetadores, mas demostrar que a “violência como entretenimento” acompanha o ser humano ao longo da sua historia. Porém, se no império romano o “coliseu” e as diversas “arenas” serviam de pontos de referencias onde os indivíduos “se deslocavam ao encontro de espetáculos de violência”, hoje e em Belém em particular, “o espetáculo da violência desloca-se ao encontro dos indivíduos”, quase que permanentemente, através da cotidiana superexposição midiática da violência criminal. É essa relação entre a “superexposição das imagens de violência” e o indivíduo que constitui o foco deste ensaio, que tem como o objetivo essencial de fazer uma reflexão sobre efeitos sociais que esse processo que denomino de “midiatização da violência”, que tem a televisão como um dos principais veículos dinamizadores, pode ter na vida cotidiana dos indivíduos no contexto de Belém.

2. Mídia, indivíduo e teoria sociológica: munições teóricas para uma reflexão sobre a midiatização da violência. Pode-se reduzir o objetivo essencial do presente trabalho na seguinte questão: quais são os efeitos sociais que a superexposição de imagens da violência criminal tem no cotidiano dos indivíduos? Essa por sua vez remete-nos a outra mais abrangente: qual é a relação entre mídia e o comportamento dos indivíduos? Uma das principais e mais notáveis linhas sociológicas de abordagem sobre mídia e sociedade provem da teoria crítica da Escola de Frankfurt de Sociologia. A mídia é vista nessa linha de abordagem como instrumentos de dominação e de alienação dos indivíduos dentro de uma sociedade capitalistas de organização. Essa 4

concepção da Escola de Frankfurt não pode ser entendida de forma dissociada da crítica que é feita por essa escola sociológica aos equívocos percorridos pela própria razão ocidental, - que se estruturara desde o seu início como o instrumento que tiraria o homem do arbítrio da tradição do dogmatismo e o levaria a emancipação e ao progresso- que se transformou numa racionalidade instrumental. De acordo com Kátia Mendonça, os sociólogos Adorno e Horkheimer, uns dos principais autores dessa escola sociológica, criticam a ideia de “progresso vinculando-a à barbárie nas relações sociais modernas. Isso foi abordado a partir da noção de “ofuscamento”, caracterizado pelo olhar que extingue o sujeito, que não o vê como dotado de humanidade. Irreflexão, ofuscamento são a oposição à reflexão e ao esclarecimento cuja crítica Adorno e Horkheimer empreendem em uma espécie de fenomenologia dos sentidos do homem moderno com sua vida danificada pela razão instrumental” (MENDONÇA, 2009, p. 46).

O conceito de ofuscamento deve ser entendido de acordo com a autora no sentido ético, ou seja, o ofuscamento pressupõe uma regressão ética do homem numa sociedade marcada pela razão instrumental e que torna o homem “individualista, anti-solidário e anti-comunitária” (MENDONÇA, 2009, p. 47). É nessa lógica que se fundamenta a crítica de Adorno e Horkheimer (1985) ao que eles denominam de indústria cultural, Para os autores, o cinema e o radio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade é que não passam de um negocio, eles a utilizam como ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmo como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 100).

Nesta perspectiva, e tendo como foco o nosso objeto de análise, podemos dizer que a mídia televisiva ou impressa se torna parte de uma racionalidade técnica instrumental baseada numa perspectiva capitalista de organização social onde os indivíduos são reduzidos a meros consumidores impondo de certa forma padrões 5

que “até mesmo os distraídos vão consumi-los abertamente” (ADORNO e HORKHEIMER, 1985, p. 105). E mais, diríamos com base nisso que as imagens compõem, usando as palavras de Pierre Bourdieu (1989), todo um sistema simbólico que exercem uma função politica, social ou econômica relacionada aos interesses das classes dominantes. Neste contexto, as imagens seriam instrumentos de comunicação estruturados e estruturantes (BOURDIEU, 1989) na medida em que servem de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, no sentido em que essa palavra é discutida por Max Weber, de uma classe sobre a outra contribuindo desse modo para a dominação dos dominados. Algumas questões surgem quanto a essa linha de abordagem franckfurtiana. Até que ponto as pessoas são alienadas ou dominadas pela mídia? Seriam as pessoas seres indefesas perante as imposições de uma sociedade de consumo onde a mídia se constitui o principal instrumento dinamizador dessa sociedade de consumo? Estas questões nos remetem a outra que se centra diretamente ao conceito de ofuscamento de Adorno e Horkheimer: Seriam os indivíduos hoje seres ofuscados e indefesos perante a racionalidade instrumental? Algumas teorias sociológicas contemporâneas nos ajudam a pensar sobre essas questões. A primeira que importa destacar é a teoria da invenção do cotidiano de Michel de Certeau (1998). Tal como podemos constatar em Certeau (1998), perante as estratégias de dominação, os indivíduos traçam, no cotidiano, tácticas de resistências, vivência ou sobrevivência. O processo de “traçar tácticas de sobrevivência” evidencia o que eu chamaria de “manifestação da subjetividade perante uma realidade objetivamente impostas”. Ou seja, os dominados e os alienados não são indefesos, tal como podemos subentender da teoria de Frankfurt, eles escrevem a sua própria historia; são “agentes sociais” (SILVA e MENDONÇA, 2015) não meros passivos dentro dessa relação de dominação que caracteriza o cotidiano dos indivíduos nas sociedades modernas.

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Alias, é esse conceito de “agentes sociais” que serve de inspiração para analisar a segunda teoria que nos ajuda a pensar as abordagens da teoria crítica da escola de Frankfurt. A teoria da reflexividade de Urlich Beck e Anthony Giddens. A teoria da reflexividade deve ser entendida dentro duma análise profunda sobre os equívocos percorridos pela ciência, que transformou, por exemplo, as ameaças civilizacionais à natureza em ameaças sociais, econômicas, e politicas sistêmicas que representam um real desafio do presente e do futuro (BECK, 2011). A exposição permanente nos riscos cria nos indivíduos e na coletividade uma consciência de risco que leva os indivíduos a uma reflexão permanente (BECK, 2011). Para Giddens (2009) a reflexividade pressupõe o carácter monitorado do fluxo contínuo da vida social, diante de uma sociedade insegura e de perigos que vão enfraquecendo, por exemplo, a crença no progresso e da ideia de que a emergência da modernidade levaria a formação de uma ordem social mais feliz e mais segura (GIDDENS, 2009). Para o autor, o monitoramento reflexivo da atividade é uma característica crônica da ação cotidiana e envolve a conduta não apenas do indivíduo, mas também de outros, ou seja, é uma ação individual e social (GIDDENS, 1991; 2009). Em suma, os equívocos da racionalidade ocidental criam para Urlich Beck e para Anthony Giddens, a “reflexividade” do ser humano que as teses da “dialética de esclarecimento” de Adorno e Horkheimer (1985) viam segundo Gabriel Cohn, em declínio e que se fundamenta nas “novas concepções de que os riscos “naturais” são crescentemente produzidos pelo homem e de expansão do cuidado com a relação/sociedade ambiente”. (COHN, 1997, p. 24). A reflexividade pressupõe a gênese do que se denomina de modernização reflexiva2 (BECK; GIDDENS; LASH, 1997).

Uma relação entre a dialética do esclarecimento na contemporaneidade e a reflexividade de Beck, e Giddens pode ser vista na parte final do artigo do sociólogo Gabriel Cohn “Esclarecimento e ofuscação: Adorno e Horkheimer hoje” (Cohn, 1997). 2

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A importância dessa teoria para se pensar a relação mídia e individuo não é em função do seu foco central de análise (a ciência ou a razão ocidental), mas em função da “primazia” se é que essa é a melhor expressão, que dá ao indivíduo como um “agente”. Ou seja, quer a teoria da invenção do cotidiano, quer da reflexividade, ao nos permitir pensar (criticamente) através do conceito de táticas a ideia da dominação e de reflexividade o conceito de ofuscamento; ajudam-nos a questionar o caráter “indefeso e passivo” atribuído ao indivíduo, quando se pensa a relação entre a mídia e o comportamento dos indivíduos. Bem como a evidenciar a capacidade de resistência, autocontrole, autoconsciência e “reflexividade” do ser humano perante as imposições da mídia “instrumental”. Contudo, isso não implica recusar totalmente o caráter “instrumental” da mídia enquanto um elemento dinamizador duma relação de poder (simbólico) ao interesse duma logica dominante de produção e organização social. Destacar as teorias de “invenção do cotidiano” bem como da “reflexividade” é advertir que ao me propor a refletir sobre a relação de influência entre a midiatização da violência e a vida cotidiana não estou caindo na ingenuidade de olhar para essa relação, exclusivamente, a partir da teoria da escola de Frankfurt. Porém é cotidianamente evidente nas sociedades contemporâneas a forte relação entre mídia e consumo, aonde os primeiros vêm se constituindo, cada vez mais, como principais dinamizadores do que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman denomina de uma modernidade liquida (BAUMAN, 2001), e acredito que no Brasil e concreto em Belém a situação não é diferente. Um exemplo concreto é a forma como as grandes corporações econômicas se apropriam dos meios de comunicação para a disseminação das suas produções, concepções, ideias etc., ao mesmo tempo em que estes últimos associados aos primeiros se tornam instrumentos e atores respetivamente inconfundíveis dentro do complexo processo da globalização. Como pensar a globalização hoje sem a grande mídia. Ou seja, a apropriação instrumental da mídia em função dos interesses de uma sociedade de consumo constitui um fato evidente na realidade atual. 8

Com isso pretendo afirmar que, apesar de reconhecer a reflexividade do ser humano, e as restrições (que são mesmo limitadas) que as concepções da teoria crítica da Escola de Frankfurt possam ter hoje para se pensar a relação mídiaindividuo, não constitui um equivoco que a mídia exerce um processo transformador, seja positiva ou negativamente, no cotidiano dos indivíduos. Ou seja, é inegável, tal como destaca Alda Cristina da Costa, que a mídia impõe padrões de comportamento, transformando a cultura e a vida cotidiana dos indivíduos; modela opiniões políticas e comportamento sociais; define e redefine os conteúdos do que é bom ou mau, negativo ou positivo e moral ou imoral; fornece símbolos que ajudam a construir uma cultura com tendências homogêneas, apesar das resistências que possam existir, para pessoas de várias regiões do mundo (DA COSTA, 2004, p. 181). Razão pela qual a mídia e concretamente a midiatização da violência, não pode ser vista como um fator irrelevante na construção social da vida cotidiana.

3. Midiatização da violência, imaginário do medo e a vida cotidiana Um elemento de central importância na relação de influência entre a midiatização da violência e a construção social da vida cotidiana que busco defender nesse ensaio é o “imaginário do medo”. Ou seja, a superexposição midiática dos eventos marcados pela violência criminal, possui um significativo papel na construção de “imaginário de uma sociedade do medo” e este por sua vez constitui, de certa forma, um elemento “catalizador” do surgimento e “enraizamento” no seio dos indivíduos de um sentimento generalizado de insegurança. É um fato evidente, tal como evidenciam Eusébio e Mendonça (2015)3 que Belém é uma cidade criminalmente violenta. Contudo, se por um lado, a violência é, nesta realidade sociocultural, um fenômeno “real”, “concreto” e “explicito” e que “Individualismo, violência criminal e a vida cotidiana”, artigo que está em processo de avaliação na Revista cientifica “Sistema Penal e Violência” da PUC. Rio Grande do Sul. 3

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exerce uma influência até no que se pode denominar de “pequenas coisas” do cotidiano dos indivíduos, desde o simples fato de não sair de casa numa determinada hora, não atender o aparelho celular na rua, até o que Diego Amador Tavares denomina de uma “arquitetura do medo” caraterizada por uma paisagem de casas, pontos comerciais e prédios públicos protegidos o tempo inteiro por elementos como grades e cercas elétricas (TAVARES, 2013), bem como, pela proliferação de condomínios fechados, consolidando-se, desse modo, uma política de segregação social. (EUSEBIO e MENDONÇA, 2015). Por outro, a violência é um fenômeno “midiático”, - baseada na “superexposição cotidiana de imagens da violência” tendo a televisão, esta vista pela Mendonça (2013, p. 188) como um “suporte material e tecnológico privilegiado da sociedade-espetáculo”, um dos principais veículos dinamizadores, - que desafia as dimensões espaciais e temporais e que contribui para a construção do imaginário e cultura do medo, ao mesmo tempo em que reforça o sentimento generalizado de insegurança e vulnerabilidade que caracteriza o cotidiano dos indivíduos nesta realidade sociocultural. O sentimento generalizado de insegurança e de vulnerabilidade, seja ele fundamentado pela violência concreta, explicita e real, seja pelo fenômeno da “midiatização da violência cotidiana” através de programas televisivos, afeta, de certa forma, a vida cotidiana dos indivíduos, que passa a ser caracterizada por um conjunto de táticas de sobrevivência (não sair de casa uma determinada hora da noite, não atender aparelho celular na rua, entre outras), que são próprias de uma sociedade onde reina, tal como destacam Eusébio e Mendonça (2015) uma cultura de medo.

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Considerações não finais No presente ensaio buscou-se problematizar e fazer uma reflexão sobre influência que a midiatização da violência ou a superexposição midiática de eventos marcados por violência criminal tem na vida cotidiana, tendo como o horizonte espacial reflexivo a cidade de Belém. Assume-se, tal como destacam Silva e Mendonça (2015) que Belém é uma cidade violenta sob ponto de vista imagético fato que é visível no cotidiano - e tem a televisão como um dos principais veículos dinamizadores. Assumir a relação entre a midiatização da violência como uma proposta de reflexão no presente ensaio, não implica cair na “ingenuidade” de olhar para essa relação, exclusivamente, a partir da lógica da dominação proposta pela teoria da escola de Frankfurt, mas reconhecer o papel transformador da mídia seja positiva ou negativamente, no cotidiano dos indivíduos. Razão pela qual, embora se trate de uma primeira aproximação, a midiatização da violência não pode ser vista como um fenômeno irrelevante para se pensar vida cotidiana. É neste contexto que sugiro que a midiatização da violência criminal, por ser um fenômeno que contribui para a construção de um imaginário de uma sociedade do medo, e deste modo, um fenômeno “catalizador” da construção e enraizamento de um sentimento generalizado de insegurança, exerce de certa forma influência na vida cotidiana que passa a ser caraterizado por táticas de sobrevivência (CERTEAU, 1998) próprias duma sociedade onde reina uma cultura do medo.

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Referências

ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade liquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BECK, Ulrich. Sociedade de risco; rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2011. BERGER, Peter e LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia de conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2004. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1998. COHN, Gabriel. “Esclarecimento e ofuscação: Adorno e Horkheimer hoje”. Lua Nova, n° 43, 1997. DA COSTA, Alda Cristina Silva. A violência como espetáculo: Um debate em torno do programa

“Metendo Bronca”, 2004, 190f, Dissertação (Mestrado

em

Sociologia),

Universidade Federal do Pará, 2004. GIDDENS, Anthony. A Constituição da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2009. ________. As consequências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991. ________; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva: politica, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: UNESP, 1997. GUARRINELLO. Norberto Luiz. “Violência como espetáculo: o pão, o sangue e o circo”. HISTÓRIA, v. 26, n. 1, 2007, p. 125-132. MENDONÇA, K.M.L. “Entre a dor e a esperança: educação para o dialogo em Martin Buber”. Memoradum, n° 17, 2009, p. 45-59. ________. “Televisão: Da profusão de imagens a cegueira ética”. Revista FAMECOS. Porto Alegre, Vol. 20, n. 1, 2013, p. 179-192.

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SILVA, Lívia Souza e MENDONÇA, Kátia. “A violência escolar em matérias de jornal: um imaginário construído em Belém”. Comunicação e Educação, Ano XX, n.1, 2015, p. 39-49. TAVARES, Diego Amador. A arquitetura do medo: memorias da paz e o cotidiano da insegurança no Bairro Sacramenta - Belém. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Belém, 2014.

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